RP - 137994 - Sessão: 29/10/2014 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de representação por propaganda eleitoral irregular combinada com condutas vedadas a agentes públicos, com pedido liminar, ajuizada pela COLIGAÇÃO UNIDOS PELA ESPERANÇA (PP/PRB/SD/PSDB) em face de TARSO FERNANDO HERZ GENRO, DILCE ABGAIL RODRIGUES PEREIRA e COLIGAÇÃO UNIDADE POPULAR PELO RIO GRANDE (PT/PPL/PROS/PTC/PCdoB/PTB/PR).

De acordo com a inicial, no espaço televisivo destinado à veiculação da propaganda eleitoral gratuita para o cargo de governador, os representados, aproveitando-se do poder político de autoridade que detêm junto aos órgão públicos regionais, utilizaram-se de bens e serviços ligados à área da segurança pública para favorecer sua candidatura. Refere a ocorrência de propaganda eleitoral irregular, infringência ao art. 73, incs. I e III da Lei n. 9.504/97, bem como ao art. 40 da mesma Lei, o qual veda o uso de símbolos e imagens oficiais.

Em decisão, às fls. 30-32, foi deferida medida liminar determinando que os representados se abstivessem de veicular novamente a parte contestada da propaganda eleitoral.

Quanto ao pedido para que a emissora de TV informasse quantas vezes a propaganda foi transmitida, restou indeferido, ao argumento de que tal informação deveria ser trazida aos autos pelos próprios representantes.

Foi conferido à presente demanda o rito posto pelo art. 22 e seguintes da Lei Complementar n. 64/90, em virtude da propaganda irregular ser cumulada com condutas vedadas aos agentes públicos.

Notificados, os representados apresentaram tempestivamente defesa conjunta (fls. 39-48), por meio da qual sustentam, em síntese, que:

a) deve ser extinta a representação no que se refere à matéria relativa à suposta veiculação de propaganda irregular em afronta ao art. 40 da Lei 9.504/97, pois inexistente, na publicidade impugnada, o uso de símbolos, frases (slogans) ou imagens associadas ou assemelhadas às empregadas pelo governo;

b) não se amolda à vedação contida no inciso I do art. 73 da Lei 9.504/97 a mera filmagem de prédios públicos, especificamente do Centro de Comando da Secretaria de Segurança, assim como de veículos e afins da Brigada Militar e Polícia Civil;

c) não configura a conduta vedada disposta no inciso III do art. 73 da Lei 9.504/97 a filmagem, e posterior utilização em propaganda eleitoral, de depoimentos de dois policiais militares, ainda que de farda, pois fora do horário normal de expediente, e em âmbito diverso do seu local de trabalho – em suas residênciass; e

d) inexiste o abuso de poder político alegado pelos representantes, pois nas veiculações impugnadas não houve utilização do aparato estatal para fins eleitorais.

Por fim, requerem a total improcedência da representação.

Dispensada a realização de instrução (fl. 52), pois não houve pedido de oitiva de testemunhas, nem requerimento de diligências, as partes apresentaram alegações finais (fls. 56-65 e 67-76).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela procedência da representação, para fins de aplicação da multa prevista no art. 73, § 4°, pela prática da conduta vedada prevista no art. 73, inciso I, da Lei n. 9504/97, em virtude da constatação do uso de farda e de viatura da Brigada Militar em propaganda eleitoral.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

 

 

 

VOTOS

Des. Federal Otávio Roberto Pamplona:

1. Da alegada prática do crime eleitoral previsto no art. 40 da Lei 9.504/97

Os representantes sustentam que os representados, ao utilizarem na propaganda eleitoral impugnada símbolos e imagens oficiais ligadas aos órgão de segurança do governo estadual, associando-os à candidatura de TARSO GENRO à reeleição para o Governo do Estado, teriam incorrido na prática do crime eleitoral tipificado no art. 40 da Lei n. 9.504/97.

Pois bem, o art. 129, I, da CF atribui ao Ministério Público, com exclusividade, a função de promover a ação penal pública.

Como já pontuou o Min. Celso de Mello, a formação da "opinio delicti" compete, exclusivamente, ao Ministério Público, em cujas funções institucionais se insere, por consciente opção do legislador constituinte, o próprio monopólio da ação penal pública (CF, art. 129, I). Apenas o órgão de atuação do Ministério Público detém a opinio delicti a partir da qual é possível, ou não, instrumentalizar a persecução criminal (Inq 2.341-QO/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJ de 17.08.2007).

Assim, tendo em vista que, nos termos do art. 355 do Código Eleitoral, os crimes eleitorais são de ação penal pública, sua titularidade é exclusiva do Ministério Público Eleitoral, consoante o art. 129, inciso I, da Constituição Federal.

Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal Eleitoral:

No caso da incidência, em tese, da prática de ilícito penal, o procedimento adequado para a sua apuração é o previsto nos artigos 355 e seguintes do Código Eleitoral, com a comunicação ao órgão do Ministério Público para tomar as providências que entender de direito (RCL 169- AC- Rio Branco – Rel. Juiz Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 23.05.2003 – p-127).

Ao manifestar-se especificamente sobre esse ponto, a Procuradoria Regional Eleitoral informou que extraiu cópia da presente representação, encaminhando-a ao Procurador Regional Eleitoral com atribuições criminais (fl. 79).

Desse modo, entendo que restou devidamente comunicado o órgão do Ministério Público Eleitoral, devendo tomar as providências que entender de direito, motivo pelo qual tenho por atendido o pedido da representante quanto a este ponto.

2. Das condutas vedadas consistentes na cessão ou utilização de servidores e bens públicos em campanhas eleitorais – art. 73, incisos I e III, da Lei n. 9.504/97

Antes de adentrar no caso concreto, convém assentar breves apontamentos.

A Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, cuidou de descrever condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais. Assim, os artigos 73 a 78 do aludido diploma legal regulam atos que seriam considerados vedados aos agentes públicos, servidores ou não, com vistas a coibir que uma pessoa possa aproveitar-se da condição de agente público para favorecer uma campanha eleitoral.

O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Editora Verbo Jurídico, 3ª edição, págs. 502-503) traz lição sobre as condutas vedadas:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu). (...)

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, despiciendo qualquer cotejo com eventual malferimento à lisura, normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Objetiva-se, portanto, garantir o respeito à igualdade de chances que deve nortear um processo eleitoral isonômico.

Logo, para que haja a caracterização da transgressão da regra, a ação deve ter sido dirigida com o propósito de beneficiar candidatura, causando prejuízo aos demais concorrentes ao pleito.

Traçadas essas considerações, passa-se à análise do caso.

Na hipótese dos autos, a inicial traz fatos que se enquadrariam, em tese, nos incisos I e III do art. 73, a seguir transcritos:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

(...)

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

Dois são os elementos da propaganda impugnada que devem ser analisados para verificar a ocorrência ou não das condutas vedadas pela lei eleitoral: a) o uso de imagens filmadas no interior de prédios públicos; e b) imagens de dois policiais militares fardados interagindo com a comunidade, bem como prestando depoimentos à equipe de filmagem.

Passo à análise de cada uma das condutas.

2.1. Uso de imagens filmadas no interior de prédios públicos – art. 73, inciso I, da Lei 9.504/97

A representante narra que há imagens captadas dentro do recinto de órgãos públicos, como é o caso do setor de monitoramento de imagens (fl. 08), fato incontroverso, pois reconhecido pela defesa dos representados, na medida em que esta informou que: No caso em exame, pelo que se vê, têm-se, tão só, meras filmagens de prédios públicos, especificamente do centro de comando da Secretaria de Segurança, assim como de veículos e afins da Brigada Militar e Polícia Civil (fl. 45).

Ao examinar o DVD fornecido pela representante, juntado à fl. 08 dos autos, visualiza-se as seguintes imagens realizadas no interior de instalações públicas:

a) 0min 12s – imagens do estacionamento da Polícia Civil, nas quais aparecem dois policiais entrando em veículo da corporação (placas ITQ 9759). O veículo encontra-se no centro do estacionamento. Imagem filmada no enquadramento denominado “câmera baixa” (quando a câmera está abaixo do nível do objeto, voltada para cima);

b) 0min 14s – imagens internas do pátio da Polícia Civil, onde encontravam-se estacionadas viaturas aparentemente novas da corporação;

c) 0min 21s – imagens internas do Centro de Comando da Secretaria de Segurança, com servidores utilizando uniformes. Diversos ângulos, com efeitos variados (close, enquadramento panorâmico, foco e desfoque de imagem – focando o uniforme do Estado e posteriormente desfocando-o); e

d) imagens internas dos pátios da Brigada Militar (01min 27s) e da Polícia Civil (01min 30s), onde encontravam-se estacionadas viaturas aparentemente novas das respectivas corporações, possivelmente filmadas com o uso de grua, pois as imagens iniciam de um ângulo normal (mesmo nível dos objetos filmados) e, logo a seguir, a câmera movimenta-se verticalmente até a posição denominada “câmera alta” (em altura não alcançada pelo espectador humano).

Do exame das imagens, nota-se que os representados filmaram, e posteriormente utilizaram em sua propaganda, imagens internas de bens públicos e prestação de serviços públicos, cujas captações não são livremente permitidas a qualquer cidadão.

Trata-se de imagens produzidas dentro de instalações de acesso restrito apenas a agentes públicos e que requerem autorização específica para que terceiros o façam.

Adentrar na sala do Centro de Comando da Secretaria de Segurança, durante as suas atividades rotineiras, as quais, por óbvio, desenvolvem-se durante as 24 horas do dia, excede os limites da razoabilidade.

O acesso a esses locais, durante as atividades, não é, por razões óbvias, franqueado ao público em geral, muito menos a candidatos que sejam da situação oposicionista, motivo pelo qual a quebra da isonomia resta, no presente caso, evidente.

Não se está aqui a vedar a simples veiculação de imagens de prédios públicos. O que se busca impedir é a gravação, filmagem, e posterior divulgação em propaganda eleitoral, de, ou em, instalações públicas inacessíveis aos demais candidatos, evitando a utilização da máquina pública em campanha de modo a desequilibrar o pleito.

Aqui cabe uma indagação. Será que um candidato da oposição que quisesse mostrar aspectos negativos da administração atual teria o acesso às referidas instalações públicas franqueado com a mesma disponibilidade e facilidade? Penso que não.

Portanto, inegável, quanto aos fatos narrados, a incidência do disposto no inciso I do art. 73 da Lei n. 9.504/97, pois os representados realizaram gravações em bens públicos inacessíveis aos demais candidatos, ferindo a igualdade de oportunidades, devendo a representação ser julgada procedente quanto a este ponto.

Passo ao exame das demais condutas.

2.2. Utilização de policiais militares fardados e de veículos oficiais – art. 73, incisos I e III, da Lei 9.504/97

A representante alega que os representados teriam incorrido nas condutas vedadas dispostas nos incisos I e III do art. 73 da Lei n. 9.504/97, pois teriam utilizado servidores públicos ligados à área de segurança pública do Estado e viatura da Brigada Militar em propaganda eleitoral do candidato à reeleição ao cargo de chefe do Poder Executivo estadual.

Narra, a representante, que na propaganda eleitoral veiculada em horário gratuito televisivo, os representados se aproveitaram do poder de subordinação que detêm, para colher o depoimento de servidores públicos da Brigada Militar, policiais militares fardados – portanto, em serviço –, em favor da candidatura de TARSO GENRO ao Governo do Estado. Alega que a farda também é, na forma como utilizada, um símbolo da Brigada Militar. Juntou DVD com imagens da aludida publicidade (fl. 18), bem como a respectiva transcrição (fls. 19-24).

Da análise do referido DVD, extraem-se as seguintes imagens, a seguir descritas:

a) 0min 01s – imagem, em close, da soldado Solange de Andrade, com a farda da corporação, sorrindo para câmera;

b) 0min 32s – depoimento da soldado Solange de Andrade, fardada:

“Nós estamos aqui na cidade de Caxias do Sul, no bairro Planalto, onde eu trabalho já há 7 meses, e também moro no bairro há 7 meses.”

c) 0min 39s – depoimento do soldado Patrick Sander, fardado:

“Eu moro há 4 anos aqui no bairro. O comunitário no Planalto começou faz 7 meses.”

d) 0min 44s – depoimento da soldado Solange de Andrade, fardada:

“O Policiamento Comunitário se resume na aproximação da polícia com a comunidade.”

e) 0min 49s – o soldado Patrick Sander entra, fardado, em uma loja de materiais de construção e cumprimenta o comerciante Tiago Serena.

f) 0min 51s – depoimento do soldado Patrick Sander, fardado:

“O pessoal tinha medo de caminhar na rua, as crianças não brincavam na rua.”

g) 0min 58s – viatura da BM em enquadramento de “câmara baixa”.

h) 0min 59s – depoimento do soldado Patrick Sander, fardado, ao lado do comerciante Tiago Serena, dentro da loja de materiais de construção deste:

“Muitos problemas que têm no bairro foram resolvidos através dessa população que informou. Acabou tendo prisão de tráfico, de foragido, de furto.”

i) 01min 06s – depoimento e imagem da soldado Solange de Andrade, fardada, juntamente com a viatura da BM, em frente à loja de materiais do comerciante Tiago Serena:

“A gente conhece a comunidade, a gente trabalha só no bairro pra ter esse diálogo, pra ter uma amizade.”

j) 01min 08s – os soldados Solange de Andrade e Patrick Sander, fardados, vão até uma residência, que indica ser do líder comunitário Natal Fonseca da Silva, cumprimentando-o. A viatura da Brigada Militar aparece estacionada ao fundo.

Do exame das imagens, é fácil concluir que os policiais militares Solange de Andrade e Patrick Sander, juntamente com o veículo da corporação, ficaram à disposição da equipe de filmagem para, sob a direção desta, dela participarem como verdadeiros atores, protagonizando diversas cenas e prestando depoimentos, seguindo um roteiro previamente organizado.

Tal filmagem claramente se deu mediante combinação prévia dos participantes da propaganda com os produtores técnicos das imagens. Com toda certeza não foram realizadas ao acaso.

Ao que tudo indica, as imagens foram gravadas em horário de expediente dos referidos policiais, o que se constata tanto pelo uso da farda, como pela utilização da viatura, estampadas nas imagens do DVD.

Somente o Governador do Estado, como chefe maior da Brigada Militar, tem acesso às vantagens enunciadas.

Aqui, cabe mais uma indagação. Já que, conforme alegado pela defesa, os policiais militares não estariam em horário de trabalho, por que os depoimentos foram prestados com o uso da farda? Será que os outros candidatos poderiam igualmente fazê-lo? Será que um candidato da oposição que quisesse mostrar aspectos negativos da corporação seria atendido com a mesma cordialidade e disponibilidade pelos integrantes desta, assim como fizeram os soldados Solange de Andrade e Patrick Sander? Penso que não. Tenho certeza que não.

Em relação ao uso da farda por policiais militares, a Lei Complementar n. 10.990/97, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Militares da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, assim prescreve em seus artigos 88, 89 e 90, a seguir grifados:

Art. 88 - Os uniformes da Brigada Militar, com seus distintivos, insígnias e emblemas são privativos dos servidores militares e representam o símbolo da autoridade policial-militar, com as prerrogativas que lhe são inerentes.

 

Art. 89 - O uso dos uniformes, com seus distintivos, insígnias e emblemas, bem como os modelos, descrição, peças, acessórios e outras disposições, são estabelecidos na regulamentação da Brigada Militar.

§ 1º - É proibido ao servidor militar o uso de uniforme:

I - em reuniões, propaganda ou qualquer outra manifestação de caráter político-partidário;

(...)

Art. 90 - O servidor militar fardado tem as obrigações correspondentes ao uniforme que usa e aos distintivos, emblemas e insígnias que ostenta.

Inconteste, portanto, que o uso da farda em propagandas eleitorais é vedado expressamente por lei, e sua utilização constitui símbolo da autoridade militar, com as prerrogativas que lhe são inerentes. A imagem do policial militar fardado representa a instituição, a corporação Brigada Militar. E esta é a razão pela qual o uso do fardamento é proibido em propagandas eleitorais – justamente para evitar a vinculação da corporação a órgão partidário.

Assim, entendo que o uso da farda, somado à utilização da viatura oficial – a qual, por óbvio, só pode ser manejada quando em horário de expediente –, indicam que os policiais estavam a trabalho e, nessa condição, não poderiam estar à disposição da equipe de filmagem, tal como restou comprovado nas imagens.

Vale registrar, que o custo do serviço público realizado pelos policiais é suportado por todos contribuintes, inclusive o salário dos agentes públicos e as despesas com a utilização da viatura. Dessa forma, os servidores não poderiam participar de propaganda política para quem quer que fosse. Apenas como cidadãos comuns poderiam fazê-lo, sem o fardamento, sem a utilização da viatura e fora do horário de expediente.

Ademais, ressalte-se que, de acordo com os assentamentos do Sistema de Filiação Partidária do Tribunal Superior Eleitoral, o líder comunitário Natal Fonseca da Silva, que na propaganda aparece sendo visitado pelos soldados Solange e Patrick (01min 8s), é filiado ao Partido dos Trabalhadores - agremiação da qual os representados fazem parte - desde 30.11.2000, o que corrobora a tese de prévia orquestração das cenas impugnadas.

Por fim, tal como já havia consignado quando do deferimento da medida liminar, entendo tais condutas como aptas a gerar um desequilíbrio no pleito. Houve, sim, a ruptura do princípio da igualdade em relação aos candidatos ao cargo maior do Poder Executivo gaúcho, situação inadmissível em um processo democrático que já pende fortemente em benefício daqueles que dispõem do poder almejado.

Concluo, portanto, que houve, em relação à utilização de servidores e bens públicos, evidente desvirtuamento de suas afetações e atribuições habituais, para servirem exclusivamente de cenários e protagonistas de propaganda eleitoral, configurando, tais práticas, condutas vedadas tipificadas nos incisos I e III do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

Assim, tenho como configurada a prática de condutas vedadas pela lei eleitoral, motivo pelo qual passo à análise das penalidades incidentes.

3. Das penas

O art. 73, §§ 4° e 5°, da Lei n. 9.504/97, c/c o art. 50, §§ 4° e 5°, da Resolução TSE n. 23.404/2014, estabelece as sanções àqueles que utilizarem das condutas vedadas em suas campanhas:

Lei 9.504/97

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

(...)

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

(...)

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

§ 5º Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4º, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.

 

Resolução TSE n. 23.404/2014

Art. 50. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I – ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

(...)

III – ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou o empregado estiver licenciado;

(…)

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os agentes responsáveis à multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil quatrocentos e dez reais), sem prejuízo de outras sanções de caráter constitucional, administrativo ou disciplinar fixadas pelas demais leis vigentes.

§ 5º Nos casos de descumprimento dos incisos do caput e do estabelecido no § 9º, sem prejuízo do disposto no § 4º deste artigo, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma, sem prejuízo de outras sanções de caráter constitucional, administrativo ou disciplinar fixadas pelas demais leis vigentes. (Grifei.)

Como se pode observar, são três as sanções previstas, quais sejam: a suspensão da conduta, a aplicação de multa e a cassação do registro ou diploma.

No que tange à suspensão da conduta vedada, tenho por registrar que tal medida já restou perfectibilizada por meio de despacho das fls. 30-32, quando da concessão do pedido liminar.

Assim, resta a análise da aplicação das demais penalidades previstas no dispositivo.

Diante disso, objetivando a aplicação das sanções estabelecidas, necessário que a conduta do agente seja analisada, levando-se em conta o princípio da proporcionalidade, a fim de se evitar a aplicação de sanção desproporcional à conduta apresentada.

No caso em apreço, entendo que a conduta dos demandados, ainda que reconhecidamente vedada, não enseja, necessariamente, a cassação do registro ou do diploma prevista no § 5° do art. 73 da Lei n. 9.504/97, devendo a sanção imposta ser aplicada com parcimônia, a fim de se evitar que seja desproporcional aos efeitos do ato praticado.

Se por um lado a legislação eleitoral não estabelece qualquer análise da potencialidade do ato para aplicação da sanção, sendo que a simples configuração da conduta atrai as sanções previstas, por outro a norma não é taxativa acerca da necessária aplicação de todas as sanções previstas.

Nesse sentido, entendo que o ato praticado pelos representados não se apresenta suficientemente grave a ponto de ensejar a cassação do registro dos candidatos a governador e vice do Estado do Rio Grande do Sul.

Por outro lado, entendo que a aplicação de sanção pecuniária aos infratores se apresenta proporcional ao ato praticado, bem como se mostra suficiente a caracterizar exemplo apto a inibir outras condutas afins.

Passo, então, à dosimetria da pena de multa.

3.1. Dosimetria da pena de multa

Consoante prevê o art. 91 da Resolução TSE n. 23.404/2014, na fixação das multas de natureza não penal, o Juiz Eleitoral deverá considerar a condição econômica do infrator, a gravidade do fato e a repercussão da infração.

3.1.1. Da condição econômica dos infratores

Em seu registro de candidatura, o representado TARSO GENRO afirmou possuir patrimônio de R$ 2.731.057,40 (dois milhões, setecentos e trinta e um mil e cinquenta e sete reais e quarenta centavos). DILCE ABGAIL, também em seu registro, informou patrimônio de R$ 510.821,64 (quinhentos e dez mil, oitocentos e vinte e um reais e sessenta e quatro centavos). Por sua vez, a COLIGAÇÃO UNIDADE POPULAR PELO RIO GRANDE (PT / PPL / PROS / PTC / PCdoB / PTB / PR) impôs em R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) o limite de gastos de campanha para o cargo majoritário, tendo arrecadado R$ 2.996.550,00 (dois milhões, novecentos e noventa e seis mil, quinhentos e cinquenta reais) até a data de 02.09.2014, conforme consta na segunda prestação de contas parcial, divulgada pela Justiça Eleitoral em 06.09.2014.

Portanto, a condição econômica dos infratores comporta o afastamento do mínimo legal.

3.1.2. Da gravidade dos fatos

Como já delineado ao longo do voto, os fatos se revestem de gravidade suficiente a ensejar o aumento da pena.

A utilização dos pátios internos da Polícia Civil e Brigada Militar para fins de gravação de programa eleitoral e, em especial, do Centro de Comando da Secretaria de Segurança, espaços de uso exclusivo dos referidos órgãos de segurança do Estado, bens públicos de acesso restrito, é conduta de extrema gravidade, podendo afetar concretamente a igualdade de oportunidades entre os que disputam no pleito eleitoral, pois os demais candidatos não poderiam utilizar-se das mesmas prerrogativas.

Questão de maior gravidade ainda refere-se à utilização da viatura, das fardas e do serviço dos policiais militares nas gravações da propaganda eleitoral impugnada.

Quanto a esse ponto, volto a registrar que o custo do serviço público realizado pelos policiais é suportado por todos contribuintes, inclusive o salário dos agentes públicos e as despesas com a utilização da viatura, motivo pelo qual os servidores não poderiam participar de propaganda política para quem quer que fosse. Apenas como cidadãos comuns poderiam fazê-lo, sem o fardamento, sem a utilização da viatura e fora do horário de expediente.

Ressalte-se que tais condutas somente tornaram-se possíveis pois os representados encontram-se em pleno exercício do mandato, no comando do Poder Executivo estadual, exercendo autoridade sobre os órgãos a eles subordinados.

Desse modo, imperioso, face à gravidade da conduta, afastar-se a sanção de seu patamar mínimo.

3.1.3. Da repercussão da infração

Quanto à repercussão da infração, entendo insuficiente a ensejar o aumento da multa. Isso porque, oportuno ressaltar, a veiculação da propaganda foi liminarmente suspensa por determinação judicial (fls. 30-32), não restando comprovado nos autos o número de vezes que teria efetivamente sido transmitida.

Desse modo, haja vista a ausência de subsídios que permitam a certeza sobre o número de veiculações da propaganda impugnada, bem como em virtude do célere provimento judicial, o qual impediu que a irregularidade fosse propagada, descabe o aumento do valor da multa no que diz com a repercussão da infração.

Assim, estabelecidas as premissas acima, considerando a situação econômica dos representados e a gravidade dos fatos, afasto a multa do seu mínimo legal, fixando-a em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), para cada um dos representados, valor que entendo suficiente a configurar reprimenda à conduta vedada praticada.

4. Dispositivo

Ante o exposto, confirmo a liminar e julgo PROCEDENTE a representação, condenando os representados TARSO FERNANDO HERZ GENRO, DILCE ABGAIL RODRIGUES PEREIRA e COLIGAÇÃO UNIDADE POPULAR PELO RIO GRANDE (PT / PPL / PROS / PTC / PCdoB / PTB / PR), individualmente, ao pagamento de multa prevista no art. 73, § 4°, da Lei n. 9.504/97, c/c art. 50, § 4°, da Resolução TSE n. 23.404/2014, a qual fixo em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Sobre a situação inicial, de aparecer a parte interna do Centro de Comando da Secretaria da Segurança e as viaturas novas, me pergunto se  o problema reside na utilização de um prédio público ou se radica na hoje questionável reeleição para o Executivo. Como buscar votos sem demonstrar o trabalho realizado? Por isso, considero mostrar as viaturas novas absolutamente regular. Mostrar o Centro de Comando, ainda que se possa achar que tenha havido invasão da privacidade das pessoas que por ali transitavam no momento, também não vejo como agressivo ao inciso I do art. 73 da Lei das Eleições. Do ponto de vista absolutamente gramatical, o Centro de Comando enquadra-se na descrição feita nesse artigo: bem imóvel pertencente à Administração Direta do Estado. Mas acho superável essa conduta vedada, pois o objetivo não era aproveitar-se, mas mostrar o trabalho feito como governantes.

No entanto, na questão do fardamento não existe dúvida alguma. A imagem do brigadiano é imagem pública, o depoimento poderia ter sido dado em mangas de camisa, sem o uso da farda a confundir o público com o privado. No momento em que mostra as viaturas, dá a impressão  estão em trabalho.

Reconheço na situação do uso das fardas estar muito bem identificada a conduta vedada. Assim, meu voto é parcialmente divergente, no sentido de reconhecer a conduta vedada nesta segunda situação e não reconhecê-la na primeira.

No tocante ao quantum de multa arbitrado, considero que, por reconhecer a prática de duas condutas vedadas, o valor de R$ 10.000,00, aplicado individualmente, seja adequado.

 

Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

Friso, como já foi feito pelos colegas que já proferiram o voto, que o processo é bem a evidência da inconveniência do instituto da reeleição. É muito difícil separar o candidato daquele que está no exercício do poder.Vou acompanhar o relator, entendendo que também foi inadequada a utilização do Centro de Comando da Secretaria de Segurança, porque é local que não é de acesso livre a quem quer que seja.

Pergunto: um candidato de oposição que entrasse no Centro de Comando da Secretaria de Segurança no sentido de criticar teria seu acesso franqueado para fazer esse tipo de propaganda? A resposta é óbvia, claro que não.

Então, a meu ver, está caracterizada a quebra da isonomia que a legislação busca tutelar. Se isso ocorreu em relação ao uso do espaço, escancaradamente ocorreu com policiais militares fardados, em horário de serviço, depondo, o que é inapropriado e foge de qualquer razoabilidade.

Acompanho o relator, mas fiquei sensibilizado com a ponderação do Dr. Leonardo, no que diz respeito à questão da definição da multa, sobretudo quando se referiu à prof Abgail. Na individualização da penalidade de multa poderíamos ponderar que a capacidade econônimica da prof Abgail não é a mesma do governador do Estado e da coligação. Coloco em regime de discussão esse ponto para para fixarmos no valor mínimo a multa em relação à candidata Abgail e manter em R$ 15.000, 00 para o governador e para a coligação.

 

Des. Federal  Otávio Roberto Pamplona:

Adequo a pena ao valor mínimo legal, levando em conta a situação econômica da prof. Abgail

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Revejo o meu voto e acompanho o eminente relator.

 

Luis Felipe Paim Fernandes:

Acompanho o relator.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Divirjo do voto do eminente relator em parte. Entendo que existe uma desproporção entre o candidato, a coligação e a prof. Abgail. Dada a gravidade dos fatos, penso que fixar a sanção em R$ 15.000,00 é muito pouco. Aplico a multa de R$ 30.000,00 para a coligação, R$ 30.000,00 para o candidato Tarso Genro e R$ 10.000,00 para a professora Abgail.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Acompanho o relator.