RE - 119746 - Sessão: 28/10/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por JOSÉ HILÁRIO JUNGES, LOIVO HENZEL e pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO – PTB de TUPANDI – em face da sentença prolatada pelo Juízo da 11ª Zona Eleitoral de São Sebastião do Caí que, acolhendo preliminar de litispendência relativamente à Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) n. 1-07, extinguiu o presente feito, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 267, inc. V, do Código de Processo Civil (fls. 853-854v.).

Os recorrentes sustentam que, embora as ações possuam as mesmas partes, veiculam pedidos diversos. Aduzem que a AIME n. 1-07 não foi instruída, tendo sido suspensa a tramitação até o julgamento definitivo da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) n. 675-19, em que foram cassados o prefeito e o vice-prefeito de Tupandi. Alegam que a manutenção da sentença de extinção da AIME sob exame tornará necessária a instrução da AIME n. 1-07, uma vez que a presente ação foi ajuizada não apenas contra o prefeito e o vice-prefeito, mas também contra os vereadores eleitos, cujos mandatos merecem ser igualmente cassados sob pena de fragilização da prestação jurisdicional e desestímulo à moralização da política no país. Acrescentam que a instrução da AIME n. 1-07, depois de transcorrido lapso temporal expressivo desde os fatos que a motivaram, representaria manifesto prejuízo à produção da prova, em especial a testemunhal e, além disso, desprestígio à instrução probatória já realizada no presente processo (fls. 585-862).

Os recorridos apresentaram contrarrazões, requerendo a integral manutenção da sentença (fls. 893-895).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso, entendendo que, embora configurada a litispendência entre as ações de impugnação de mandato eletivo, deve ser extinta aquela em situação menos adiantada, e não a que está conclusa para sentença, conforme ocorreu no caso concreto (fls. 898-901).

É o relatório.

 

VOTO

Conforme se verifica, o juízo a quo entendeu que a presente ação era idêntica em relação à outra em tramitação naquela zona eleitoral, extinguindo o presente feito sem resolução do mérito, por litispendência.

A Procuradoria Regional Eleitoral também entendeu pela ocorrência de litispendência, mas considerou que esta ação é que deveria ter sido mantida, por estar mais adiantada do que a outra, que sequer foi instruída.

Assim, para o julgamento do recurso é preciso analisar as petições iniciais das duas ações.

Observa-se que os recorrentes juntaram ao recurso a cópia da petição inicial da AIME n. 1-07 (fls. 863-889) – em relação à qual a juíza de primeira instância reconheceu haver litispendência –, cujo conhecimento e análise considero autorizados nesta fase processual, com fundamento no art. 266, caput, do Código Eleitoral e na reiterada jurisprudência desta Corte.

A cópia não foi extraída dos autos da AIME n. 1-07, visto que nela não se identifica o protocolo de recebimento, tampouco a numeração daqueles autos pela Justiça Eleitoral, a fim de fazer incidir a disposição do art. 365, inc. IV, do CPC, de acordo com o qual fazem a mesma prova do que os originais as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial, declaradas autênticas pelo advogado, sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade.

No entanto, o documento não foi impugnado pelos recorridos, a quem competia o ônus de alegar eventual desconformidade com o original.

Logo, como a cópia reprográfica não autenticada de documento público ou particular equivale ao documento particular, em especial no que tange à sua presunção relativa de autenticidade, competindo à parte contra quem foi produzido a iniciativa de impugnar o seu conteúdo (art. 372, caput, do CPC), militando em favor das partes que atuam na lide a presunção de boa-fé quanto aos atos praticados, impõe-se presumir que a cópia da inicial juntada ao recurso é verdadeira, correspondendo à petição inicial da AIME n. 1-07.

Tecidas essas considerações, passo a examinar a matéria debatida nos autos.

A presente AIME deriva da conversão de Recurso Contra Expedição de Diploma (fls. 823-826), ajuizado com fundamento no art. 262, inc. IV, do Código Eleitoral, por alegada captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97).

Com o intuito de provar a compra de votos, os representantes instruíram esta ação com cópia da AIJE n. 675-19, que havia sido anteriormente ajuizada contra os ora impugnados/recorridos e outros, encontrando-se a cópia da inicial juntada às fls. 23-68.

Nos autos da AIJE n. 675-19, o prefeito e o vice-prefeito de Tupandi, ora impugnados/recorridos, tiveram os seus mandatos eletivos cassados, em decisão que transitou em julgado no dia 06.08.2014, de acordo com consulta ao andamento processual na página do Tribunal Superior Eleitoral na internet.

Os recorrentes também ajuizaram a AIME n. 1-07 – cuja cópia foi por eles trazida aos autos com o recurso (fls. 863/889) –, a qual teve o seu andamento processual suspenso até o julgamento definitivo da AIJE n. 675-19, por guardar similitude fático-jurídica com esta, a fim de se evitar a prolação de decisões conflitantes.

A magistrada de primeira instância reconheceu a litispendência entre a presente AIME e a AIME n. 1-07, em razão da identidade existente entre os elementos de ambas as ações, afirmando serem ações idênticas, com mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido (fl. 854).

Contudo, comparando o teor das petições iniciais da AIME sob apreciação (fls. 02-18) e da AIME n. 1-07 (fls. 863-889), concluo não restar configurada litispendência entre uma e outra.

Conforme definem os arts. 301, §§ 1º e 2º, do CPC, ocorre litispendência quando reproduzida ação anteriormente ajuizada, situação que requer identidade entre as partes, a causa de pedir e o pedido deduzido em cada uma das demandas. Nesse sentido, a doutrina de Nelson Nery Junior (Código de Processo Civil Comentado, 11ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 595):

As partes devem ser as mesmas, não importando a ordem delas nos polos das ações em análise. A causa de pedir, próxima e remota (fundamentos de fato e de direito, respectivamente), deve ser a mesma nas ações, para que se as tenha como idênticas. O pedido, imediato e mediato, deve ser o mesmo: bem da vida e tipo de sentença judicial. Somente quando os três elementos, com suas seis subdivisões, forem iguais é que as ações serão idênticas.

Nas ações em comento, embora figurem as mesmas partes no polo ativo e passivo, os fundamentos de fato e de direito que integram a causa de pedir próxima e remota não são idênticos, assim como inexiste equivalência entre os pedidos formulados em cada uma das ações.

Na peça inaugural desta AIME, os fatos narrados relacionam-se à compra de votos pelos recorridos, a partir de uma aliança com apoiadores da campanha, notadamente a empresa Móveis Kappesberg Ltda., de propriedade do presidente do PMDB, os quais, segundo os recorrentes, engendraram um suposto esquema de captação ilícita de votos no Município de Tupandi.

Nesta impugnação, afirma-se que trabalhadores teriam sido proibidos de ingressar no estacionamento da referida indústria com veículos adesivados com propaganda do PTB, partido dos impugnantes, assim como teriam sido impedidos de participar da campanha do PTB durante as eleições de 2012 e, inclusive, demitidos arbitrariamente por conta de suas preferências político-partidárias.

Já na petição inicial da AIME n. 1-07 (fls. 863-889), a fundamentação fática é mais ampla, compreendendo não apenas os fatos narrados nesta ação (os quais correspondem ao décimo terceiro fato descrito naquela AIME – fls. 878-880), mas, também, outros doze acontecimentos, dentre os quais a compra de votos por cabo eleitoral dos impugnados Carlos Kercher, Albino Erbes e Rene Mossmann no dia 06.10.2012, igualmente impugnados nestes autos (fls. 871-873).

Da mesma forma, os objetos das ações são diversos. Enquanto o pedido formulado nesta AIME se restringe à cassação dos diplomas dos representados, devido à corrupção eleitoral (art. 41-A da Lei n. 9.504/97), a AIME n. 1-07 é mais abrangente, incluindo, além da cassação dos mandatos eletivos, pedido de condenação dos recorridos pela prática da conduta vedada prevista no art. 74, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, com os seus consectários legais, bem como a declaração de inelegibilidade dos mesmos.

Portanto, inviável afirmar que existe perfeita identidade entre os elementos constitutivos de ambas as ações, a ensejar a extinção do presente feito sem julgamento de mérito em virtude de litispendência, pois os fatos, compreendidos como a causa de pedir, não são os mesmos.

Do mesmo modo, constato não se tratar de hipótese de continência entre as causas, nos moldes em que conceituado o instituto pelo art. 104 do Código de Processo Civil. Não obstante o objeto da AIME n. 1-07 tenha maior amplitude do que o da presente AIME, sugerindo que esta última está contida na primeira, há diferenças substanciais quanto à causa de pedir próxima e remota, como anteriormente apontado, que impedem identificar uma relação de continência entre as demandas.

Para que haja continência, é necessário que se repita demanda anteriormente ajuizada, isto é, mesmas partes e causa de pedir (do que resulta a litispendência parcial), com ampliação do pedido articulado na primeira ação, o que, todavia, não se verifica no caso dos autos.

Cito, por oportuno, a ementa do seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu pela reunião das ações para evitar decisões contraditórias em caso de litispendência parcial:

PROCESSO CIVIL. LITISPENDÊNCIA. 1ºS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Se a segunda ação repete a anterior, mas amplia o pedido articulado na primeira demanda, está-se diante de uma relação de continência. A litispendência parcial daí resultante não implica a extinção do processo posterior enquanto ambas as causas estiverem tramitando no primeiro grau de jurisdição. A conexão existente entre as ações só exige, nesse caso, que sejam reunidas em um só Juízo para evitar decisões contraditórias. Se, todavia, já foi prolatada a sentença, não há como reunir as demandas (STJ, Súmula n. 235), e a litispendência parcial acarreta a extinção parcial do processo. 2ºs Embargos de Declaração A litispendência constitui um pressuposto processual negativo que exige a identificação precisa das partes, da causa de pedir e do pedido para que se possa decidir se há, ou não, renovação de ações iguais. Havendo na primeira ação um pedido genérico e um pedido específico, prevalece este para os efeitos do reconhecimento da litispendência, porque é o único que pode ser comparado com o pedido de que trata a segunda demanda. Ambos os embargos de declaração rejeitados.

(STJ - EDcl no REsp: 1394617 SC 2013/0233900-1, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 13.05.2014, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/05/2014.) (Grifei.)

As ações em comento, em verdade, guardam substancial afinidade entre si, no que pertine ao seu objeto e causa de pedir, havendo conexidade objetiva entre elas, conforme define o art. 103 do Código de Processo Civil. Essa é a lição de Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de Direito Processual Civil, 5ª ed., Editora Malheiros, 2005, p. 607):

Uma demanda se individualiza e distingue-se das demais segundo seus elementos constitutivos, que devem obrigatoriamente estar presentes em todas elas, a saber: as partes, a causa de pedir e o pedido (CPC, art. 282, inc. II-IV). É nesses limites que a demanda será julgada, não sendo lícito ao juiz extrapolá-los (arts. 128 e 460: julgamentos extra vel ultra petita); é principalmente a partir desses elementos, conforme postos em cada caso concreto, que se determina a competência (…); e servem eles, ainda, para a definição das possíveis relações entre demandas. A conexidade é uma dessas possíveis relações (ao lado da prejudicialidade, da continência etc.) e, para o fim da prorrogação da competência, ocorre (a) quando em duas ou mais demandas o pedido apresentado ao juiz for o mesmo, ainda que os fundamentos sejam diferentes (p. ex., divórcio pedido por um cônjuge e por outro, cada um fundamentando de um modo o seu pedido; (b) quando os pedidos são diferentes mas coincidem os fundamentos, ou causa de pedir (ao menos em parte).  (Grifei.)

Na espécie, a identidade parcial quanto ao objeto e à causa de pedir das demandas torna recomendável o processamento e o julgamento conjunto das causas, consoante previsão do art. 105 do Código de Processo Civil. A adoção dessa providência processual viabiliza, ao julgador, a análise percuciente do quadro probatório, evitando-se decisões conflitantes, que possam causar prejuízo à efetividade da prestação jurisdicional, no tocante ao mandato eletivo dos recorridos, matéria de relevante interesse público.

Observo que a presente AIME foi instruída com cópia integral da AIJE n. 675-19 (fls. 23 e seguintes) como meio de prova documental, conforme se extrai da leitura do item d do pedido (fl. 17), de sorte que essas ações não se confundem quanto aos seus elementos constitutivos.

Além disso, esses processos foram instruídos de maneira independente um do outro, em audiências realizadas em dias diferentes (fls. 215 e 703), sendo que uma das testemunhas, Luis Carlos Noschang, foi indicado como testemunha somente neste feito. A prova produzida nestes autos merece ser preservada e devidamente avaliada pelo juízo, devido à relevância da controvérsia na seara eleitoral.

Assim, afastada a configuração de litispendência entre a presente AIME e a AIME n. 1-07, por ostentarem causa de pedir e pedidos diversos, inviável extinguir o presente feito sem julgamento de mérito.

Devido ao fenômeno da conexão, os processos poderão ser reunidos para a prolação de sentença única, tendo em vista que ainda não foram julgados, seguindo-se, nesse ponto, orientação jurisprudencial consolidada no enunciado da Súmula n. 235 do Superior Tribunal de Justiça: A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.

DIANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso para o fim de anular a sentença recorrida, determinando a remessa dos autos à origem para regular tramitação.