REC - 172897 - Sessão: 21/10/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto, fls. 120-136, por FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA em face de decisão (fls. 107-111) que julgou procedente representação proposta pelo PARTIDO PROGRESSISTA – PP e ERNANI POLO, e aplicou ao recorrente multa no valor de R$ 30.000,00 pela divulgação da propaganda com caráter ofensivo (art. 57-D, § 2°, da Lei n. 9.504/97) e, também, multa diária no valor de R$ 10.000,00 enquanto não comprovado, nos autos, o cumprimento da medida liminar concedida, eis que descumprida.

Apresenta preliminar, entendendo nula a decisão atacada ao argumento de que desbordou do pedido e, portanto, configurado flagrante julgamento "extra petita”. No mérito, entende desproporcional a determinação de exclusão integral dos perfis VANESSA SOUZA AZEVEDO e LETS LOPES, de forma que seria inaplicável a multa imposta pelo descumprimento da medida liminar. Alega ter atuado com boa-fé no decorrer do processo, entendendo cabível a exclusão da multa de R$ 30.000,00, ou que se reduza a multa a um patamar compatível com a boa-fé apresentada pelo recorrente durante todo o episódio. Requer, caso não acolhida a prefacial, a reforma da decisão monocrática para que seja determinada apenas a remoção dos conteúdos ilegais veiculados nos perfis VANESSA e LETS ou, alternativamente, caso entenda pela aplicação de multa ao FACEBOOK BRASIL, que o quantum seja minorado em razão da desproporcionalidade na fixação do montante.

ERNANI POLO e PARTIDO PROGRESSISTA DO RIO GRANDE DO SUL apresentaram contrarrazões, fl. 144.

Foram os autos à Procuradoria Regional Eleitoral, que exarou parecer pelo desprovimento do recurso e pela extração de cópias do processo, para remessa ao Ministério Público Estadual de piso, visando à análise de eventual delito de desobediência.

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto no prazo de 24 horas previsto no art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97.

Preliminarmente

O recorrente FACEBOOK DO BRASIL pleiteia a nulidade da decisão, tendo em vista que teria veiculado conteúdo extra petita, sendo desobedecido o princípio da congruência.

Todavia, e conforme adiante se verá, os argumentos trazidos no bojo da prefacial dizem respeito direto ao mérito da causa, mais especificamente aos fundamentos elencados na decisão monocrática, para que fosse decidido pela retirada integral de dois perfis da rede social Facebook: VANESSA SOUZA AZEVEDO e LETS LOPES (e não apenas dos conteúdos tidos como ofensivos, como feito em relação ao perfil de VALESCA ALVES RIBEIRO) de maneira que merecem atenção em conjunto com a questão de fundo.

Senão vejamos.

Mérito

Adequado, ao caso posto, um inicial resgate dos fatos.

Deferi medida liminar em vista do conteúdo altamente ofensivo veiculado por três perfis da rede Facebook contra a pessoa (e a família) do então candidato a deputado estadual ERNANI POLO, de forma a causar prejuízos severos em sua candidatura. Por envolver menores de idade, o processo recebe, inclusive, trâmite sigiloso.

Os perfis de Facebook, objetos da decisão liminar, foram os seguintes: VALESCA ALVES RIBEIRO, VANESSA SOUZA AZEVEDO e LETS LOPES.

VALESCA foi devidamente identificada e qualificada na petição inicial, tanto que figura no presente processo como representada.

Relativamente a VANESSA e LETS, contudo, os representantes afirmaram crer se tratassem dos denominados “perfis fakes” - páginas falsas, criadas com informações inverídicas, prática notoriamente facilitada no ambiente do Facebook.

Daí, veicularam pedido nos seguintes termos, cujos grifos são os originais:

ANTE O EXPOSTO, os Demandantes REQUEREM, LIMINARMENTE E COM URGÊNCIA, que seja determinado à Requerida VALESCA e ao Requerido FACEBOOK que retirem do ar as veiculações citadas nesta exordial e constantes da prova material anexa, bem como qualquer outra ofensa vinculando o candidato Ernani Polo aos fatos objeto da presente medida acautelatória.

REQUEREM, outrossim, seja determinado ao Requerido FACEBOOK que não admita em sua rede social e nos serviços que a mesma oferece, o compartilhamento de qualquer material relativo ao ora vergastado, em que consta a presente “denúncia”.

Considerando o pleno atendimento dos requisitos, a liminar foi concedida (fl. 31-34) determinando a VALESCA que retirasse os conteúdos tidos como ofensivos e ao FACEBOOK que retirasse do ar integralmente os perfis de VANESSA e LETS – eis que, em relação a estes últimos dois, tudo indicava (como ainda indica) se tratarem de perfis falsos.

O tratamento diferenciado, portanto, se deu porque um perfil possuía titularidade sabida (VALESCA), e outros dois, desconhecida (VANESSA e LETS). A ordem de retirada integral se deu para atender ao pedido expresso dos representantes de veiculação de qualquer outra ofensa vinculando o candidato Ernani Polo aos fatos objeto da presente medida acautelatória, providência que se impunha à época, considerada a gravidade das circunstâncias – confirmadas posteriormente.

Daí, na sequência dos fatos, se porventura fossem descobertas as identidades dos titulares de VANESSA e LETS, os referidos perfis poderiam voltar ao ar – sem, por óbvio, os conteúdos ofensivos.

Todavia, isso não aconteceu.

A confirmar tal ordem de ideias, a representada VALESCA veio aos autos, demonstrando o cumprimento da ordem judicial, fls. 95-101.

O recorrente FACEBOOK DO BRASIL, por sua vez, não cumpriu a ordem, mantendo as contas no ar. Preferiu apenas apresentar defesa (fls. 50-70), na qual opina que os perfis de VANESSA SOUZA AZEVEDO e LETS LOPES são verdadeiros, por uma série de questões periféricas (número de “amigos” na rede social, existência de fotos e mensagens de cunho pessoal, abertura da conta anteriormente ao período eleitoral).

E em momento algum comprovou tais circunstâncias, sendo que era, e continua sendo, o único participante do processo capaz disso. Por exemplo, não trouxe qualquer informação dos usuários titulares das contas VANESSA e LETS, ou utilizou o instituto da intervenção de terceiros para fazer com que tais titulares viessem a integrar a demanda, o que só reforça o juízo de que os perfis são, de fato, falsos. O perfil LETS LOPES, aliás, sequer possui fotografias, como comprovado na fl. 15.

Assim, lógico que, ausente titularidade sabida, inviável o controle de veiculação de conteúdo, não bastando o procedimento proposto pelo FACEBOOK DO BRASIL, de retirada “cirúrgica” dos conteúdos nas páginas VANESSA e LETS.

Veiculantes de anonimato, impõe-se a retirada integral, não bastando meras afirmações de que os perfis não podiam ser integralmente ceifados por abrigar alguns conteúdos ilegais (fl. 60), o que aliás soa contraditório quando da leitura de toda a peça de defesa, eis que, logo adiante (fl. 65), o recorrente sustenta que não lhe cabe o dever de monitorar e/ou moderar o conteúdo disponibilizado por terceiros, por vedação constitucional.

Ou seja, de um lado, o FACEBOOK afirma não ter o direito de valorar o conteúdo das mensagens postas pelos usuários; por outro, sopesa o conteúdo de uma determinação judicial, que analisou a questão sob o prisma da defesa do direito à honra e à privacidade, e não cumpre tal ordem exarando opinião de “equívoco” e “desproporcionalidade” da decisão, ao pretexto de que, nos perfis VANESSA e LETS, há fotos e mensagens pessoais que não poderiam ser retiradas da rede em virtude de uma ou outra irregularidade.

Como já asseverado por ocasião da decisão monocrática, não se trata de “uma eventual ilegalidade”, mas sim de ataque grave a direitos fundamentais do representante ERNANI, de maneira que, somada à ausência de informações sobre a titularidade dos perfis VANESSA e LETS, a retirada integral dos perfis é medida que se impõe, até mesmo pela dicção do caput do art. 57-D da Lei n. 9.504/97, o qual prevê, de um lado, a livre manifestação do pensamento e, de outro, veda expressamente o anonimato durante a campanha eleitoral.

No ponto, transcrevo trecho da decisão exarada monocraticamente, que tomo como razões de decidir:

De início, friso que a requerida FACEBOOK DO BRASIL não cumpriu a ordem de retirada dos perfis VANESSA SOUZA AZEVEDO e LETS LOPES da rede social pela qual é responsável no território brasileiro, muito embora tenha reservado ponto específico requerendo que este Juízo reconhecesse o cumprimento da ordem.

Repito, não cumpriu.

E, nas razões de defesa, traz argumentos para o descumprimento da ordem judicial, a saber: (a) que a decisão teria sido supra petita; (b) que, pelas características visualizadas – fotos e mensagens de conteúdo pessoal e existência de “amigos”, os perfis de VANESSA SOUZA AZEVEDO e de LETS LOPES seriam verdadeiros; (c) que “não se deve tolher um espaço virtual perfeitamente legítimo e constitucionalmente protegido (se referindo aos perfis VANESSA SOUZA AZEVEDO e LETS LOPES) devido a “algumas eventuais publicações irregularidades”; (d) que a retirada integral, do facebook, dos perfis de VANESSA SOUZA AZEVEDO e LETS LOPES seriam medida cerceadora do direito constitucional de livre expressão do pensamento.

Nenhuma das linhas de argumentação merece acolhida, fundamentalmente pela conclusão central de que o caso posto está a tratar de violação à intimidade, a vida privada, à honra e à imagem de um candidato a cargo eletivo, bem como de sua família, o que parece não ter sido devidamente apreendido pela requerida FACEBOOK DO BRASIL.

Isso porque, de forma absolutamente clara, a situação dos autos é – da mesma forma que a liberdade de expressão – acobertada constitucionalmente (art. 5°, X, da Constituição Federal).

E, se é certo – como é – de que não há hierarquia entre os valores indicados no catálogo dos direitos fundamentais da Constituição, também não há dúvida que, no caso concreto, as circunstâncias oferecem elementos para a decisão da Justiça Eleitoral sobre qual deles há de prevalecer.

Nessa linha, cito a doutrina do Ministro GILMAR FERREIRA MENDES (Doutrinas essenciais – Direito Constitucional, Org. CLÈVE-BARROSO. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2011. Tomo I: Colisão de Direitos Fundamentais: Liberdade de Expressão e de comunicação e direito à honra e à imagem, p. 673-680):

[...] Não é verdade, ademais, que o constituinte concebeu a liberdade de expressão como direito absoluto, insuscetível de restrição, seja pelo Judiciário, seja pelo Legislativo. Já a fórmula constante no art. 220 da Constituição explicita que “a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

É fácil de ver, pois, que o Texto Constitucional não exclui a possibilidade de que se introduzissem limitações à liberdade de expressão e de comunicação, estabelecendo, expressamente, que o exercício dessas liberdades haveria de se fazer com observância do disposto na Constituição. Não poderia ser outra a orientação do constituinte, pois, do contrário, outros valores, igualmente relevantes, quedariam esvaziados diante de um direito avassalador, absoluto e insuscetível de restrição.

Ou seja, o raciocínio a ser realizado é exatamente o contrário àquele exposto pela requerida FACEBOOK DO BRASIL: não há exagero em determinar a retirada integral de um perfil de uma rede social devido a uma “irregularidade” pois, no caso, ela constitui ofensa clara a direitos fundamentais do representante ERNANI.

Portanto, no caso, a medida se mostra necessária.

De qualquer forma, as razões recursais devem ser afastadas porque, a par do conteúdo altamente ofensivo que os perfis VANESSA e LETS veicularam, tudo indica se tratem de perfis falsos, sendo que a retirada integral é a medida adequada à situação.

Ademais, também repito aqui, o exercício argumentativo realizado na decisão monocrática supondo fossem verdadeiros os perfis – em um sopesamento entre a lesão que causaram e a sua retirada integral da internet, entendi que esse efeito não seria tão grave a ponto de prejudicar irreparavelmente eventual usuário:

[...] Daí, a decisão não foi supra petita – eis que, à míngua de procedimento efetivo para a retirada tão somente das mensagens, como aliás realizado relativamente à requerida VALESCA ALVES RIBEIRO, a gravidade dos fatos, via ponderação entre liberdade de expressão e direito à privacidade, impõe a retirada imediata dos perfis VANESSA SOUZA AZEVEDO e LETS LOPES da rede social facebook, como aliás já assentado na decisão de concessão do pedido liminar, desobedecido pela requerida FACEBOOK DO BRASIL.

Ainda, sobre a questão dos perfis serem falsos ou não, os dados que FACEBOOK DO BRASIL entende como indicadores de veracidade dos perfis VANESSA SOUZA AZEVEDO e LETS LOPES são periféricos e pouquíssimo confiáveis – lógivo que perfis fakes intentam exatamente se parecer com perfis verdadeiros – e, por isso, lá se fazem constar fotos e posts pessoais, relações de amizade aparentemente verídicos.

E, novamente, na carência de maiores esclarecimentos, a medida de retirada integral dos perfis se mostrava (como ainda se mostra) necessária e suficiente para que as ofensas sejam imediatamente cessadas, de forma que não cabia (como ainda não cabe) ao FACEBOOK DO BRASIL quaisquer ponderações sobre princípios constitucionais, mas sim, tão somente, o cumprimento da medida.

Até mesmo porque, apenas a título de argumento, suponhamos sejam os perfis VANESSA SOUZA AZEVEDO e LETS LOPES verdadeiros. A retirada integral não se afigura lesão a direito constitucional, ou sequer demasiada ou exagerada, uma vez consideradas as ofensas veiculadas – por exemplo, se a requerida VALESCA ALVES RIBEIRO não tivesse sido identificada, receberia, certamente, o mesmo tratamento.

Ora, deve-se deixar claro que se está a tratar, apenas, de um perfil de rede social, nada mais. O seu encerramento está longe de ser uma medida grave. Notório que, com o preenchimento de um cadastro, qualquer pessoa pode criar um perfil.

Por isso, após a retirada, querendo, os eventuais titulares dos perfis encerrados podem criar outro – para neles veicular, espera-se, apenas mensagens obedientes ao ordenamento jurídico. A perda de mensagens sem conteúdo eleitoral, ou de fotos pessoais, é uma circunstância de muito menor importância do que as lesões veiculadas.

A requerida FACEBOOK DO BRASIL, assim, coloca nos perfis e, ao final, em si mesma, relevância hipertrofiada – trata-se de um empreendimento bem sucedido financeiramente, sem dúvidas, mas é apenas uma rede social como tantas outras, algumas delas sendo extintas, outras tantas surgindo. Não se trata de um pilar da liberdade de expressão da sociedade, um canal vital de liberdade de expressão, algo fundamental para a vida de um cidadão.

Sob outro aspecto, com o descumprimento da ordem judicial e não esclarecendo as questões sobre a veracidade dos perfis VANESSA e LETS, o FACEBOOK atraiu para si a responsabilidade pelos conteúdos veiculados, a teor do art. 57-F da Lei n. 9.504/97, repetido no art. 24 da Resolução TSE n. 23.404/14:

Art. 24. Aplicam-se ao provedor de conteúdo e de serviços multimídia que hospeda a divulgação da propaganda eleitoral de candidato, de partido ou de coligação as penalidades previstas nesta resolução, se, no prazo determinado pela Justiça Eleitoral, contado a partir da notificação de decisão sobre a existência de propaganda irregular, não tomar providências para a cessação dessa divulgação (Lei n. 9.504/97, art. 57-F, caput).

§ 1º O provedor de conteúdo ou de serviços multimídia só será considerado responsável pela divulgação da propaganda se a publicação do material for comprovadamente de seu prévio conhecimento (Lei nº 9.504/97, art. 57-F, parágrafo único).

§ 2º O prévio conhecimento de que trata o parágrafo anterior poderá, sem prejuízo dos demais meios de prova, ser demonstrado por meio de cópia de notificação, diretamente encaminhada e entregue pelo interessado ao provedor de internet, na qual deverá constar, de forma clara e detalhada, a propaganda por ele considerada irregular.

E a multa prevista para repreender tal espécie de irregularidade varia entre R$ 5.000,00 e R$ 30.000,00, consoante o art. 22, parágrafo único, da Resolução n. 23.404/14. Por ocasião de decisão monocrática, apliquei o valor máximo de R$ 30.000,00, considerado o gigantismo financeiro do recorrente. Valor esse que mantenho, eis que tal circunstância não se modificou.

Cabe lembrar, de qualquer forma, a gravidade das ofensas veiculadas e o atuar da recorrente no decorrer do processo, de forma a atrair para si a responsabilidade pela veiculação das mensagens.

Finalmente, considerado que, embora tardio, houve o cumprimento da ordem de retirada integral dos perfis VANESSA SOUZA AZEVEDO e LETS LOPES dentro do prazo de interposição recursal, retiro a imposição de multa diária no valor de R$ 10.000,00.

ANTE O EXPOSTO, VOTO no sentido de dar parcial provimento ao recurso, para afastar a imposição de multa diária pelo descumprimento da medida liminar, mantendo a condenação no valor de R$ 30.000,00, conforme o art. 57-D, § 2°, combinado com o art. 57-F, ambos da Lei n. 9.504/97 e repetidos na Resolução n. 23.404/14.

Ainda, VOTO pela remessa de cópia dos autos, conforme manifestação do d. Procurador Regional Eleitoral, todavia indicando o Ministério Público Eleitoral de 1º grau como destinatário.