RE - 18515 - Sessão: 22/10/2014 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO UNIÃO TRABALHISTA POPULAR (PT-PTB) contra sentença do Juízo da 102ª Zona Eleitoral – Santo Cristo, que julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, em relação à COLIGAÇÃO UNIÃO DEMOCRÁTICA (PP-PDT-PMDB), e improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral movida contra LEO MIGUEL WESCHENFELDER (prefeito) e OSVALDO ANDERS (vice-prefeito), não reconhecendo os alegados abuso de poder político e econômico apontados na peça vestibular (fls. 731-739v.).

Em razões recursais, foi apontado, em preliminar, o cerceamento de defesa. No mérito, foi relatada a ocorrência das seguintes irregularidades: 1) distribuição de telhas Brasilit devido ao temporal de granizo, sem, todavia, cumprir critérios da prefeitura, com suposto favorecimento a eleitores; 2) destinação indevida de material de construção e de servidores da prefeitura para reformas e construção de sedes das comunidades do interior; 3) produção de documento falso pelo vice-prefeito.

Ao final, requer a anulação da sentença ou que esta seja reformada, a fim de que seja julgada procedente a ação (fls. 760-765v.).

Com as contrarrazões (fls. 773-779), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opina pelo desprovimento do recurso (fls. 782-789).

É o relatório.

 

 

 

VOTO

 Tempestividade

A sentença foi publicada no DJERS de 12.12.2013, uma quinta-feira (fl. 758), e o recurso interposto em 16.12.2013, segunda-feira (fl. 760), vale dizer, dentro do tríduo legal.

Preliminar de cerceamento de defesa

A recorrente argui nulidade da sentença por cerceamento de defesa, já que não foi possível à parte autora ouvir uma testemunha sequer. Tal argumentação jurídica não procede, uma vez que foram oportunizados todos os meio de prova, conforme o devido processo legal. Senão, vejamos.

A coligação autora apresentou emenda à inicial, arrolando testemunhas nessa ocasião, o que deferido pelo juiz eleitoral. Foi adotado o rito processual do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, com a designação de audiências de instrução. O pedido da representante - de que fossem intimadas as testemunhas para a audiência, pois alegou que não teria como garantir o comparecimento das mesmas - restou indeferido pelo juiz eleitoral (fl. 237), visto que o art. 22, inc. V, da Lei Complementar n. 64/90 determina que as testemunhas compareçam independentemente de intimação. Em outras palavras, era da responsabilidade da coligação demandante trazer as pessoas que pretendia ouvir.

Nesse diapasão, o entendimento do TSE quando do julgamento do Recurso Ordinário n. 263, de relatoria do Min. Henrique Neves da Silva, sessão de 13.03.2014:

Ação de perda de cargo eletivo. Deputado estadual. Desfiliação partidária.

1. [...]

2. Nos termos do art. 7º da Res.-TSE nº 22.610, as testemunhas são trazidas pela parte que as arrolar, independentemente de intimação (MS nº 72-61, rel. Min. Gilson Dipp, DJe de 18.6.2012), razão pela qual não é imperativa a expedição de carta de ordem para oitiva em outra localidade ou a aplicação subsidiária da regra do art. 411 do Código de Processo Civil, que estabelece prerrogativas em favor de autoridades para serem ouvidas em sua residência ou no local onde exercem suas funções.

3.[...]

4. Não há cerceamento de defesa quando a produção de prova oral é indeferida por não ter sido demonstrada a sua relevância para o caso, conforme reiterada jurisprudência (AgR-REspe nº 199-65, rel. Min. Dias Toffoli, PSESS em 18.12.2012; ED-AgR-AI n° 7.026, relª. Minª. Cármen Lúcia, DJe de 24.11.2009; AgR-AI n° 7.854, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 14.8.2009). Além disso, a parte interessada, no momento da audiência, não apresentou as testemunhas arroladas.

Assim, foi ouvida uma testemunha indicada pela parte autora, na audiência de inquirição (fls. 327-329), sendo que as demais testemunhas arroladas não compareceram.

Rejeito, portanto, a preliminar de cerceamento do defesa.

Mérito

A coligação autora apontou na exordial vários fatos perpetrados pelos representados que, no seu entender, configuram abuso de poder econômico e político.

Prossigo o exame dos fatos que foram objeto de recurso, a saber:

1. Distribuição de telhas Brasilit devido ao temporal de granizo, sem, todavia, cumprir critérios da prefeitura, com suposto favorecimento a eleitores.

A ocorrência de vendaval seguido de granizo afetou todo o Município de Porto Lucena, na área urbana e rural, com danos em 98% das casas, cerca de 2.600 moradias. Foi esse o motivo que levou o prefeito, ora representado, Leo Miguel Weschenfelder, a declarar o município em “situação de emergência”, conforme Decreto n. 31/2012, datado de 19.09.2012 (fls. 573-577). A situação de emergência foi homologada pelo Governador Tarso Genro (fls. 569-570).

Diante dessa situação, elaborado o termo de compromisso e de recebimento de material (fl. 410), o prefeito Leo Miguel Weschenfelder, na condição de “executor”, ficou responsável pela distribuição do material destinado a atender aos moradores cujas casas foram atingidas pela tempestade.

Os depoimentos colhidos junto ao Ministério Público revelam que as telhas foram entregues pela Defesa Civil.

Quanto aos testemunhos prestados em juízo, destaco os seguintes:

- PEDRO NEUMANN (fl. 168), testemunha compromissada, relata que recebeu as telhas porque havia efetuado um cadastro com um ministro religioso, de nome Gilmar Waskevski, e que nenhum político compareceu em sua residência pedindo voto;

- CECÍLIO VOGADO (fl. 169), testemunha compromissada, disse que recebeu as telhas pois preencheu um cadastro, e a entrega for feita pelo Tenente Martinelli e os funcionários da prefeitura. Afirmou que recebera apenas 25 folhas e que não houve pedido de voto em troca do material doado.

- JUVENAL RODRIGUES DA ROSA (fl. 170), testemunha compromissada, disse que recebeu da Defesa Civil as telhas, visto que sua casa foi destruída pelo vendaval. Informou que a entrega do material foi efetuada na sua casa pelo “pessoal da prefeitura e o Tenente Martinelli”.

Da leitura do caderno probatório, extrai-se que a distribuição fora efetivada pela Coordenadoria Municipal da Defesa Civil, sob o comando da Defesa Civil estadual, por meio do Tenente Martinelli, tendo a prefeitura colocado seus servidores à disposição para auxiliar no fornecimento e atendimento às famílias atingidas. Prestaram ajuda a Assistência Social, as lideranças das comunidades do interior do município e os ministros da Igreja Católica, auxiliando no levantamento das casas atingidas. Foi realizado levantamento dos moradores que receberam as telhas (fls. 413-25), totalizando 644 beneficiados.

O vice-prefeito OSVALDO ANDERS, ora representado, foi indicado pelo prefeito municipal a ocupar o cargo de Coordenador da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil, conforme Portaria n. 1765, de 17.06.2011 (fl. 289). Portanto, a sua nomeação é bem anterior ao fato em apreciação. A alegada falta de afastamento efetivo, de 6 meses, do vice-prefeito Osvaldo Anders, por ocupar o cargo de Coordenador, não serve de pretexto para o proferimento de um juízo condenatório, visto inexistir prova de que o mesmo tenha favorecido eleitores simpatizantes.

As declarações juntadas pela autora, a fim de comprovar o alegado benefício eleitoreiro, devem ser valoradas com reservas, pois prestadas por quem faz oposição política. Ademais, deixaram de comparecer em audiência, o que impede ao julgador formar convencimento seguro quanto à veracidade do conteúdo daqueles documentos. Vale ressaltar que os declarantes Carlos Josnei Montini (fl. 296), Osmar Cerri (fl. 291) e Luiz Balduino Webery (fl. 290) fizeram campanha política para a coligação adversária.

Destaco, por oportuno, que, por conta da investigação levada a cabo pelo Parquet em face de denúncia envolvendo praticamente os mesmos fatos, foi aberto o Procedimento Administrativo n. 00877.00010/2012, juntado aos autos, tendo o Ministério Público ouvido 23 pessoas e, após exaustiva investigação, concluído ser caso de arquivamento do feito.

2. Destinação indevida de material de construção e de servidores da prefeitura para reformas e construção de sedes das comunidades do interior.

Segundo informa a exordial, foi construído um clube totalmente novo na Linha Nova Centro, embora lá houvesse poucos moradores, buscando os representados, com tal conduta, angariar votos. Também foi apontado que a reforma de piso em clube, situado na Linha Verde, tido sido feita com doação de materiais pela prefeitura, bem como com trabalho de servidores municipais.

Não há provas nesse sentido. Em defesa, os representados mencionaram que na localidade da Linha Verde sequer existe clube na comunidade (fl. 216). Asseveram que o resultado amplamente favorável ao candidato à reeleição na Linha Nova Centro é fruto do trabalho da administração municipal, reconhecido até mesmo pela parte adversa, na propaganda eleitoral gratuita, ao confirmarem que há mais de 50 anos a comunidade de Linha Nova Centro pedia o fornecimento de água potável, que foi somente consumado pela atual administração municipal mediante convênio com o governo do Estado (fl. 216).

A mídia juntada à fl. 331, contendo a gravação da audiência de instrução, revelou que o servidor Adecir Brito prestou auxílio no serviço de ampliação do salão da sua comunidade, mas usou seu período de férias para tanto.

Mais uma vez não evidenciada conduta que denote abuso de poder.

3. Produção de documento falso pelo vice-prefeito

A coligação autora se insurge pelo fato de que o vice-prefeito, na condição de Coordenador Municipal da Defesa Civil, não se afastou de seu cargo 6 meses antes do pleito. Alegam que o documento da fl. 336, que comunica seu afastamento formal do cargo de vice-prefeito, não espelha a realidade, já que ele teria continuado trabalhando. Para comprovar a assertiva juntam atas de reunião da Coordenadoria Municipal de Defesa.

A questão relativa ao afastamento do vice-prefeito é matéria a ser enfrentada por ocasião do registro de candidatura.

A propósito, a jurisprudência do TSE acerca do tema:

Eleições 2012. Registro de candidatura. Desincompatibilização. Membro do Conselho Municipal de Defesa Civil. Afastamento de fato. Desincompatibilização. Caracterização.

1. A Corte de origem assentou que o candidato apresentou declaração de coordenador de que não teria ele participado de qualquer ato do respectivo Conselho Municipal de Defesa Civil do município, a evidenciar, portanto, o seu afastamento de fato da respectiva função, o que tem sido reconhecido por esta Corte Superior como apto para demonstrar a desincompatibilização.

2. O Tribunal já decidiu que "declaração passada por autoridade do Estado é documento hábil para comprovar o afastamento do servidor para fins de registro de candidatura (art. 19, II, CF)" (AgR-REspe nº 23.200, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, PSESS em 23.9.20040).

3. De igual modo, a jurisprudência deste Tribunal já sedimentou que "incumbe ao impugnante provar que a desincompatibilização não ocorreu no plano fático ou fora do prazo estabelecido pela LC 64/90" (REspe n° 20.028, rel. Ministro Sepúlveda Pertence, PSESS em 5.9.2002). No mesmo sentido: RO nº 251457, rel. Min. Gilson Dipp, DJE de 28.10.2011; RO nº 171275, rel. Min. Marco Aurélio, PSESS de 16.9.2010; AgR-REspe nº 299-78, rel. Min. Joaquim Barbosa, PSESS de 28.10.2008.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 3377 – Tremedal/BA, Acórdão de 01/10/2013, Relator Min. Henrique Neves da Silva)

O vice-prefeito informou ao juiz eleitoral que havia se afastado do cargo em momento anterior a 04.06.2012, data em que sua assinatura constou numa da atas. Destaco que exatamente nessa data foi decretado o estado de emergência naquele município, já que afetado por estiagem. A cópia do Decreto que declara a situação de anormalidade foi juntado aos autos (fls. 376-378), assim como a sua publicação no Diário Oficial (fls. 379-380). A reunião da Coordenadoria Municipal, registrada na ata datada de 04.06.2012, contendo assinatura do vice-prefeito, buscou minimizar os efeitos da estiagem no município. Vale lembrar, no ponto, que fatos relacionados com a estiagem não foram objeto de recurso, e sim aqueles relacionados com a tempestade de granizo.

Consabido que a administração pública não pode ser submetida a interrupções quanto às suas ações de governança, nem mesmo em período eleitoral, pois as necessidades de uma cidade prescindem de melhor ou pior oportunidade para se fazerem presentes.

O que se exige dos gestores é que não excedam de suas atribuições para com isso alcançar vantagem ilícita, sobrepondo-se aos demais concorrentes da contenda eleitoral em razão do emprego de poder que refoge à normalidade.

A situação do Município de Porto Lucena, em 18.09.2012, era de extrema gravidade. O vendaval seguido de granizo atingiu todo o município, com danos em 98% das casas, prejuízos em lavouras e plantações; a cidade ficou sem água potável, energia elétrica e comunicações. A intensidade do granizo atingiu o prédio da prefeitura, unidades de saúde, secretarias, escolas municipais, as quais ficaram impedidas de prestar atendimento aos desabrigados. A tempestade derrubou árvores e fiações, que, por sua vez, interromperam o sistema de energia elétrica, acarretando danos ao sistema viário municipal. Mais do que isso, o evento atingiu física e emocionalmente a população, com danos humanos, ambientais e, por óbvio, materiais.

Diante da situação de caos, o prefeito municipal adotou uma série de providências, buscando minimizar os estragos, reparar os danos, atitude esperada de quem é a autoridade máxima do executivo municipal.

Concluo, portanto, que a sentença prolatada se mostra consentânea com o conjunto probatório produzido, assim como em relação ao exame da gravidade das circunstâncias, pois dela não decorre influência na legitimidade do pleito, bem jurídico protegido pela norma.

Diante do exposto, e na esteira do parecer ministerial, VOTO por rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso, mantendo a bem lançada sentença de 1º grau.