RE - 112961 - Sessão: 13/01/2015 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença do Juízo da 55ª Zona Eleitoral – Taquara, que julgou improcedente a representação promovida contra RÉGIS BENTO DE SOUZA e ROGER BENTO DE SOUZA, não reconhecendo a suposta prática de conduta vedada, captação ilícita de sufrágio, abuso de poder político e econômico apontados na peça vestibular (fls. 02-15).

Colho da sentença a síntese dos fatos:

O Ministério Público Eleitoral ajuizou a presente ação de investigação judicial eleitoral em face de RÉGIS BENTO DE SOUZA e de ROGER BENTO DE SOUZA, alegando que em virtude de instauração de expediente na Promotoria, foi constatado que o representado Roger, então Diretor de Esportes da Prefeitura Municipal de Taquara, cedeu e usou, em benefício de candidato, o seu irmão Régis, bens móveis pertencentes à Administração Municipal, em total desacordo com a legislação eleitoral vigente. Narrou que no dia 26 de setembro de 2012 o Promotor de Justiça Eleitoral recebeu denúncia do desvio de materiais esportivos e de cestas básicas arrecadadas pela Secretaria de Esportes durante uma competição desportiva para auxiliar na campanha de Régis. Após, houve notícia de ameaças contra a pessoa que noticiou o ilícito. Sustentou que ficou caracterizado o abuso de poder político e econômico por parte dos representados, porque Roger doou e forneceu alimentos e materiais oriundos da Secretaria Municipal em benefício da candidatura do irmão Régis, o qual beneficiou-se de tal conduta, captando ilicitamente sufrágio. Pediu a declaração de inelegibilidade do representado Régis, com a cassação de seu registro de candidatura e de seu diploma, requerendo, inclusive liminarmente, a proibição da diplomação, bem como postulou a aplicação de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos oito anos subsequentes ao pleito municipal de 2012. Juntou documentos.

Intimados a apresentar contrarrazões de recurso (fls. 264), os recorridos deixaram de se manifestar (fls. 266).

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso e pela manutenção da sentença proferida em primeiro grau (fls. 268 - 272).

É o relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

1. Admissibilidade recursal

No que tange à admissibilidade do recurso, não existe nos autos o registro de recebimento da peça recursal. As partes foram intimadas da sentença em 18.03.2014, uma terça-feira (fls. 251 e 257), e os autos foram conclusos ao juiz em 21.03.2014 (sexta-feira). Diante desse fato, deve-se considerar que o recurso foi interposto dentro do tríduo legal.

2. Mérito

A matéria de fundo cinge-se a verificar se foram praticados ilícitos eleitorais por RÉGIS BENTO DE SOUZA, que alcançou uma das cadeiras do legislativo de Taquara no último pleito, e por seu irmão ROGER BENTO DE SOUZA.

De acordo com o Ministério Público, os representados teriam praticado a conduta vedada disposta no art. 73, inc. II, da Lei n. 9.504/97, bem como a captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei 9.504/97 e o abuso do poder político e econômico do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90.

O Ministério Público Eleitoral de 1º grau insurge-se contra o juízo de improcedência da ação, afirmando que há comprovação nos autos dos seguintes fatos: (a) cedência de bens móveis pertencentes à Administração Pública, em benefício do então candidato a vereador, RÉGIS BENTO DE SOUZA; (b) captação ilícita de sufrágio e ocorrência de abuso de poder político e econômico.

Passo, então, à análise individualizada dos fatos.

1º fato) cedência de bens móveis pertencentes à Administração Pública, em benefício do então candidato a vereador, RÉGIS BENTO DE SOUZA.

A tese recursal de que a conduta do sindicado teria ofendido o art. 73, incisos I e IV, da Lei n. 9.504/97 não vai acolhida.  Com efeito, a afirmação de que durante o período eleitoral de 2012 ROGER BENTO DE SOUZA, Diretor de Esportes do Município, teria cedido materiais esportivos da Secretaria Municipal de Esportes, bem como cestas básicas arrecadadas em uma competição esportiva, em benefício de seu irmão, o então candidato a vereador RÉGIS BENTO DE SOUZA, não restou comprovada.

A alegação da defesa (fls. 30-34), de que não houve benefício com o ocorrido, encontra respaldo na prova produzida.  A argumentação (fl.32): pelo contrário, quem foi beneficiado foi o poder público, uma vez que a diretoria de esportes não dispunha de veículo próprio, e o segundo representado, com o auxílio de funcionário daquela diretoria (foto da inicial), usou seu veículo particular para transportar alimentos para a Defesa Civil, posteriormente encaminhando para a Assistência Social e Habitação, tendo essa recebido também caixas de leite vem amparada nas fotografias juntadas.

De fato, as fotografias que constam nos autos (fls. 25-26) confirmam que o veículo particular aparece com um carregamento de caixas de leite. Além disso, o documento que consta na fl. 54 dos autos comprova a entrega de 148 litros de leite à Secretaria de Assistência Social.

A comprovação de que os materiais foram destinados à Defesa Civil e à Assistência Social afasta o ilícito e, igualmente, como bem apontado na sentença, a circunstância de as testemunhas dos fatos que originaram a denúncia perante o Ministério Público serem adversárias políticas dos representados.

No que se refere às condutas vedadas, a Lei n. 9.504/97 traz capítulo específico sobre o assunto, sendo que a peça inicial traz fato que se enquadraria no art. 73, incisos I e IV, a seguir transcritos:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação,bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta daUnião, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios,ressalvada a realização de convenção partidária;

(…)

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

(…)

O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 3ª edição, págs. 502-503) traz lição sobre as condutas vedadas:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu). (...)

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, despiciendo qualquer cotejo com eventual malferimento à lisura, normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Como se verifica, o bem jurídico tutelado é a igualdade de oportunidades entre os candidatos no pleito eleitoral, sendo desnecessário comprovar-lhes a respectiva potencialidade lesiva.

Nesse sentido:

AGRAVOS REGIMENTAIS. AUSÊNCIA LEGITIMIDADE. ELEIÇÕES 2012. OBRA. PROPRIEDADE PARTICULAR. PODER PÚBLICO MUNICIPAL. PERÍODO VEDADO. CONDUTA VEDADA. RECONHECIMENTO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. INVIÁVEL O REEXAME DE PROVAS. FUNDAMENTOS NÃO AFASTADOS. AGRAVOS REGIMENTAIS DESPROVIDOS.

1. É ilegítima para interpor agravo regimental a parte que não interpôs agravo nos próprios autos por preclusão temporal e pretendeu a reforma parcial do acórdão regional em sede de contrarrazões, via inadequada.

2. A ausência de prequestionamento inviabiliza a análise da questão por este Tribunal. No caso dos autos, não há como conhecer da matéria referente à ausência de benefício aferido pelo candidato, em decorrência da conduta vedada.

3. Conforme a jurisprudência pacífica deste Tribunal, a Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça é aplicável ao agravo nos próprios autos que não se volta contra os fundamentos da decisão do Presidente da Corte regional que negou seguimento ao recurso especial. Precedentes.

4. A Corte Regional assentou que houve construção de estrada em propriedade particular. Para acolher a tese de que o local era de afetação pública, necessário seria o reexame de fatos e provas, o que é vedado pela Súmula 7/STJ.

5. Para caracterização da conduta vedada, não há que se falar em aferição da potencialidade lesiva para sua influência no resultado do pleito eleitoral.

Agravos regimentais desprovidos.

(TSE. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 20567, Acórdão de 16.09.2014, Relatora: Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 188, Data 07.10.2014, Página 54.) (Grifei.)

No caso dos autos, contudo, não há prova da ocorrência da prática de condutas vedadas, conforme bem apontado na sentença recorrida, a qual não reconheceu as práticas ilícitas imputadas aos demandados.

Transcrevo excerto da decisão monocrática que bem analisou a questão probatória:

Ocorre que ao analisar os autos, percebe-se que existem apenas indícios das condutas imputadas aos representados, que são insuficientes para a responsabilização buscada pelo agente ministerial.

O desvio dos materiais esportivos e de cestas básicas arrecadadas pela Secretaria de Esportes de Taquara foi noticiado por Paulo Cesar Gomes Vieira (fl.221), testemunha que disse ter visto Roger carregando, em seu carro particular “apenas 2 caixas de leite, mas percebeu que o porta-malas do veículo estava cheio de outros produtos que não pode identificar...”. Afirmou que o material que Roger transportava no automóvel estava na Secretaria de Esportes do Município de Taquara. Disse que Roger foi até o comitê do PMDB e depois ao Sindicato dos Metalúrgicos, sem descarregar a mercadoria, não sabendo o que ocorreu depois, porque foi ameaçado pelo pai do representado por estar “bisbilhotando”.

As fotografias das fls.25/26 confirmam o fato descrito pela testemunha, pois o veículo aparece com um carregamento de caixas de leite. E o próprio representado admitiu ter utilizado o seu carro particular para transportar alimentos à Defesa Civil e à Assistência Social (fl.31), porque a Secretaria Municipal não dispunha de veículo para tanto.

Ocorre que o documento da fl. 54 prova a entrega, feita pelo representado Roger, de 148 litros de leite à Secretária de Assistência Social, o que afasta a configuração da prática ilícita.

Não se pode deixar de mencionar, de outra banda, que quem enviou as fotografias das fls. 25/26 ao Promotor Eleitoral foi Lisiane Campana (fl24), também candidata, a qual teria desavença com Régis em face da perda do cargo de Diretor de Esportes de Taquara (fl. 41). Por sua vez, Lisiane é noiva da testemunha Paulo Cesar (fls. 38/39), o qual é amigo de Marlene Rodrigues (fl. 37). Tal circunstância fragiliza o depoimento da testemunha Paulo, porque não se apresenta como pessoa totalmente desinteressada no fato.

Por todo o exposto, não reconheço a prática de conduta vedada, uma vez que o conjunto probatório foi incapaz de lastrear as graves alegações, as quais ensejariam tão severa sanção.

2º fato) captação ilícita de sufrágio e ocorrência de abuso de poder político-econômico.

Nos autos há notícia de que o representado ROGER BENTO DE SOUZA doou alimentos e materiais esportivos oriundos da Secretaria Municipal, em benefício da candidatura de RÉGIS, sendo que os respectivos bens teriam sido utilizados na captação ilícita de sufrágio, caracterizado o abuso de poder político e econômico por parte dos representados.

A infração eleitoral prevista no art. 41–A da Lei n. 9.504/97 assim está definida:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990.

Contudo, para a caracterização da captação ilícita de sufrágio, exige-se, pelo menos três elementos, segundo interpretação do Tribunal Superior Eleitoral: 1 – a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer, etc.); 2 – a existência de uma pessoa física (eleitor); 3 - o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto).

Assim, para a configuração da hipótese do artigo 41-A da Lei n. 9.504/97 é necessária a conjugação de elementos subjetivos e objetivos que envolvem uma situação concreta, pois as consequências jurídicas são graves, a prova do ilícito e da participação ou anuência do candidato deve ser precisa, contundente e incontestável.

Conforme demonstrado, não há prova da aquisição de cestas básicas para distribuição a eleitores, segundo declaração do Supermercado Muller (fl. 81).

Ademais, convém referir que não foi identificada nenhuma pessoa que tenha recebido os referidos alimentos dos demandados. Quanto aos materiais esportivos, ficou comprovado que estavam armazenados em uma sala do Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul, conforme informação do Secretário Municipal de Educação, Cultura e Esportes (fl. 96).

Desse modo, não há provas da prática de captação ilícita de sufrágio atribuível aos representados, com exceção dos testemunhos de Lisiane Campanha, Paulo Cesar e Marlene Rodrigues, todos adversários do candidato RÉGIS BENTO DE SOUZA.

E a prova unicamente testemunhal, no caso, é frágil para amparar a procedência da ação. Colaciono jurisprudência acerca da condenação por captação ilícita de sufrágio com base em prova unicamente testemunhal:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DO PODER ECONÔMICO. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a licitude da prova colhida mediante interceptação ou gravação ambiental pressupõe a existência de prévia autorização judicial e sua utilização como prova em processo penal.

2. A prova testemunhal também é inviável para a condenação no caso dos autos, tendo em vista que as testemunhas foram cooptadas pelos adversários políticos dos agravados para prestarem depoimentos desfavoráveis.

3. As fotografias de fachadas das residências colacionadas aos autos constituem documentos que, isoladamente, são somente indiciários e não possuem a robustez necessária para comprovar os ilícitos.

4. A condenação pela prática de captação ilícita de sufrágio ou de abuso do poder econômico requer provas robustas e incontestes, não podendo se fundar em meras presunções. Precedentes.

5. Agravo regimental desprovido.

(TSE. Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 92440, Acórdão de 02.10.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 198, Data 21.10.2014, Página 74.) (Grifei.)

E, igualmente, quanto ao abuso de poder, não há elementos capazes de caracterizá-lo. Tampouco houve comprometimento do equilíbrio, da normalidade e da legitimidade do pleito.

Com efeito, o inc. XVI do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 estabelece que a configuração do abuso de poder ou do uso indevido dos meios de comunicação social também requer a demonstração da gravidade das circunstâncias que o caracterizam. Confira-se a redação do mencionado dispositivo:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Sobre o conceito de abuso de poder, colhe-se lição consagrada de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral, 8ª edição, São Paulo: Atlas, 2012. p. 220):

Haverá abuso sempre que, em um contexto amplo, o poder – não importa sua origem ou natureza – for manejado com vistas à concretização de ações irrazoáveis, anormais, inusitadas ou mesmo injustificáveis diante das circunstâncias que se apresentarem e, sobretudo, ante os princípios e valores agasalhados no ordenamento jurídico. Por conta do abuso, ultrapassa-se o padrão normal de comportamento, realizando-se condutas que não guardam relação lógica com o que normalmente ocorreria ou se esperaria que ocorresse.

Assim, em face do conjunto probatório trazido aos autos, não reconheço a prática de abuso do poder político pelos recorridos, vez que não houve violação do bem jurídico tutelado pela norma de regência.

Não se amoldando os atos às hipóteses previstas como conduta vedada, captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder, a sentença de improcedência deve ser mantida.

Diante de todo o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença monocrática de improcedência da ação.