RC - 3671 - Sessão: 04/11/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença do Juízo da 41ª Zona Eleitoral – Santa Maria –, que julgou improcedente a denúncia, absolvendo JOÃO GONÇALVES MORALES da imputação da prática do crime tipificado no art. 39, § 5º, II, da Lei n. 9.504/1997 (propaganda de boca de urna).

A peça acusatória oferecida pelo Ministério Público Eleitoral assim descreveu os fatos (fls. 02-03):

No dia 07 de outubro de 2012, 1º Turno das Eleições, das 14 às 16 horas, na Rua Sargento Elpídio Barbosa, nº 100, Colégio Dom Antônio Reis, Bairro Salgado Filho, nesta Cidade, o denunciado praticou manifestações tendentes a influir na vontade de eleitores, qual seja, referir que deveriam votar no candidato Cezar Schirmer, conforme depoimentos das testemunhas [...].

Na oportunidade, o denunciado, na qualidade de fiscal da coligação do candidato Schirmer, na seção localizada na referida Escola, ao orientar os eleitores sobre a votação eletrônica, induzia-os a votarem nos candidatos a Prefeito Municipal Cezar Schirmer, distribuindo santinhos na fila de votação, bem como efetuando as seguintes manifestações: “tu sabe em quem votar”.

Ainda, o denunciado adentrou na cabine de votação, enquanto uma eleitora registrava seu voto, para “verificar se havia 'santinhos' na urna”.

Assim agindo, o denunciado incorreu nas sanções do artigo 39, § 5º, incisos I e II, da Lei nº 9.504/97, razão pela qual o Ministério Público oferece a presente denúncia, requerendo que, recebida e autuada, seja o denunciado citado para interrogatório e defesa que tiver, ouvidas as testemunhas abaixo arroladas, cumpridas as demais formalidades legais, até final condenação.

A denúncia foi recebida em 28.06.2013 (fl. 51).

Foi proposta a suspensão condicional do processo pelo período de três anos (fl. 54), a qual foi recusada pelo réu (fl. 58).

O acusado não apresentou defesa prévia (fl. 58v.).

Foram realizadas audiências de instrução para oitiva de testemunhas e interrogatório do acusado (fls. 71-73, 91 e 111-112).

Oferecidas alegações finais pelo Ministério Público Eleitoral (fls. 94-95 e 114) e pelo réu (fls. 116-120), sobreveio sentença (fls. 122-124v.), julgando improcedente a ação penal, para absolver o réu da imputação do crime, em virtude da falta de provas da materialidade delitiva (art. 386, incs. II e III, do CPP).

O órgão ministerial requereu a juntada de CD no qual consta o depoimento da testemunha Letícia Iensen da Silva (fl. 129), visto que estava acondicionado em envelope na contracapa dos autos, pedido que foi deferido (fl. 136) e efetivado com a reunião da mídia ao processo (fl. 138).

Em suas razões recursais, o Ministério Público Eleitoral busca a reforma da decisão, defendendo haver prova suficiente da autoria e materialidade delitivas. Aduz que todas as testemunhas ouvidas confirmaram, a seu modo, que o acusado influiu na vontade dos eleitores no dia das eleições, mediante a distribuição de santinhos. Destaca o depoimento da mesária Letícia Iensen da Silva, que presenciou o réu indagar dos eleitores que aguardavam na fila de votação acerca do candidato em quem votariam (manifestando o dolo do tipo, e não meramente a intenção de orientar os eleitores), além de ingressar na cabine da urna eletrônica enquanto um eleitor registrava o seu voto. Argumenta, ainda, que o fato de não terem sido encontrados santinhos em poder do acusado em nada impede a incidência do tipo penal de propaganda de boca de urna (fls. 130-134).

Em contrarrazões, o réu requereu o desprovimento do recurso, mantendo-se a sentença de primeiro grau (fls. 141-154).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso (fls. 157-161).

É o relatório.

 

VOTO

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo, visto que interposto no prazo legal de dez dias.

Atendidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo.

2. Mérito

O presente julgamento se restringe ao exame do recurso de apelação quanto ao crime previsto no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/1997 (prática de boca de urna):

Art. 39 [...]

§ 5º. Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

[...]

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;

(Grifei.)

Trata-se de norma penal cujo bem jurídico tutelado é o livre exercício do voto. Busca, portanto, garantir que o eleitor tenha assegurada, no dia da eleição, a liberdade para exercer em sua plenitude o direito de voto, livre de qualquer tipo de influência constrangedora ou coercitiva.

É crime formal e sua consumação independe da ocorrência do resultado ilícito pretendido, qual seja, a efetiva influência na vontade do eleitor, maculando-a, de modo a que vote no candidato indicado pelo autor do delito. Assim, basta que o agente cometa qualquer conduta de aliciamento do eleitor, seja mediante a entrega direta do material de propaganda eleitoral – cujo exemplo mais comum são os santinhos –, seja por meio de aglomeração de pessoas com vestes de cores características de determinadas agremiações, seja, também, por simples conversa ao pé do ouvido do eleitor com o fito de influenciá-lo.

Traz, em seu elemento objetivo do tipo, aspecto temporal consubstanciado na oração delimitativa “no dia da eleição”. Infere-se, por conseguinte, que tal crime somente pode ser cometido na data do pleito.

Registre-se, ainda, que tal tipo penal incrimina condutas com base em conceito jurídico indeterminado – propaganda de boca de urna –, sendo de extrema importância, para que haja um juízo condenatório, que as provas sejam conclusivas, isto é, que possuam força e solidez suficientes a afastar o acolhimento de qualquer tese absolutória.

Adianto que não é o caso dos presentes autos, pois, da análise do conjunto probatório, entendo não restar comprovada a prática, pelo réu, do crime de boca de urna.

Segundo os fatos narrados na denúncia (fls. 02 e verso), João Gonçalves Morales teria induzido o voto e distribuído santinhos a eleitores que se encontravam no Colégio Dom Antônio Reis, no Município de Santa Maria, para exercer o sufrágio. Além disso, o acusado teria entrado em uma cabine de votação instalada no local enquanto um eleitor registrava o seu voto na urna eletrônica.

Em suas razões de recurso, a Promotoria Eleitoral sustenta que a sentença merece reforma, visto que a materialidade do delito restou devidamente comprovada mediante os depoimentos das testemunhas colhidos na fase policial e judicial.

Todavia, após analisar a prova testemunhal constante dos autos, entendo inviável formar a mesma convicção, como passo a expor.

Os policiais militares ouvidos durante o inquérito policial e a instrução do processo, Antônio Silveira Correa (fl. 38 e CD de fl. 73) e Chalina de Souza Pereira (fl. 39 e CD de fl. 73), não presenciaram o cometimento do crime, apenas receberam a notícia de sua ocorrência por intermédio de uma eleitora e de mesários que trabalhavam nas seções eleitorais n. 269 e n. 11.

Em seus depoimentos, relataram que, em um primeiro momento, orientaram o réu para que se abstivesse de abordar eleitores, e, diante da notícia de reiteração da conduta, deram-lhe voz de prisão, conduzindo-o à delegacia de polícia para as providências cabíveis. Os policiais revistaram o acusado, mas não encontraram santinhos em seu poder.

Eduardo Parnov Ferraz, presidente de mesa da seção n. 269, também não presenciou o delito, tendo recebido queixa de uma eleitora não identificada de que o réu estava entregando santinhos às pessoas que aguardavam na fila para votar. Afirmou que somente ouviu o réu dizer vote em mim, tu sabe em quem votar a uma eleitora, a qual, na sua percepção, era conhecida do acusado, inexistindo indícios de que a eleitora tenha se sentido constrangida ou coagida com a abordagem. Aduziu que o réu em momento algum entrou na cabina de votação durante o registro do voto por outro eleitor, e que não foi encontrado material de campanha em seu poder. Referiu, no entanto, que houve confusão entre os fiscais de partido no local (fl. 25 e 48, e CD de fl. 73).

Por sua vez, Letícia Iensen da Silva, mesária da seção n. 11, relatou que eleitores que esperavam para votar lhe dirigiram reclamação no sentido de o réu estar realizando boca de urna. Afirmou que o acusado entrou na cabina de votação enquanto um eleitor votava para conferir se havia santinho, e, interpelado pelos mesários, disse que podia ali ingressar devido à sua condição de fiscal partidário.

A referida testemunha percebeu o réu perguntar a eleitores se esses sabiam em quem votar e, indagada pelo juiz eleitoral, expôs que, na sua percepção, a abordagem do denunciado tinha o intuito de induzir os eleitores, e não de orientá-los quanto ao exercício do voto. Contudo, não ouviu o nome de nenhum candidato, confirmando, tão somente, que o réu portava a identificação da coligação do candidato Cezar Schirmer. Do mesmo modo, não avistou o réu distribuir santinhos no local de votação, mencionando que houve discussão entre fiscais de partido (CD de fl. 138).

A conclusão dessa testemunha, de que o réu pretendia induzir os eleitores quanto à escolha de seus candidatos, constitui um elemento de percepção, de natureza subjetiva, que não tem respaldo em outros elementos probatórios, até mesmo porque não foram ouvidos eleitores que tivessem sofrido a manipulação do acusado.

Por outro lado, se é correto afirmar que os fiscais têm o direito de averiguar a existência de santinhos ou adesivos dentro da cabina, evidente que não poderia realizar essa tarefa durante o voto de um eleitor, informação que foi, aliás, confirmada pelo próprio réu em juízo (CD de fl. 112).

Agindo dessa maneira, o acusado, certamente, extrapolou os limites da atuação permitida aos fiscais de partido, atentando contra o sigilo do voto, conduta que é digna de repúdio. Todavia, o testemunho da mesária não revela, de forma inequívoca, que o réu tenha agido com a finalidade de captar o voto, convencendo o eleitor a votar no candidato Cezar Schirmer, mostrando-se, quanto a esse aspecto, frágil para caracterizar o elemento típico subjetivo.

O réu, por sua vez, negou ter cometido o delito tanto na fase do inquérito policial quanto na fase judicial. Afirmou ter sido vítima de ameaças por parte de fiscais partidários adversários, os quais foram os responsáveis pela notícia do crime, bem como ter ingressado na cabina de votação com o objetivo de verificar se havia material de campanha ao lado da urna eletrônica (fls. 40-41 e CD de fl. 112).

As testemunhas arroladas pela defesa técnica, Eli da Silva Marafiga e Márcio Fernandes da Silveira, corroboraram as declarações do réu, dizendo que estiveram na escola no dia da votação e não o viram distribuir panfletos, abordar ou pedir voto para o candidato Cezar Schirmer. A primeira testemunha confirmou que o acusado sofreu ameaças por parte de outros fiscais partidários e que não foi encontrado material de campanha em poder do mesmo pelos fiscais da Justiça Eleitoral (CD de fl. 73).

Desse modo, diante do exame do acervo probatório, concluo que os depoimentos das testemunhas da acusação mostram-se insuficientes para configurar o crime de propaganda de boca de urna, pois nenhuma delas, incluindo os policiais militares, efetivamente viu o réu distribuir santinhos no local de votação, prova imprescindível para que o delito tivesse se consumado sob essa modalidade.

Por outro lado, os depoimentos dos mesários e das testemunhas da defesa evidenciam que houve confusão envolvendo fiscais de diferentes siglas partidárias, contexto em que a alegação do réu de ter sido ameaçado e delatado por fiscais de partidos adversários se torna verossímil.

À vista dessas considerações, constata-se que as provas trazidas não confortam um juízo de certeza sobre os fatos, pois são apenas indícios que não se revestem de força suficientemente capaz de conduzir a um juízo de condenação, pelo que se impõe o desprovimento do recurso a fim de que se mantenha a sentença que absolveu o réu, mas agora na forma do art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal, em razão da ausência de prova suficiente para a condenação.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que absolveu o réu, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.