E.Dcl. - 549403 - Sessão: 22/01/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração opostos pela PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL contra o acórdão das fls. 2223-2247v. que, por maioria, negou provimento a recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral, confirmando sentença que julgou improcedente ação penal promovida em desfavor de Clóvis Alberto Montagner, Ivan Cherubini, Ildo José Spanevello, Décio Eduardo Cargnelutti e Eli João Vendruscolo.

Refere que a decisão padece de omissão, contradição e obscuridade no pertinente ao segundo motivo pelo qual foi confirmada a nulidade reconhecida pelo Juízo de origem, ou seja, no sentido de que este Tribunal já havia se manifestado, representação n.888, no sentido de que a prova decorrente das interceptações telefônicas não foi revestida das garantias legais em sua obtenção. Oportuno referir que o embargante afirma que o primeiro motivo será objeto do recurso pertinente.

Entende que, na verdade, este Tribunal, quando analisou a representação civil-eleitoral n. 888, afastou, por unanimidade, a preliminar suscitada relativa à ilegalidade da prova decorrente das escutas telefônicas, e não por maioria, como consta no presente acórdão. Assim, diferente do consignado, entende que em nenhum momento é declarada a ilicitude da prova, mas o que foi reconhecido na decisão diz respeito à utilização de prova emprestada nos autos da representação 888, sem as garantias legais.

Desse modo, assevera que não se trata de que a prova decorrente das interceptações telefônicas não foi revestida das garantias legais em sua obtenção, fl.2235, mas sim de que o ingresso das provas decorrentes das interceptações nos autos da representação civil não foi revestido das garantias legais.

Requer sejam supridas as falhas e, caso entendimento diverso, declarados prequestionados os dispositivos legais referidos (fls. 2253-2254v.).

É o relatório.

 

VOTO

Os embargos são tempestivos e merecem ser conhecidos.

Os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, dúvida ou contradição que emergem do acórdão, situando a matéria, no âmbito deste Tribunal, nos termos do artigo 275, I e II, do Código Eleitoral.

Dispõe o aludido dispositivo legal:

Art. 275. São admissíveis embargos de declaração:

I - quando há no acórdão obscuridade, dúvida ou contradição;

II - quando for omitido ponto sobre que devia pronunciar-se o Tribunal.

Todavia, não se evidencia na decisão embargada a existência de omissão, contradição ou obscuridade apontadas, ou qualquer das hipóteses acima referidas, mas, isto sim, inconformidade com o resultado do julgamento.

O Ministério Público Eleitoral recorreu da sentença proferida pelo Juízo da 119ª Zona Eleitoral de Faxinal do Soturno, que julgou improcedente a denúncia e absolveu Clóvis Alberto Montagner, Ivan Cherubini, Ildo José Spanevello, Décio Eduardo Cargnelutti e Eli João Vendruscolo dos delitos tipificados no art. 288 do Código Penal e art. 299 da Lei n. 4.737/65, com base no art. 386, inc. VII, do CPP (fls. 2.102-2.142). A insurgência maior do recurso foi contra o acolhimento da preliminar de ilicitude das interceptações telefônicas, decisão referendada por este Tribunal no acórdão sob análise.

No caso sob exame, a persecução penal teve como fato desencadeador o comparecimento, perante o magistrado de Faxinal do Soturno, em 05 de setembro de 2008, de uma pessoa que não quis se identificar e da qual foi colhido o depoimento, de acordo com o termo de declarações contido na cópia juntada na fl. 1.012. No mesmo ato, foi determinada pela autoridade competente a quebra do sigilo telefônico dos acusados pelo anônimo, visto não haver outro meio de investigação mais adequado e eficiente, entendendo presentes os requisitos autorizadores da Lei n. 9.296/96 para a medida. Somente em 23 de outubro de 2008, mais de um mês, portanto, da autorização de quebra do sigilo telefônico, o Ministério Público de origem requisitou a instauração de abertura do inquérito policial para apuração da prática de corrupção, conforme ofício n. 827/08 ( fl. 126).

Desse modo, restou consignado no acórdão que, para essas interceptações telefônicas, não obstante autorizadas pelo juiz que antecedeu a prolatora da decisão desafiada, não houve prévia diligência da autoridade competente para averiguação de indícios razoáveis da veracidade material dos fatos imputados no depoimento anônimo (fls. 2.120v.-2.121). (Grifo do original.)

Assim, entendeu este Tribunal, em consonância com o juízo de origem, que não poderia subsistir a denúncia proposta, visto que alicerçada nos diálogos provenientes de interceptação telefônica autorizada antes mesmo de qualquer procedimento investigatório, como se verifica no caso sob exame.

A contrariedade do embargante está na referência à decisão deste Tribunal proferida na representação 888 relativa à captação ilícita de sufrágio em que figuram Clóvis Alberto Montagner, Ivan Cherubini, Ildo José Spanevello, Décio Eduardo Cargnelutti como demandados.

No julgamento dessa representação, ocorrido em 09-06-2009, foram suscitadas três preliminares pelos representados, dentre as quais a questão relativa à ilegalidade decorrente das escutas telefônicas, que contaminaria as demais provas obtidas no curso do processo, vindo todas as preliminares a ser rejeitadas. Desse modo, entende o embargante que em nenhum momento é declarada a ilicitude da prova, mas o que foi reconhecido na decisão diz respeito à utilização de prova emprestada nos autos da representação 888, sem as garantias legais.

Sem razão o embargante.

Por primeiro, importa ressaltar que a preliminar de ilegalidade das interceptações telefônicas, acolhida pelo juízo monocrático em razão da ausência de procedimento investigatório que as precedesse, pois desencadeada a partir de denúncia anônima, foi o motivo condutor do acórdão para confirmar aquela decisão, em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

Depois, a referência à decisão proferida na representação 888 é argumento subsidiário, não o determinante do acórdão embargado. Ainda que desconstituído, não afastaria o entendimento de que as escutas telefônicas foram autorizadas sem os cuidados que a Lei n. 9.296/1996 preceitua, pois todos os elementos constantes no processo evidenciam que não houve investigação prévia a amparar a denúncia que um anônimo levou ao conhecimento judicial. A referência é um reforço, não o motivo principal para referendar a decisão monocrática.

Mas não bastasse isso, a preliminar suscitada pelos demandados na representação 888 era no sentido de que as escutas telefônicas utilizadas foram obtidas de forma ilícita, contaminando, portanto, as demais provas colhidas, de modo que os vícios dela provenientes gerariam a nulidade do processo.

Chamo a atenção que foi este aspecto o considerado para afastamento da preliminar naquela representação, ou seja, que não haveria a nulidade do processo, a despeito da prova ilícita carreada aos autos, visto que as demais provas, colhidas de forma lícita e autônomas em relação àquelas, não tornariam nulo o processo em curso. Oportuno reproduzir excerto pertinente ao afastamento da preliminar, como segue:

TERCEIRA PRELIMINAR: ILEGALIDADE DA PROVA, destacando, os recorrentes, as escutas telefônicas utilizadas.

Importa referir que, segundo o artigo 5º, LVI, da Constituição Federal, são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Como corolário da mencionada vedação e garantia da máxima eficácia dos direitos fundamentais, são inadmissíveis, também, as provas derivadas das ilícitas, mas a vedação restringe-se unicamente às provas que derivem daquelas obtidas por meios ilícitos, conforme pacífica posição do Supremo Tribunal Federal:

...As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, art. 5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das contumélias do paciente... (STF, HC 72.588, Rel. Min. Maurício Correa. DJ: 04.8.2000).

Assim, é absolutamente possível o aproveitamento das provas obtidas licitamente e de maneira autônoma em relação às provas ilícitas.

Tomo de empréstimo o artigo 157, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal, cujo conteúdo normativo é aplicável à espécie, considerando os dispositivos, de caráter sancionatório, são semelhantes aos penais:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

A recente redação da citada norma, atribuída pela Lei n. 11.690/2008, veio esclarecer exatamente a higidez das provas produzidas de forma independente das provas obtidas ilicitamente, de forma que, a ilicitude de algumas provas não leva à absolvição do réu, se existirem nos autos outras provas que apontem para ilegalidade da conduta do agente. Nesse sentido é a lição de Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto:

Parece que a intenção do legislador foi incorporar, ao texto do Código, posicionamento solidificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual, se a prova ilícita por derivação não é a única produzida nos autos, a condenação do agente deve ser mantida. Em outras palavras: se a condenação vem fundada em outros elementos de prova, totalmente desvinculados da prova ilícita original, não será esta, tomada isoladamente, que terá o condão de ensejar a condenação do réu. (Comentários às Reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito, ed. RT, 2008, p. 286/287.)

Para ilustrar, cito a seguinte ementa, extraída de acórdão proferido no habeas corpus n. 84.679, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello:

HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. BUSCA E APREENSÃO REALIZADA EM DESACORDO COM A DETERMINAÇÃO JUDICIAL. EXISTÊNCIA DE PROVA AUTÔNOMA. Evidenciada a existência de prova autônoma, descabe a pretensão de anular a decisão de recebimento da denúncia, sob a alegação ter sido o mandado de busca e apreensão cumprido em desacordo com a determinação judicial de que os policiais se fizessem acompanhar de duas testemunhas. Ordem concedida. (DJ: 12.8.2005)

Dessa maneira, como verificado, o Supremo Tribunal Federal possui entendimento pacífico, já incorporado ao texto legal, no sentido de que a nulidade das provas obtidas ilicitamente não gera a nulidade das provas lícitas e autônomas em relação àquelas, de forma que não se anula sentença condenatória quando lastreada tão somente em provas ilícitas, mas também em provas plenamente admissíveis no processo.

De anotar que o CD contendo as gravações de conversas feitas por Alberto dos Santos com as testemunhas não está nos autos, mas há documentos no processo a comprovar que ele instrui o inquérito policial que tramita na Polícia Federal (fl. 29 dos autos), vindo ao presente feito apenas as degravações.

Assim, afasto as preliminares suscitadas e passo à análise do mérito. (Grifos do original.)

E na linha desse entendimento, o acórdão agora atacado em nada se afastou daquilo que foi decidido na representação 888, pois se é verdade que a prova ilícita não contaminava as demais provas obtidas de forma legal, não gerando a nulidade do processo, não é menos verdade que as interceptações telefônicas foram reconhecidas como ilícitas, convindo reproduzir, mais uma vez, as palavras da relatora Dra. Ana Beatriz Iser, somente destacando aquilo que o embargante deixou de observar:

Em relação às interceptações telefônicas autorizadas através do documento da fl. 703, as quais se encontram, na íntegra, nos autos, entendo que a prova foi obtida de forma contrária à determinação legal, Lei n. 9.296/96, que dispõe, em seu artigo 1º:

Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Em consonância com o dispositivo transcrito, a medida de interceptação somente poderia ser determinada no bojo de investigação criminal, razão pela qual se reconhece a ilicitude da produção da prova no presente feito, considerando-se que está sem a necessária proteção do segredo de justiça, como determinado na legislação de regência, tendo sido a degravação posta no processo sem qualquer resguardo, tanto que parece ter havido vazamento de que os telefones estavam interceptados (fl. 515), o que fere o princípio constitucional da inviolabilidade do sigilo das comunicações, inserto no inciso XII do art. 5º da Carta Maior.

Desse modo, embora a ilegal produção da prova, esta não se presta a fundamentar qualquer dos fatos imputados aos representados, havendo nas falas apenas indícios de compra de votos, os quais, entretanto, não constituem prova da prática ilícita em que estão incursos os representados.

Como se verifica, ao inverso do afirmado pelo embargante, de que em nenhum momento é declarada a ilicitude da prova, resta evidente que as escutas telefônicas foram reconhecidas como ilegais, como consta no acórdão, fator que não levou à nulidade do processo em razão da existência de outras provas que poderiam ser consideradas para o deslinde da ação, sendo este o aspecto considerado para afastar a preliminar suscitada.

À vista dessas considerações, não se evidenciam as falhas mencionadas, não havendo omissão, contradição ou obscuridade a ser reparada, pois nem mesmo a impertinência da expressão por maioria, no referente ao rechaço à preliminar, pode deslustrar o entendimento que o acórdão embargado encerra.

Frise-se, ainda, que o Juiz ou o Tribunal não está obrigado a se manifestar a respeito de todos os fundamentos invocados, bastando sejam referidos na decisão apenas aqueles que interessem para a resolução do caso. Nesse sentido é o posicionamento deste Colegiado, cujo aresto é transcrito a seguir:

Embargos de declaração. Acórdão que negou provimento a recurso contra decisão que indeferiu registro de candidatura.

Inexistência de omissão. O princípio do livre convencimento do julgador faculta¿lhe a livre apreciação dos temas suscitados, não estando obrigado a explicitar todos os pontos controvertidos pelas partes. Inteligência do art. 131 do Código de Processo Civil.

Desacolhimento. (TRE-RS, RCand n. 142, rel. Dra. Katia Elenise Oliveira da Silva, j. 20.08.2008.)

Assim, é indispensável que o magistrado indique o suporte jurídico no qual embasa o seu posicionamento, demonstrando as razões que o levaram à convicção de verossimilhança quanto à solução a ser dada ao caso apresentado, pois o que é objeto de apreciação são os fatos trazidos.

Dessa forma, o julgador deve decidir a causa de acordo com os motivos jurídicos necessários para sustentar o seu convencimento, a teor do que estabelece o art. 131 do CPC. Ou seja, o princípio do livre convencimento motivado do juiz não importa em que este deva exaurir todos os argumentos aduzidos pelas partes, mas que a sua decisão seja lastreada no sistema jurídico a que está adstrito. Aliás, a esse respeito é o precedente do Superior Tribunal de Justiça exarado no acórdão a seguir colacionado:

Não há obrigação processual de serem esmiuçados todos os pontos arguidos nos arrazoados das partes, por mais importantes pareçam ser aos interessados, bastando a explicitação dos motivos norteadores do convencimento, sobreconcentrando-se no núcleo da relação jurídico-litigiosa, com suficiência para o deslinde. (STJ- EdREsp. n. 39.870-3¿PE, DJ 21.08.95.) (Grifei.)

Sobre o tema, também já se manifestou este colegiado:

Embargos de declaração. Alegada existência de contradição no acórdão.

Admissibilidade da via eleita apenas para suprir omissão, contradição, dúvida ou obscuridade no decisum. Inexistência de qualquer destas características na decisão embargada.

O acerto ou desacerto do julgado, bem como outras questões relacionadas ao mérito, não são discutíveis pelo manejo dos embargos. Necessidade de interposição do recurso próprio para eventual rediscussão da matéria.

Desacolhimento. (TRE-RS, RCand 128, rel. Desembargador Federal Vilson Darós, j. 26.08.2008.) (Grifei.)

Por fim, tenho por prequestionados os dispositivos legais referidos, visto que já se encontram implícitos no debate e decisão sobre o tema sob exame, como deflui dos termos do acórdão.

Diante do exposto, ausentes os vícios elencados no art. 275 do Código Eleitoral, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração opostos.