RE - 61067 - Sessão: 11/11/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença que julgou improcedente a representação proposta em desfavor de Márcio de Castro Frank, candidato à vereança, não reconhecendo a alegada prática de captação ilícita de sufrágio tipificada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 (fls. 608-615).

O recorrente alega que as provas carreadas aos autos são aptas a comprovar a prática de captação ilícita de sufrágio perpetrada pelo representado, consubstanciada no patrocínio de um jantar para alguns funcionários da empresa Expresso Azul, ocasião em que teria promovido sua candidatura (617-620).

Com as contrarrazões (fls. 624-628), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do apelo, por ausência de elementos de prova suficientes a suportar um juízo condenatório. (fls. 631-634).

É o relatório.

 

VOTO

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo. O recorrente foi intimado da sentença em 16.07.2014; e o recurso, interposto em 18.07.2014, vale dizer, dentro do tríduo legal.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço do apelo.

2. Mérito

O Ministério Público Eleitoral ofereceu representação eleitoral contra Márcio de Castro Frank, por infringência ao art. 41-A da Lei das Eleições, pela prática do seguinte fato descrito na peça preambular:

No dia 09 de agosto de 2012, por volta das 22h30min, no interior do prédio da Associação dos Funcionários da Expresso Azul, [...] o representado MÁRCIO doou e entregou dinheiro a eleitores para obter voto.

Na oportunidade, o representado MÁRCIO compareceu à referida associação, na qual, rotineiramente, realizam-se partidas de futebol de campo entre os funcionários da Expresso Azul e, lá estando, pagou a janta consumida pelos presentes, em número aproximado de 45 pessoas, ao custo de R$ 10,00 por pessoa.

O fato chegou ao conhecimento da Brigada Militar, a qual encaminhou o agente de inteligência Ederson Dorneles Menezes para o evento e esse confirmou a notícia por intermédio do responsável pela copa, VOLMIR EVANDRO NESSLER, identificando o representado MÁRCIO como responsável pelo pagamento das refeições, inclusive, recebendo das suas mãos propaganda eleitoral daquele.

Ainda se encontravam na associação, no momento da ação policial, simpatizantes do PP, partido integrado pelo acusado Márcio, os quais traziam colocados à roupa adesivos dos candidatos à eleição majoritária, conforme podem ser vistos nas imagens salvas no CD em anexo, dentre outros, os seguintes eleitores: Volmir Evandro Nessler, Rogério Schena, Gerson Schroer, Paulo Alberto Wathier, Cleber Potin, Nestor Wosniak, Maciel Kunzler, sendo eleitores em Lajeado Volmir Evandro Nessler, Rogério Schena, Cleber Potin.

Detido e revistado, na posse do representado foi apreendida, a quantia de R$ 959,00.

Naquela ocasião, VOLMIR EVANDRO NASSER, tesoureiro da Associação dos Funcionários da Expresso Azul e responsável pela copa, declarou desconhecer a origem dos materiais utilizados na preparação da janta, bem como dos recursos repassados pelo representado Márcio para pagamento da refeição e que os sócios da dita associação não pagavam pela refeição, somente pela bebida. Assim, segundo ele, na noite do dia 09 de agosto, os não-sócios teriam pago R$ 10,00 pela comida e os demais as bebidas.

Revistado pela Brigada Militar, na posse de VOLMIR foram apreendidos R$ 741,00 provenientes do pagamento da janta pelo representado MÁRCIO e da venda das bebidas.

Foi apreendida, na posse de Volmir, a relação com o controle das despesas contraídas pelos presentes, na qual, exclusivamente, anotava-se o consumo de bebidas nos termos informados ao policial militar Ederson, nela havendo o registro de vinte e quatro nomes ou apelidos. (Grifei.)

Reza o art. 41-A da Lei das Eleições:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990. (Grifei.)

A captação ilícita de sufrágio consiste, assim, em promessa ou oferecimento de vantagem ao eleitor em troca de voto.

A propósito, os ensinamentos doutrinários de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. 3 ed., Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, págs. 490-491) sobre a compra de votos:

Captação ilícita de sufrágio, em verdade, é uma das facetas da corrupção eleitoral e pode ser resumida como ato de compra de votos. Tratando-se de ato de corrupção necessariamente se caracteriza como uma relação bilateral e personalizada entre o corruptor e o corrompido. Em síntese, a captação ilícita de sufrágio se configura quando presentes os seguintes elementos: a) a prática de uma conduta (doar, prometer, etc.); b) a existência de uma pessoa física (o eleitor); c) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter voto); d) o período temporal específico (o ilícito ocorre desde o pedido de registro até o dia da eleição).

Os verbos nucleares da captação ilícita de sufrágio (doar, oferecer, prometer ou entregar) encontram similitude com os previstos para o crime de corrupção eleitoral ativa (dar, oferecer, prometer), restando como diferenciador, apenas, a conduta de doar – que é prevista na captação ilícita de sufrágio e inexistente na corrupção eleitoral, evidenciando-se o desiderato legislativo de ampliar o espectro punitivo. (Grifei.)

Ao incursionar sobre o tema, Francisco de Assis Vieira Sanseverino destaca a necessidade de haver a compra ou negociação do voto do eleitor, com promessas de vantagens mais específicas, de forma a corrompê-lo (Compra de votos – análise à luz dos princípios democráticos. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007, p. 274).

Esse entendimento também é retratado por Marino Pazzaglini Filho, ao enfatizar que o benefício deve ser concreto e direcionado a um eleitor específico (Eleições Gerais. São Paulo: Atlas, 2010, p. 133).

Delineados os parâmetros fáticos, legais e doutrinários, prossigo examinando o acervo probatório.

Realizada a audiência de instrução, foram colhidos os depoimentos do representado e testemunhas arroladas, mostrando-se oportuno reproduzir trecho da sentença exarada pela magistrada de origem, que analisou com acuidade as declarações prestadas:

[...] Ouvido pela autoridade policial, o ecônomo VOLMIR negou que a janta tenha sido paga pelo representado MÁRCIO, informando que a Associação dos Funcionários do Expresso Azul arcou com o jantar de seus associados, que ficaram responsáveis apenas pelo pagamento das bebidas consumidas. Em relação aos não-sócios, esclareceu que estes contribuíram com R$ 10,00 por pessoa (fl. 23). Essa versão foi, de certo modo, mantida por ele ao ser ouvido em juízo (fl. 164 e seguintes).

Em confronto ao citado depoimento, o policial militar EDERSON DORNELLES MENEZES afirmou ter estado no local do fato, quando teria questionado o copeiro (VOLMIR) sobre quem seria o responsável pelo pagamento da janta, ocasião em que ele teria indicado o nome do representado MÁRCIO FRANK [...] Contudo, além desta declaração, inexiste qualquer outra nos autos. Trata-se, pois, de prova isolada insuficiente a um juízo condenatório.

Outrossim, o policial também afirmou ter visualizado o candidato MARCELO CAUMO no local [...] Percebi a movimentação de várias pessoas, a cozinha estava cheia, tinha bastante pessoas que entravam e saíam da cozinha, inclusive visualizei o senhor Marcelo Caumo, também estava lá no local, visualizei ele entrar e sair da cozinha. [...] Perante a autoridade policial, a testemunha ROGÉRIO SCHENA confirmou a versão do representado, afirmando que, na data, pagou R$ 7,00, não sabendo informar quem pagou a janta. Na mesma oportunidade, destacou que não havia visto o representado MÁRCIO durante o jogo, nem durante o jantar. Ainda, assegurou não ter recebido nenhuma propaganda eleitoral do réu (fl. 27). Em juízo, a testemunha confirmou seu depoimento, referindo que os sócios da Associação não costumam pagar pela janta (fl. 173 e seguintes). Também, informou não ter recebido nenhum "santinho" no dia dos fatos.

No mesmo sentido, foi o depoimento prestado por GERSON SCHROER (fl. 28 e fl. 368 e fl. 569), que afirmou não saber quem pagou a janta. Também, disse não conhecer o representado, referindo que, durante o jantar, ninguém se apresentou como candidato, nem lhe foram entregues "santinhos".

Na mesma linha, foi o depoimento de PAULO ALBERTO WATHIER, que afirmou não saber quem pagou a janta, mencionando que desembolsou R$ 15,00 pelo aluguel do campo e pela bebida consumida (fl. 29). Ainda, mencionou que não viu se o representado MÁRCIO estava no local antes do jantar, esclarecendo que não o conhecia e que nunca o havia visto. [...]

CLEBER PONTIM, que também estava na sede da Associação, asseverou que sequer sabia o nome do representado MÁRCIO e que desconhecia os motivos de sua prisão em flagrante (fl. 30 e fl. 223 e seguintes). Também ouvido pela autoridade policial, NESTOR WOSNIAK (fl. 31) confirmou não ter pagado pelo jantar, arcando apenas com o custo da bebida. Na mesma oportunidade, referiu que o representado MÁRCIO não faz parte do grupo que normalmente joga e que não sabe quem o convidou para o evento. Ainda, negou que tenha recebido qualquer propaganda de caráter eleitoral. Ouvido em juízo, esclareceu que o pagamento dos lanches era feito ou (1) associação pagava, "porque a gente paga uma taxinha"; ou (2) rateado entre os colegas, "mas era avisado"; ou (3) o aniversariante ou (4) alguém que era promovido (fl. 369 e fl. 568). Já a testemunha MACIEL KUNZLER esclareceu não ter pagado pela janta, por ser sócio da Associação, com a qual contribui mensalmente (fl. 32). Afirmou, ainda, desconhecer que alguém tenha arcado sozinho com as despesas, não sabendo dizer se o jantar foi pago por algum candidato. Também, assinalou não ter visto ninguém distribuindo "santinhos" ou pedindo votos durante o jantar. Ao ser ouvido em juízo, o policial militar LUCIANO FERREIRA PEDROSO afirmou ter acompanhado a diligência realizada na sede da Associação no dia do fato (fl. 157/verso e seguintes). Negou, entretanto, que alguma das pessoas abordadas na saída do local tenha afirmado que a janta foi paga pelo representado. ALCÍRIO SCHUSTER, em audiência, afirmou ter visto o representado MÁRCIO na sede da Associação no dia dos fatos, negando que este tenha feito algum tipo de campanha ou que houvesse panfletagem (fls.178 e seguintes). Perguntado sobre a presença de outros candidatos, afirmou que SIDNEI ZEN também esteve no local. No mesmo sentido, foi o depoimento prestado em juízo pela testemunha MARCELO ARI BUNDRICH (fl. 182/verso e seguintes). Este afirmou ter sido o responsável por assar o churrasco, assinalando que pagou pelo jantar. Também, referiu que houve a presença de outros políticos no local, confirmando a presença do Vice-Prefeito Sidinei Zen. Igualmente, JAIR LUÍS SOTT, em audiência, disse ter pagado sua janta e também confirmou a presença do Vice-Prefeito Sidinei Zen (fl. 187 e seguintes). Também ALTEMIR LUÍS SOTT afirmou ter arcado com suas despesas na janta (fl. 192/verso e seguintes). Ouvida em juízo, a testemunha IVANISSE BORGER disse que, no dia do fato, acompanhou seu marido que é funcionário da empresa até a sede da Associação, o que costuma fazer cerca de duas vezes por mês. Asseverou, ainda, que sequer tinha conhecimento de que o representado MÁRCIO fosse candidato. Contudo, admitiu ter visto os candidatos MARCELO CAUMO e ÉDER SPOHR, além do Vice-Prefeito SIDINEI ZEN no local (fl. 196/verso e seguintes).

No que tange ao dinheiro apreendido com o representado R$ 959,00 (novecentos e cinquenta e nove reais), afirmou ele se tratar do valor recebido das consultas realizadas em seu consultório naquele dia. Em que pese se tratar de valor expressivo a ser mantido consigo nos bolsos, não se trata de prova escorreita para caracterização da conduta prevista no artigo 41-A da Lei n. 9.506/97. Até porque, considerando a atividade do acusado e os valores, de regra, pagos a consultas médicas, se revela plausível com a alegação do representado. Igualmente, os R$741,00 apreendidos com VOLMIR, na ocasião responsável pela cobrança das despesas dos frequentadores, não é prova para caracterizar a conduta do representado MÁRCIO, até porque outros candidatos estiveram na sede na mesma data o que restou devidamente comprovado através da prova testemunhal colhida.

Da mesma forma, a parca propaganda eleitoral apreendida na ocasião não induz à conclusão de que o representado estivesse no local buscando trocar qualquer vantagem por votos. Aliás, sequer é suficiente para demonstrar que o ele estivesse praticando campanha no local. Assim, conclui-se que a prova coletada no curso da instrução não é suficiente para garantir que, na ocasião dos fatos, o representado MÁRCIO efetivamente estivesse praticando a conduta afirmada na exordial. Por tais fundamentos, a improcedência dos pedidos é medida que se impõe. [...]

Ressai da leitura que algumas testemunhas sequer sabiam da presença do candidato no local, ou até mesmo desconheciam quem era Márcio da Costa Frank. Além disso, não há prova segura de que o jantar foi pago por ele, até porque havia outros políticos no evento. Em relação à suposta distribuição de material de propaganda, foi apreendido 1 (um) adesivo e outro pela metade, os quais estavam amassados e um deles encontrava-se rasgado. Em defesa, alegam que esse escasso material adveio de comício anteriormente realizado, o que explica o estado descrito.

Tampouco o vídeo constante nos autos se presta para formar convencimento seguro da alegada compra de votos. Nele se observa pessoas portando adesivos de propaganda em suas vestimentas, bem como a afirmação de um dos funcionários da empresa Azul, abordado na saída do evento, no sentido de que a refeição teria sido paga “por uns políticos”.

Assim, não assiste razão ao recorrente. O caderno probatório não revela ter havido aliciamento espúrio de eleitores, não se prestando a comprovar o “toma lá da cá” tão repudiado pela lei eleitoral.

Desse modo, ausente a negociata, a manobra escusa na busca do voto do eleitor, tampouco estampado o benefício supostamente auferido, os autos apenas retratam um jantar rotineiramente realizado pelos funcionários da Expresso Azul, que lá se reúnem para partidas de futebol de campo, assando um churrasco ao final. A mera presença de políticos em tal evento não é vedada pela legislação.

A punição tão gravosa contida no art. 41-A da Lei das Eleições reclama prova inequívoca da compra de votos, não sendo suficientes meras ilações.

Nesse passo, a jurisprudência do TSE (com grifos meus):

Recurso especial. Representação. Captação Ilícita de sufrágio. Vereador. Eleições 2012.

1.[...]

2. [...]

3. A aplicação das sanções previstas no art. 41-A da Lei das Eleições exige prova robusta de que o candidato participou de forma direta com a promessa ou a entrega de bem em troca do voto ou, de forma indireta, com ela anuiu ou contribuiu, não bastando meros indícios e presunções.

(REspe - Recurso Especial Eleitoral n. 49871 - Jardim/MS, Acórdão de 05.06.2014, Relator: Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a captação ilícita de sufrágio pode ser comprovada mediante prova exclusivamente testemunhal, desde que demonstrada, de forma inconteste, a ocorrência de uma das condutas previstas no art. 41-A da Lei 9.504/97.

2. No caso dos autos, porém, os depoimentos colhidos em juízo revelam-se frágeis, tendo a Corte Regional assentado não somente a existência de contradições, como também que nenhuma das testemunhas presenciou o agravado Evandro Pereira de Sousa oferecendo dinheiro a Jacivan Alves Damaceno em troca de seu voto.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 66173 - Palmeiras do Tocantins/TO, Acórdão de 01.07.2014, Relator: Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA.)

 

1. De acordo com a jurisprudência do TSE, as "promessas de campanha dirigidas indistintamente a eleitores sem referência a pedido de voto não constituem captação ilícita de sufrágio, a que alude o art. 41-A da Lei nº 9.504/97" (REspe nº 35352/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 7.6.2010).

2. Diante do quadro delineado, a modificação do entendimento regional de que a promessa de campanha visava beneficiar uma coletividade demandaria o reexame de fatos e provas, providência vedada nesta sede recursal. Incidência das Súmulas nos 7/STJ e 279/STF.

3. Estando o acórdão do Tribunal de origem em harmonia com o entendimento consolidado neste Tribunal Superior, forçosa a aplicação do Enunciado Sumular nº 83/STJ.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgR-AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 44498 - Tupaciguara/MG, Acórdão de 24.06.2014, Relatora: Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO.)

Diante do exposto, e na linha do parecer ministerial, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a sentença de primeiro grau por seus próprios fundamentos.