AP - 135214 - Sessão: 24/11/2014 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL ofereceu denúncia contra JOSÉ WALDIR DILKIN, MARIA IVETE DE GODOY GRADE, MÔNICA BETIS AMARAL e MICHELE DE PAULA DA SILVA pela suposta prática do delito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral.

A ação foi proposta nesta Corte em razão da prerrogativa de foro de José Waldir Dilkin, atual Prefeito de Estância Velha.

Os denunciados foram notificados para oferecer resposta à acusação (fls. 766 e 833).

Em sua resposta, José Waldir Dilkin (fls. 790-805) argumentou não haver provas a respeito do 1º fato narrado na denúncia, alegando inconsistências nas declarações das denunciantes e na descrição da conduta delituosa na peça inicial. Quanto ao segundo fato, alegou que a eleição ocorreu antes da suposta data informada na denúncia, argumentando haver desavenças pessoais com a denunciante e imprecisões na sua declaração. Em relação ao terceiro fato, aduziu a inexistência de elementos mínimos a sustentar o recebimento da denúncia. Suscitou a inépcia da denúncia por não haver descrição pormenorizada dos fatos. Requereu a rejeição da peça acusatória.

Maria Ivete de Godoy Grade (fls. 811-814) sustentou que a responsabilidade solidária entre prefeito e vice existe apenas no âmbito cível, devendo cada um responder exclusivamente por seus atos na esfera penal. Argumentou não haver provas a respeito da participação ou anuência da acusada nos fatos descritos na inicial.

Monica Betis Amaral (fls. 836-839) e Michele de Paula de Silva (fls. 842-845) argumentaram que os fatos ocorreram de forma diversa da que constou na denúncia, aduzindo merecerem perdão judicial em razão da delação premiada, tendo em vista que desde o início das investigações colaboraram com os poderes públicos. Requerem, desde já, o benefício da delação premiada.

Em peça apartada, o Ministério Público Eleitoral pediu o arquivamento do inquérito em relação a Sônia Aparecida Oliveira Cardoso e Carmen Regina Mayer.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

 

VOTO

Inicialmente, verifico que a Justiça Eleitoral é incompetente para o processamento e julgamento do terceiro fato, assim descrito na denúncia:

No início do mês de dezembro de 2012, os denunciados JOSÉ WALDIR e MARIA IVETE, na condição de prefeito e vice-prefeito do Município de Estância Velha, dirigiram-se à frente da casa de MICHELE DE PAULA DE SILVA e ameaçaram a integridade de seus filhos, o que fez, inclusive que ela alterasse sua residência de município. Segundo Michele, essas ameaças foram feitas para que não prestasse quaisquer informações a respeito da troca de votos por unidades habitacionais.

Desse modo, JOSÉ WALDIR DILKIN e MARIA IVETE DE GODOY GRADE usaram de grave ameaça com o fim de favorecer interesse próprio contra testemunha chamada a prestar depoimento em inquérito policial.

A denúncia capitulou tal delito no tipo do artigo 344 do Código Penal, cujo teor segue:

Coação no curso do processo

Art. 344 - Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

O bem jurídico tutelado pelo dispositivo em comento é a administração da Justiça, encontrando-se, inclusive, no capítulo que regula os “Crimes Contra a Administração da Justiça”. Ocorre que a competência para processamento e julgamento dos delitos desta natureza é da Justiça Federal, tendo em vista que a ofensa à administração da Justiça Eleitoral é praticada em detrimento de serviços ou interesses da União, atraindo a competência daquela Justiça, por força do art. 109, IV, da Constituição Federal.

É pacífica a jurisprudência a respeito do tema, conforme se extrai das seguintes ementas:

Ação penal. Justiça Eleitoral. Incompetência. Denunciação caluniosa.

1. Considerando que o art. 339 do Código Penal não tem equivalente na legislação eleitoral, a Corte de origem assentou a incompetência da Justiça Eleitoral para exame do fato narrado na denúncia - levando-se em conta que a hipótese dos autos caracteriza, em tese, ofensa à administração desta Justiça Especializada -, anulou a sentença e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal.

2. É de se manter o entendimento do Tribunal a quo, visto que a denunciação caluniosa decorrente de imputação de crime eleitoral atrai a competência da Justiça Federal, visto que tal delito é praticado contra a administração da Justiça Eleitoral, órgão jurisdicional que integra a esfera federal, o que evidencia o interesse da União, nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal.

Agravo regimental não provido.

(TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 26717, Acórdão de 17.02.2011, Relator: Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 07.04.2011, Página 42.)

 

EMENTA: DENÚNCIA - USO DE DOCUMENTO FALSO - ARTIGO 353 DO CÓDIGO ELEITORAL - DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA - ARTIGO 339 DO CÓDIGO PENAL - CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM - DENÚNCIA REJEITADA.

1. O artigo 353, do Código Eleitoral, tipifica como crime a conduta de fazer uso de documentos falsificados ou alterados, para fins eleitorais, razão pela qual se as declarações foram firmadas por terceiros, e não pelo denunciado, a ele não pode ser imputado o referido delito.

2. Acontece que, não se pode ignorar, por óbvio, que a competência criminal da Justiça Eleitoral se restringe ao processo e julgamento dos crimes tipicamente eleitorais, de modo que, escapando a conduta imputada ao denunciado desta tipificação específica, a hipótese escapa da competência desta Justiça Especializada.

3. Considerando que o artigo 339 do Código Penal não tem equivalente na legislação eleitoral, assenta-se a incompetência da Justiça Eleitoral para exame do fato narrado na denúncia porque a hipótese dos autos caracteriza, em tese, ofensa à administração desta Justiça Especializada.

4. O crime de denunciação caluniosa é imputado ao denunciado porque, com base na afirmação de captação ilícita de sufrágio, ajuizou Ação de Investigação Judicial (AIJE) com fundamento no artigo 41-A, da Lei nº 9.504/97.

A hipótese não é da competência desta Justiça Eleitoral, porque compete à Justiça Federal processar e julgar infração penal praticada em detrimento da União, que tem interesse na administração da justiça, nos termos do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal.

5. Denúncia rejeitada.

(TRE/PR, Denúncia-crime n. 41519, Acórdão n. 45310 de 13.11.2012, Relator: ROGÉRIO COELHO, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 19.11.2012.)

 

- RECURSO CRIMINAL - AÇÃO PENAL E CONDENAÇÕES FUNDADAS NOS ARTIGOS 299, 302 e 343 DO CÓDIGO PENAL - AUSÊNCIA DE FINALIDADE ELEITORAL - INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO COM QUALQUER CRIME ELEITORAL - INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DESTA JUSTIÇA ESPECIALIZADA PARA CONHECER DA MATÉRIA - NULIDADE AB INITIO DO PROCESSO - REMESSA DOS AUTOS À JUSTIÇA FEDERAL - RECURSOS PREJUDICADOS.

Compete aos juízes eleitorais processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos (art. 35, II, do Código Eleitoral).

Diante da verificação de incompetência ratione materiae, cumpre ao Tribunal declarar a nulidade do feito ab initio.

Tratando-se de crimes contra a Administração da Justiça, a competência é da Justiça Federal, nos termos do artigo 109, IV, da Constituição Federal. Precedentes do STJ.

(TRE/SC, Recurso em Representação n. 43272, Acórdão n. 26308 de 24.10.2011, Relator: NELSON MAIA PEIXOTO, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 202, Data 04.11.2011, Páginas 4-5.)

 

RECURSO CRIMINAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. ART. 339 "CAPUT" DO CP. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. A JUSTIÇA ELEITORAL INTEGRA A JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA DESTA. PRÁTICA EM TESE DO DELITO EFETIVADA PERANTE JUÍZO ELEITORAL. IRRELEVÂNCIA. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO. OFENSA À ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL A EVIDENCIAR INTERESSE DA UNIÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 109, IV DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NULIDADE POR INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO PARA DECLARAR NULO O PROCESSO DESDE O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, INCLUSIVE (ART. 567 DO CPP).

(TRE/SP, Recurso Criminal n. 970, Acórdão de 02.12.2010, Relator: JEFERSON MOREIRA DE CARVALHO, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 10.12.2010, Página 06.)

Dessa forma, deve ser rejeitada a denúncia quanto ao terceiro fato, em razão da incompetência absoluta da Justiça Eleitoral para processar e julgar a conduta ali descrita, com fundamento no art. 395, II, do Código de Processo Penal.

Passo agora à análise da denúncia quanto ao primeiro fato, assim descrito na peça acusatória:

No dia 29 de setembro de 2012, os denunciados JOSÉ WALDIR DILKIN e MARIA IVETE DE GODOY GRADE, na condição de candidatos à reeleição aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito no Município de Estância Velha/RS, agindo concertadamente, no Bairro Campo Grande, Município de Estância Velha/RS, ofereceram e prometeram a MÔNICA BETIS AMARAL a quantia de R$ 100,00 (cem reais) por cada voto para a reeleição de 2012. No mesmo dia, a denunciada MÔNICA aceitou a promessa e trabalhou para o então candidato pelo período de dez dias e, por ter angariado três votos, recebeu a quantia de R$ 300,00 (trezentos reais). Os votos angariados foram de pessoas que moravam no bairro Campo Grande – fls. 26/27 e 83.

Desse modo, os denunciados JOSÉ WALDIR e MARIA IVETE ofereceram e deram a MÔNICA o valor de R$ 300,00 para obter voto. A denunciada MÔNICA, por sua vez, recebeu para si dinheiro para dar voto.

Reproduzo o artigo 299 do Código Eleitoral:

art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

O tipo penal em comento possui um elemento subjetivo, consistente na finalidade específica de obter o voto do eleitor com a oferta do dinheiro ou vantagem.

A respeito do tema, vale trazer à colação a doutrina de Leonardo Schmitt de Bem e Mariana Garcia Cunha:

O artigo exige o dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticar um dos núcleos do tipo penal, e um elemento subjetivo especial, representado na atuação do agente objetivando obter ou dar o voto ou conseguir ou prometer a abstenção do eleitor.

Em outros termos, quem doa, oferece ou promete vantagem deve ter o propósito de obter voto ou conseguir que o eleitor não vote, para garantir que o adversário não receba a indicação eleitoral, ao passo que o eleitor que negocia o voto, recebendo ou solicitando benefício, tem a intenção de dar seu voto para o candidato ou não comparecer às urnas. Não havendo essas intenções por parte dos envolvidos, não há conduta delitiva. (Direito Penal Eleitoral. 2 ed., 2011, p. 93.)

Merece referência também a doutrina de Suzana de Camargo Gomes, segundo a qual o caráter negocial é indispensável para a caracterização do delito, ou seja, a vantagem, a promessa, o benefício deve visar à obtenção do voto (Crimes Eleitorais. 4 ed., 2010, p. 198).

Na hipótese, o primeiro fato não descreve uma conduta que se amolde ao art. 299 do Código Eleitoral. Narra a peça acusatória que José e Maria Ivete ofereceram a Mônica Betis Amaral a quantia de R$ 100,00 para cada voto que ela conseguisse; segue a inicial afirmando que no mesmo dia, a denunciada MÔNICA aceitou a promessa e trabalhou para o então candidato pelo período de dez dias e, por ter angariado três votos, recebeu a quantia de R$ 300,00.

Não se identifica na descrição dos fatos a presença do elemento subjetivo do tipo, qual seja, a finalidade de obter o voto da eleitora em troca do dinheiro oferecido. A denúncia afirma que Mônica recebeu R$ 300,00 porque arregimentou três eleitores, sem mencionar que o valor se destinava à compra do específico voto de Mônica Amaral. Veja-se que o valor foi oferecido em troca do engajamento de Mônica Amaral na campanha, como recompensa pelos votos conquistados, e não em troca de seu voto. Não se verifica a mercancia, nem a corrupção da vontade da eleitora, pois o valor não foi entregue com o específico fim de obter o seu voto em troca da benesse.

A denúncia também não afirma que os R$ 300,00 recebidos por Mônica se destinavam aos eleitores por ela arregimentados, não havendo sequer indícios de que tal valor seria repassado a esses cidadãos. Nesse ponto, vale transcrever trecho da declaração prestada por Mônica Amaral para a autoridade policial: diz que os votos que conseguiu foram de pessoas que moram no bairro Campo Grande, porém as pessoas não sabiam que a declarante estava fazendo o serviço por dinheiro, e que votaram por livre e espontânea vontade (fl. 35).

O egrégio TSE possui precedentes reconhecendo a atipicidade da conduta quando se evidencia que a entrega de bens ou valores não ocorre com a finalidade específica de obter o voto eleitor beneficiado:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CRIME. ARTIGO 299 DO CE. CORRUPÇÃO ELEITORAL. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEL A ELEITORES. REALIZAÇÃO DE PASSEATA. ALEGAÇÃO. AUSÊNCIA. DOLO ESPECÍFICO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PROVIMENTO.

1. Esta Corte tem entendido que, para a configuração do crime descrito no art. 299 do CE, é necessário o dolo específico que exige o tipo penal, qual seja, a finalidade de "obter ou dar voto" e "conseguir ou prometer abstenção". Precedentes.

2. No caso, a peça inaugural não descreve que a distribuição de combustível a eleitores teria ocorrido em troca de votos. Ausente o elemento subjetivo do tipo, o trancamento da ação penal é medida que se impõe ante a atipicidade da conduta.

3. Recurso parcialmente provido e, nesta extensão, concedida a ordem para trancar a ação penal ante a atipicidade da conduta.

(TSE, Recurso em Habeas Corpus n. 142354, Acórdão de 24.10.2013, Relatora: Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 232, Data 05.12.2013, Páginas 67-68.)

 

HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. ATIPICIDADE. CONCESSÃO.

1. O tipo penal previsto no art. 299 do Código Eleitoral, o qual visa resguardar a vontade do eleitor, não abarca eventuais negociatas entre candidatos, visando à obtenção de renúncia à candidatura e apoio político, em que pese o caráter reprovável da conduta.

2. Ordem concedida.

(TSE, Habeas Corpus n. 3160, Acórdão de 19.12.2013, Relatora: Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 64, Data 03.04.2014, Página 40.)

 

ELEIÇÕES 2004. Agravo regimental no recurso especial. Não caracterização do crime eleitoral. Previsto no art. 299 do Código Eleitoral. Corrupção eleitoral. Atipicidade. Ausência de dolo específico. Sorteio de bonés, camisetas e canetas em evento no qual se pretendia divulgar determinadas candidaturas. Distribuição de bolo e refrigerante. Ausência de abordagem direta ao eleitor com objetivo de obter voto. Precedentes.

Agravo regimental não provido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 35524, Acórdão de 30.06.2009, Relator: Min. JOAQUIM BENEDITO BARBOSA GOMES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 14.08.2009, Páginas 24-25 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 20, Tomo 3, Data 30.06.2009, Página 180.)

O Direito Penal obedece ao princípio da legalidade estrita, ou seja, o fato somente pode ser considerado típico quando se enquadrar perfeitamente à sua previsão legal, não admitindo interpretações extensivas ou teleológicas. Transcrevo as considerações da Ministra Luciana Lóssio no voto proferido no Habeas Corpus 3160, pertinentes para o caso sob análise:

Como se sabe, em matéria penal, exige-se a perfeita adequação dos fatos à norma incriminadora, o que, a toda evidência, não se verifica na espécie.

No caso, não obstante o caráter reprovável da conduta verificada, tal reprovação não encontra acolhimento na seara penal eleitoral. Em observância ao princípio da estrita legalidade, não se pode conferir interpretação extensiva para abranger hipóteses não previstas no dispositivo penalizante.

Para a configuração do crime de corrupção eleitoral, a conduta deve ser praticada com o fim especial de dar ou obter voto ou, ainda, a sua abstenção.

É o chamado dolo específico, ou, ainda, o elemento subjetivo especial do tipo, sem o qual não há falar na existência do crime.

Dessa forma, porque a denúncia não descreve fato típico, consistente na entrega de dinheiro com o fim específico de obter, em troca, o voto do eleitor, que tem sua vontade corrompida, seguindo a linha de entendimento da jurisprudência, deve-se absolver sumariamente José Waldir Dilkin, Maria Ivete de Godoy e Mônica Betis Amaral da imputação do primeiro fato descrito na denúncia, com fundamento no art. 397, III, do Código de Processo Penal, combinado com o art. 6º da Lei n. 8.038/90.

Passo agora à análise do segundo fato, o qual é descrito na denúncia nos seguintes termos:

No início do mês de dezembro de 2012, os denunciados JOSÉ WALDIR e MARIA IVETE, na condição de Prefeito e Vice-Prefeito do Município de Estância Velha, candidatos a reeleição, agindo concertadamente, no Município de Estância Velha, ofereceram e prometeram a MICHELE DE PAULA DE SILVA uma unidade habitacional em troca de voto para a reeleição de 2012 – fls. 17-18.

Além disso, dois dias antes das eleições, que ocorreram no dia 07 de outubro de 2012, JOSÉ WALDIR ofereceu e entregou a MICHELE DE PAULA DA SILVA, em sua residência no Município de Estância Velha, a quantia de R$ 200,00 (duzentos reais) para que ela pagasse a conta de energia elétrica de sua residência. MICHELE aceitou tal valor.

Deste modo, os denunciados JOSÉ WALDIR e MARIA IVETE ofereceram unidade habitacional a MICHELE em troca de voto. Além disso, JOSÉ WALDIR deu a MICHELE o valor de duzentos reais para obter voto. A denunciada MICHELE, por sua vez, recebeu para si dinheiro para dar voto.

Quanto ao segundo fato, a denúncia é apta, cumprindo todos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal. A peça acusatória descreve o fato com todos os elementos do tipo, permitindo identificar os sujeitos ativo e passivo, o valor oferecido e o dolo dos agentes, indicando circunstâncias de tempo, lugar e modo suficientes para o recebimento da denúncia e para o exercício de defesa.

Não prospera, portanto, a alegação de inépcia da denúncia suscitada pela defesa.

Presente também a justa causa para o recebimento da peça acusatória, tendo em vista que está amparada por um farto conjunto de elementos de informação colhidos no decorrer do inquérito policial. Eventuais inconsistências nas declarações prestadas por Michele ou a presença de motivos pessoais para a acusação apresentada deverão ser avaliadas no decorrer da instrução processual.

No tocante ao pedido de delação premiada à acusada Michele de Paula de Silva, entendo que o recebimento da denúncia não é o momento oportuno para deliberar a respeito do seu reconhecimento, tendo em vista que seus benefícios, perdão judicial ou redução da pena são naturalmente tratados na decisão final da ação penal, quando é firmado um juízo condenatório e fixada a pena. Ademais, os benefícios pressupõem juízo de procedência da denúncia, sendo conveniente aguardar-se o término da instrução para conceder as vantagens da delação premiada apenas se não for caso de absolvição da acusada.

Assim, deve ser recebida a denúncia relativamente ao segundo fato.

Tendo em vista a rejeição da peça acusatória quanto ao terceiro fato e a absolvição sumária dos acusados José Dilkin e Maria Ivete quanto ao primeiro, restando apenas uma conduta delitiva, cuja pena mínima é igual a um ano, deve-se dar vista dos autos ao Ministério Público Eleitoral, a fim de que se manifeste sobre a possível proposta de suspensão condicional do processo também em relação aos acusados acima nominados antes de se determinar o prosseguimento do feito.

Por fim, entendo que deve ser acolhida a promoção de arquivamento do inquérito policial em relação à suposta prática de corrupção eleitoral por Sônia Aparecida Oliveira Cardoso e Carmen Regina Mayer, tendo em vista a ausência de provas suficientes para amparar eventual denúncia, pois a distribuição de moradias com fins eleitorais não foi realizada com a condição da obtenção de votos em troca da benesse, como bem esclareceu o órgão ministerial nas folhas 06 a 08.

Diante do exposto, VOTO no seguinte sentido:

a) pela rejeição da denúncia quanto ao terceiro fato, tendo em vista a incompetência da Justiça Eleitoral para o seu julgamento, nos termos do art. 6º da Lei n. 8.038/90 combinado com o art. 395, II, do Código de Processo Penal;

b) pela absolvição sumária de José Waldir Dilkin, Maria Ivete Godoy Grade e Mônica Betis Amaral da imputação do primeiro fato descrito na denúncia, com fundamento no art. 6º da Lei n. 8.038/90 combinado com o art. 397, III, do Código de Processo Penal;

c) pelo recebimento da denúncia quanto ao segundo fato, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, a fim de que se pronuncie a respeito da proposta de suspensão condicional do processo aos réus José Waldir Dilkin, Maria Ivete de Godoy Grade e Michele de Paula de Silva;

d) pelo arquivamento do inquérito quanto à suposta corrupção eleitoral praticada por Sônia Aparecida Oliveira Cardoso e Carmen Regina Mayer, com a ressalva do art. 28 do Código de Processo Penal.

Proceda a Secretaria Judiciária a reautuação da Ação Penal, excluindo-se o nome de Mônica Betis Amaral como acusada.

É como voto.