RE - 8303 - Sessão: 12/11/2014 às 17:00

RELATÓRIO

O PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT de Taquara protocolou, em 29.04.2013, perante o Juízo da 55ª Zona, a sua prestação de contas anual referente ao exercício financeiro de 2012 (fls. 02-10).

Após diligências (fls. 11-13) sobre as quais manifestou-se o partido, com juntada de documentos (fls. 17-125), foi emitido relatório preliminar, no qual constatado que a prestação de contas da agremiação, referente ao exercício de 2012, apontava recebimento de recursos de fonte vedada, indicando a necessidade de verificar a condição dos atuais doadores (fl. 127).

A pedido do Ministério Público Eleitoral (fl. 128), a juíza requisitou à Prefeitura de Taquara cópias das portarias de nomeação de servidores que ocuparam cargo em comissão em 2012 (fls. 129-132), as quais foram acostadas aos autos (fls. 135-201).

Novos documentos foram trazidos pelo partido (fls. 217-276).

Sobreveio parecer conclusivo pela desaprovação das contas (fls. 279-282), substancialmente pelo recebimento de recursos oriundos de fonte vedada, especificamente doações de ocupantes de cargos públicos demissíveis ad nutum, com base no art. 5º da Res. TSE n. 21.841/2004 c/c Res. TSE n. 25.585/2007.

Regularmente intimado (fl. 283), o PDT apresentou manifestação às fls. 285-287, pugnando pela aprovação das contas, mesmo que com ressalvas.

O Ministério Público Eleitoral opinou pela desaprovação das contas (fl. 291-291v.).

Sobreveio sentença de desaprovação das contas, ao efeito de determinar o recolhimento ao Fundo Partidário de todo o recurso de fonte vedada auferido, no valor de R$ 59.586,00 (cinquenta e nove mil, quinhentos e oitenta e seis reais), e a suspensão, com perda, de novas cotas do aludido fundo, pelo prazo de 01 (um) ano, forte no art. 27, III, c/c art. 28, IV, da Res. TSE n. 21.841/2004 (fls. 292-294).

Irresignado, o PDT interpôs recurso, por intermédio de advogado regularmente constituído, aduzindo, em síntese, preliminarmente: a) impugnação aos documentos das fls. 137-201, 206-207 e 281-282, por não condizerem à realidade, sendo que os servidores listados não teriam ocupado cargos no Executivo municipal em 2012, tampouco seriam “autoridades”; e b) cerceamento de defesa, em vista de a relação das fls. 281-282, com nomes de doadores, não trazer seus respectivos cargos. No mérito, asseverou que todas as doações auferidas foram regulares e que as falhas apontadas não prejudicaram o conjunto da prestação. Pugnou pela sua aprovação, mesmo que com ressalvas, ou pela redução da suspensão das cotas para um mês (fls. 298-309). Juntou novos documentos (fls. 311-320).

Nesta instância, os autos foram com vista ao Ministério Público Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 326-329).

É o relatório.

 

VOTO

Tempestividade

O recorrente foi intimado em 27.03.2014, uma quinta-feira (fl. 295), e o recurso interposto em 31.03.2014, segunda-feira (fl. 298), ou seja, dentro do tríduo legal previsto pelo art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/1997.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

Preliminares

Impugnação de documentos

O recorrente impugna os documentos acostados às fls. 137-201, 206-207 e 281-282. Alega que os decretos de nomeações, encaminhados pelo Município de Taquara, não correspondem aos cargos em comissão ocupados no ano de 2012, cujas doações são ora debatidas.

Embora abordado sob a conformação de preliminar, entendo ser tema afeto ao mérito do processo, uma vez que não se trata de arguição de ilicitude da prova a contaminar a existência do próprio feito, mas mera impugnação de seu valor probante, de modo que relego o seu exame para o momento apropriado, quando do enfrentamento da questão de fundo.

Cerceamento de defesa

O recorrente alegou cerceamento de defesa, sob o argumento de que, a despeito da retirada de alguns nomes da lista de doadores que representam fonte vedada, o valor dessas doações aumentou no cálculo final, sobre o que não teria tido a oportunidade de se manifestar.

Não prospera a alegação, em nenhum aspecto.

Do cotejo das listagens, verifico que não houve diminuição de nomes, mas, ao contrário, acréscimo de um, a partir do último relatório conclusivo do exame das contas (fls. 279-282) derivado de novo levantamento de doadores, o que provocou a elevação da soma de R$ 58.736,00 (cinquenta e oito mil, setecentos e trinta e seis reais) para R$ 59.586,00 (cinquenta e nove mil, quinhentos e oitenta e seis reais), do que o recorrente teve ciência.

Assim, não há falar em cerceamento de defesa, pois, extraio dos autos, foi oportunizado ao partido manifestar-se após o derradeiro relatório conclusivo, oportunidade essa aproveitada pelo partido (fl. 285-287), sobrevindo, posteriormente, apenas confirmação do relatório anterior.

Desse modo, afasto a preliminar.

Mérito

Trata-se da prestação de contas anual do Partido Democrático Trabalhista – PDT de Taquara referente ao exercício financeiro de 2012, desaprovada em virtude do recebimento de doações de fontes vedadas (filiados ocupantes de cargo em comissão com status de chefia ou direção), no montante de R$ 59.586,00 (cinquenta e nove mil, quinhentos e oitenta e seis reais), consoante o disposto no art. 27, III, da Res. TSE n. 21.841/2004.

O recorrente aduz que todas as suas arrecadações seriam provenientes de fontes legalmente permitidas e que a referida prática de doações é regular, pois em conformidade com o art. 5º, §1º, da Res. TSE n. 21.841/2004:

Art. 5º O partido político não pode receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qual quer espécie, procedente de (Lei nº 9.096/95, art. 31, incisos I a IV):

I – entidade ou governo estrangeiros;

II – autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações do Fundo Partidário;

III – autarquias, empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos, sociedades de economia mista e fundações instituídas em virtude de lei e para cujos recursos concorram órgãos ou entidades governamentais; e

IV – entidade de classe ou sindical.

§ 1º A vedação às contribuições e auxílios provenientes das pessoas abrangidas pelo termo autoridade, inserto no inciso II, não alcança os agentes políticos e os servidores públicos filiados a partidos políticos, investidos em cargos, funções, mandatos, comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais, no âmbito dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (Resolução-TSE nº 20.844/2001) (Grifei.)

[…]

Porém, após a edição da Resolução n. 22.585/2007, o TSE sinalizou mudança de entendimento. A atual concepção daquela Corte Superior tomou rumo contrário ao da argumentação do recorrente. Segue ementa da consulta que deu origem à nova resolução:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade. Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(Consulta n. 1.428, Resolução n. 22.585 de 06.09.2007, Relator: Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado: Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.) (Grifei.)

Portanto, todos aqueles que exercerem cargos ad nutum em funções comissionadas, desde que na condição de autoridades, também se enquadram como fonte vedada.

Também este Tribunal adotou tal posicionamento. Segue jurisprudência (com grifos meus):

Prestação de contas anual. Partido político. Diretório Estadual. Exercício 2010. Desaprovam-se as contas do partido político quando presentes irregularidades que maculam a prestação como um todo. 1. Recebimento pelo partido de recurso de fonte vedada. Doação advinda de titular de cargo em comissão que desempenha função de direção ou chefia – chefe de gabinete de deputado estadual - caracterizando, pois, afronta ao art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. 2. Utilização irregular de recursos provenientes do Fundo Partidário para pagamento de multas eleitorais, infringência ao art. 8º da Resolução TSE n. 21.841/04. 3. Entrega parcial de peças e documentos obrigatórios à prestação de contas anual. Ausentes demonstrativos eleitorais referentes às doações recebidas pelo partido. Suspensão das cotas do Fundo Partidário, recolhimento de valores ao erário e ao Fundo Partidário. Desaprovação.

(TRE-RS, PC 6958, Relator:  Dr. LEONARDO TRICOT SALDANHA, 01.10.2014.)

 

Recurso. Prestação de contas anual de partido político. Exercício 2012. Doação de fonte vedada. Configura recurso de fonte vedada o recebimento de doação advinda de titular de cargo demissível ad nutum da administração direta ou indireta, que detenha condição de autoridade. Afronta ao art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Suspensão de novas cotas do Fundo Partidário. Recolhimento do valor indevidamente recebido ao mesmo fundo. Provimento negado.

(TRE-RS, RE 4582, Relatora: Desa. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRRE, 29.09.2014.)

 

Prestação de contas partidária. Diretório municipal. Art. 5º, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro 2011. Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum e na condição de autoridades. No caso, recebimento de quantia expressiva advinda de cargos de coordenador, diretor de departamento e chefe de setores e unidades administrativas. Manutenção das sanções de recolhimento de quantia idêntica ao valor doado ao Fundo Partidário e suspensão do recebimento das quotas pelo período de um ano. Provimento negado.

(TRE-RS, RE 3480, Relator: Dr. INGO WOLFGANG SARLET, 26.08.2014.)

Assim, cumpre, neste feito, examinar se aos ocupantes dos cargos em foco são ou não são permitidas doações.

Antes, porém, resgato a questão da valoração da prova trazida em preliminar atípica.

O recorrente impugnou os documentos acostados às fls. 137-201, 206-207 e 281-282. Alegou que os decretos de nomeações encaminhados pelo Município de Taquara não correspondem aos cargos em comissão ocupados no ano de 2012, cujas doações são ora debatidas, em vista dos documentos de fls. 218-222, que dariam conta da exoneração dos envolvidos. Ocorre que tais documentos, trazidos pelo partido, carecem de assinatura, o que lhes retira a validade.

No que tange, pontualmente, a Adalberto dos Santos Lemos, este ocupava o cargo de Diretor-Geral de Saúde à época, de acordo com o Decreto n. 017/2009 (fl. 137). Todavia, firmou declaração, devidamente assinada, afirmando não ter exercido cargo público no ano de 2012 (fl. 217). Contudo, a cópia de seu decreto de exoneração (fl. 218) não contém a assinatura do Chefe do Poder Executivo, o que torna a prova frágil, não servindo à demonstração de afastamento do cargo.

O recorrente também impugnou os documentos das fls. 206-207, alegando que Délcio Hugentobler era Prefeito Municipal do Município de Taquara entre os anos de 2009-2012 e não Secretário Municipal de Saúde, como constou no relatório das folhas supramencionadas. Entretanto, os recursos advindos de ocupante do cargo de prefeito também são elencados como doações de fonte vedada, de modo que é irrelevante, no caso específico, o cargo ocupado pelo doador.

Quanto à impugnação dos documentos de fls. 281-282, o recorrente aduz sua nulidade, por não trazer a relação dos cargos ocupados. Porém, tal relação está nos autos nas fls. 206-207, de modo que não há razão para afastar sua validade.

Superada a análise das impugnações, passo à questão de fundo.

O recorrente afirma que os aludidos ocupantes de cargo em comissão não poderiam ser considerados autoridade, uma vez que simples executores de tarefas ou chefes de alguma divisão. Todavia, não lhe assiste razão.

Entendo que os cargos em foco trazem, em seu bojo de responsabilidades, expressiva carga decisória. Trata-se de doações efetuadas por prefeito, vereador, secretários municipais, diretores de divisão (planejamento, informática, etc) e assemelhados, cujos cargos exigem a tomada de decisões e o gerenciamento de pessoas e recursos, por isso se inserindo no conceito de “autoridade”. Nesse sentido, valho-me de trecho do parecer ministerial, tomando-o como razões de decidir:

[...]

É assente na doutrina, bem como na jurisprudência, que a autoridade pública é aquela pessoa que pratica atos, no âmbito da administração pública direta ou indireta, que importem na tomada de decisões. Neste tocante, improcede a tentativa de limitar, no âmbito eleitoral, o conceito de autoridade àquele plasmado no inciso VIII, do art. 30, do Código Eleitoral, cuja teleologia é própria e diz respeito a legitimidade ativa para formular consultas aos Tribunais Regionais Eleitorais.

No caso dos autos, conforme registrado no relatório conclusivo de fls. 279/280, comprova-se que diversos titulares de cargos demissíveis ad nutum da Prefeitura Municipal de Taquara, na condição de autoridades, contribuíram financeiramente para o partido em questão. Tais funcionários da administração se enquadram no conceito de autoridade pública. (Grifei.)

[...]

Nesse cenário em que detectadas doações provenientes de “autoridades”, inafastável a sua configuração como oriundas “de fonte vedada”.

Contudo, não são todos os cargos arrolados nos autos que se enquadram no conceito de “autoridade”. Vigora nesta Casa o entendimento de que assessores e procuradores jurídicos não se amoldam a essa definição, pela natureza de suas atividades, as quais não englobam atos de direção ou chefia. Segue trecho do RE 4962, de relatoria da Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, na sessão de 24.06.2014:

[...]

O conceito de autoridade, segundo o atual entendimento, abrange os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia (art. 37, V, da Constituição Federal), sendo excluídos os que desempenham exclusivamente a função de assessor.

[...]

Por outro lado, quanto à impugnação, em preliminar, da “Planilha Contribuintes PDT – 2011” (juntada às fls. 112-125), tenho que, em parte, assiste razão ao recorrente. Isso porque, de fato, alguns dos doadores ali relacionados não se encontram enquadrados no conceito de autoridade aqui firmado. Em face desta constatação, cabe excluir da referida listagem os ocupantes de cargos de assessoria, nestes incluídos os detentores da função de “procurador jurídico”. (Grifei.)

[...]

Nesse viés, deve-se excluir da relação de doadores ilícitos (fls. 206-207) aqueles servidores que detêm os citados cargos de assessor ou procurador jurídico. São eles:

Andrea Conceição – Assessora de Secretário;

Catia Liceane Moraes – Assessora de Secretário;

Cláudia Carolina Brocker – Assessora de Secretário;

Cláudia da Silva Lima – Assessora de Secretário;

Cláudia Maria Bergold da Silva – Assessora de Secretário;

Edna Luciana Fischborn – Assessora Gabinete Prefeito;

Jociane Caroline Brocker – Assessora de Secretário;

José Hugo Linden – Assessor de Secretário;

Karla G. Spalding – Assessora Jurídica;

Marcos Vinícius Carniel – Procurador Jurídico;

Paola Valentini – Assessora de Secretário; e

Vera Regina Stumpf – Assessora de Secretário.

Igualmente deve ser afastada da vedação a doação de IVETE DOS SANTOS LUZ, porque não informado, na planilha da fl. 282, o cargo que ocupava na administração municipal.

Assim, tenho que os valores referentes a esses doadores – que importam em R$ 8.490,00 (oito mil, quatrocentos e noventa reais) - devem ser subtraídos do montante de R$ 59.586,00 (cinquenta e nove mil, quinhentos e oitenta e seis reais), referente ao total de doações tidas por irregulares pelo juízo originário, apurado no Relatório Conclusivo do Exame das Contas (fl. 280). Feita a subtração, restam R$ 51.096,00 (cinquenta e um mil e noventa e seis reais) efetivamente provenientes de fonte vedada, quantia que deverá ser recolhida ao Fundo Partidário, nos termos da Res. TSE n. 21.841/2004.

Por último, o recorrente pugnou que o período de suspensão do repasse do Fundo Partidário, aplicado na sentença, seja diminuído para, no máximo, um mês, em face dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade (fl. 308).

Dispõe o art. 37 da Lei n. 9.096/1995:

Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei.

[…]

§3º. A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, por desaprovação total ou parcial da prestação de contas de partido, deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, por meio do desconto, do valor a ser repassado, da importância apontada como irregular, não podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação. (Grifei.)

Dado o elevado valor da quantia advinda de fonte vedada, tenho que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade não socorrem à agremiação. Portanto, deve ser mantida, pelo prazo de um ano, a suspensão do repasse do Fundo Partidário, sanção prevista no art. 28, IV, da Res. TSE n. 21.841/2004.

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo parcial provimento do recurso, no sentido de manter a desaprovação das contas do Partido Democrático Trabalhista – PDT de Taquara – referentes ao exercício financeiro de 2012, e manter o prazo fixado para a suspensão, com perda, das cotas do Fundo Partidário em um ano, reduzindo tão somente o valor a ser devolvido ao Fundo Partidário, nos termos do art. 28, II, da Res. TSE n. 21.841/2004, para o montante de R$ 51.096,00 (cinquenta e um mil e noventa e seis reais).