AP - 134789 - Sessão: 09/02/2015 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL ofereceu denúncia (fls. 02-04) contra VILMAR BALLIN (Prefeito de Sapucaia do Sul), pela suposta prática de delitos tipificados no art. 299 do Código Eleitoral. A ação foi proposta perante esta Corte, em razão da prerrogativa de foro do denunciado.

A denúncia narra os fatos da seguinte maneira:

Em julho de 2012, o Prefeito de Sapucaia do Sul, candidato à reeleição, Vilmar Ballin, de forma ilegal, uma vez que em período vedado e em afronta aos termos do Acórdão n° 70049370125, que vedava qualquer contratação mediante Decreto Municipal, ofereceu a Solange Schiller Kohls (fl. 269), Albani dos Santos Pereira, Camila Puten Souza Almeida, Lucas Bazotto Morais, Lucas Severo Leoczinski, Márica de Fátima Mendes, Protásio Barbosa Vareira (fl. 268), Suziane Fagundes de Mattos (fl. 270), Juliana Carvalho dos Santos, Angela Maria Oliveira da Rosa, Filipe Neves Scheffer, Taline da Cruz Kleinubing, Danielle Vicente, Carmen Regina Gewerh (fl. 227), Carmen Regina Fogaça de Freitas (fl. 229), Fabiane de Souza Fumagalli (fl. 235), Fernanda dos Santos Ferrari (fl. 237), Giuliane Tavares Coelho (fl. 239), Maria Andrade Teixeira, Marilene Severo (fl. 246), Rafael Pinho Karwinski (fl. 247), Rodrigo de Araujo Bastos (fl. 250), Elaine Maria Veigas, Angelina Margarete da Silva, Iara Mendes Bernardo (fl. 256) e Lisarbe Borba Nunes (fl. 264) cargos comissionados na Administração Pública do Município em troca dos seus votos, filiação partidária e participação na sua campanha eleitoral, conforme relação dos admitidos das fls. 137-140. Tais servidores substituíram, em grande parte, servidores filiados a partido diverso do Prefeito e que lhe negaram apoio e voto na eleição daquele ano.

Após as eleições, atingido o intento da reeleição, os servidores acima mencionados foram paulatinamente exonerados, antes mesmo do início do novo mandato.

Deste modo, o denunciado Vilmar Ballin, por vinte e sete vezes, ofereceu vantagem consistente na nomeação de cargos comissionados na Prefeitura de Sapucaia do Sul/RS para obter votos.

Juntado aos autos o Inquérito Policial n. 0432/2012, da Polícia Federal (fls. 05-409), o denunciado foi notificado para oferecer resposta à acusação (fl. 411).

Em resposta (fls. 424-450), Vilmar Ballin suscita preliminar de litispendência e, no mérito, sustenta serem, os cargos comissionados, de livre nomeação e exoneração, além de aduzir que a denúncia ofertada se originou de trama elaborada por uma agremiação partidária adversária. Indica, ainda, que quanto à regularidade das contratações de cargos em comissão, as circunstâncias já teriam sido objeto de análise da Justiça Eleitoral, nos autos da AIJE n. 293-26.2012.6.21.0108. Remata asseverando que o conjunto probatório angariado ao feito não é apto a subsidiar a tese do representante; que a conduta seria atípica; que as contratações teriam ocorrido de acordo com os ditames legais e sem afronta à ADIN 70049370125.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

 

VOTO

Conexão

Afasto, por tratar-se de matérias absolutamente diversas, submetidas a competências determinadas constitucionalmente: corrupção eleitoral, aqui nesta Justiça, e matéria criminal comum, perante o e. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Litispendência

O investigado indica atualmente tramitar, perante a 4ª Câmara Criminal do e. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ação penal originária tendo como objeto os fatos também aqui versados, bem como haver Ações de Investigação Judicial Eleitoral movidas contra o réu pelo Partido Trabalhista Brasileiro e por Vilmar Lourenço. Além, alega que a) o fato imputado é o mesmo; b) o ilícito (contratação de servidores) também é o mesmo; c) a ADIN que vedaria as contratações é a mesma, e d) o modo de contratação, os decretos, é o mesmo, para entender haver litispendência. Traz doutrina.

Não procede.

Para que seja reconhecida, a litispendência exige tríplice identidade: partes, pedido e causa de pedir. O instituto, assim, evita o bis in idem, impede que dois processos sejam instaurados com o mesmo resultado prático.

E friso que não há outra demanda, outra pretensão, a buscar o mesmo desfecho do presente processo – qual seja, uma pretendida condenação de Vilmar Ballin por corrupção eleitoral. Note-se que no Processo n. 70056562614, da Justiça Estadual, o denunciado responde por crime de responsabilidade, em decorrência de violação ao disposto na ADIN n. 70049370125, julgado no qual o TJ-RS entendeu inconstitucional a contratação de servidores em determinadas circunstâncias.

Portanto, no item da causa de pedir inexiste identidade, mormente no que toca aos fundamentos jurídicos, eis que nenhuma outra demanda encontra suporte no art. 299 do Código Eleitoral. Registro que tal constatação independe da discussão doutrinária que se trava, tendo como cerne do debate se os fundamentos jurídicos constituem a causa de pedir próxima (Marinoni, Cruz e Tucci) ou causa de pedir remota (Nery Jr., Dinamarco) da ação.

Além e finalmente, nas ações cíveis eleitorais citadas pelo denunciado, os processos sequer têm os mesmos autores que a presente ação penal.

Afasto, portanto, a exceção de litispendência.

De resto, as questões submetidas dizem respeito à existência de suporte mínimo para seja autorizada a deflagração de ação penal contra o denunciado, o que deve levar em consideração o art. 41 do Código de Processo Penal e a não incidência das hipóteses previstas no art. 395 do mesmo diploma.

Daí, da verificação em tese do fato típico, da antijuridicidade e da culpabilidade, da inexistência de causas de extinção da punibilidade e, ainda, considerando a presença das condições exigidas na lei para o exercício da ação penal – com destaque para a justa causa, não encontro qualquer argumento para seja obstaculizada a marcha do presente processo.

Nessa linha, argumentos que permeiam circunstâncias como (1) a natureza dos cargos em comissão na administração pública; (2) a ocorrência (ou inocorrência) de uma “trama” realizada por partido político adversário, bem como sobre (3) outras ações judiciais e (4) obediência ou desobediência ao determinado nos autos de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADIN), não têm o condão de afastar a continuidade do itinerário da presente ação penal.

Note-se, inclusive, que os elementos de argumentação trazidos pela defesa no item “Atipicidade da conduta” integram exatamente o grupo de questões que o desenvolver da persecução penal poderá resolver. O encaixe da conduta no tipo do art. 299 do Código Eleitoral é, de momento, de possível cogitação; a questão se ele realmente ocorre somente será objeto de análise após a devida instrução processual penal, em sede judicial.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assim se posiciona (grifos meus):

PENAL E PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. DENÚNCIA OFERECIDA. ART. 89 DA LEI 8.666/93. ART. 41 DO CPP. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. TIPICIDADE DOS FATOS. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA. RECEBIMENTO. 1. A questão submetida ao presente julgamento diz respeito à existência de substrato mínimo probatório que autorize a deflagração da ação penal contra o denunciado, levando em consideração o preenchimento dos requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal, não incidindo qualquer uma das hipóteses do art. 395, do mesmo diploma legal. 2. De acordo com o direito brasileiro, a denúncia deve conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado (ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo), a classificação do crime e, quando for o caso, o rol de testemunhas (CPP, art. 41). Tais exigências se fundamentam na necessidade de precisar, com acuidade, os limites da imputação, não apenas autorizando o exercício da ampla defesa, como também viabilizando a aplicação da lei penal pelo órgão julgador. 3. A verificação acerca da narração de fato típico, antijurídico e culpável, da inexistência de causa de extinção da punibilidade e da presença das condições exigidas pela lei para o exercício da ação penal (aí incluída a justa causa), revela-se fundamental para o juízo de admissibilidade de deflagração da ação penal, em qualquer hipótese, mas guarda tratamento mais rigoroso em se tratando de crimes de competência originária do Supremo Tribunal Federal. 4. Registro que a denúncia somente pode ser rejeitada quando a imputação se referir a fato atípico certo e delimitado, apreciável desde logo, sem necessidade de produção de qualquer meio de prova, eis que o juízo é de cognição imediata, incidente, acerca da correspondência do fato à norma jurídica, partindo-se do pressuposto de sua veracidade, tal como narrado na peça acusatória. 5. A imputação feita na denúncia consiste na prática, em tese, do delito previsto no art. 89, caput e parágrafo único, da Lei 8.666/93, por parte dos requeridos, ao inexigirem uma licitação quando era caso justamente de fazer o contrário. 6. Houve preenchimento dos requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal, havendo justa causa para a deflagração da ação penal, inexistindo qualquer uma das hipóteses que autorizariam a rejeição da denúncia (CPP, art. 395). 7. Há substrato fático-probatório suficiente para o início e desenvolvimento da ação penal pública de forma legítima. 8. Denúncia recebida.

(Inq 3016 - SP. Relatora: Min. ELLEN GRACIE J. 30.9.2010, Tribunal Pleno.)

Esse o caso. Não é possível afastar, desde já, a ocorrência de "promessa, vantagem ou dádiva em troca de voto", nos termos utilizados pela própria defesa, de forma que se impõe seja a denúncia recebida.

Por fim, o denunciante imputa ao acusado a prática do delito tipificado no artigo 299 do Código Eleitoral, cuja pena mínima é de um ano de reclusão. Todavia, em continuidade delitiva, por 27 (vinte e sete) vezes.

Saliento, no ponto, o Verbete n. 243 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça:

O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.

Dessa forma, incabível a proposta de suspensão condicional do processo, ao menos no atual estágio processual.

Por fim, tendo em vista o entendimento jurisprudencial no sentido de compor o rito da Lei n. 8.038/90 com as inovações trazidas pela Lei n. 11.719/08, é necessária a determinação de citação da parte para apresentar defesa prévia, nos termos do art. 8º da Lei n. 8.038/90, postergando a realização de interrogatório do réu para o final da instrução (art. 400 do CPP).

Diante do exposto, VOTO para afastar as alegações de conexão e litispendência e pelo recebimento da denúncia oferecida contra VILMAR BALLIN e determino a expedição de carta de ordem ao Juízo da 108ª Zona Eleitoral para que proceda à citação do denunciado, a fim de que, querendo, ofereça defesa prévia, nos termos do art. 8º da Lei n. 8.038/90.