RE - 7423 - Sessão: 03/12/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de LODOVINO JOÃO TODESCHINI em representação movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.

No juízo de origem, a empresa COSTOLI GRÁFICA E EDITORA LTDA. - ME – foi condenada ao pagamento de multa no valor de R$ 105.023,45 (cento e cinco mil, vinte e três reais e quarenta e cinco centavos) e às proibições de participar de licitações públicas e/ou celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, pois teria realizado doação acima do limite ao Comitê Financeiro do PSDB de Porto Alegre, durante as eleições de 2012, em desobediência ao estabelecido no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

Ainda, as pessoas físicas consideradas sócias na referida empresa - LODOVINO JOÃO TODESCHINI, MIRIAM BORTOLI, DELCI NUNES DE OLIVEIRA e MARIA ANGÉLICA PICCINI foram declaradas inelegíveis pelo prazo de 8 (oito) anos, com fundamento no art. 1º, I, p, da LC n. 64/90, incluído pela LC n. 135/2010.

Inconformado com a decisão, LODOVINO JOÃO TODESCHINI interpôs recurso, alegando, em síntese, ser parte ilegítima para responder à demanda, ao argumento de que, desde 29.08.2011, não mais integra o quadro social da empresa. Juntou cópia da alteração social (fls. 274-286).

Em contrarrazões de recurso, o Ministério Público Eleitoral manifestou-se pela exclusão de LODOVINO JOÃO TODESCHINI do polo passivo da demanda - em razão de a doação ter sido feita após sua retirada da sociedade - e pela condenação relativamente aos demais representados (fls. 290-291).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso e, de ofício, pelo afastamento da sanção de inelegibilidade imposta aos demais representados pessoas físicas (fls. 295-298v.).

Após o parecer da PRE, sobreveio pedido de carga dos autos formulado pela empresa representada (fl. 300), deferido à fl. 327.

COSTOLI GRÁFICA E EDITORA LTDA - ME apresentou documentos (fls. 333-338), requereu o afastamento da condenação, sustentando que a doação impugnada foi vinculada ao seu CNPJ por equívoco, na prestação de contas eleitorais, de parte do Comitê Financeiro do PSDB de Porto Alegre, tendo sido feita, na realidade, pela empresa Celulose Riograndense.

Visando aferir a correção  da citação da empresa representada, determinei abertura de vista à Procuradoria Regional Eleitoral para manifestação específica sobre a questão (fl. 356), a qual opinou pela validade do ato citatório, ocasião em que ratificou o parecer anterior (fls. 358-360v.).

É o relatório.

 

VOTO

Tendo em vista os autos versarem sobre doação realizada por pessoa jurídica, e estando esse julgador atento às alterações legislativas e decisões do Supremo Tribunal Federal, necessário tecer algumas considerações antes de adentrar no mérito.

Em 29 de setembro de 2015 foi publicada a Lei n. 13.165, a também chamada Minirreforma Eleitoral ou Reforma Política.

O art. 15 da mencionada lei revogou expressamente o art. 81 da Lei 9.504/97, que permitia doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, até o limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

Nessa ordem, surge questão de direito intertemporal, no sentido de verificar se a nova lei teria aplicação retroativa para alcançar as doações realizadas na vigência do art. 81, da Lei n. 9.504/97, hoje revogado expressamente.

Pois bem. A doutrina do sempre lembrado Carlos Maximiliano (Direito Intertemporal ou Teoria da Retroatividade das Leis, 2ª ed. 1955. p. 28) refere que: Os preceitos sob cujo império se concretizou um ato ou fato estendem o seu domínio sobre as consequências respectivas; a lei nova não atinge consequências que, segundo a anterior, deviam derivar da existência de determinado ato, fato ou relação jurídica, ou melhor, que se unem à sua causa como um corolário necessário e direto. Exemplo: a morte de um homem: deste fato resultam direitos (herança etc), regulados pelas normas vigentes no dia em que o mesmo ocorreu.

Assim é que, se houve a doação de bens ao tempo em que disciplinada essa relação jurídica sob o império do art. 81 da Lei n. 9.504/97, este é o dispositivo legal que deverá ser aplicado.

Se houve excesso ao limite permitido pela lei (2%), ficará o doador sujeito às consequências do seu ato que, no caso, estavam previstas nos §§ 2º e 3º do art. 81 da Lei n. 9.504/97.

Esse caminho tem sido trilhado por esta Corte em relação a outras alterações trazidas pela Lei n. 13.165/2015, quer em relação à suspensão das quotas do Fundo Partidário, quer em face dos doadores originários, sendo paradigmas os acórdãos das relatorias do Des. Paulo Roberto Lessa Franz e minha, respectivamente:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Arts. 4º, caput e 14, inc. II, “n”, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014.

A abertura de conta bancária é obrigatória, independentemente de ter havido movimentação financeira no período. Falha de natureza grave que impede a apresentação de extratos bancários correlatos, os quais são imprescindíveis para demonstrar a origem e a destinação dada aos recursos financeiros, bem como para comprovar a alegada ausência de movimentação financeira. Irregularidade insuperável, a comprometer, modo substancial, a fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral.

As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que deram nova redação ao art. 37 da Lei n. 9.096/95, suprimindo a sanção de suspensão de novas contas do Fundo Partidário, não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes da sua vigência.

Redimensionamento, de ofício, do quantum de suspensão das cotas, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Provimento negado.

(RE 31-80.2015.6.21.0008, julgado em 08 de outubro de 2015.)

 

Prestação de contas de candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.406/14. Eleições 2014.

Arrecadação de recursos sem a emissão de recibo eleitoral; despesas com combustível sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos ou publicidade com carro de som; divergências e inconsistências entre os dados dos fornecedores lançados na prestação de contas e as informações constantes na base de dados da Receita Federal; pagamentos em espécie sem a constituição do Fundo de Caixa; pagamento de despesa sem que o valor tivesse transitado na conta de campanha; inconsistência na identificação de doador originário.

Conjunto de falhas que comprometem a transparência e a regularidade da contabilidade apresentada. Entendimento deste Tribunal, no sentido da não retroatividade das novas regras estabelecidas pela Lei n. 13.165/2015, permanecendo hígida a eficácia dos dispositivos da Resolução TSE n. 23.406/2014. A ausência de discriminação do doador originário impossibilita a fiscalização das reais fontes de financiamento da campanha eleitoral, devendo o recurso de origem não identificada ser transferido ao Tesouro Nacional.

Desaprovação.

(PC 2066-71.2014.6.21.0000, julgado em 20 de outubro de 2015.)

Por fim, cumpre ressaltar que o STF, em recente decisão, proferida na ADI n. 4650, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais.

Entretanto, ficou assentado na decisão de julgamento, publicada em 25 de setembro de 2015, que os efeitos apenas seriam aplicáveis às eleições de 2016.

Modo consequente, hígidas as disposições que normatizavam as doações de pessoas jurídicas no pleito de 2014, especialmente o art. 81 da Lei n. 9.504/97, e com esse escopo analisarei o presente recurso.

Portanto, aplicável à espécie o art. 81 da Lei n. 9.504/97, em sua primitiva redação:

Art. 81 As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de 5 a 10 vezes a quantia em excesso.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.

1. Do Recurso de LODOVINO JOÃO TODESCHINI

O recurso do representado LODOVINO JOÃO TODESCHINI é tempestivo, uma vez que o aviso de recebimento da carta de intimação da sentença foi juntado aos autos em 09.09.2013 (fl. 268), e o recurso interposto em 11.09.2013 (fl. 274), dentro, portanto, do prazo de três dias previsto no art. 81, § 4º, da Lei n. 9.504/97.

E a preliminar suscitada merece acolhida.

De acordo com a cópia da Segunda Alteração e Consolidação Contratual (fls. 278-286), o recorrente deixou de ser sócio da empresa COSTOLI GRÁFICA E EDITORA LTDA. - ME em 29.08.2011.

Como a doação foi efetuada ao Comitê do PSDB de Porto Alegre em data posterior, ou seja, 28.09.2012 (fl. 248), inviável a responsabilização do recorrente pela eventual ilegalidade de doações feitas pela empresa COSTOLI GRÁFICA E EDITORA LTDA. - ME durante o período de campanha eleitoral.

Acolho as razões e reconheço, assim, a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam do representado LODOVINO JOÃO TODESCHINI, excluindo-o do polo passivo da presente demanda.

2. Da representação processual da demandada COSTOLI GRÁFICA E EDITORA LTDA. - ME

A peculiaridade do caso concreto – revelia da representada aliada à já mencionada alteração social – recomenda, por cautela e de ofício, uma análise acerca da validade da citação realizada à pessoa jurídica. Vejamos.

A citação foi realizada no dia 05.07.2013, na pessoa de Delci Nunes de Oliveira, sócio da representada (fl. 198).

Nos termos do parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, a citação é regular (sem grifos no original):

Ocorre que, segundo o contrato social às fls. 278-286, o sócio Delci Nunes de Oliveira não detém nem poderes de representação, nem administração, os quais ficaram limitados à pessoa da sócia Miriam Bortoli.

Com efeito, reza o art. 12 do Código de Processo Civil que as pessoas jurídicas serão representadas em juízo, ativa ou passivamente, por quem os seus estatutos designarem, ou, não os designando, por seus diretores. Todavia, tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça a aplicação da Teoria da Aparência, que mitiga a necessidade da citação ser feita na pessoa de sócio com poderes de representação quando não há ofensa aos princípios do contraditório e ampla defesa.

(…)

O Desembargador Federal Luiz Carlos Lugon do Tribunal Federal da 4º Região em seu voto, na AC Nº 2004.71.00.028970-8/RS, elenca três requisitos necessários para a validade da citação de pessoa jurídica que não for feita na pessoa de sócio representante, quais sejam: que a citação tenha se dado na sede da empresa, que a pessoa que recebeu a citação não tenha se oposto a ela, nem tenha ressalvado não possuir poderes de representação e que conste assinatura, atestando o recebimento, no mandado de citação.

Frise-se que todos estes requisitos estão presentes no caso em análise, conforme certidão à fl. 198, já citada alhures.

(…)

Com efeito, no que tange à citação da empresa, conforme atestado pelo Sr. Oficial de Justiça na certidão da fl. 198, o sócio Delci Nunes de Oliveira recebeu o mandado de citação em nome da empresa Costoli, sem oposição, sem ressalvas sobre não possuir poderes de representação, sendo o mandado entregue na própria sede da empresa. Ademais, a sócia representante Miriam Bortoli recebeu o mandado de citação, instruído com a petição inicial, em 09/07/2013, conforme Aviso de Recebimento à fl. 239, restando, portanto, ciente, tanto do teor da representação com relação a sua pessoa quanto no que concerne à pessoa jurídica Costoli Gráfica e Editora Ltda. Não há se falar, portanto, em prejuízo à defesa decorrente da citação, que se perfectibilizou, nos autos, de forma válida.

A corroborar o bem lançado parecer, os seguintes julgados (sem grifos no original):

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. PESSOA JURÍDICA. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA RETIFICADORA. JUNTADA NA FASE RECURSAL. ADMISSIBILIDADE. DOAÇÃO REALIZADA DENTRO DO LIMITE LEGAL.

1 - Preliminar de irregularidade da citação: afasta-se a alegada irregularidade do ato citatório com base na teoria da aparência, segundo a qual se reputa válida a citação de pessoa jurídica realizada na pessoa de quem se apresenta na sede da empresa como seu representante legai e recebe a citação sem ressalva de que não possui poderes para tanto. Precedentes do STJ.

(...)

4 - Recurso provido.

(RECURSO ELEITORAL n. 20-45.2013.6.17.0101, TRE/PE, Rel. ALFREDO HERMES BARBOSA DE AGUIAR NETO, julgado em 12.08.2014.)

 

PROCESSUAL CIVIL AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO CONFIGURAÇÃO. INTIMAÇÃO PESSOAL DO REPRESENTANTE LEGAL DA PESSOA JURÍDICA DA DECISÃO CONCESSIVA DE TUTELA ANTECIPADA. TEORIA DA APARÊNCIA. APLICAÇÃO. ASTREINTES. VALOR. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

(-) 2. O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte quanto à aplicação da teoria da aparência para reconhecer a validade da citação da pessoa jurídica realizada em quem, na sua sede, apresenta-se como seu representante legal e recebe a citação, sem qualquer ressalva quanto à inexistência de poderes para representá-la em Juízo.

(...)

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 481.323/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20.05.2014, DJe 26.05.2014.)

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AR DEVIDAMENTE ENTREGUE NO ' ENDEREÇO DA EMPRESA, ASSINADO E DEVOLVIDO. COMPROVAÇÃO DO RECEBIMENTO. CITAÇÃO EFICAZ. PRECEDENTES. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO.

(...)

2. O Tribunal de origem, com base nos elementos de prova dos autos, concluiu que o AR foi entregue devidamente no endereço da empresa, recebido e assinado por empregado, não sendo necessário o recebimento por um dos sócios ou pelo seu representante legal, conforme a Teoria da Aparência. Rever tal conclusão demandaria o reexame dos fatos e das provas dos autos, o que é vedado no âmbito do recurso especial.

(...)

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp 410.661/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06.02.2014, DJe 20.02.2014.)

Reconhecida a validade da citação da representada, cuja revelia não se atribui a qualquer vício no chamamento à defesa, inafastável a conclusão de que a sentença proferida às fls. 255-259 transitou em julgado em relação a COSTOLI GRÁFICA E EDITORAL LTDA. (e demais sócios).

Aliás, além de ter sido regularmente citada, a representada foi intimada da sentença (fl. 266-v.), providência essa que nem sequer seria necessária, nos termos do disposto no art. 322 do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 322. Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório

Parágrafo único: O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontra.

Ainda, pela dicção do parágrafo único do artigo citado, a representada COSTOLI GRÁFICA E EDITORA LTDA., revel, ao intervir no feito recebeu-o no estado em que se encontra, razão pela qual a manifestação das fls. 333-335 não tem o condão de surtir os efeitos lá requeridos, quais sejam, de reverter sentença condenatória protegida pelo manto da coisa julgada.

Quanto ao pedido de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita formulado à fl. 300, carece a requerente de interesse jurídico nesse ponto, ante a inexistência de custas no âmbito da Justiça Eleitoral.

Finalmente, acolho a manifestação do d. Procurador Regional Eleitoral, para afastar, de ofício, a declaração de inelegibilidade de MIRIAM BORTOLI, DELCI NUNES DE OLIVEIRA e de MARIA ANGELICA PICCINI, fundamentalmente por não se tratar de sanção prevista no comando do art. 81 da Lei n. 9.504/97, circunstância apenas aferível em eventual pedido de registro de candidatura.

Diante do exposto, VOTO no sentido de dar provimento ao recurso de LODOVINO JOÃO TODESCHINI, excluindo-o do polo passivo da presente demanda e, de ofício, afastar a declaração de inelegibilidade de MIRIAM BORTOLI, DELCI NUNES DE OLIVEIRA e de MARIA ANGELICA PICCINI.