RC - 691 - Sessão: 28/10/2014 às 14:00

Pedindo vênia ao relator e a seu respeitável entendimento, encaminho voto divergente pelos motivos que seguem.

Trata-se de analisar recurso criminal interposto por LORIVAL SILVEIRA, SÉRGIO ANTONIO FERREIRA e ARLEU MACHADO DE OLIVEIRA contra sentença que os condenou à pena de 4 anos de reclusão e 200 dias-multa, por transporte ilegal de eleitores.

O julgamento iniciou-se na sessão do dia 14 de outubro do ano corrente, com o afastamento, por unanimidade, de questão de ordem envolvendo a distribuição do feito, e prolação de voto do ilustre relator, Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, pelo afastamento das preliminares de negativa de jurisdição e de ilicitude da prova, pela emendatio libelli de ofício, para restringir a capitulação jurídica do fato somente ao crime previsto art. 11, inc. III, c/c art. 5º da Lei n. 6.091/74, e manter a decisão recorrida.

Acompanharam o voto do relator o Dr. Ingo Wolfgang Sarlet e o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos. Os demais membros da Corte aguardaram o pedido de vista.

Pedi vista dos autos para melhor analisar a tese defensiva de ausência do elemento subjetivo do tipo.

Inicialmente, consigno que acompanho o voto do relator quanto ao afastamento da preliminar de negativa de jurisdição, pelos fundamentos expostos no voto, porém, acolho a preliminar de ilicitude da prova, considerando nulo o depoimento de José Antônio Soares Medeiros.

O testemunho do policial José Antônio Soares Medeiros é nulo. O policial atendeu o telefone celular de Sérgio Antônio Ferreira. Após, depôs sobre o que ouviu - e não poderia ter ouvido. Seja por que ângulo for (abuso de poder, incriminação fraudulenta, interceptação irregular ou crime de falsa identidade), inquestionável que a pretensa prova funda-se em ilegalidade manifesta. Nenhum efeito pode ter sobre o processo, e andou bem o relator ao afastar-se de tal depoimento para justificar sua convicção.

A preliminar de ilicitude da prova merece acolhida, portanto.

Além disso, acompanho o relator quanto à emendatio libelli procedida de ofício, em função da revogação da parte final do art. 302 do Código Eleitoral.

Ao mérito.

Em casos como o presente, nos quais se apura a prática de transporte de eleitores, tenho decidido, nos processos de minha relatoria, que é imprescindível, para o juízo condenatório, a prova segura e inconteste do elemento subjetivo do tipo, consistente na intenção de obter votos em decorrência do transporte, na linha da jurisprudência do TSE, conforme se verifica pela leitura da seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. IMPUTAÇÃO DO CRIME DE TRANSPORTE ILEGAL DE ELEITORES. ARTIGO 11, III, C.C. O ART. 5º DA LEI Nº 6.091/74. CIRCUNSTÂNCIA NECESSÁRIA NÃO DESCRITA. DOLO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO NA PEÇA ACUSATÓRIA. ORDEM CONCEDIDA.

- O delito tipificado no art. 11, III, da Lei nº 6.091/74, de mera conduta, exige, para sua configuração, o dolo específico, que é, no caso, a intenção de obter vantagem eleitoral, pois o que pretende a lei impedir é o transporte de eleitores com fins de aliciamento.

- Circunstância necessária não descrita, ausente na peça acusatória indicação da possibilidade de existência do elemento subjetivo.

- Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 28.517, Relator:  Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, de 07.08.2008.)

Assim, o dolo específico deve ser verificado claramente no contexto dos autos, sendo indispensável que se demonstre que o transporte irregular se deu com o fim de obter vantagem eleitoral.

Quanto à prova, os autos demonstram a autoria e a materialidade da conduta em relação aos recorridos Lorival Silveira e Sérgio Antônio Ferreira, que estavam no veículo que transportava eleitores, no dia da eleição.

O conjunto probatório evidencia que os réus Lorival e Sérgio buscaram os eleitores com finalidade de aliciar o voto. Lourival era fiscal de coligação e portava um crachá. Havia "santinhos" de propaganda eleitoral no veículo e com os réus, que possuíam relevante quantia em espécie consigo. Os eleitores transportados estavam com crianças, disseram que não tinham levado mamadeira na carona porque pensavam em votar e voltar rápido para casa, situação que indica um prévio acordo sobre o transporte, merecendo ressaltar que os eleitores disseram que não conheciam os réus.

Portanto, a finalidade específica – o aliciamento de eleitores – restou suficientemente comprovada pelo caderno probatório em relação a Lorival Silveira e Sérgio Antônio Ferreira.

No entanto, a sentença não individualiza a conduta quanto ao recorrido Arleu Machado de Oliveira, que foi condenado tão somente porque era candidato e possuía vínculo com os demais réus.

A decisão é expressa ao basear a condenação no “provável proveito do candidato” (fl. 548) e no “vínculo com as pessoas que estavam no veículo”. Verifico que até mesmo a denúncia deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente aos eventos delituosos. No entanto, para respaldar a condenação criminal por transporte ilícito de eleitores, deve-se demonstrar que cada réu participou do agir delitivo.

A fundamentação para condenar Arleu à pena de 4 anos de reclusão e multa é a seguinte (fl. 548):

E quanto a Arleu, não é só o provável proveito do candidato com os possíveis votos dos passageiros que relaciona o acusado às circunstâncias do flagrante, mas antes de tudo o seu vínculo com as pessoas que estavam no veículo. Sérgio “trabalhava” para Arleu, captando clientes, era, portanto pessoa de sua confiança, tanto que ao ser preso em flagrante tratou de contatar justamente o advogado ora denunciado. Lorival atuava como fiscal da coligação integrada pelo partido de Arleu, sendo marido de Adriana, a qual trabalhava no Diretório do partido do candidato.

Entretanto, ainda que Arleu aparentemente tenha estreita ligação com Sérgio, não é possível concluir pela participação do candidato na consecução do delito. Embora possa ter se beneficiado da conduta, fica a dúvida – que milita em favor do réu – se este detinha controle sobre os fatos ocorridos naquela eleição, e sobre a medida de sua participação, que não restou suficientemente individualizada.

Até porque, além de Arleu, candidato à vereança, a propaganda apreendida também favorecia – em escala menor - a candidata a vereadora Janete.

Porém, não há prova segura do ajuste dos envolvidos com o candidato Arleu, não havendo elemento outro que não o benefício eleitoral com o transporte no dia das eleições.

Ora, mesmo para a caracterização da captação ilícita de sufrágio, que é ação afeta à esfera cível, há de ser demonstrada, mediante prova robusta e inconteste, que o candidato beneficiário praticou atos ou anuiu com a prática da conduta ilícita.

Para a condenação criminal, enquanto ultima ratio, a prova dos autos deveria demonstrar muito mais do que a simples relação pessoal, ou de subordinação, entre Arleu e os demais envolvidos, não tendo elemento algum a indicar tenha Arleu tido qualquer envolvimento com o crime, situação que lança dúvidas plausíveis que, no meu entender, não foram superadas pela acusação.

Assim, renovando as vênias ao nobre relator, acompanho o voto quanto à emendatio libelli de ofício e ao afastamento da preliminar de negativa de jurisdição, acolho a preliminar de ilicitude da prova, considerando nulo o depoimento de José Antônio Soares Medeiros e, no mérito, acompanho o voto quanto ao desprovimento do recurso interposto conjuntamente por Lorival Silveira e Sérgio Antônio Ferreira, mantendo a condenação imposta; porém, divirjo, para dar provimento ao recurso interposto por Arleu Machado de Oliveira, para o fim de absolvê-lo com fundamento no art. 386, VII, do CPP, face à inexistência de prova suficiente para a condenação.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Tenho o mesmo entendimento do Dr. Leonardo. Não há prova alguma de que Arleu tenha praticado o ilícito. Acompanho a divergência.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Adiro ao voto  divergente do Dr. Leonardo.

 

Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

Mantenho o voto, acompanhando o eminente relator.

 

 

Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Acompanho o eminente relator.

 

Des.  Marco Aurélio Heinz:

Quanto à existência do fato típico não há dúvida alguma. O que coloca o réu Arleu, candidato a vereador, no momento dos acontecimentos - já que comprovada, à unanimidade, a inexistência dos fatos típicos -, é a existência de santinhos dentro veículo e o fato de Sérgio também ser fiscal do partido de que fazia parte o acusado Arleu. Não há no Direito Penal a responsabilidade sem culpa. A captação da prova é difícil e quando provado o fato - transporte de eleitores -, deve ser comprovado a quem aproveita o fato.  Acompanho o relator e nego provimento ao apelo.