RE - 4261 - Sessão: 09/12/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso (fls. 134-138) interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão (fls. 114-117) do Juízo da 79ª Zona Eleitoral – São Francisco de Assis, que julgou improcedente a representação por transferência irregular de domicílio eleitoral contra CLAUDIA ADRIANA MARQUES IVANISKI, sob o fundamento de que estariam satisfeitos os requisitos legais para o deferimento do domicílio eleitoral da eleitora no Município de São Francisco de Assis (fls. 27-29).

O Ministério Público entendeu que teria ocorrido fraude na transferência do título eleitoral da requerida pois, de acordo com as diligências efetuadas, o endereço fornecido para realizar a transferência de domicílio eleitoral não procede. Por este motivo, requereu o cancelamento da operação de transferência (fls. 27-29), a qual havia sido deferida pelo juízo eleitoral em 10.5.2012 (fl. 05). A par disso, a eleitora foi denunciada pelo crime do art. 289 do Código Eleitoral, o qual prevê a inscrição fraudulenta de eleitor.

O recorrente, em suas razões recursais (fls. 134-138), alega que o conceito de domicílio eleitoral se restringe ao do lugar de residência ou moradia do eleitor, devendo ser excluído qualquer outro. Sustentou que, fazendo-se uma interpretação teleológica, há de estar presente o elemento psicológico do domicílio civil, ou seja, o ânimo definitivo de residir em determinado local. Destacou que todas as provas produzidas demonstram que a eleitora Claudia Adriana Marques Ivaniski não reside no Município de São Francisco de Assis, o que afronta o art. 42 do Código Eleitoral e torna sua inscrição fraudulenta. Ao final, requereu o provimento do recurso para que seja determinado o cancelamento da transferência de domicílio da eleitora.

As contrarrazões foram apresentadas (fls. 142-146).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 149-151).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo e merece exame. O recorrente foi intimado da decisão no dia 4.8.2014, uma segunda-feira (fl. 121) e o recurso interposto em 6.8.2014, uma quarta-feira, dentro, portanto, do prazo de 3 dias previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

No mérito, a inconformidade recursal não prospera.

O juízo sentenciante deferiu o requerimento de transferência da ora recorrida, por entender estar comprovado o respectivo domicílio eleitoral no Município de São Francisco de Assis. Conforme restou consignado na sentença (fl. 115 dos autos), a requerida solicitou transferência de seu domicílio eleitoral para a Zona Eleitoral de São Francisco de Assis em 08/05/2012. Já o documento da fl. 79 comprova que a requerida foi contratada pelo Hospital Santo Antônio, de São Francisco de Assis, em 16/02/2012. Portanto, em possuindo a requerida vínculo profissional na cidade de São Francisco de Assis, nada impede (impedia) que opte (optasse) por um dos dois domicílios, o de residência ou o de trabalho, para se alistar como eleitora.

Diante disso, entendo que deva ser mantida a sentença proferida pelo juízo da 79ª Zona Eleitoral, em face do conceito de domicílio eleitoral que vigora na jurisprudência.

Veja-se o que prescrevem os artigos 42, parágrafo único, e 55, inc. III, do Código Eleitoral, os quais tratam da matéria:

Art. 42. O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor.

Parágrafo único. Para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.

 

Art. 55. Em caso de mudança de domicílio, cabe ao eleitor requerer ao Juiz do novo domicílio sua transferência, juntando o título anterior.

§ 1° A transferência só será admitida satisfeitas as seguintes exigências:

[...]

III – residência mínima de 3 (três) meses no novo domicílio, atestada pela autoridade policial ou provada por outros meios convincentes.

A par da redação aparentemente restritiva dos artigos do Código Eleitoral que tratam do assunto, é pacífico o entendimento de que o referido conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o de domicílio civil. Aquele é mais amplo, abrangendo situações em que haja vínculo patrimonial, profissional ou comunitário com a cidade, conforme leciona José Jairo Gomes:

No Direito Eleitoral, o conceito de domicílio é mais flexível que no Direito Privado. Com efeito, o artigo 4º, parágrafo único, da Lei n. 6.996/82, dispõe que, `para efeito de inscrição, domicílio eleitoral é o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas. É essa igualmente a definição constante do artigo 42, parágrafo único, do Código Eleitoral. Logo, o Direito Eleitoral considera domicílio da pessoa o lugar de residência, habitação ou moradia, ou seja, não é necessário haver animus de permanência definitiva, conforme visto.
Tem sido admitido como domicílio eleitoral qualquer lugar em que o cidadão possua vínculo específico, o qual poderá ser familiar, econômico, social ou político.

(GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 110-111.)

A jurisprudência do TSE consolidou-se no sentido de flexibilizar a norma inserta nos artigos do Código Eleitoral, admitindo como domicílio eleitoral o local no qual o eleitor possua vínculos familiares, afetivos, patrimoniais, laborais ou econômicos, como se extrai das seguintes ementas:

DOMICÍLIO ELEITORAL - TRANSFERÊNCIA - RESIDÊNCIA - ANTECEDÊNCIA (CE, ART. 55) - VÍNCULOS PATRIMONIAIS E EMPRESARIAIS.

- Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e afetivos. A residência é a materialização desses atributos. Em tal circunstância, constatada a antiguidade desses vínculos, quebra-se a rigidez da exigência contida no art. 55, III.

(REspe n. 23.721/RJ, Relator: Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 18.3.2005.)

 

DOMICÍLIO ELEITORAL - TRANSFERÊNCIA - RESIDÊNCIA - ANTECEDÊNCIA (CE, ART. 55) - VÍNCULOS PATRIMONIAIS E EMPRESARIAIS.

Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e econômicos. A residência é a materialização desses atributos. Em tal circunstância, constatada a antiguidade desses vínculos, quebra-se a rigidez da exigência contida no art. 55, III.

(Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 4769, Acórdão n. 4769 de 2.10.2004, Relator: Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 17.12.2004, Página 316 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 15, Tomo 3, Página 263.)

 

RECURSO ESPECIAL. TRANSFERÊNCIA. DOMICÍLIO ELEITORAL. CARACTERIZADO. APELO PROVIDO.

Tendo o eleitor demonstrado seu vínculo com o município, defere-se o pedido de transferência.

(REspe n. 21829, Acórdão n. 21829 de 9.9.2004, Relator: Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 1.10.2004, Página 150.)

No mesmo rumo é a jurisprudência desta Corte, consoante ementado:

Recurso. Decisão que julgou improcedente impugnação de transferência de domicílio eleitoral. Alegada residência temporária no município em que o eleitor presta serviço. Flexibilidade do conceito de domicílio eleitoral, identificado como lugar onde o eleitor tem vínculos patrimoniais, profissionais ou sociais. Desprovimento.

(RE 46-81, Acórdão da sessão do dia 14.6.2012, Relator: Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ.)

 

Recurso. Decisão que julgou improcedente pedido de cancelamento de transferência e alistamento dos 57 eleitores recorridos.
Aludidos eleitores integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, tendo instruído seus requerimentos de transferência com certidões de atendimento por agentes de saúde municipais.
Distinção entre os conceitos de domicílio eleitoral e domicílio civil. Amplitude maior daquele em relação a este, uma vez que abrange situações em que há vínculo profissional, patrimonial ou comunitário com o município, nos termos do art. 64 da Resolução TSE n. 20.132/98.
Condição especial dos recorridos como membros de movimento social desprovido de registros oficiais, chancelando o atendimento de saúde como única forma de evidenciar suas presenças na cidade para a qual requerem transferência eleitoral. Fragilidade, contudo, da referida prova - ante o caráter universal do atendimento médico -, que pode ser afastada pela comprovação da inexistência de ligação com a localidade. Provimento parcial, para cancelar o alistamento de 28 eleitores no tocante aos quais existem, nos autos, elementos que tornam duvidoso o vínculo por eles declarado com o município para o qual pretendem transferir-se.

(RE 262008. Sessão do dia 29.7.2008, Relator: Des. Federal VILSON DARÓS.)

No caso em exame, a recorrida Claudia Adriana Marques Ivaniski demonstrou possuir vínculo de índole laboral com o Município de São Francisco de Assis, tendo juntado aos autos documentos que comprovam que trabalha no Hospital Santo Antônio, situado naquela localidade.

Não obstante ter informado endereço de residência que não corresponde à verdade, entendo, assim como restou decidido na sentença, que o fato de a requerida ter informado endereço residencial falso se constitui em matéria a ser analisada no âmbito da jurisdição criminal, mas não necessariamente implica o cancelamento do alistamento eleitoral. Até porque é possível que a declinação tenha se dado por ignorância de que é possível transferir o título eleitoral para a cidade de trabalho, e não por má-fé. Ao que tudo indica, a recorrida trabalha no Município de São Francisco de Assis e mantém residência no Município de Santiago, para onde se desloca todos os dias após sua jornada de trabalho.

Destaco que o fato de exercer seus direitos políticos em local onde exerce suas atividades profissionais é perfeitamente lícito, motivo pelo qual voto por manter o deferimento da transferência eleitoral feita pela eleitora Claudia Adriana Marques Ivaniski.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, a fim de manter a inscrição eleitoral da eleitora CLAUDIA ADRIANA MARQUES IVANISKI no Município de São Francisco de Assis.