RE - 2346 - Sessão: 12/03/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT de São José do Ouro contra sentença que desaprovou suas contas referentes ao exercício de 2013, em virtude do recebimento de doações de fonte vedada, consoante o disposto no art. 31, II, da Lei n. 9.096/1995, determinando o recolhimento do valor de R$ 1.240,00 ao Fundo Partidário, bem como a suspensão da participação no Fundo Partidário, com perda das quotas, pelo período de um ano (fls. 85-90).

O recorrente postula a aprovação das contas sem o recolhimento de valores ao Fundo Partidário ou, alternativamente, a aprovação das contas com a imposição de recolhimento apenas da contribuição da Secretária Municipal, visto que as demais contribuições estariam em conformidade com o regramento legal (fls. 93-95).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opina pelo desprovimento do recurso (fls. 103-105).

É o relatório.

 

VOTO

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no DEJERS em 9.10.2014 (fl. 92); e o recurso, interposto em 10.10.2014, vale dizer, dentro do tríduo legal.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

 

2. Mérito

No mérito, trata-se de prestação de contas de partido político desaprovada em virtude do recebimento de doações de fonte vedada, no montante de R$ 1.240,00, em afronta ao art. 31, II, da Lei n. 9.096/1995, pois provenientes de doações realizadas por filiados ocupantes de cargo em comissão de chefia ou direção.

Reza o art. 31, II, da Lei n. 9.096/1995:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

O Tribunal Superior Eleitoral, até a edição da Res. TSE n. 22.585/2007, havia firmado entendimento no sentido de ser possível a contribuição de filiados ocupantes de cargos exoneráveis ad nutum, conforme se depreende da ementa do julgamento da Pet. n. 310 (Res. TSE n. 20.844 de 14.8.2001), relator Min. Nelson Jobim:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 1996.

Contribuição de filiados ocupantes de cargos exoneráveis ad nutum.

Inexistência de violação ao art. 31, II, da Lei n. 9.096/1995. Contas aprovadas.

(Petição n. 310, Resolução n. 20844 de 14.8.2001, Relator: Min. NELSON AZEVEDO JOBIM, Publicação: DJ - Diário de Justiça, volume 1, data 09.11.2001, página 154 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, volume 13, tomo 1, página 302.)

Todavia, desde o advento da mencionada resolução, o tema não comporta mais os argumentos trazidos pelo recorrente no sentido de as contribuições de filiados serem legítimas e espontâneas.

Por oportuno, reproduzo ementa da consulta que deu origem à resolução:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(Consulta n. 1428, Res. n. 22585 de 06.9.2007, Relator: Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado: Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.)

Os fundamentos exarados para a mudança de interpretação deram-se nos seguintes termos:

[...] Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

Para mim, autoridade em sentido amplo: todo aquele que possa, por exemplo, em mandado de segurança, comparecer nessa qualidade, para mim é autoridade […]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

Colaciono jurisprudência deste Tribunal no mesmo sentido:

Recurso. Prestação de contas. Exercício 2010. Desaprovação no juízo originário.

Expressiva parte da receita partidária oriunda de doações de pessoas físicas, ocupantes de cargos em comissão, na condição de autoridade. Prática vedada pelo disposto no artigo 31, incisos II e III, da Lei n. 9.096/1995.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 1997. Relator: Dr. EDUARDO KOTHE WERLANG, 30.7.2012.)

 

Recurso. Prestação de contas de partido político. Doação de fonte vedada. Exercício financeiro de 2008.

Doações de autoridades titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, prática vedada pela Resolução TSE n. 22.585/2007 e pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/1995.

Desaprovação das contas pelo julgador originário.

Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Razoável e proporcional a aplicação, de ofício, de 6 meses de suspensão das quotas do Fundo Partidário, a fim de colmatar lacuna da sentença do julgador monocrático.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 100000525, Relatora: Desa. Federal ELAINE HARZHEIM MACEDO, 25.4.2013.)

Ressalto que o conceito de autoridade, segundo o atual entendimento, abrange os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia (art. 37, inc. V, da Constituição Federal), sendo excluídos os que desempenham exclusivamente a função de assessor.

Como se verifica, transmudou-se de uma compreensão que privilegiava a proteção do partido político contra a influência do Poder Público para uma interpretação que ressalta a relevância dos princípios democráticos da moralidade, dignidade do servidor e preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

O tema voltou a ser enfrentado por esta Casa quando do julgamento do Recurso n. 34-80, de minha relatoria, sessão de 26.8.2014, no qual foram desaprovadas as contas de partido político em razão do recebimento de doação advinda de cargos de coordenador, diretor de departamento e chefe de setores e unidades administrativas.

Reproduzo a ementa daquele julgado:

Prestação de contas partidária. Diretório municipal. Art. 5º, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/2004. Exercício financeiro 2011.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum e na condição de autoridades. No caso, recebimento de quantia expressiva advinda de cargos de coordenador, diretor de departamento e chefe de setores e unidades administrativas.

Manutenção das sanções de recolhimento de quantia idêntica ao valor doado ao Fundo Partidário e suspensão do recebimento das quotas pelo período de um ano.

Provimento negado.

Seguindo a mesma orientação, menciono os seguintes processos: RE 94-19, relatoria da Desa. Maria de Fátima Freitas Labarrère, sessão de 01.7.2014; RE 36-50, relatoria do Des. Luiz Felipe Brasil Santos, sessão de 23.9.2014.

Nessa linha, julgado recente do TSE:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DECISÕES. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO. DOAÇÕES. OCUPANTES CARGO DE DIREÇÃO OU CHEFIA. AUTORIDADE. VEDAÇÃO. ART. 31, II, DA LEI N. 9.096/1995.

1. Para fins da vedação prevista no art. 31, II, da Lei n. 9.096/1995, o conceito de autoridade pública deve abranger aqueles que, filiados ou não a partidos políticos, exerçam cargo de direção ou chefia na Administração Pública direta ou indireta, não sendo admissível, por outro lado, que a contribuição seja cobrada mediante desconto automático na folha de pagamento. Precedentes.

2. Constatado o recebimento de valores provenientes de fonte vedada, a agremiação deve proceder à devolução da quantia recebida aos cofres públicos, consoante previsto no art. 28 da Res.-TSE n. 21.841/2004.

Recurso especial desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 4930 – Criciúma/SC, Relator: Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Sessão de 11.11.2014.)

Examinando o caso sob exame, não paira dúvida sobre o enquadramento dos ocupantes dos cargos em comissão na condição de autoridade. Isso porque os doadores em questão são elencados com a descrição dos cargos ocupados, um a um, na sentença (fl. 89), a saber: Ceni Catarina dos Santos (Assessor Dirigente de Núcleo), Jeneci dos Santos (Assessor Dirigente de Núcleo), Willyam Reginato (Dirigente de Equipe), Fabiano Carniel (Dirigente de Equipe), Maicon Fiorindo Carniel (Dirigente de Equipe), Neusa Garcia Silvestrini (Secretária Municipal), Elton Jones Vicari (Chefe de Turma). Note-se que, mesmo os designados como assessores, são, na verdade, dirigentes de seus respectivos Núcleos, ou seja, detêm poder de mando, amoldando-se à condição de autoridade diante do mister que desempenham.

A meu sentir, o regramento tem por finalidade evitar que servidores, cuja situação jurídica funcional seja de livre nomeação e exoneração, exercendo cargo de chefia, direção ou coordenação, venham fazer doações - espécie de “dízimos” - aos partidos aos quais se encontrem vinculados. Em outras palavras, busca-se evitar a transferência do dinheiro público - parcela do vencimento auferido pelo titular demissível ad nutum - para a agremiação partidária.

A desaprovação das contas em decorrência do recebimento de doações de fonte vedada acarreta a suspensão da participação do Fundo Partidário pelo período de um ano, de acordo com o art. 36, II, da Lei n. 9.096/1995. De igual modo, é determinado o recolhimento ao Fundo de valores recebidos indevidamente, nos termos do art. 28, II, da Resolução TSE n. 21.841/2004.

Por se tratar de quantia de pouca expressão, e considerando precedente recente deste Regional (RE 36-50), estou reduzindo, de ofício, o período de suspensão do recebimento de novas quotas para 6 (seis) meses, por se mostrar mais condizente com a realidade dos autos.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, para determinar o recolhimento ao Fundo Partidário da importância de R$ 1.240,00, readequando, de ofício, o prazo de suspensão do repasse de novas quotas para o período de 6 (seis) meses.