RE - 20462 - Sessão: 18/11/2014 às 14:00

Constrangida, afinal este é o meu primeiro dia nesta Corte, ouso divergir do eminente relator.

Com toda a vênia, e com o respeito que merece o colega e a posição por ele adotada, que possui com certeza fundamento jurídico, estou convencida do acerto da sentença.

O artigo 39, § 9º define que até as vinte e duas horas do dia que antecede a eleição serão permitidos distribuição de material gráfico, caminhada, carreata, passeata ou carro de som que transite pela cidade divulgando jingles ou mensagens de candidatos. Vale dizer que após este horário está proibida a propaganda. Não define, todavia, a penalidade.

Diante disso, entendo que tal fato remete ao artigo que traz a proibição e impõe a penalidade, qual seja, a multa, permitindo, e porque se trata da mesma lei, a aplicação do artigo 37, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

Dispõe o artigo 37:

Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos de uso comum, inclusive postes de iluminação pública e sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta, fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados. (Grifo meu.)

§ 1º- A veiculação de propaganda em desacordo com o disposto no caput deste artigo sujeita o responsável, após a notificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida no prazo, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais).

A distribuição de material gráfico, santinhos, na via pública, é veiculação de propaganda em local público e de uso comum, sendo no meu sentir plenamente aplicável a norma supracitada ao caso em julgamento.

Destaco ainda que a punição na forma de imposição de multa é da essência da lei, porque o que se pretende é coibir a prática, e não há forma mais precisa para fazê-lo do que a imposição de encargo financeiro.

A corroborar meu entendimento, trago os argumentos utilizados pela juíza Cristiane Tomaz Buosi, titular da 203ª Zona Eleitoral de Barra Mansa, no Rio de Janeiro, em artigo publicado na Revista EMERJ, v. 13, n. 52 do TRE-RJ.

No referido escrito, a magistrada faz um cotejo entre o crime de boca de urna, previsto no art. 39, § 5º da Lei n. 9.504/97 e a chamada panfletagem, prevista no art. 39, § 9º da mesma Lei. E conclui acerca da necessidade de existir uma sanção não penal para a conduta de distribuição de material, prevista no parágrafo 9º, como forma de coibir tal comportamento. Pela pertinência que possui ao caso ora analisado, destaco trecho do referido artigo:

 

“ante o quadro de notória impotência do Judiciário para atender à demanda multiplicada de jurisdição e, de outro, à também notória impotência do Direito Penal para atender aos que pretendem transformá-lo em mirífica, mas ilusória, solução de todos os males de vida em sociedade – tendo, cada vez mais, aplaudir a reserva à sanção e ao processo penal do papel de ultima ratio e, sempre que possível, a sua substituição por medidas civis ou administrativas, menos estigmatizantes e de aplicabilidade mais efetiva” (Batista, p. 84).

Na esteira do pensamento preconizado pelo eterno mestre Francesco Carnelutti, “uma vez estabelecida a existência do delito, resta a questão da aplicação, ou melhor, da adequação da pena. (...) Na verdade, falta ao direito penal a sua finalidade quando a lei não serve mais para fazer saber aos cidadãos o que, sob a ameaça da pena, devem ou não fazer; pois, a fim de que possa servir para isso, mediante o conhecimento que os cidadãos procuram dela, a lei penal deve ser simples e concisa. (...) O problema do processo, (...) muito mais do que um problema de leis é um problema de homens e de coisas (...) e o caminho para resolvê-los não é complicar a lei cada vez mais, mas, pelo contrário, fazer com que se converta em simples, limitando-se às diretrizes fundamentais e, além do mais, provendo uma boa escolha dos homens, que, segundo tais, devem operar” (Carnelutti, p. 59-60).

Na mesma linha de análise, ponderam Marcos Caires Luz e Liliam Cristina Perez Alves de Souza que “caberá às autoridades competentes, a partir do princípio da intervenção mínima, coibir os excessos e os abusos que porventura possam ser cometidos a pretexto de se pregar a liberdade de pensamento e de expressão” (Luz e Souza, p. 3).

E a punição mais efetiva, a ser proporcionada pelo aplicador do direito, assim, mais do que punir criminalmente o agente que praticou o crime em questão, é sim, coibir a sua prática, ou seja, alcançar o agente deflagrador da propaganda extemporânea que, como é de conhecimento ordinário, é quem detém os recursos econômicos necessários para patrociná-la, ou seja, o candidato, partido político ou coligação, em notório “flerte” com o abuso do poder econômico e político. (grifo nosso)

 

Diante disso, pactuo do entendimento esposado em outros precedentes desta Corte, dentre os quais destaco o do Desembargador Marco Aurélio Heinz no julgamento do RE 608-19, de 12.02.2014:

Recursos. Propaganda eleitoral. Distribuição de material gráfico em diversos locais de votação do município. Art. 37, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Preliminares de ilegitimidade passiva e de cerceamento de defesa afastadas. Dever de vigilância dos partidos por toda propaganda eleitoral que beneficia seus candidatos, por conta do art. 241 do CE. O magistrado tem a faculdade de indeferir diligências dispensáveis ou meramente protelatórias.

Notório o fato de os candidatos deliberadamente jogarem material de campanha em frente às seções eleitorais, na noite da véspera do pleito, para que fossem encontrados pelos eleitores nas primeiras horas da manhã seguinte, o que vai na contramão do que preceitua o art. 39, § 9º, da Lei n. 9504/97. A remoção dos folhetos não teria o condão de afastar os danos até então causados. Modo consequente, confirmada a sentença que aplicou multa a cada representado.

Provimento negado.

(RE 608-19, Rel. Des. Marco Aurélio Heinz, julg. em 12.02.2014.)

Portanto, é evidente que a panfletagem realizada em logradouros públicos, abrangidos no conceito de "bens públicos de uso comum do povo” previstos no art. 99, I, do Código Civil, enquadra-se na prática publicitária vedada pela legislação eleitoral. Tal comportamento é agravado por ter sido praticado na véspera da eleição e nos arredores dos locais de votação.

Nesse sentido, entendo aplicável ao presente caso a multa prevista no art. 37, § 1°, da Lei n. 9.504/97.

Não desconheço que a legislação e a jurisprudência são no sentido de que a multa deve ser aplicada de forma individual para candidato e coligações. No entanto, em razão da ausência de recurso nesse sentido, mantenho a solidariedade, a fim de evitar a incidência da refomatio in pejus, tal como tem se posicionado esta Corte.

Diante do exposto, voto por confirmar sentença e negar provimento ao recurso, mantendo a multa de condenação da Coligação Agora é a Hora e Todos por Taquari, Emanuel Hassen de Jesus e de André Luís Barcellos Brito ao pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), observando a solidariedade entre a Coligação e seus respectivos candidatos, nos termos dos artigos 6º, §1º, e 37, §1º, ambos da Lei n. 9.504/97, e artigo 241 do Código Eleitoral.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Peço vista dos autos.

 

Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Acompanho o eminente relator.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Aguardo a vista.

 

Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

Aguardo a vista.