REC - 139026 - Sessão: 30/09/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO ESPERANÇA QUE UNE O RIO GRANDE e ANA AMÉLIA LEMOS, em face da decisão das fls. 63-68 que acolheu a preliminar de extinção do feito sem resolução do mérito relativa à alegação de montagem ou trucagem e, no mérito, julgou improcedente o pedido de direito de resposta ajuizado em face de DILCE ABGAIL RODRIGUES PEREIRA, TARSO FERNANDO HERZ GENRO e UNIDADE POPULAR PELO RIO GRANDE.

Em suas razões, alegam que, no programa de bloco do horário eleitoral gratuito de rádio, os recorridos veicularam mensagem, na forma de denúncia, dizendo “a candidata ao Governo do Estado, Ana Amélia Lemos, foi cargo em comissão, CC, em 1986, do próprio marido, o falecido Senador Octávio Cardoso (…). Além do nepotismo, Ana Amélia acumulava função de diretora do Grupo RBS”. Afirmam que a propaganda possui escancarado conteúdo ofensivo à candidata recorrente, configurador de injúria e difamação, além de caracterizar fato inverídico. Sustentam que a primeira previsão de nepotismo surgiu no Brasil apenas em 2007, e que sequer havia vínculo de parentesco entre a candidata e o senador naquela época, pois ainda não eram casados. Assim, não é verdadeira a afirmação de que teria ocorrido a prática de nepotismo. Além disso, a propaganda ataca a dignidade e o decoro da candidata no ponto em que afirma “na sua vida pessoal, não faz o que diz”, acusando-a de prática de falsidade, principalmente na frase “é uma máscara que cai dela”. Requerem a reforma da decisão para o fim de ser concedido o direito de resposta pleiteado (fls. 71-79).

Em contrarrazões, os recorridos alegam que a propaganda não veiculou qualquer ofensa à moral da candidata, nem divulgou conteúdo inverídico, limitando-se a repercutir no programa eleitoral gratuito o que foi divulgado pelos órgãos da imprensa, e confirmado pela candidata por meio de notas e entrevistas, ou seja, o fato de que ocupou cargo em comissão no gabinete do Senador Octávio Cardoso, seu companheiro, ao mesmo tempo em que respondia pela sucursal da RBS em Brasília. Afirmam que não há acusação de prática de nepotismo, uma vez que a propaganda questiona a concomitância de dois empregos, e porque a convivência marital no período jamais foi negada pela candidata, situação que descaracteriza a acusação de fato sabidamente inverídico. Sustentam que desimporta a formalização do casamento somente em 1990, e que o termo nepotismo, mesmo após a vedação legal, permanece com o idêntico caráter etimológico que possuía antes da previsão legislativa. Requerem a manutenção da decisão recorrida (fls. 83-91).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 93-96).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e merece ser conhecido.

Reproduzo o conteúdo impugnado pelos recorrentes, conforme degravação (fls. 3-4):

(Som de plantão)

Atenção ouvintes: o Programa Tarso Governador começa com uma denúncia publicada no site Sul 21 que surpreendeu o Estado na sexta-feira passada. A candidata ao Governo do Estado, Ana Amélia Lemos, foi cargo em comissão, CC, em 1986, do próprio marido, o falecido Senador Octávio Cardoso, nomeado pela ditadura militar. Além do nepotismo, Ana Amélia acumulava função de diretora do Grupo RBS. Ouve só os comentários da Rádio Gaúcha, da própria RBS, sobre o assunto: “vamos falar aqui, Rosane e Carolina, sobre um caso que surgiu ontem, de uma denúncia contra a candidata Ana Amélia Lemos, que durante o ano de 1986 era funcionária da RBS em Brasília, e ao mesmo tempo acumulava uma função, um cargo de confiança, no gabinete do marido dela no Senado. E aí tem duas questões que me parecem conflitantes: uma pessoa não pode ocupar dois cargos ao mesmo tempo e ela estar em dois lugares é impossível. Ela não pode cumprir agenda em dois lugares”.

Candidato a um cargo público tem que saber que o seu passado, que o que ele disse há 10, 20, 30 anos foi o que ele fez, tudo isso será investigado não só pelo seu adversário, como também pela imprensa. Isso acontece no Rio Grande do Sul, em Brasília, em São Paulo, em qualquer lugar.

E nos gabinetes Ana Amélia recebia dos cofres públicos o equivalente hoje a oito mil reais todos os meses. Chama a atenção que a candidata do Partido Progressista tem feito a sua campanha ao Governo do Estado, pregando uma verdadeira caça aos Ccs como exemplo de moralidade. Pelo jeito, a candidata que afirma ter as soluções para todos os problemas do Estado, na sua vida pessoal não faz o que diz. Vamos ouvir o que pensam os gaúchos e gaúchas nas ruas:

Carlos Rogério Teixeira: Eu moro em Porto Alegre. É lamentável que a gente fica descobrindo essas notícias. É a velha política. Ainda bem que se descobre.

Meu nome é Elisângela Rodrigues: Porto Alegre mesmo. Falsidade, né? Muita falsidade.

Newton Poemas: É uma máscara que cai dela, que se pinta aí como uma nova política.

A leitura das razões recursais demonstra que a principal questão trazida pelo recorrente como caracterizadora do direito de resposta é o uso da palavra nepotismo na propaganda eleitoral de rádio dos recorridos.

No entanto, conforme já referido quando da decisão de improcedência, entendo que a mensagem impugnada traz afirmações que não extrapolam os limites da crítica meramente política sobre a atuação da candidata diante das suas propostas de governo, pois os fatos não são negados pela candidata, que inclusive confirma ter efetivamente trabalhado no gabinete do então Senador Octávio Cardoso. Aí, não existe qualquer fato sabidamente inverídico, portanto.

Não há como utilizar a acepção técnico-jurídica da palavra nepotismo, o ano em que passou a haver a vedação legal desta prática ou o ano do casamento da candidata, a fim de sustentar que a afirmação falseia a verdade, é inverídica, nos termos da decisão recorrida, verbis:

Ademais, a propaganda não afirma que Ana Amélia já era casada com o aludido senador quando trabalhou em seu gabinete, apenas refere que a candidata trabalhou no gabinete de seu marido, tal como divulgaram inúmeras reportagens jornalísticas (fls. 36, 37, 38, 39). A jurisprudência é pacífica, no sentido de que a reprodução de reportagens jornalísticas não caracterizam fato sabidamente inverídico, nem ofensa à imagem da candidata:

ELEIÇÕES 2010 - PROPAGANDA ELEITORAL - HORÁRIO ELEITORAL. DIREITO DE RESPOSTA. CRÍTICA POLÍTICA. IMPROCEDÊNCIA.

1. Os fatos narrados respaldam-se em matérias veiculadas pela imprensa e encontram-se adstritos aos limites da crítica de cunho político.

2. Representação julgada improcedente.

(TSE, Representação nº 364918, Acórdão de 26/10/2010, Relatora Min. Fátima Nancy Andrighi, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 26/10/2010.)

No tocante à afirmação de que houve “nepotismo”, entendo que não houve ofensa à honra da candidata. Primeiro porque a expressão não está sendo usada para qualificar a pessoa de Ana Amélia. No contexto em que foi empregada, a palavra está simplesmente qualificando os fatos antes narrados. Também não merece prosperar o argumento segundo o qual o termo nepotismo só passou a ser utilizado no direito a partir de 2007, pois não se trata aqui do emprego técnico-jurídico da palavra, mas de sua compreensão leiga, comumente utilizada na sociedade para descrever o emprego de parentes em serviços públicos. O termo jurídico, na verdade, apropriou-se de um conceito há muito empregado na sociedade, sendo equivocada a conclusão de que o uso da palavra nepotismo somente pode ser empregada para descrever a conduta, hoje, legalmente proibida.

A forma como a sociedade via essa prática no passado é, em verdade, um detalhe que pode ser perfeitamente esclarecido pela candidata em sua campanha, local apropriado para o debate de ideias entre os concorrentes aos cargos públicos. Não se pode pretender é que o uso de tal palavra proibido porque, com o passar do tempo, seu significado assumiu outra conotação.

Segundo a jurisprudência do TSE, que foi utilizada como base para a improcedência da representação: Para a caracterização dos requisitos legais é mister a configuração clara de circunstância prevista (TSE, Ac. de 8.9.2010 na Rp n. 274413, rel. Min. Joelson Dias, red. designada Min. Cármen Lúcia).

Ou seja, a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias, pois não é possível transformar o pedido de resposta em processo investigatório com intuito de comprovar a veracidade das versões controversas sustentadas pelas parte (TSE, ac. de 26.10.2010 na Rp nº 367516, rel. Min. Henrique Neves).

O exercício do direito de resposta, a fim de que a candidata utilize o tempo dos recorridos para explicar que ainda não era casada, não sendo adequado usar a expressão nepotismo para o caso anunciado, não se mostra adequado à intenção do legislador ao dispor, no art. 58 da Lei n. 9.504, que é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.

O direito de resposta está previsto na legislação para casos graves, quando a propaganda eleitoral transborda os limites do questionamento político ou administrativo e descamba para o insulto pessoal (TSE, Ac. de 2.10.2006, REspe n. 26.777, rel. Min. Carlos Ayres Britto).

Além disso, consta do programa eleitoral fatos que foram efetivamente noticiados pela mídia, sobre os quais a candidata se manifestou sem contraditar. Como exemplo, cito a nota que está na reportagem da fl. 46, na qual Ana Amélia confirma que exerceu a função junto ao Senado, e que o trabalho possuía horário compatível com o seu outro emprego. Já na matéria jornalística da fl. 47, Ana Amélia responde ao fato afirmando: Vasculham minha vida e o que encontram? Trabalho!

E assim bem se verifica que não há como abrir espaço para que a candidata fale, na propaganda eleitoral dos recorridos, que o nepotismo só foi proibido no Brasil após a Constituição Federal de 1988, ou que a primeira decisão judicial a respeito foi publicada em 2007, ou que apenas se casou nos anos 90 e que naquela época não havia o instituto da união estável.

Utilizou-se o fato com exploração política, como sói ocorrer nas campanhas em que se mostra mais importante partir para o ataque do adversário do que apresentar propostas aos eleitores.

De igual modo, as falas que mencionam falsidade, uma máscara que cai dela, na sua vida pessoal não faz o que diz, estão no contexto da crítica dura e ácida pertencente ao jogo político. A jurisprudência sobre o tema é assente no sentido de que não caracteriza ofensa à honra nem enseja direito de resposta a opinião desfavorável que se refere ao desempenho de candidato por eventuais desvirtudes e equívocos. Reproduzo as decisões colacionadas na decisão recorrida:

AGRAVO REGIMENTAL. PROPAGANDA PARTIDÁRIA. AUSÊNCIA DE CRÍTICA INJURIOSA. VEICULAÇÃO DE IMAGEM DE PESSOA NÃO FILIADA AO PARTIDO. INDEFERIMENTO DO DIREITO DE RESPOSTA.

As críticas, por mais ácidas que sejam, quando inseridas dentro de um contexto político-partidário, revelando a posição do partido diante dos problemas apontados, não ensejam direito de resposta, desde que não configurem promoção pessoal para quem fez a exposição.

A veiculação de imagem de pessoa não filiada ao partido pode, em tese, ocasionar a cassação do programa do partido quando devidamente requerida pelo autor da representação, mas não a concessão de direito de resposta.

Agravo improvido.

(TSE, Agravo REgimental em Representação n. 381, Acórdão n. 381 de 13.08.2002, Relatora Min. Ellen Gracie Northfleet, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 06.09.2002, Página 206.)

 

Representação. Campanha eleitoral. Crítica à política governamental. Direito de resposta. Inexistência. 1. Em campanha política a linguagem contundente compõe o contraditório da própria disputa eleitoral. 2. Vedada é a crítica inverídica, notadamente se contém elementos que constituam objeto de crime. 3. A candente manifestação exteriorizada em propaganda eleitoral da oposição contra certa política governamental, ainda que acre, enquadra-se nos parâmetros da própria natureza do pleito eleitoral. Recurso conhecido e provido.”

(TSE, Ac. n. 89, de 27.8.98, rel. Min. Fernando Neves, red. designado Min. Maurício Corrêa; no mesmo sentido o Ac. n. 144, de 30.9.98, rel. Min. Vicente Cernicchiaro.)

I - Expressão que, no trato comum, constitui injúria perde substância quando se leva em conta o ambiente da campanha política, em que ao candidato incumbe potencializar, em seu proveito, as mazelas do adversário.

II - Mesmo que se considere montagem a exibição de imagens, não há nela aquele potencial degradante ou ridicularizante que a tornaria ilícita.

(TSE, REPRESENTAÇÃO n. 496, Acórdão n. 496, de 25.09.2002, Relator Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 25.09.2002 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 14, Tomo 4, Página 40.)

Observa-se que a orientação do TSE é no sentido de que as críticas – mesmo que veementes – fazem parte do jogo eleitoral, não ensejando, por si só, o direito de resposta, desde que não ultrapassem os limites do questionamento político e não descambem nem para o insulto pessoal nem para a increpação de conduta penalmente coibida (TSE, Ac. de 2.10.2006 no REspe n. 26.777, rel. Min. Carlos Ayres Britto).

Nestes termos, entendo que não se verifica a alegada veiculação de fato sabidamente inverídico ou ofensivo, merecendo ser mantida a decisão recorrida.

Com estas considerações, VOTO pelo desprovimento do recurso.