RE - 43686 - Sessão: 18/11/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO UNIÃO E DESENVOLVIMENTO e BENONE DE OLIVEIRA DIAS, prefeito de São Nicolau, contra a sentença do Juízo da 52ª ZE – São Luiz Gonzaga, que julgou parcialmente procedente a ação de investigação judicial eleitoral movida pela COLIGAÇÃO UNIÃO, TRABALHO E PROGRESSO, RICARDO MIGUEL KLEIN (candidato a prefeito) e NEREU DA SILVA BATISTA (candidato a vice-prefeito), reconhecendo a prática da conduta vedada descrita no art. 73, I, da Lei n. 9.504/97, condenando-os, solidariamente, ao pagamento da multa de R$ 5.320,50.

Antônio Cézar Bambil Portela (candidato a vice-prefeito) e Beatriz Hosel Portela (vereadora) também integraram o polo passivo da ação; todavia, o primeiro não recorreu da sentença e, em relação à segunda, a representação foi julgada improcedente (fls. 253-256).

Os recorrentes sustentam que não houve a utilização ou cessão de bens públicos em benefício dos representados, mas tão somente a contratação de prestadores de serviço para realizar o transporte de correligionários do interior para a sede do município, com o objetivo de participarem de evento político-partidário, a carreata ocorrida em 02.09.2012. Reportam-se aos documentos fiscais das fls. 98-102, de modo a comprovar a contratação dos veículos utilizados, os quais alegam pertencer a particulares. Asseveram que alguns dos veículos prestam serviço de transporte escolar ao Município de São Nicolau, contudo não há cláusula contratual de exclusividade com o município e o serviço fora prestado num domingo, que sequer é dia letivo. Requerem a reforma da sentença para julgar improcedente a representação (fls. 278-281v.).

Os recorridos não apresentaram contrarrazões (fl. 284 e verso).

Nesta instância, o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral é pelo desprovimento do apelo (fls. 288-289).

É o relatório.

 

VOTO

1. Admissibilidade

A sentença foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral de 23.07.2014, uma quarta-feira (fl. 276), e o recurso interposto em 28.07.2014, segunda-feira, dentro, portanto, do tríduo legal.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto.

2. Mérito

Os investigados foram condenados pela utilização de veículos de empresas terceirizadas na carreata ocorrida em 02.09.2012, as quais prestavam serviço de transporte escolar para a Prefeitura de São Nicolau.

O magistrado de origem lastreou a condenação no inc. I do art. 73 da Lei das Eleições, que assim dispõe:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

Foi reconhecido na sentença desafiada que a administração pública municipal, ao dispor dos veículos para o transporte de correligionários ao evento político, rompeu o princípio da isonomia entre os candidatos, com vantagem dos representados sobre seus adversários políticos, pois a carreata por eles promovida e da qual participaram com o uso desses bens, teve o efeito de conferir maior visibilidade e grandiosidade ao evento, impressionando o eleitorado de pequena cidade, caracterizando, pois, o excesso que a legislação eleitoral quer evitar.

Quando a lei de regência fala em “pertencer”, não está exigindo o título de propriedade sobre esses bens por parte da administração pública, mostrando-se suficiente que tais bens estejam sendo por ela utilizados. Esclarecedora a lição de Rodrigo López Zilio sobre o tema (Direito Eleitoral. 3 ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 513):

A vedação incide não somente em relação àqueles bens (móveis e imóveis) em que a Administração Pública é proprietária, abrangendo qualquer espécie de vínculo que a Administração Pública tenha em relação ao bem. Da mesma forma, a proibição também se configura tanto na cessão ou uso à título gratuito como oneroso. Por consequência, a expressão “pertencentes à administração” deve ser compreendida de forma ampla, recebendo do intérprete, em colmatação ao seu conteúdo normativo, a adjetivação “a qualquer título”, até mesmo com o fito de dispensar uma eficaz proteção ao princípio da isonomia entre os candidatos. Ou seja, para a incidência do comando proibitivo é indiferente que a Administração Pública seja proprietária, possuidora, detentora, depositária ou mesmo, locatária do bem.

Segundo a informação dos autos, são quatro as empresas que atendem o transporte de estudantes da rede pública, a saber: José Antônio da Silva Corrêa – ME; Edê Carvalho de Moura – ME, tendo por representante legal Jesuino Cristiano Carvalho de Moura; Olinto Silveira da Silva – ME; e André da Silveira – ME, cujo representante legal é Emerson Matos Birmann (fls. 54-94).

Chama atenção que todas elas transportaram os correligionários da coligação demandada para a mencionada carreata (fls. 98-102), o que bem demonstra o enlace entre tais contratadas e o prefeito, candidato à reeleição naquela oportunidade.

Com efeito, a utilização na campanha eleitoral desses veículos, inclusive adesivados com propaganda eleitoral dos demandados, tem a aptidão de desequilibrar a contenda entre os concorrentes ao pleito, notadamente pela grande visibilidade desses bens no evento. Vale lembrar, ainda, a maior facilidade na negociação que os recorrentes tiveram em detrimento dos concorrentes, pois as contratações estavam em vigor e vinham sendo prorrogadas junto à administração.

Saliento, por relevante, que as notas fiscais das fls. 98-102, visando a atestar o pagamento do serviço efetuado, não têm o condão de afastar a conduta vedada. Isso porque o bem jurídico maior tutelado não são as finanças públicas. No ponto, destaco o entendimento de Francisco Afonso Caramuru, ao discorrer sobre o tema em comento:

Ao contrário do que se possa parecer “prima facie”, o legislador não entendeu que as condutas tivessem precipuamente um papel de proteção às finanças públicas, embora as vedações tenham, em quase todos os casos, a consequência de proteger o uso de recursos públicos em prol de candidatos, partidos ou coligações, mas, sobretudo, tem-se o objetivo de se respeitar os princípios da Administração Pública que estão previstos no art. 37 da Constituição da República.

Tanto assim é que, no § 7º, deste art. 73, o legislador considera que estas condutas constituem-se em atos de improbidade administrativa violadoras dos princípios da Administração Pública, precisamente os elencados no art. 11 da Lei n. 8.429/1992 [...].

Num esforço a este pensamento, ainda no “caput” do art. 73 da Lei n. 9.504/97, o legislador observou que o que há em comum nas condutas que tipifica é o fato de que elas tendem a infringir a igualdade de oportunidades entre candidatos, partidos e coligações, na medida em que faz com que a máquina administrativa beneficie alguns destes candidatos, partidos e coligações, o que constitui infração aos princípios da impessoalidade e da moralidade pública.

É este o escopo, portanto que fundamenta a própria compreensão do art. 73 da Lei n. 9.504/97, que nunca poderá ser perdida de vista pelo aplicador do direito.

[…]

O bem jurídico maior que se está a proteger com esta medida não são as finanças públicas, como pode parecer “prima facie”, mas os princípios da impessoalidade, da moralidade e da igualdade de oportunidade entre os candidatos, como aliás, é expresso o “caput” do art. 73, da Lei n. 9.504/97, como já se viu.

(Dos abusos nas eleições. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, pp. 87-91.)

Diante desse cenário, cabe reproduzir excerto da obra de Zilio sobre as condutas vedadas (Ob. Cit., págs. 502-503):

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político [...]

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos [...]

O substrato legal encaminha ao entendimento de que os responsáveis pela administração municipal não excedam de suas atribuições para com isso alcançar o escuso desiderato da ilícita vantagem, sobrepondo-se aos demais concorrentes da contenda eleitoral em razão do emprego de poder que refoge à normalidade.

Tenho, portanto, como correta a sentença monocrática.

Por fim, embora não desconheça que a sanção pecuniária deva ser imposta de modo individualizado àqueles que cometeram o ato impugnado, deve ser mantida a aplicação solidária da multa aos representados, no patamar mínimo legal, visto que esse ponto não foi objeto de recurso, não se podendo incidir na reformatio in pejus.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a bem lançada sentença de 1º grau, por seus próprios fundamentos.