PC - 147257 - Sessão: 09/12/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se da prestação de contas apresentada por JURANDIR MARQUES MACIEL, candidato eleito ao cargo de deputado estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2014.

Após análise, a Secretaria de Controle Interno e Auditoria deste TRE emitiu Parecer Conclusivo pela desaprovação das contas, fls. 68-71. O interessado apresentou manifestação (fls. 76-80). No Relatório de Análise da Manifestação, a SCI reiterou o posicionamento pela desaprovação, fls. 82-90.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pela desaprovação das contas, ao argumento central de ausência de identificação dos doadores originários, conforme parecer de fls. 93-100.

É o relatório.

 

VOTO

O candidato Jurandir Marques Maciel apresentou prestação de contas relativas à arrecadação e ao dispêndio de valores durante a campanha ao pleito de 2014.

A Secretaria de Controle Interno e Auditoria – SCI deste Tribunal emitiu Parecer Técnico Conclusivo pela desaprovação da contabilidade, em razão da inconsistência na identificação dos doadores originários. Em resumo, naqueles casos em que os recursos provieram originariamente de pessoas físicas contribuintes obrigatórias do partido – filiados ocupantes de cargos comissionados (a grosso modo) – foi informada a Direção Partidária do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB como sendo o doador originário.

Daí, a unidade técnica aduziu, ainda no Relatório Preliminar para Expedição de Diligências, que:

1.3 Verifica-se que há inconsistência na identificação das doações originárias, uma vez que o doador originário informado é a Direção do PTB - Partido Trabalhista Brasileiro – CNPJ 89.455.091/0001-63. Com efeito, essa informação é considerada válida e inviabiliza a identificação da real origem do recurso, tendo em vista que pode caracterizar o recebimento de recursos considerados de origem não identificada, nos termos do art. 29, § 1°, da Resolução TSE n. 23.406/2014. Outrossim, destaca-se que o art. 26, § 3° da Resolução TSE n. 23.406/2014 exige a identificação do doador originário das doações realizadas entre partidos, comitês financeiros e candidatos.

Em suas manifestações, os argumentos do prestador se dão, fundamentalmente, nos sentidos (1) de que não dispõe dos dados dos doadores/contribuintes partidários, e que os referidos recursos estão identificados na prestação de contas partidária do PTB do Estado do Rio Grande do Sul, situação esta que conferiria a transparência necessária, e (2) de que um filiado, contribuinte obrigatório do partido político ao qual é filiado, alcançando-lhe valores, não poderia (ou não deveria) ser considerado doador originário de recursos para campanha eleitoral.

O parecer final da SCI, fls. 68-71, opinou pela desaprovação das contas de Jurandir Marques Maciel ao entendimento de que o referido prestador deixou de identificar a origem dos recursos no relativo ao valor de R$ 51.540,00 (cinquenta e um mil quinhentos e quarenta reais), pois nesses valores a Direção Estadual do PTB foi indicada como doador originário – tanto na prestação de contas quanto nos recibos eleitorais, o que não cumpriria o estabelecido no art. 26, § 3º, da Res. TSE n. 23.406/14 exatamente pela omissão da identidade das pessoas físicas contribuintes.

Transcrevo, por oportuno, trecho da conclusão do exame das contas:

A falha apontada no item “A” compromete a regularidade das contas apresentadas e importa no valor total de R$ 51.540,00, o qual representa 23,1% do total de recursos arrecadados pelo prestador no valor de R$ 222.665,04, conforme documento da fl. 46.

Ao final, considerando o resultado dos exames técnicos empreendidos na prestação de contas, esta unidade técnica opina pela desaprovação das contas. Ainda, deverá ser transferida ao Tesouro Nacional a importância de R$ 51.540,00, nos termos do art. 29 da Resolução TSE n. 23.406/2014.

Ao que parece, o caso posto tem os mesmos traços fáticos de outro processo julgado recentemente por esta Corte. Refiro-me ao processo PC n. 1698-62.2014.6.21.0000, de Relatoria da Dra. Giselle Anne Vieira de Azambuja, cuja ementa segue transcrita:

Prestação de contas. Candidato. Arts. 20, I, 26, § 3º e 29, todos da Resolução TSE n. 23.406/14. Eleições 2014.

Preliminar afastada. É intempestiva a juntada de documentos no dia do julgamento da prestação. Indeferimento do pedido. Oportunizado ao candidato os prazos para manifestação dispostos na Resolução TSE n. 23.406/14, em observância ao devido processo legal. Inviável o tratamento diferenciado, violando o princípio da isonomia entre os demais prestadores.

Persistência de irregularidade insanável, ainda que concedida mais de uma oportunidade para retificação dos dados informados. Arrecadação de recursos de origem não identificada. Valores recebidos mediante doações realizadas pelo comitê financeiro onde consta como doador originário o diretório estadual partidário.

Necessidade da identificação da pessoa física da qual realmente procede o valor, ainda que o recurso seja proveniente de contribuição de filiado, já que a verba, quando repassada pelo partido político às campanhas eleitorais, assume a condição de doação. Previsão normativa determinando que o prestador indique o CPF ou CNPJ do doador originário dos repasses realizados por partidos, comitês e campanhas de outros candidatos.

Inviável condicionar o exame das contas de candidato à análise da prestação de contas partidária. É imprescindível a consignação da real fonte de financiamento de campanha e seu devido registro no Sistema de Prestação de Contas – SPCE, devendo o candidato declarar o nome do responsável pelo recurso repassado pelo partido ou comitê e empregado na campanha.

Ausente a discriminação do doador originário, não há como se aferir a legitimidade do repasse, devendo o recurso de origem não identificada ser transferido ao Tesouro Nacional.

Desaprova-se a prestação quando apresentada de forma a impossibilitar a fiscalização das fontes de recursos de campanha, comprometendo a sua transparência.

Desaprovação.

Retornando à situação posta, incontroverso o repasse de R$ 51.540,00 a Jurandir Marques Maciel, os quais teriam origem nas contribuições de filiados ao Partido Trabalhista Brasileiro – PTB/RS.

O Diretório do PTB/RS, de posse dos valores, transferiu-os ao Comitê Financeiro. E, daí, o comitê transferiu os valores ao candidato, circunstância também incontroversa.

Como já asseverou o órgão técnico, tal movimentação, aliada à ausência de esmiuçamento, nestes autos, de todo o caminho trilhado pelos valores, fez com que não seja possível identificar a origem dos recursos. O procedimento correto seria a indicação da pessoa física de onde realmente partiu o valor - mesmo que seja o recurso proveniente de contribuição de filiado. Assim, a indicação da pessoa física deveria ocorrer a) na prestação de contas do partido; b) na prestação de contas do comitê; e, mais importante para o caso posto, c) nas contas do candidato.

Detalho o procedimento: no momento do depósito do valor na conta de campanha do partido, deveria ser realizada a emissão do recibo eleitoral para cada um dos contribuintes (pois se tornaram doadores originários); a partir daí, o PTB deveria ter transferido o valor (R$ 51.540,00) da conta Doações para a Campanha para a conta bancária de campanha do Comitê Financeiro, o qual igualmente emitiria recibo eleitoral e declararia, como doador originário, as pessoas físicas de onde efetivamente provieram os valores e, como doador direto, o partido.

Isso porque a necessidade de declaração do doador originário nas prestações de contas de campanha é comando contido no art. 26, § 3º, da Resolução TSE n. 23.406/2014, normativo que regula a prestação de contas relativa às eleições 2014:

Art. 26 - As doações entre partidos políticos, comitês financeiros e candidatos deverão ser realizadas mediante recibo eleitoral e não estarão sujeitas aos limites impostos nos incisos I e II do art. 25.

[...]

§ 3º As doações referidas no caput devem identificar o CPF ou CNPJ do doador originário, devendo ser emitido o respectivo recibo eleitoral para cada doação.

Colho, ainda, do voto da Relatora na PC n. 1698-62, o seguinte trecho, por elucidativo:

[...] Observo que o doador originário pessoa física nunca se altera. Sempre será considerada como doadora originária a pessoa natural da qual deriva o numerário, não importando se era inicialmente um filiado que contribuiu. O que pode se alterar é o doador direto. [...]

Sob outro aspecto, o candidato alega que se trata de informações que não lhe competem, bem como alterações que não tem como atender (fl. 76).

Contudo, tais alegações não podem ser consideradas, sobretudo pelo caráter absolutamente interna corporis da relação entre o filiado e a agremiação no que toca às informações a serem prestadas à Justiça Eleitoral. Saliento que a utilidade do comando acima transcrito é, exatamente, a possibilidade de verificação, na prestação de contas, de quem financiou a campanha do candidato. Portanto, tais informações competem sim ao candidato, sendo aconselhável que ele tenha ciência e acesso às informações, eis que diretamente empregadas na sua campanha eleitoral.

Nesse aspecto, transcrevo trecho do parecer do d. Procurador Regional Eleitoral, fl. 95v.:

[…] De início vale destacar que o argumento sustentado pelo candidato confunde a obrigação dos partidos políticos prestarem contas de exercício financeiro com a sua obrigação de prestar contas de campanha eleitoral (regra imposta a todos os candidatos que participam do pleito, portanto isonômica). São obrigações distintas com regramentos diferentes, a obrigação dos partidos políticos de prestarem contas de exercício financeiro decorre da Lei n. 9.096/95 e Resolução do TSE n. 21.841/04; já a obrigação dos participantes diretos do pleito eleitoral decorre da Lei n. 9.504/97 e Resolução do TSE n. 23.406/2014. […]

Ainda, há bastante clareza no relatório de exame das contas ao afirmar que, uma vez que ocorra transferência para as contas de campanha de partidos políticos, de comitês financeiros e de candidatos, os recursos oriundos de contribuições de filiados são tratados pela Resolução TSE n. 23.406/2014, sem exceções, com a denominação de “doação” (art. 19, III).

Ora, a legislação assim determina porque o dinheiro será utilizado em uma campanha eleitoral: daí, não poderia ser outro o tratamento dado à origem do recurso, sob pena de ausência de transparência na prestação de contas.

Nessa ordem de ideias, surge a clara necessidade, decorrente de expressa previsão, de que os candidatos indiquem o respectivo CPF ou CNPJ daquele doador originário.

Como aliás referido no acórdão paradigmático sobre o tema, supracitado, a obrigação persiste, nitidamente, ainda que a doação tenha se originado em contribuição de filiado, sob pena de persistirem as denominadas “doações ocultas” a candidatos – situação na qual ninguém sabe a identidade de quem financiou a campanha e, portanto, quem colaborou para que determinado candidato se elegesse.

E friso que a obrigação de discriminação dos doadores originários nas contas de campanha não é novidade no âmbito deste Tribunal, eis que já analisada em acórdão da relatoria do Dr. Hamilton Langaro Dipp, referendado pelo TSE (Recurso Especial Eleitoral n. 720373):

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARTIDO POLÍTICO. PRESTAÇÃO DE CONTAS RELATIVAS À ARRECADAÇÃO E APLICAÇÃO DE RECUROS FINANCEIROS NA CAMPANHA ELEITORAL DE 2010. DESAPROVAÇÃO. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSÊNCIA DE RECIBOS ELEITORAIS E ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL. ART. 14, § 1º, I, E § 2º, I E II, DA RES.-TSE Nº 23.217/2010. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SUSPENSÃO. REPASSE. COTAS. PROPORCIONALIDADE. PARCIAL PROVIMENTO.

1. A doação de recursos realizada pelo próprio partido para a sua conta-corrente específica de campanha, assinando o recibo eleitoral na condição de doador – sem efetuar a identificação e a escrituração contábil das doações por ele recebidas de forma individualizada, nos moldes em que determina o art. 14, § 1º, I e II, da Res.-TSE nº 23.217/2010 – impede o efetivo controle acerca da origem dos valores arrecadados, não havendo como se aferir, nessas circunstâncias, o real doador dos recursos empregados na campanha eleitoral e a sua licitude. 2. Na espécie, a modificação da conclusão adotada pelo Tribunal a quo demandaria, necessariamente, o vedado reexame de fatos e provas dos autos (Súmulas ns. 7/STJ e 279/STF). 3. Considerando o critério de proporcionalidade a que se refere o art. 25, parágrafo único, da Lei nº 9.504/97, a suspensão do repasse das cotas do Fundo Partidário deve ocorrer pelo prazo de seis meses. 4. Agravo regimental a que se dá parcial provimento.

(TSE - AgR-REspe: 720373 RS, Relator: Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Data de Julgamento: 1.10.2013, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 21.10.2013.)

Assim, o argumento de uma “cisão conceitual” entre o recurso oriundo de um contribuinte filiado daquele alcançado por outra pessoa física ou jurídica não encontra suporte normativo. Não há referência à “contribuição de filiado” em prestação de contas de campanha, pois o valor, quando nela aplicado, torna-se uma doação e passa a ser nesses termos regulamentado.

Circunstância que vale ser ressaltada é a série de reuniões que a Secretaria de Controle Interno e Auditoria - SCI deste Tribunal realizou com todos os partidos políticos envolvidos nas eleições de 2014, advertindo, dentre outros assuntos, sobre a necessidade de cumprimento das regras relativas à identificação dos doadores originários, de maneira que exsurge como espontânea e expressa a decisão de não identificação dos doadores originários.

Ainda, saliento, conforme o art. 41 da Resolução TSE n. 23.406/2014, a cogência da utilização do SPCE - Sistema de Prestação de Contas Eleitorais, programa no qual devem constar as informações de arrecadação e gastos de campanha, desobedecido no caso. Nessa linha, o argumento de que os doadores originários constam na prestação de contas do partido político atribui, indireta e descabidamente, à Justiça Eleitoral a atividade de “escolher” os valores (e, portanto, as pessoas) que passarão a assumir a condição de doadores de campanha deste ou daquele candidato.

Ora, essa responsabilidade é, por óbvio, exclusiva do prestador, até mesmo porque, na ocasião, deve ser emitido o respectivo recibo.

Note-se que, da forma como prestadas as contas, não foram possíveis duas análises fundamentais: a primeira, a atinente à existência (ou inexistência) das denominadas “fontes vedadas”, previstas no art. 5º da Resolução TSE n. 21.841/04 para os partidos políticos, aliás em rol mais estreito do que quando se está a tratar de arrecadação na campanha eleitoral - previstas no art. 28 da Resolução TSE n. 23.406/2014; e, a segunda, a aferição de valores repassados por pessoas na condição de “autoridade” - ocupantes de cargo em comissão com funções de direção ou chefia, as quais se enquadram no conceito de autoridade, situação considerada irregular tanto pelo Tribunal Superior Eleitoral quanto por esta Corte.

Assim, o candidato não identificou a origem das doações recebidas via Comitê Financeiro do PTB/RS, uma vez que o próprio partido foi declarado como doador originário dos recursos, o que desobedece ao art. 26, § 3º da Resolução n. 23.406/14, impede a fiscalização das contas e não confere a transparência necessária à prestação.

Irregularidade grave e insanável. Os doadores originários/pessoas físicas deveriam ter sido indicados na prestação de contas do candidato e registradas no SPCE. Ainda, na ocasião, deveriam ter sido emitidos os respectivos recibos eleitorais.

Em função disso, considerando que (1) o montante de R$ 51.540,00 representa 23,1% do total dos valores arrecadados na campanha (R$ 222.665,04), trata-se de quantia considerável e efetivamente utilizada na campanha do candidato; e (2) este Tribunal intimou o interessado e o alertou acerca do apontamento, o valor de R$ 51.540,00 é de ser considerado como recurso de origem não identificada, na forma do art. 29 da Resolução TSE n. 23.406/2014.

Finalmente, friso: seja devidamente anotada a determinação, nestes autos, de transferência do valor não identificado ao Tesouro Nacional, para que outra eventual desaprovação fundada no mesmo fato não enseje determinação de recolhimento da mesma verba.

Por fim, dou por prequestionado o art. 19, inciso IV, que deve ser interpretado em consonância com o art. 20, ambos dispositivos da Resolução TSE n. 23.406/14.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação da prestação de contas de JURANDIR MARQUES MACIEL e determino que o candidato efetue o recolhimento do valor de R$ 51.540,00 (cinquenta e um mil quinhentos e quarenta reais) ao Tesouro Nacional no prazo de até 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado da decisão, nos termos do art. 29 da Resolução TSE n. 23.406/2014, com a ressalva de que a presente determinação seja devidamente registrada, de modo a se evitar, em outro processo, a repetição da ordem de recolhimento da mesma quantia, pelos mesmos fatos.