RC - 691 - Sessão: 14/10/2014 às 14:00

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral imputou aos denunciados LORIVAL SILVEIRA, SÉRGIO ANTONIO FERREIRA, ARLEU MACHADO DE OLIVEIRA e ADRIANA DE FÁTIMA ARDENGHI BRIZOLLA a prática, pelos dois primeiros réus, do delito do art. 11, inc. III, da Lei n. 6.091/74, combinado com o art. 5º, do mesmo diploma legal, e com o art. 302, do Código Eleitoral; e, aos dois últimos réus, da infração prevista no art. 11, inc. III, da Lei n. 6.091/74, combinado com o art. 5º da mesma lei e com o art. 302 do Código Eleitoral, na forma do art. 29, caput, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos descritos na peça acusatória (fls. 02-04):

No decorrer do dia 07 de outubro de 2012, no período da manhã, em Taquara-RS, os denunciados LORIVAL SILVEIRA, SÉRGIO ANTONIO FERREIRA, ARLEU MACHADO DE OLIVEIRA e ADRIANA DE FÁTIMA ARDENGHI BRIZOLLA, em comunhão de esforços e conjunção de vontades entre si, fizeram o transporte gratuito de diversos eleitores munícipes.

Nas oportunidades, os denunciados LORIVAL SILVEIRA e SÉRGIO ANTONIO FERREIRA previamente ajustados com os codenunciados ARLEU MACHADO DE OLIVEIRA e ADRIANA DE FÁTIMA ARDENGHI BRIZOLLA, transportaram gratuitamente, em seu automóvel particular, no mínimo três eleitores, para que eles votassem no denunciado ARLEU MACHADO DE OLIVEIRA, então candidato à eleição de vereador em Taquara-RS.

Na ocasião, LORIVAL SILVEIRA dirigia o veículo, enquanto SÉRGIO ANTONIO FERREIRA, também tripulando o automóvel, coordenava por telefone o transporte de eleitores, sempre mantendo contato com o candidato ARLEU MACHADO DE OLIVEIRA e com ADRIANA DE FÁTIMA ARDENGUI.

LORIVAL SILVEIRA possuía crachá de fiscal eleitoral da coligação PP/PSDB/PC do B/DEM/PMN, bem como foram apreendidos com ele R$ 135,00 em espécie e celular.

Foram apreendidos com SÉRGIO ANTONIO FERREIRA um celular, 14 (quatorze) panfletos do candidato "Dr. Arleu" nº 11.111, 03 (três) panfletos da candidata "Janete" nº 11.068 e R$ 562,00 em espécie.

A denúncia foi recebida em 16.01.2013 (fl. 110).

A sentença (fls. 546-549) julgou parcialmente procedente a denúncia, para condenar Lorival Silveira, Sérgio Antonio Ferreira e Arleu Machado de Oliveira nas sanções do art. 11, inciso III, da Lei n. 6.091/74, combinado com o art. 5º, inciso III, do mesmo diploma legal, bem como com o art. 302, do Código Eleitoral e para absolver Adriana de Fátima Ardengui Brizolla, com base no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

A pena definitiva de cada um dos condenados foi fixada em 4 anos de reclusão, a ser cumprida no regime aberto, e substituída por prestação de serviços à comunidade à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, bem como por prestação pecuniária de um salário mínimo. Estipulou-se, também, multa de 200 dias-multa, cada um no valor de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do fato, na forma do art. 49 do Código Penal.

Como providências complementares, foram determinadas, após o trânsito em julgado, a restituição do veículo apreendido, celulares e dos valores atualizados aos réus, uma vez que não restou comprovado que destinavam-se à compra dos votos.

Foram rejeitados (fl. 558) os embargos de declaração opostos por Arleu (fls. 552-556).

Em suas razões de recurso, os réus Lourival e Sérgio (fls. 573-593) alegam, em síntese, a ausência de provas do cometimento do delito, a negativa de autoria, a ausência de aliciamento de eleitores, reafirmando que o fato narrado pela acusação tratou-se de simples carona. Já Arleu (fls. 593-613) sustenta, preliminarmente, negativa de jurisdição e ilicitude da prova, e, no mérito, atipicidade material (inocorrência de ilicitude) e ausência de prova de autoria.

Com contrarrazões (fls. 616-621), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que emitiu parecer pelo desprovimento dos recursos (fls. 624-628).

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

Quanto à questão de ordem suscitada da tribuna, efetivamente o habeas corpus n. 17-91 foi distribuído ao Dr. Ingo Wolfgang Sarlet como relator, o processo foi julgado, a decisão transitou em julgado em 05.08.2013 e foi arquivado em 09.08.2013. O presente recurso criminal foi distribuído ao relator em 06.12.2013, portanto após o arquivamento do primeiro feito. E, se não há conexão, não se pode falar em prevenção. A Súmula n. 235 do Superior Tribunal de Justiça trata deste tema e há, inclusive, julgamento do TJ-RS, da relatoria do Desembargador Rubem Duarte, sobre a questão, com decisão proferida nos seguintes termos: Conflito de Competência. Conexão. Prevenção. Processo já julgado. Inocorrência. Não há conexão quando um dos processos já foi julgado, inclusive tendo transitado em julgado. Não havendo conexão, não há falar em prevenção do juízo suscitado. Súmula 235 do STJ.

Assim, estou desacolhendo a questão de ordem.

Destaco.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Pelas razões já expostas pelo Ministério Público e agora pelo ilustre relator, a prevenção nesse caso acaba não se configurando, por trânsito em julgado anterior do habeas corpus do qual fui relator.

Portanto, acompanho o voto do relator.

 

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Também estou acompanhando o eminente relator.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Acompanho o voto do relator.

 

 

Des. Luis Felipe Brasil Santos:

Vou acompanhar o voto do relator, embora destacando o seguinte: o Regimento Interno deste TRE, em seu art. 35, § 6, diz que a distribuição por prevenção, vigorante para cada eleição, reger-se-á pelo art. 260 do Código Eleitoral, que diz que a distribuição do primeiro recurso que chegar ao Tribunal Regional ou Tribunal Superior previnirá a competência do relator para todos os demais casos do mesmo município ou estado.

No entanto, o TSE, conforme nota que consta na publicação que estou consultando, em diversos precedentes já disse que a prevenção de que trata este dispositivo diz respeito exclusivamente aos recursos parciais interpostos contra a votação e apuração. Não é, portanto, à prevenção de que se trataria este caso. Não há regra clara em nosso Regimento Interno acerca da prevenção.

No Tribunal de Justiça, sim, há, no Regimento Interno, regra relativa à prevenção - muitas vezes, equivocadamente, mencionada como sendo vinculação.  E, lá - o que eventualmente poderia ser usado por analogia - é prevista a prevenção, na medida em que algum recurso, referente ao mesmo processo, já tenha sido apreciado por determinado relator. Nesse caso, todos os recursos subsequentes àquele deveriam caber ao mesmo relator.

No Tribunal de Justiça há previsão expressa de que o habeas corpus julgado previne a competência para os processos que vierem a ser subsequentemente distribuídos.

Portanto, com a vênia dos eminentes colegas, a prevenção de que aqui se fala nada tem a ver com a conexão, pois não estamos tratando de feitos diferentes, mas sim de um mesmo processo. Temos apenas que saber se o que se cuida é definir se o julgamento de um habeas corpus - embora sabido que  não é recurso - firmaria, ou não, a prevenção. Como aqui não temos no regimento regra expressa quanto ao ponto, e considerando que, a rigor, habeas corpus não é exatamente um recurso, mas uma ação constitucional, vou, por fundamentos diversos, acompanhar os colegas para afastar a prevenção.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Acompanho relator.

 

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo.

Arleu Machado de Oliveira opôs embargos de declaração da sentença (fls. 552-556) em 16.10.2013, os quais foram rejeitados (fl. 558). A intimação dessa decisão ocorreu em 04.11.2013.

Os recursos foram interpostos em 11.11.2013 e 12.11.2013, dentro do prazo de dez dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, os recursos devem ser conhecidos.

2. Preliminares

Negativa de Jurisdição

O recorrente Arleu argumenta ter havido negativa de jurisdição em razão da alegada falta de manifestação do juízo a quo sobre o encerramento da instrução sem abertura de prazo à defesa para pedido de diligências.

Porém, ficou consignado no despacho da fl. 492 que Encerrada a instrução, não havendo pedidos de diligências, manifestem-se as partes em alegações finais (grifo do original).

Inexistente a alegada negativa de jurisdição.

Inicialmente, é de se considerar que o Código Eleitoral sequer prevê a abertura de prazo para que a defesa apresente pedido de diligências. Vejamos:

Art. 359. Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para o depoimento pessoal do acusado, ordenando a citação deste e a notificação do Ministério Público.

Parágrafo único. O réu ou seu defensor terá o prazo de 10 (dez) dias para oferecer alegações escritas e arrolar testemunhas.

Art. 360. Ouvidas as testemunhas da acusação e da defesa e praticadas as diligências requeridas pelo Ministério Público e deferidas ou ordenadas pelo juiz, abrir-se-á o prazo de 5 (cinco) dias a cada uma das partes - acusação e defesa - para alegações finais.

O Código de Processo Penal trazia tal previsão no art. 499, que foi suprimida pela reforma ocorrida em 2008. Atualmente, no processo penal comum, ao final da audiência, as partes podem requerer diligências cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.

Ao que consta, nenhuma diligência foi requerida na audiência.

Ainda, havendo necessidade de produção de alguma prova, mesmo superado o momento processual oportuno, poderia o réu ter postulado a realização das diligências que entendia cabíveis no mesmo prazo das alegações finais. No entanto, apresentou apenas memoriais alegando nulidade por cerceamento de defesa (fls. 502-516).

Veja-se que, nesse mesmo interregno, a defesa dos demais réus postulou o fornecimento de cópias de elementos dos autos (fl. 499) e teve seu pedido deferido (fl. 500), do que se poderia deduzir que eventual pedido de realização de diligência também seria devidamente examinado pelo julgador.

Também não se pode alegar distribuição desigual de oportunidades, já que ao Ministério Público não foi oportunizada nova abertura de prazo para requerer diligências após a realização da audiência.

A par dessas considerações, é de se entender que o despacho da fl. 492 deu por encerrada a instrução e superada a oportunidade de requerimento de diligências (que deveria ter ocorrido em audiência), não havendo como se falar em negativa de jurisdição.

Ilicitude da Prova

O recorrente Alceu postula a declaração da ilicitude da prova – conversa telefônica – e o desentranhamento dos elementos relacionados e originários desta.

Ocorre que a magistrada que proferiu a sentença condenatória explicitou que o relato do policial que atendeu às ligações telefônicas sem esclarecer que não era o proprietário do celular não foi considerado, e as provas daí resultantes não influíram na formação do convencimento do juízo a quo, não havendo qualquer prejuízo aos réus.

Ademais, a eventual ilicitude de tal prova - a qual, reitera-se, não foi considerada como elemento de convicção do julgador - não contamina as demais existentes nos autos, visto que são completamente independentes. Nesse sentido:

Habeas corpus. Constitucional. Penal e processual penal. Sentença condenatória fundada em provas ilícitas. Inocorrência da aplicação da teoria dos "frutos da árvore envenenada". Provas autônomas. Desnecessidade de desentranhamento da prova ilícita. Impossibilidade de aplicação do art. 580 do CPP à espécie. Inocorrência de ofensa aos artigos 59 e 68 do Código Penal. Habeas corpus indeferido. Liminar cassada. 1. A prova tida como ilícita não contaminou os demais elementos do acervo probatório, que são autônomos, não havendo motivo para a anulação da sentença. 2. Desnecessário o desentranhamento dos autos da prova declarada ilícita, diante da ausência de qualquer resultado prático em tal providência, considerado, ademais que a ação penal transitou em julgado. […]

(STF, HC 89032, Relator: Min. MENEZES DIREITO, Primeira Turma, julgado em 09.10.2007, DJe-147, Divulg. 22.11.2007, Public. 23.11.2007, DJ 23.11.2007, PP 00079, Ement. VOL-02300-03, PP-00552)

 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. […] AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO À DEFESA. PRINCÍPIO DA PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. RECURSO DESPROVIDO. […] 2. Considerando que tanto nos casos de nulidade relativa como nos casos de nulidade absoluta é imprescindível a efetiva demonstração de prejuízo ao acusado, a adoção de procedimento incorreto só poderia ter o condão de macular o andamento da ação penal caso restasse demonstrada a extensão do dano efetivamente suportado pelo réu, ônus do qual não se desincumbiu o Recorrente. 3. Recurso desprovido.

(STJ, RHC 46.792-MG, Relatora: Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em 26.08.2014, DJe 02.09.2014)

 

CRIME ELEITORAL. […] 4. Questão de ordem deferida em parte, no sentido de reconhecer a ilicitude das interceptações telefônicas levadas a efeito a partir de 9/12/2003, determinando o desentranhamento das mesmas, o que deverá ser feito após o julgamento dos presentes recursos, sendo tal prova desconsiderada na apreciação dos apelos.

(TRE-SE, Recurso Criminal n. 34, Acórdão n. 34/2012 de 30.01.2012, Relatora: MARILZA MAYNARD SALGADO DE CARVALHO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 17, Data 01.02.2012, Página 04)

Ademais, considerando que a busca de provas do cometimento do delito é dever da autoridade policial, não haveria ilicitude quando da utilização do telefone celular do réu que havia sido apreendido. Note-se que no caso dos autos não houve intervenção ou interceptação de terceiro em conversa telefônica havida entre particulares – o policial era um dos interlocutores na ligação telefônica. O policial sequer realizou a chamada, apenas atendeu à ligação em telefone que havia sido apreendido. A ligação também não foi gravada, sendo que os depoimentos colhidos nos autos são o que faz prova de seu conteúdo.

Sobre o tema, cabe mencionar o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus n. 91.867, onde são trazidas relevantes considerações sobre interceptações telefônicas, do que se destaca:

HABEAS CORPUS. […] ILICITUDE DA PROVA PRODUZIDA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL; VIOLAÇÃO DE REGISTROS TELEFÔNICOS DO CORRÉU, EXECUTOR DO CRIME, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL; […] 2. Ilicitude da prova produzida durante o inquérito policial - violação de registros telefônicos de corréu, executor do crime, sem autorização judicial. 2.1 Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em flagrante do corréu, terem realizado a análise dos últimos registros telefônicos dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. 2.2 Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados. 2.3 Art. 6º do CPP: dever da autoridade policial de proceder à coleta do material comprobatório da prática da infração penal. Ao proceder à pesquisa na agenda eletrônica dos aparelhos devidamente apreendidos, meio material indireto de prova, a autoridade policial, cumprindo o seu mister, buscou, unicamente, colher elementos de informação hábeis a esclarecer a autoria e a materialidade do delito (dessa análise logrou encontrar ligações entre o executor do homicídio e o ora paciente). Verificação que permitiu a orientação inicial da linha investigatória a ser adotada, bem como possibilitou concluir que os aparelhos seriam relevantes para a investigação. 2.4 À guisa de mera argumentação, mesmo que se pudesse reputar a prova produzida como ilícita e as demais, ilícitas por derivação, nos termos da teoria dos frutos da árvore venenosa (fruit of the poisonous tree), é certo que, ainda assim, melhor sorte não assistiria à defesa. É que, na hipótese, não há que se falar em prova ilícita por derivação. Nos termos da teoria da descoberta inevitável, construída pela Suprema Corte norte-americana no caso Nix x Williams (1984), o curso normal das investigações conduziria a elementos informativos que vinculariam os pacientes ao fato investigado. Bases desse entendimento que parecem ter encontrado guarida no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei 11.690/2008, que deu nova redação ao art. 157 do CPP, em especial o seu § 2º. […]

(HC 91867, Relator: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24.04.2012, Acórdão Eletrônico DJe-185, Divulg. 19.09.2012, Public. 20.09.2012)

Assim, rejeito a alegação de ilicitude da prova.

3. Mérito

Trata-se de recurso interposto contra sentença que condenou Lorival Silveira, Sérgio Antonio Ferreira e Arleu Machado de Oliveira nas sanções do art. 11, inc. III, da Lei n. 6.091/74, combinado com o art. 5º, inc. III, do mesmo diploma legal, bem como com o art. 302, do Código Eleitoral.

A parte final do art. 302 do Código Eleitoral, contudo, restaria revogada pelo disposto no art. 11, inc. III, c/c art. 5º, da Lei n. 6.091/74, segundo já assentado na jurisprudência do TSE:

Crime. Condenação. Foro por prerrogativa de função. Prorrogação. Não-configuração. Autoria e materialidade. Dosimetria de pena. Análise. Correspondência. Prova dos autos. Exame. Inadmissibilidade. Reexame de prova. Vedação. Princípio da livre convicção do juiz. Preliminar. Nulidade. Rejeição. Fundamentação. Concentração de eleitores. Art. 302 do Código Eleitoral. Revogação. Parte final do dispositivo. Divergência jurisprudencial. Não-caracterização. Defensor dativo. Prazo em dobro. Não-aplicação. […] 5. O dispositivo que tipifica a concentração ilegal de eleitores (art. 302 do Código Eleitoral) teve somente revogada a sua parte final pelo disposto no art. 11, inciso III, da Lei nº 6.091/74.

(REspe - Recurso Especial Eleitoral n. 21401 - Rio Branco/AC Acórdão n. 21401 de 13.04.2004; Relator: Min. FERNANDO NEVES DA SILVA; Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 21.05.2004, Página 132)

A doutrina, por sua vez, manifesta-se no mesmo sentido (grifos meus):

A parte final da norma, composta pela expressão “inclusive o fornecimento gratuito de alimento e transporte coletivo”, está revogada pelo artigo 11, III, da Lei n. 6.091/74, e, portanto, não pode mais ser aplicada. A parte inicial do artigo até a palavra “forma”, inclusive, se mantém, já que continua a compor um tipo penal completo, harmônico e, portanto, aplicável.

Revogada essa parte final, ela não pode mais ser considerada parte integrativa deste art. 302 e, por ela, ninguém mais pode ser denunciado. Essa vedação está a integrar, agora, o crime do artigo 11, III, da Lei n. 6.091/74.

(CANDIDO, Joel José. Direito penal eleitoral & processo penal eleitoral. Bauru: Edipro, 2006, p. 198.)

Percebe-se, portanto, que os fatos descritos na peça acusatória se amoldam tão somente ao delito tipificado no art. 11, inc. III, c/c art. 5º, da Lei n. 6.091/74, que regula o transporte de eleitores, cujas penas mínimas e máximas são idênticas às do art. 302 do Código Eleitoral.

Dessa forma, considerando que o réu se defende dos fatos descritos na denúncia e não da definição jurídica que lhes foi dada pelo Parquet, por rigor técnico, procedo de ofício à emendatio libelli, dando diversa definição jurídica aos fatos descritos na denúncia, uma vez que se enquadram apenas ao delito capitulado no art. 11, inc. III, c/c art. 5º da Lei n. 6.091/74.

Nesse sentido, cito decisão do STJ:

Ementa: PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS – EMENDATIO LIBELLI – POSSIBILIDADE NA SEGUNDA INSTÂNCIA, DESDE QUE OBEDECIDO O LIMITE IMPOSTO NO ARTIGO 617 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, EM SE TRATANDO DE RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA – NOVA CAPITULAÇÃO QUE PARTIU DE PENA MÍNIMA CONSISTENTE EM QUANTITATIVO NO DOBRO DA PENA MÍNIMA ANTERIOR - IMPOSSIBILIDADE – PENA FINAL QUE RESULTOU NO DOBRO DA PENA DEVIDA – ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR A EMENDATIO LIBELLI E REESTRUTAR A PENA IMPOSTA. É possível, por ocasião da sentença, dar aos fatos narrados na denúncia nova capitulação, mesmo que esta venha a resultar em pena mais grave, pois a defesa é feita quanto aos fatos, logo, não ocorre quebra do princípio da correlação entre a acusação e a sentença. É possível ao Tribunal efetuar a emendatio libelli, mas o legislador lhe impôs, em caso de recurso exclusivo da defesa, uma limitação: a pena não pode ser agravada. Se feita a emendatio libelli em segunda instância, a pena mínima do novo crime é o dobro daquela prevista na capitulação contida na sentença e se o acórdão modifica o entendimento quanto à análise das circunstâncias judiciais, considerando-as totalmente favoráveis ao réu, fixando-lhe pena mínima, impossível efetuar-se a emendatio, pois resultará em pena maior que a devida em face do novo entendimento sobre tais circunstâncias. Ordem concedida para restabelecer a capitulação feita na sentença e reestruturar a pena conforme a análise das circunstâncias judiciais feita pelo Tribunal a quo.

Encontrado em: da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus.

(STJ - Habeas Corpus n. 118888 - 2008/0232308-5, Relatora: Min. JANE SILVA, Data de publicação 02.03.2009)

Há elementos suficientes nos autos que configuram a prática criminosa.

A materialidade do delito está devidamente comprovada. A prova do transporte de eleitores se apoia na ocorrência policial da fl. 09, nos autos de apreensão das fls. 15-17 e nos depoimentos prestados na fase de investigação policial e em juízo.

O conjunto probatório evidencia que os eleitores estavam sendo transportados em direção às seções eleitorais para exercer o voto. A finalidade específica – o aliciamento de eleitores – restou comprovada pela apreensão de propaganda eleitoral e outros elementos que evidenciaram a intenção de influir no ânimo do eleitor em favor de candidato.

No caso dos autos, demonstrou-se que o réu Lorival era fiscal da Coligação Renovar para Construir (fl. 50), da qual fazia parte o candidato Arleu, que concorreu a vereador (fl. 51). Sérgio portava também propaganda eleitoral do corréu Arleu. Lorival e Sérgio, os quais estavam no veículo que transportava os eleitores, quando da prisão em flagrante também portavam dinheiro em espécie (Lorival, R$ 135,00; Sérgio, R$ 562,00 – fls. 16-17).

Ao apreciar caso semelhante, já decidiu este Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul:

Recurso criminal. Fatos descritos na denúncia configuradores, em tese, de transporte irregular de eleitores. Improcedência. Apreensão de camionete particular utilizada para locomoção de eleitores - alguns sequer conhecidos dos denunciados - na data do pleito. Posse de número significativo de volantes de propaganda eleitoral no interior do veículo. Autoria e materialidade do delito comprovadas. Conjunto probatório consistente, apoiado em elementos aptos a evidenciar a finalidade específica de aliciamento de eleitores e a potencialidade de influência no resultado do pleito - requisitos indispensáveis à configuração do delito tipificado no artigo 11, III, da Lei n. 6.091/74, combinado com o artigo 5º do mesmo diploma legal. Provimento.

(TRE-RS, Recurso Criminal n. 44, Acórdão de 09.03.2010, Relatora: Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 039, Data 16.03.2010, Página 1)

Do mesmo modo:

Recurso criminal. Efetivo transporte de eleitores no dia da eleição. Propaganda política e recibos apreendidos no veículo. Configurado propósito de aliciamento. Provas suficientes à confirmação da condenação. Apelo não-provido.

(TRE-RS, Recurso Criminal n. 342006, Acórdão de 26.04.2007, Relator: Des. MARCELO BANDEIRA PEREIRA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Estadual, Volume 1407, Tomo 78, Data 07.05.2007, Página 87)

Assim, no mesmo sentido dos julgados mencionados, tenho como comprovado o aliciamento de eleitores e a materialidade do delito.

A autoria também resta induvidosa. Lorival  e Sérgio não negam o transporte de eleitores, apenas afirmam que se tratava de simples ‘carona’, o que é desmentido pelos elementos já mencionados. A relação de ambos com Arleu, o candidato beneficiário do aliciamento, bem como a ciência e participação desse último na conduta criminosa também ficaram evidenciados suficientemente na instrução probatória.

Além da pertinente análise da prova efetuada pela juíza eleitoral, acrescenta-se que Hélio Cardoso Neto, testemunha indicada pelo réu Arleu, que atuou como assessor jurídico do Partido Progressista por ocasião da campanha eleitoral, afirmou que proferiu palestras de orientação aos candidatos, nas quais ressaltou a ilicitude de portar ‘santinhos’ no dia da eleição, o que evidencia que a propaganda apreendida dificilmente teria sido ‘esquecida’ nos bolsos dos réus; aquele material seria oferecido aos eleitores.

As teses defensivas não são, desta forma, passíveis de acolhimento.

Por conseguinte, mantenho a decisão recorrida por todos os seus fundamentos.

Diante do exposto, afasto as preliminares e, no mérito, VOTO pelo desprovimento dos recursos para o fim de manter a decisão recorrida por todos os seus fundamentos, com a ressalva de que os réus são condenados tão somente pelo crime do art. 11, inc. III, c/c art. 5º da Lei n. 6.091/74, procedida a emendatio libelli de ofício.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

O meu voto vai no sentido do relator.

Quanto ao precedente citado do STF, em relação à prova que envolveu policial e telefonema, entendo que é diferente, pois refere-se à apreensão de telefone e a acesso à agenda de telefones, e não se presta a este caso. A questão está superada, já que o relator excluiu essa prova da análise para fundamento de sua decisão, assim como já fizera a juíza de 1º grau. Por isso, diante da argumentação tanto da juíza como do relator quanto à autonomia das demais provas, que apontam para a ocorrência do delito, vou acompanhar o voto do relator.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

O processo me causou uma impressão bastante forte, a partir do memorial que me foi entregue, em virtude da manifestação das pessoas transportadas, que afirmaram que não foram pedidos votos, que não se falou em eleição, dando elementos que me pareceram ser uma situação de carona. Agora, ouvindo o relator e lendo a sentença, pareceu-me exatamente o contrário.

Peço vista dos autos.

 

Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Aguardo a vista.

 

Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

Acompanho o relator, destacando, sinteticamente, sete aspectos da prova. Primeiro: um dos réus, Lourival, era fiscal da coligação; segundo: havia "santinhos" no veículo, não em grande quantidade, mas havia 14 do candidato corréu mais 3 de candidato de outro município; terceiro: havia valores monetários em espécie, R$ 562,00, portados por Sérgio, e R$ 135,00 por Lourival, totalizando R$ 687,00, que não são usualmente portados por quem quer que seja, ainda mais por pessoas de renda modesta; quarto: havia relação pessoal entre Sérgio e o candidato Arleu; quinto: tudo indica que os tripulantes do veículo não conheciam as pessoas a quem ofereceram carona, o que não é situação normal nos dias de hoje, especialmente por razões de segurança; sexto: chega a beirar a situação de hilariedade o álibi oferecido no sentido de que um dos réus estava levando outro para conhecer um sítio para comprar, justamente no dia eleição, quando passaram por um grupo de eleitores a quem ofereceram carona, situação muito atípica; sétimo: a dita sobrecarga do veículo. A defesa, baseada no mesmo fato, diz que seria uma prova de que se trataria de carona, e não de transporte de eleitores, porque os tripulantes não correriam o risco de conduzir um veículo sobrecarregado, provocando uma abordagem policial, o que acabou efetivamente acontecendo por esse motivo.

No entanto, parece-me que essa sobrecarga do veículo vem melhor interpretada no voto do relator, porque isso ocorreu com base na notória sensação de impunidade da nossa sociedade, ou seja, ninguém acredita que vá ser abordado pela polícia e flagrado na prática de um ilícito. Portanto, tudo se permite e se faz escancaradamente. De vez em quando a ponta de um iceberg aflora e o ilícito é flagrado. E foi o que aconteceu.

Por isso, acompanho o relator, no sentido de confirmar a sentença, negando provimento ao recurso.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Aguardo o voto-vista.