PC - 233173 - Sessão: 09/12/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de prestação de contas referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2014 (fls. 11-69), apresentadas por intermédio de procurador constituído nos autos (fl. 09).

Após análise técnica das peças, a Secretaria de Controle Interno e Auditoria – SCI deste TRE emitiu relatório preliminar para expedição de diligências (fls. 71-74), sobrevindo manifestação do interessado acompanhada de documentos (fls. 80-175).

A SCI emitiu parecer técnico conclusivo pela desaprovação das contas, por inobservância da norma do art. 23, caput, da Resolução TSE n. 23.406/2014, no pertinente à ilegitimidade de recursos estimáveis em dinheiro arrecadados em campanha (fls. 177-180).

O interessado apresentou nova manifestação, pela qual arguiu preliminar de inconstitucionalidade do art. 23 da Resolução TSE n. 23.406/2014, requerendo a sua declaração ao efeito de ser afastada a ressalva apontada pela SCI em seu relatório conclusivo. No mérito, postulou a aprovação das contas, ainda que com ressalvas (fls. 188-197).

A SCI apresentou relatório de análise de manifestação, pelo qual manteve o entendimento pela reprovação. Destacou que a irregularidade detectada corresponderia a R$ 1.364,50 (mil, trezentos e sessenta e quatro reais e cinquenta centavos) ou a 0,05% do total de recursos obtidos – R$ 2.906.256,84 (dois milhões, novecentos e seis mil, duzentos e cinquenta e seis reais e oitenta e quatro centavos) (fls. 199-200).

Sobreveio decisão, pela qual foi postergada a análise da preliminar suscitada para o momento do julgamento final das contas (fl. 203).

Foram os autos com vista ao Ministério Público Eleitoral, que exarou parecer pela intimação do candidato para que se manifestasse sobre a omissão, nas contas prestadas, de jantar de apoio político que teria sido realizado no município de Dona Francisca, ou, caso não fosse esse o entendimento, pela desaprovação das contas (fls. 207-209). Anexou documentos objeto do expediente interno procedimento preparatório eleitoral – PPE n. 1.04.100.000395/2014-21 (fls. 210-234).

Notificado (fls. 236), o interessado admitiu a existência do evento, contudo, reputou-o lícito e o atribuiu ao Diretório Municipal do Partido Progressista daquele município, entendendo caber a este a respectiva prestação de contas. Alegou que o evento contemplava outros candidatos progressistas. Sustentou que teria permanecido pouco tempo no local e que todos os custos, encargos, atos promocionais e valores do evento correram por conta da representação local do partido. Ademais, o então candidato Adolfo José Brito também teria estado presente no jantar e suas contas teriam sido aprovadas sem ressalvas (fls. 241-243). Colacionou documentos (fls. 244-271).

Com nova vista dos autos, o parquet justificou não ter juntado idêntico procedimento ao processo de Adolfo José Brito em razão do volume processual e dos prazos exíguos, bem como ratificou o parecer anterior (fls. 279 e verso). Juntou documentos (fls. 276-279). Sobre isto respondeu o interessado na fl. 281.

Vieram os autos a mim conclusos.

É o relatório.

 

VOTO

Preliminar de inconstitucionalidade do art. 23 da Resolução TSE n. 23.406/2014

O candidato arguiu preliminar de inconstitucionalidade do art. 23 da Resolução TSE n. 23.406/2014, sob o argumento de que teria criado, por fonte transversa, “nova espécie de fonte vedada de recursos de campanha”, ao restringir a natureza do recurso estimável em dinheiro doado ao candidato.

Entendeu que não haveria, no texto de regência, suporte legal a amparar a condição imposta pela Corte Superior. A Lei 9.504/97 teria garantido às pessoas físicas e jurídicas o direito de contribuição às campanhas eleitorais, inclusive por meio do fornecimento gratuito de bens e serviços por eles custeados, cuja única restrição seriam os limites de valor previstos em lei, silenciando sobre a natureza da doação.

Aludiu o comando insculpido no inciso II do art. 5º da Constituição Federal, que refere: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. À luz desse dispositivo, o TSE, ao estabelecer a restrição, estaria extrapolando seu poder regulamentar, que deveria limitar-se à expedição de instruções à execução da legislação eleitoral.

Tal raciocínio não se sustenta, contudo.

Diz o art. 23 da Resolução TSE n. 23.406/14:

Art. 23 Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas e jurídicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens permanentes, deverão integrar o patrimônio do doador.

Não vejo a alegada extrapolação da competência regulamentar por parte do TSE, uma vez que não houve inovação legislativa, apenas colmatação de conceito jurídico aberto, qual seja, “bem estimável”. Ao fazê-lo, aquela Corte Superior alinhou e consolidou entendimento que vinha sendo construído em sede jurisprudencial, como lhe compete.

A inteligência do art. 23 da aludida Resolução remete à preocupação com a transparência das contas e com a possibilidade de que haja burla aos limites de valores impostos pela lei às doações, por meio da descaracterização da pessoa física e/ou jurídica, oportunizada pela imprecisão do termo “bem estimável”. Nesse cenário, justificada a atuação desta especializada, no cumprimento de função precípua.

Ao delimitar os bens estimáveis à doação como sendo produto da atividade econômica ou do patrimônio do doador, o TSE regulamenta situações fáticas que poderiam resultar em ineficácia da Lei 9.504/97, a exemplo da doação proveniente de fonte vedada, ocultada por interposto doador.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a legitimidade da atuação do TSE na regulação dos temas eleitorais, de modo que não há se falar em inconstitucionalidade, em vista da inexistência de contrariedade de preceito constitucional no caso (ADI n. 3999/DF; ADI n. 3345/DF).

Nesse sentido, colho da jurisprudência:

RECURSO ELEITORAL. EXCESSO DE DOAÇÃO A CANDIDATO. PRELIMINARES REJEITADAS. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. EXPOSIÇÃO DE FUNDAMENTOS PARA A REFORMA DA SENTENÇA. INCOMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. ATUAÇÃO NÃO VERIFICADA. ERRO FORMAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 23 DA LEI N.° 9.504/97. SUPOSTA EXTRAPOLAÇÃO DO EXERCÍCIO REGULAMENTAR. COMPETÊNCIA DO TSE. LEGITIMIDADE. ART. 22, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONCEITUAÇÃO DE BENS ESTIMÁVEIS. MERA ESPECIFICAÇÃO DE CONCEITO ABERTO. OBJETIVO DE GARANTIR TRANSPARÊNCIA ÀS CONTAS. DOAÇÃO POR EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. CONFUSÃO PATRIMONIAL INEGÁVEL. APLICAÇÃO DOS LIMITES DO ART. 23 DA LEI N.° 9.504/97 E NÃO DOS CONSTANTES DO ART. 81. EXCESSO AFASTADO. PROVIMENTO. AÇÃO IMPROCEDENTE.

(TRE/MS, acórdão n. 8.193; Recurso Eleitoral n. 21-75/Jaraguari; Rel. Des. Josué de Oliveira; publicado em 19/02/2014.)

Logo, afasto a preliminar.

Destaco.

Questão de fundo

A análise técnica efetuou exame formal das peças obrigatórias constantes nos autos, opinando, ao final, pela reprovação das contas apresentadas, em virtude de incorreta arrecadação/aplicação de recursos financeiros na campanha eleitoral, assim identificada:

Parecer Técnico Conclusivo de fls. 178-180

1.1 Ilegitimidade dos Recursos Estimáveis em Dinheiro Arrecadados de Pessoas Físicas:

A partir do atendimento pelo candidato do item 1.1, “b” (fl. 71) do Relatório Preliminar para Expedição de Diligências (fls. 71 a 74), o qual solicitava a apresentação de documentação comprobatória da arrecadação de recursos estimados, examinou-se a natureza dos recursos estimáveis em dinheiro provenientes de doações de pessoas físicas descrita nos documentos apresentados, onde constatou-se a utilização dessa espécie de recurso de forma irregular.

A arrecadação das seguintes doações configura infração às normas que exigem que a doação deva constituir produto do serviço ou da atividade econômica do doador, conforme determina o art. 23, caput, da Resolução TSE nº 23.406/2014:

Neste ponto, o parecer refere duas doações estimáveis em dinheiro de Mario Rabuske, consistentes em publicidade por jornais e revistas, nos dias 01/10/2014 e 03/10/2014, nos valores de R$ 864,50, totalizando R$ 1.364,50. Seguindo a transcrição:

Nesse contexto, registra-se que os respectivos documentos fiscais, nas fls. 175 e 172, demonstram o pagamento de despesas eleitorais com recursos que não transitaram pela conta bancária de campanha.

De outra parte, observa-se que o posterior lançamento dos recursos acima na prestação de contas, irregularmente como doação estimável em dinheiro, impedem o efetivo controle pela Justiça Eleitoral com todos os instrumentos de que dispõe, notadamente aqueles disponibilizados pelo Sistema Financeiro Nacional.

Relatório de análise de manifestação de fls. 199-200:

Assim, entende-se que as informações apresentadas pelo mesmo não alteram o apontamento pertinente à ilegitimidade de recursos estimáveis em dinheiro arrecadados em campanha, conforme descrito no item 1.1 (fls. 178 e 179) do Parecer Técnico Conclusivo das fls. 177 a 180.

Permanecem, pois, as irregularidades, percutindo com o disposto no art. 23 da Resolução TSE n. 23.406/2014:

Art. 23. Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas e jurídicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens permanentes, deverão integrar o patrimônio do doador. (Grifo nosso.)

Observa-se que a falha apontada no valor de R$ 1.364,50 representa 0,05% do total de recursos arrecadados pelo prestador (R$ 2.906.256,84 – fl. 84).

A despeito de a irregularidade não ter sido sanada, restam comprovadas a origem e a destinação dos respectivos valores, os quais correspondem a 0,05% do montante total arrecadado (em valores absolutos a R$ 1.364,50), sem comprometimento da regularidade e confiabilidade das contas e ausente má-fé do candidato – visto que a quantia em questão foi por ele declarada. Portanto, em relação ao ponto específico, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não caberia a desaprovação das contas, mas sim, sua aprovação com ressalvas.

Contudo, o Procurador Regional Eleitoral juntou aos autos expediente interno nominado Procedimento Preparatório Eleitoral n. 1.04.100.000395/2014-21, dando conta da realização, em 25/9/2014, de jantar de apoio político ao qual teria comparecido o interessado, disso não prestando contas. Colho do parecer ministerial (fl. 208v.):

Conforme diligência realizada pela Promotoria Eleitoral de Faxinal do Soturno, houve a participação direta do candidato JOSÉ OTÁVIO GERMANO no referido jantar, o qual constava com 300 (trezentas) a 400 (quatrocentas), sendo que a diligência efetuada pelo Ministério Público Eleitoral determina a conclusão de que embora existisse ingressos no valor de R$ 5,00 (cinco reais) como forma de contraprestação, a realidade demonstrou que os ingressos eram doados. Nesse ponto, vale ressaltar que o Secretário de Diligência apenas por se encontrar em frente ao local do jantar de apoio à candidatura de JOSÉ OTÁVIO GERMANO, recebeu de um senhor um ingresso de graça.

O interessado admite a participação no aludido evento, o qual é, portanto, incontroverso. Porém, ressalva a não exclusividade do jantar, que teria sido promovido em apoio a todos os candidatos do Partido Progressista, referindo a participação do também candidato Adolfo José Brito, o qual teve suas contas aprovadas. Entende que, por se tratar de evento organizado, executado e custeado pelo Diretório Municipal da agremiação em Dona Francisca, dele descabe prestar as respectivas contas.

A respeito da oportunidade em que trazida aos autos a informação sobre o referido jantar, entendo que afiguram plausíveis as justificativas do Ministério Público, em face da exiguidade de prazos e volume de serviço que o momento pós-eleitoral acarreta, com a necessidade de exame de todas as contas dos eleitos antes da diplomação.

A disciplina dos jantares de campanha encontra-se no art. 27 da Res. TSE n. 23.406/14, in verbis:

Art. 27 Para a comercialização de bens e/ou serviços e/ou a promoção de eventos que se destinem a arrecadar recursos para campanha eleitoral, o candidato, o partido político ou o comitê financeiro deverão:

I – comunicar a sua realização, formalmente e com antecedência mínima de 5 (cinco) dias úteis, à Justiça Eleitoral, que poderá determinar a sua fiscalização;

II – manter, à disposição da Justiça Eleitoral, a documentação necessária à comprovação de sua realização.

§ 1º Os valores arrecadados constituem doação e estão sujeitos aos limites legais e à emissão de recibos eleitorais.

§ 2º O montante bruto dos recursos arrecadados deverá, antes de sua utilização, ser depositado na conta bancária específica.

§ 3º Para a fiscalização de eventos, prevista no inciso I do caput, a Justiça Eleitoral poderá nomear, entre seus servidores, fiscais ad hoc, devidamente credenciados para a sua atuação.

§ 4º As despesas e gastos relativos à realização do evento deverão ser comprovadas por documentação idônea e pelos respectivos recibos eleitorais, mesmo quando provenientes de doações de terceiros, em espécie, bens ou serviços estimados em dinheiro.

Vê-se, da norma em foco, que há obrigação de contabilização de eventos dessa natureza, em termos exaurientes, se dotado de caráter arrecadatório, de modo a garantir a transparência e confiabilidade das contas. Todavia, paira dúvida a respeito da responsabilidade sobre a concretização do evento, bem como de seu caráter, a exigir dilação probatória, a qual não mais encontra oportunidade neste feito, dada a exiguidade do prazo de exame das contas dos candidatos eleitos, de modo que prejudicado o exame no ponto.

Compulsando os documentos, verifico que os valores supostamente movimentados no evento não superariam, na mais alta estimativa, o montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais), se consideradas as alegadas 400 (quatrocentas) pessoas presentes e o preço do convite, R$ 5,00 (cinco reais). Nesse cenário, representaria 0,06 pontos percentuais do total arrecadado em campanha, em nada modificando a conclusão pela aprovação das contas com ressalvas, em um juízo de razoabilidade.

Colho da jurisprudência:

ELEIÇÕES 2010. RECURSO ORDINÁRIO. REPRESENTAÇÃO. ART. 30-A DA LEI N. 9.504/97. CAPTAÇÃO OU GASTO ILÍCITO DE RECURSOS. DEPUTADO ESTADUAL. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. CONCESSIONÁRIA. ART. 24, III, DA LEI Nº 9.504/97. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PESSOA JURÍDICA QUE É MERA ACIONISTA DA EMPRESA QUE EFETIVAMENTE CONTRATOU COM O PODER PÚBLICO. DOAÇÃO QUE REPRESENTA APENAS 5,4% DO TOTAL DOS RECURSOS ARRECADADOS. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTES. PROVIMENTO.

1. In casu, embora tenha sido a empresa doadora que participou do processo licitatório para a exploração de serviço público, temse que, antes mesmo da assinatura do contrato, transferiu para subsidiária todos os direitos e obrigações da concessão, não figurando, portanto, como contratada, o que afasta a vedação do art. 24, III, da Lei nº 9.504/97, cuja interpretação é estrita.

2. Ademais, a doação questionada representa apenas 5,4% do total de recursos financeiros de campanha arrecadados, atraindo, assim, a incidência dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, os quais recomendam não seja aplicada a grave sanção de cassação do diploma.

3. Recurso ordinário provido.

(TSE – RO 581 – Rel. Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO – DJE 20/08/2014.)

Nada obsta, porém, que, identificada ofensa aos ditames da Lei das Eleições, sejam manejadas as ações pertinentes.

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de JOSÉ OTÁVIO GERMANO relativas às eleições gerais de 2014, fulcro no art. 54, II, da Resolução TSE n. 23.406/2014.