REC - 184066 - Sessão: 24/10/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO UNIDADE POPULAR PELO RIO GRANDE (PT/PTC/PCDOB/PROS/PPL/PTB/PR), fls. 73-85, contra decisão que julgou improcedente representação por propaganda eleitoral negativa apresentada contra SIMERS – SINDICATO MÉDICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e RBS PARTICIPAÇÕES S/A.

Em razões recursais, defendem a irregularidade da propaganda eleitoral, afirmando que o SIMERS veiculou propaganda com conteúdo negativo e prejudicial à candidatura de TARSO GENRO, em afronta ao art. 44 da Lei n. 9.504/1997. Sustentam que o apelo eleitoral da veiculação é evidente, sendo o SIMERS, no contexto em que deve ser envolta a controvérsia, ferrenho crítico do Partido dos Trabalhadores, integrante da Coligação Apelante. Trazem exemplos de críticas do referido sindicato ao governo estadual. Aduzem que em momento algum há a referência ao SUS ou a programas de saúde atinentes à esfera municipal e, se a propaganda veiculada, por um lado, não ataca diretamente a figura de Tarso Fernando Genro, por outro lado, ataque algum restou direcionado à figura da Presidente da República ou ao Governo Federal em si. Entendem, ainda, ter havido cunho eleitoral no discurso do SIMERS, faltante tão só o pedido expresso e garrafal de voto para a principal candidatura opositora da presente Representante. Requerem o conhecimento do recurso e o respectivo provimento.

Os recorridos  ofereceram contrarrazões (SIMERS, fls. 91-94, e RBS PARTICIPAÇÕES, fls. 113-126) requerendo fundamentalmente a manutenção da decisão impugnada. O SIMERS ainda indica que a propaganda atacada não está mais sendo veiculada, motivo pelo qual entende prejudicado o pedido de suspensão de veiculação.

Os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 128-130).

É o relatório.

 

VOTOS

Des. Federal Otávio Roberto Pamplona:

O recurso é tempestivo, pois interposto no prazo de 24 horas previsto no art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/1997.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido.

De início, analiso o argumento trazido em contrarrazões pelo SIMERS juntamente com a notícia de que a propaganda atacada não está mais sendo veiculada. Entende o sindicato recorrido que é de ser julgado prejudicado o pedido de suspensão de veiculação da propaganda atacada.

E, dado o fato de que a referida propaganda não tem sido mais veiculada, o argumento, absoluta e logicamente, procede.

Todavia, há na representação outro pedido, qual seja, o de determinação de abstenção ao SIMERS e à RBS PARTICIPAÇÕES S/A de veiculação de qualquer outra inserção com conteúdo similar, de forma que, sob tal viés é que o presente voto procederá à análise do caso.

Ao mérito, adiantando que o recurso não merece provimento.

A representação indica suposta desobediência ao caput do art. 44 da Lei n. 9.504/1997:

Art. 44. A propaganda eleitoral no rádio e na televisão restringe-se ao horário gratuito definido nesta Lei, vedada a veiculação de propaganda paga.

E no recurso é reafirmada a tese de que a propaganda veiculada pelo SIMERS, nos dias 29 e 30 de setembro de 2014, na RBS TV, teria cunho de propaganda eleitoral negativa, de forma a atingir a candidatura de Tarso Genro à reeleição.

Todavia, ao contrário do aduzido nas razões recursais, a leitura da mensagem revela por si mesma o quão rarefeitos são os termos utilizados – como já explicitado por ocasião da decisão monocrática -, motivo fundamental para não ser considerado o caso como propaganda eleitoral negativa a qualquer candidatura.

A íntegra da manifestação do SIMERS é a seguinte:

A saúde vai de mal a pior. Os doentes são cada vez mais amontoados, como entulho, nos corredores das emergências. E agora vêm alguns dizer que estão melhorando a saúde! Não se deixe enganar. Você pode mudar tudo isso. Simers, Sindicato Médico do Rio Grande do Sul. A verdade faz bem à saúde.

Note-se a inexistência de referência a qualquer candidatura ou esfera de governo. Não refere os postos de saúde municipais ou o Sistema Único de Saúde, de competência da União. Tampouco indica um órgão estadual de saúde.

Ainda, sequer aponta se aqueles alguns que dizem ter melhorado a saúde são ocupantes de cargos ou candidatos, quer do Executivo, quer candidatos aos cargos de deputado estadual, federal, senador – sublinho que, como alhures assentado, uma gama de então candidatos a cargos proporcionais tinham como principal bandeira a questão da saúde pública.

Em vista de tais considerações, razoável seja considerada a propaganda em questão como veiculadora de discurso de classe, típico dos sindicatos.

Penso que uma boa maneira de demonstrar não ter havido, na espécie, propaganda negativa é mostrar um caso em que houve o referido tipo de propaganda eleitoral irregular de parte de um sindicato.

Colaciono julgado de procedência pela ocorrência de propaganda negativa, para que seja possível verificar o quão distante o caso posto está de um juízo condenatório. Trata-se do recurso em Representação n. 2282-54, do TRE-MG, rel. Des. Domingos Coelho, julgado em 21 de agosto de 2014, e cuja íntegra foi juntada pelo Ministério Público Eleitoral, fls. 54-63.

Na ocasião, a Corte Eleitoral mineira entendeu pela ordem de abstenção de veiculação da propaganda negativa do sindicato, sob pena de multa diária. A ementa do julgado é a seguinte:

Recurso em representação. Eleições de 2014. Veiculação em rádio. Propaganda eleitoral negativa. Procedência. Ordem de abstenção de veiculação da propaganda negativa em qualquer emissora de rádio na circunscrição de Minas Gerais, sob pena de pagamento de multa diária.

Preliminar de intempestividade. A lei não prevê prazo para a propositura de representação por propaganda irregular. Rejeitada.

Preliminar de ilegitimidade ativa. Em caso de descumprimento das regras relativas à propaganda eleitoral, as representações e reclamações podem ser apresentadas por qualquer coligação, nos termos do art. 96 da Lei das Eleições. Rejeitada.

Mérito. Alegação de divulgação de matéria com meras críticas ao Governo estadual, em defesa de interesses da categoria dos professores estaduais. Publicação que excedeu os limites autorizados pela legislação eleitoral, configurando propaganda eleitoral negativa. Afirmações depreciativas que descaracterizam a mera publicidade sindical ou o simples discurso de classe. Violação ao art. 44 da Lei n. 9.504/97. Manutenção da decisão monocrática. Recurso a que se nega provimento.

E colho, ainda, a íntegra da manifestação do Sindicato de Professores mineiro, para comparação. Irá grifo nas partes que veicularam conteúdo eleitoral:

[…]

Salas de aula superlotadas.

Escolas funcionando em lugar aonde já foi um motel e a outra em um posto de gasolina.

A maioria das escolas sem quadra de esportes ou refeitório.

É difícil acreditar que tudo isso não seja uma piada, mas essa, infelizmente, é a realidade das escolas estaduais.

Nos últimos anos, o Governo de Minas deixou de investir mais de 8 bilhões de reais em educação.

Não deixe que a educação em Minas se torne uma piada de mau gosto.

Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais.

Essa, pois, a diferença entre a existência e a inexistência de cunho eleitoral.

Dessa forma, ao afirmar que não há referência direta ao governo federal ou ao SUS ou aos postos de saúde municipais, os argumentos trazidos no recurso apenas reforçam o juízo no sentido de que não houve qualquer referência direta também a Tarso Genro, governador ou candidato, não podendo os recorrentes, portanto, entender ter sido atacada negativamente a candidatura que apresentam ao eleitorado.

Ainda, a circunstância várias vezes trazida aos autos pela recorrente, no sentido de que o SIMERS seria crítico tradicional do candidato e do Partido dos Trabalhadores (que integra a coligação representante), não pode ser considerada como um dado capaz de levar à condenação.

Ao contrário.

Devida contextualização deve considerar que o SIMERS é tradicional crítico das políticas públicas de saúde - e não deste ou daquele governo ou governante –, o que apenas indica uma atuação combativa deste sindicato na área que lhe diz respeito e reforça a ausência de cunho eleitoral na propaganda atacada.

Daí, nessa ordem de ideias e a título de argumento, um suposto histórico de atuação do SIMERS, para que fosse válido e integrasse o que a representante denomina contexto envolta a controvérsia, deveria abraçar também os governos estaduais gaúchos anteriores ao corrente – v.g. os de Yeda Crusius (2006-2010) e de Germano Rigotto (2002-2006), vinculados a outras candidaturas ao governo do Estado.

A combatividade do SIMERS é notória e não pode ser confundida com perseguição, mormente quando não direcionada a qualquer agremiação ou pessoa.

Como, aliás, igualmente não pode servir para a condenação outro argumento trazido pelos recorrentes: o fato de a veiculação da propaganda do SIMERS ter abrangido o Estado do Rio Grande do Sul. Ora, essa correlação não se dá devido a ataque a alguma candidatura, mas sim ao espectro territorial do referido sindicato. Estranha seria a veiculação além ou aquém de tal limite.

Assim, tenho como precedente adequado o julgado cuja ementa segue transcrita e grifada, verbis:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA. HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO. REPRODUÇÃO DE NOTÍCIA VEICULADA NA IMPRENSA. CRÍTICAS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E NÃO AO CANDIDATO. POSSIBILIDADE. EMPREGO DE MEIOS PUBLICITÁRIOS DESTINADOS A CRIAR, ARTIFICIALMENTE, NA OPINIÃO PÚBLICA, ESTADOS MENTAIS, EMOCIONAIS OU PASSIONAIS. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. A reprodução de notícia acerca dos serviços públicos de saúde, sem distorção dos fatos noticiados na imprensa, não constitui conduta vedada pela legislação eleitoral.

2. A crítica dirigida à atuação estatal de forma genérica, no concernente aos serviços públicos prestados a população sem fazer referências pessoais ao Governador e candidato, não enseja vedação contida na norma eleitoral.

3. A narração por um popular de situação vivenciada nas instituições públicas de saúde do Estado, não se amolda a vedação prevista no art. 5º, da Res. TSE nº 23.191/2009, por não se tratar de meio publicitário destinado a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais.

4. Recurso a que se nega provimento.

RRP - RECURSO EM REPRESENTAÇÃO nº 76532 - Macapá/AP

(Acórdão n. 3174 de 16.09.2010, Relator: CARLOS ALBERTO CANEZIN, Relator designado: MARCUS VINICIUS GOUVÊA QUINTAS , Publicado em sessão, em 16.09.2010.)

Ante o exposto, VOTO no sentido de negar provimento ao recurso.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Este processo apresenta um caso interessante e muito complexo. Se visualizarmos a inserção do SIMERS individualmente considerada ela tem, sim, conteúdo eleitoral e estabelece desigualdade. Veja-se o que é dito: "A saúde vai de mal a pior, os doentes são cada vez mais amontoados como entulhos nos corredores das emergências. E, agora, vem alguns dizer que estão melhorando a saúde. Não se deixe enganar. Você pode mudar tudo isso." É uma manifestação com conteúdo eleitoral, no período eleitoral,  e que seria completamente vedada se analisada a literalidade da declaração.

Mas o voto do Dr. Pamplona faz uma análise sociológica, política, que ultrapassa a mera literalidade; diz tratar-se o Sindicato de entidade combativa, com posições agressivas independentemente de qual seja o Governo. A situação foi bem apreendida, de modo que acompanho o voto do relator.

 

Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

Vou pedir vista dos autos para apurar exatamente qual foi o pedido formulado - pois parece que em parte estaria prejudicado, por já ter sido retirado do ar o comercial - e a existência de requerimento para fixação de multa;  em suma, quero ver se ainda tem objeto e pretensão.

Posso adiantar que estou de acordo com a improcedência do pedido em relação à RBS, que nada mais fez que veicular matéria paga, comercial. Não vejo a responsabilidade da emissora no caso,  não é sensora para averiguar o conteúdo do que vai ao ar. Não desconheço o fato de que o SIMERS tem este tipo de veiculação crítica aos governos em geral, mas justamente por essa matéria ter sido posta às vésperas da eleição, para mim parece bastante claro que a afirmação "agora vêm alguns dizer que estão melhorando a saúde" é  uma crítica direta ao governo atual. É dizer que é óbvio que não se deve votar no governo atual.

Portanto, peço vista dos autos.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Aguardo o voto-vista.

 

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

Aguardo o voto-vista.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Há uma interpretação possível, nesse contexto, do caráter político da manifestação aqui tratada. Em que pese esse aspecto, entendo que se trata de veiculação - como bem demonstrou o ilustre relator - que não se dirige a governo A ou B, mas que é recorrente nas críticas que tem feito ao sistema de saúde e suas deficiências.  E parece que a crítica política com este tom não pode ser entendida especificamente como eleitoreira ou eleitoral.

Por isso, acompanho o relator.