RP - 143275 - Sessão: 04/11/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de representação por conduta vedada, cumulada com propaganda eleitoral irregular (arts. 73, I e II, e 37 da Lei n. 9.504/1997), com pedido de liminar, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra THIAGO PEREIRA DUARTE, vereador e candidato a deputado estadual, PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT e COLIGAÇÃO UNIDADE DEMOCRATA TRABALHISTA (PDT – DEM).

A peça inicial relata que o representado está se beneficiando da execução de obras públicas de Porto Alegre ao comparecer no local da obra, deixando-se fotografar junto ao maquinário da Prefeitura, postando essas fotos no Facebook e realizando panfletagens nesses locais, com o fim de obter ganhos eleitorais, configurando infringência aos arts. 73, incs. I e II, e 37 da Lei n. 9.504/1997. Aduz que o vereador Thiago, de acordo com ofício do Secretário de Obras e Viação - SMOV de Porto Alegre, enviou diferentes mensagens ao gabinete da prefeitura com o objetivo de obter o cronograma dos trabalhos de pavimentação de vias públicas da Capital, tudo no intuito de se promover ao lado do maquinário pertencente à administração municipal mediante fotos postadas nas redes sociais e distribuição de panfletos. Requer a concessão da liminar para que o candidato deixe de comparecer aos locais das obras e retire as fotos da internet, promovendo-se a produção de prova testemunhal para, ao final, ver imposta aos representados a pena de multa prevista para as infrações relatadas (fls. 02-05).

O pedido liminar foi indeferido, oportunidade em que o PDT foi excluído da representação, visto que não poderia figurar no polo passivo da demanda, pois integrante da coligação requerida (fls. 205-206v.).

Notificados (fls. 208-209), apresentaram defesa em peças apartadas.

A Coligação Unidade Democrata Trabalhista sustenta que não há ilegalidade no fato de o vereador deixar-se fotografar em frente a obras ao ar livre que estão sendo por ele vistoriadas, não havendo desequilíbrio na contenda com os demais postulantes ao parlamento gaúcho por esse motivo. Afirma que a coligação não possuía prévio conhecimento de eventual propaganda, não podendo por ela ser responsabilizada (fls. 217-219).

Por sua vez, Thiago Pereira Duarte suscita, em preliminar, nulidade da representação e impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, afirma que as acusações são inverídicas, fazendo breve histórico sobre a parcialidade do Secretário da SMOV Rafael Leandro Fleck nos acontecimentos, visto que é primo do vereador Mauro Zacker, também pertencente ao PDT, mesma agremiação do representado, motivo pelo qual as desavenças políticas são constantes e vêm refletidas nas infundadas assertivas lançadas em desfavor de Thiago. Acrescenta que a foto objeto da representação não foi tirada pelo vereador e que na oportunidade não houve distribuição de panfletos ou referência à sua candidatura. Garante que os pedidos de providências junto aos órgãos da Prefeitura constituem rotina entre os parlamentares; consistindo, o comparecimento nas comunidades, um atributo de sua atuação política. Junta documentos, requer providências e, por fim, pede a improcedência da demanda (fls. 221-234).

Devido à juntada de documentação pela defesa, abriu-se vista à Procuradoria (fl. 521), que postergou para alegações finais sua manifestação (fl. 524).

Dando seguimento ao processo, foram afastadas as preliminares suscitadas e indeferidas as diligências, designando-se audiência de instrução (fl. 526v.).

Na audiência, registrada mediante recurso audiovisual, foram ouvidas quatro testemunhas. Na oportunidade, não havendo mais provas a produzir, foi aberto prazo para alegações finais (fls. 532-534).

Em alegações finais, a Procuradoria Regional Eleitoral requer a improcedência da representação diante da falta de provas que confortem o juízo condenatório buscado (fls. 546-547).

A Coligação Unidade Democrata Trabalhista, por sua vez, afirma que o conjunto probatório demonstra ser da atividade normal dos parlamentares a procura por solução para problemas dos bairros desta cidade, não havendo benefício eleitoral no comportamento impugnado pelo agente ministerial. Reprisa a ausência de responsabilidade da coligação, requerendo, por fim, a improcedência da ação (fls. 537-540).

Thiago Pereira Duarte reitera que as acusações foram alimentadas pela evidente animosidade do Secretário Fleck em relação ao vereador representado; demonstrando, o acervo probatório, que os fatos não ocorreram como alegado, o que veio a ser reconhecido pela própria representante, devendo ser julgada improcedente a representação (fls. 549-554).

É o relatório.

 

VOTO

1. Preliminares

As preliminares suscitadas já foram objeto de apreciação; reporto-me às razões contidas na fl. 526v. para seu afastamento, cuja decisão já transitou em julgado.

2. Mérito

A inicial relata que Thiago Pereira (Dr. Thiago), vereador desta Capital, concorrente ao cargo de deputado estadual pela Coligação Unidade Democrata Trabalhista, o qual não se elegeu, estaria se beneficiando da execução de obras públicas realizadas pela Prefeitura, deixando-se fotografar junto ao maquinário utilizado pela administração para, posteriormente, postar as fotos no Facebook, além de realizar panfletagem nesses locais; amoldando-se, seu comportamento, às condutas vedadas descritas no art. 73, I e II, assim como à propaganda eleitoral irregular descrita no art. 37 da Lei das Eleições.

2.1. Antes de adentrar o exame da representação, convém fazer breve referência aos dispositivos legais pertinentes à matéria.

A Lei n. 9.504/1997 traz capítulo específico sobre as condutas vedadas aos agentes públicos durante a campanha eleitoral, na formulação contida nos arts. 73 a 78, mencionando a inicial fato que se enquadraria no art. 73, incisos I e II, a seguir transcritos:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram; [...]

A regra objetiva, portanto, garantir o respeito à igualdade de chances que deve nortear um processo eleitoral isonômico. Logo, para que haja a caracterização da transgressão da regra, a ação deve ter sido dirigida com o propósito de beneficiar candidatura, causando prejuízo aos demais concorrentes ao pleito.

O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. 3 ed., Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, pp. 502-503) traz lição sobre as condutas vedadas:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e § 10º do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu). [...]

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, despiciendo qualquer cotejo com eventual malferimento à lisura, normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Como se verifica, o bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito. As hipóteses relativas às condutas vedadas são taxativas e de legalidade restrita, sendo que a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente (Recurso Especial Eleitoral n. 24.795, Relator Luiz Carlos Madeira).

Traçadas essas considerações, passa-se ao caso sob análise.

2.2. As condutas vedadas nos incisos do art. 73 da Lei n. 9.504/1997, radicadas nos princípios da moralidade, da probidade administrativa e da igualdade, têm por objetivo resguardar o equilíbrio dos candidatos na disputa eleitoral.

O fato narrado na inicial, que sobreveio em decorrência de uma foto veiculada no Facebook do candidato, na qual ele aparece em frente a uma máquina realizando terraplenagem em uma rua (fl. 15), à qual foram agregadas informações provindas da Secretaria de Obras de Porto Alegre, não possui as características necessárias para enquadramento como conduta vedada em nenhuma das hipóteses aventadas. A isso se soma o conjunto de provas colhido, que ainda mais arrefece qualquer possibilidade de um juízo condenatório.

Primeiro, deve-se consignar que a atividade de um vereador, mormente em uma Capital como Porto Alegre, encerra diferentes ações, nos mais diversos campos de atuação, não somente aquelas relativas ao desenvolvimento estrutural do município, mas também no atendimento às reivindicações muito próprias de determinadas localidades e seus moradores, tudo como forma de bem representar os eleitores.

Diante desse quadro, oportuno mencionar que a presente representação foi em muito fomentada pelas desavenças internas do PDT, agremiação a qual pertence o vereador Thiago Pereira Duarte, conforme se pôde constatar na audiência de instrução aqui realizada com a oitiva do Secretário da SMOV Rafael Leandro Fleck, partidário do demandado (fl. 534).

Resumidamente, constato que as declarações prestadas pelo secretário perante este Juízo, não bastassem refletir as divergências políticas que a sigla partidária encerra, também evidenciam a animosidade existente entre os correligionários.

Nessa linha, como consequência do rancor e discordância que compartilham, constata-se que os termos contidos nos ofícios enviados por Fleck, os quais instruem a inicial, não correspondem à verdade, senão que possuíam o intuito de munir o agente ministerial de argumentos para a propositura da ação sob exame.

Seu depoimento serviu para desamparar as assertivas lançadas naqueles documentos, deslustrando eventual veracidade que pudessem guardar, pois restou claro que todos os parlamentares, dos mais diferentes partidos, encaminham pedidos de providências junto àquele órgão municipal, não representando, portanto, comportamento exclusivo de Thiago, mostrando-se oportuno referir que a documentação contida nos autos também confirma esse procedimento. Constata-se, de igual modo, que o cronograma de obras, o qual serviria para o demandado arquitetar suas visitas e, com isso, auferir dividendos com a exposição de suas aparições, foi remetido ao edil em momento muito posterior à data da foto que deu início à representação.

Assim, à vista do depoimento prestado pelo Secretário Fleck, resulta que os ofícios por ele enviados não guardam consonância, na sua integralidade, com os acontecimentos verificados, revelando, isto sim, a intenção de prejudicar o vereador representado.

A corroborar a ausência de motivo para um juízo condenatório, o depoimento de Leia Rodrigues Aguiar, presidente da Associação de Moradores do Bairro Lageado (fl. 534).

A depoente confirmou o que já havia esclarecido em seu depoimento perante o Ministério Público (fl. 20), no sentido de que Thiago não foi o autor da foto ou de sua postagem na rede social e, ainda, que a divulgação daquele acontecimento foi realizada no intuito de promover as ações que a Associação produzia em benefício dos moradores. Aduziu que havia solicitado ao gabinete do vereador providências para que fossem melhoradas as condições das vias de acesso àquela localidade. Acrescentou que não houve distribuição de panfletos ou qualquer outro modo de publicidade eleitoral por parte de Thiago, nem mesmo referência à sua candidatura ao pleito deste ano.

Afirmou, ainda, que a foto foi postada na sua página do Facebook e, em virtude de o representado vir a ser “marcado” na postagem realizada na rede social, o registro foi reproduzido na página do próprio vereador.

Por fim, o Ministério Público Eleitoral requer a improcedência da representação, convindo reproduzir as razões que reconhecem a ausência de provas a validar a condenação proposta:

Com o objeto de obter provas da verdade dos fatos afirmados na inicial, o Ministério Público Federal requereu a produção de prova testemunhal, com a oitiva inclusive do Sr. Rafael Leandro Fleck, Secretário de Obras de Porto Alegre.

Com relação às panfletagens, o Secretário Municipal de Obras, ouvido em juízo, não soube informar quando ocorreram ou quem as teria presenciado.

No que tange à conduta vedada, não se confirmou o acesso privilegiado à programação de obras da SMOV, uma vez que o Secretário Municipal de Obras, em juízo, afirmou que o acesso era público, estava disponível na internet, embora isso contradiga a afirmação no ofício de fl. 21 de que o candidato vinha reiteradamente requerendo o cronograma de obras.

Por fim, cumpre observar que pelo que foi visto e ouvido em audiência há grande animosidade política e provavelmente pessoal entre o representado Thiago Duarte e o Secretário Municipal de Obras, que inclusive pediu fosse consignado que havia sofrido ameaças do representado, via outros vereadores.

Destaque-se que o vereador Bernardino Vendruscolo, ouvido como testemunha de defesa, afirmou que é comum haver animosidade entre os integrantes do PDT.

O Ministério Público Federal reitera sua convicção de que o ato de obter informações privilegiadas de cronograma de obras e a realização de panfletagens e fotografias junto a obras públicas em andamento em período de campanha eleitoral excede as prerrogativas de um vereador, constituindo conduta vedada nos incisos I e II do art. 73 da Lei 9.504/97 e propaganda irregular prevista no art. 37, caput, da mesma lei. Contudo, esses fatos, em conjunto, não foram provadas no curso da instrução processual.

Em conclusão, o Ministério Público Eleitoral entende que não há provas suficientes para a condenação do representado, e, assim, pede a improcedência da representação.

À vista dessas considerações, o juízo de improcedência se impõe.

Diante do exposto, VOTO pela improcedência da representação.