REC - 136258 - Sessão: 24/09/2014 às 17:00

Peço vênia para divergir do posicionamento do eminente relator, que negou provimento ao recurso, pois a meu juízo não há irregularidade, na linha do entendimento já manifestado pela Corte no julgamento do recurso na RP 1308-92, na sessão do dia 09.09.2014, processo de relatoria da Juíza Auxiliar Dra. Lusmary Fatima Turelly da Silva, cuja ementa cumpre transcrever:

Recurso. Propaganda eleitoral. Horário eleitoral gratuito. Televisão.

Alegada utilização indevida de tempo destinado à propaganda proporcional como  publicidade da majoritária. Art. 53-A da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014.

Ainda que ampla a exposição da imagem de candidato majoritário nas inserções impugnadas, não há pedido de votos em seu favor nem o enaltecimento específico de sua administração. Participação caracterizada como manifestação de apoio e prestígio aos postulantes aos cargos proporcionais, não desbordando da autorização prevista no § 1º do art. 53-A da Lei n. 9.504/97.

Provimento negado.

Embora em decisão não unânime, a mesma questão trazida neste recurso foi analisada por este TRE-RS e considerada permitida com fundamento: a) na permissão contida no art. 53-A, § 1º, da Lei n. 9.504/97; b) no conteúdo da propaganda, que não se dirige ao candidato da majoritária; c) no entendimento firmado pela Corte nas últimas eleições gerais, quando do julgamento do recurso eleitoral na RP n. 5875-11, em 29.09.2010, de relatoria do Dr. Artur dos Santos e Almeida, e do recurso eleitoral na RP n.  5977-33, em 1º.10.2010, relatoria da Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, que analisaram casos análogos ao dos autos; c) no entendimento firmado por este TRE nos processos relativos às eleições municipais de 2012, nos quais foi considerada a ocorrência de invasão da propaganda apenas nos casos em que houve pedido expresso de votos (Rp 321-54, de relatoria da Desa. Elaine Harzheim Macedo, julgada em 24.09.2012, Rp n. 31-08, também da relatoria da Desa. Elaine Harzheim Macedo, julgada no dia 18.09.2012); d) em recente decisão do TSE, que também considerou a existência de invasão para o caso de haver pedido de votos para o candidato da majoritária (Rp 109304, decisão de 25.08.2014, publicada no Mural do TSE em 26.08.2014) e, também, em decisões de outros TREs em casos semelhantes.

Por ocasião daquele julgamento, acompanhei o entendimento da relatora no sentido de que:

o conteúdo da propaganda se afigura 'em situação limítrofe ao que é permitido pela legislação', mas exatamente porque se encontra dentro dos limites legais, a sua proibição representaria verdadeira censura, pois o Judiciário estaria vedando o que a lei não proíbe. A inserção impugnada não realiza propaganda do candidato representado, pois não há pedido de votos em seu favor nem o enaltecimento especificamente de sua administração. Ao contrário, a referência ao Estado é feita de forma genérica, não havendo motivos para proibir a veiculação das inserções impugnadas.

Sem dúvidas, a permissão legislativa acaba dando ensejo a que os candidatos, partidos e coligações aproximem-se o quanto possível do limite do que é permitido, tentando associar a possibilidade de apoio à candidatura proporcional à exposição maior do candidato da majoritária.

Considerando tais fatos, é importante que este Tribunal fixe o entendimento sobre os limites a serem considerados para futuras ações envolvendo a questão da invasão nas inserções, pois é preciso dar um norte para que os candidatos, partidos e coligações possam pautar sua forma de propagada eleitoral e agir dentro da licitude.

Nesse particular, conforme se verifica, a jurisprudência passada desta Corte apresenta posições que devem ser observadas e levadas em consideração, em prol da segurança jurídica e da boa-fé processual, em face da dicotomia entre entendimentos mais permissivos e mais restritivos sobre a matéria, dependendo da composição do Tribunal.

Assim, penso que, caso seja alterado o posicionamento do Tribunal, eventual aplicação da sanção de perda de tempo no horário relativo à candidatura majoritária deveria ocorrer para fatos futuros, pois a própria divergência jurisprudencial apontada leva à conclusão de que, até este momento, os recorrentes estavam de boa-fé, acreditando estarem justamente nesta linha tênue de atuação, resguardados pela posição liberal sobre o tema.

Penso que não se mostraria razoável a perda do tempo da propaganda para os fatos praticados quando do entendimento pela não ocorrência de infração eleitoral. Esta foi a solução adotada recentemente pelo TRE-SC em caso análogo ao presente, no qual houve alteração da convicção do Tribunal:

[…] NÃO APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE PERDA DO TEMPO NO HORÁRIO RELATIVO À CANDIDATURA MAJORITÁRIA - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL OBJETIVA RECONHECIMENTO - BOA-FÉ - PRECEDENTES

(Acórdãos n. 25.387, Juiz Carlos Vicente da Rosa Góes; 25.399, Juiz Julio Gulherme Berezoski Schattscheider; e n. 25.410, Juiz Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto.)

A existência, nas últimas eleições, de divergência jurisprudencial nesta Corte sobre os limites de atuação de coligações, partidos e candidatos quando das inserções destinadas às eleições proporcionais acarreta o reconhecimento de boa-fé dos representados, com a impossibilidade de aplicação, até o paradigma estabelecido pelo Plenário para o presente pleito, da penalidade de perda de tempo no horário relativo à candidatura majoritária.

(TRE-SC, RE Rp 848-24, acórdão 30043, rel. Dr. Fernando Vieira Luiz, j. 1º.09.2014.)

Com esses argumentos, VOTO pelo provimento do recurso, julgando improcedente a representação.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Peço vênia ao digno relator para acompanhar o voto divergente, porque entendo que, no caso, ainda que esteja no limite do permissivo legal, seria até uma espécie de censura decidir de forma diferente. Acompanho integralmente o voto do Dr. Leonardo.

 

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

Todos nós conhecemos o eminente governador do Estado, candidato à reeleição, político hábil e advogado de longa militância, que tem bom uso da oratória. Na sua manifestação, se não há pedido expresso de voto, há de forma indireta, tecendo loas a sua atuação como governador e transmitindo a ideia também de continuidade.

 O Rio Grande é hoje um dos três Estados brasileiros mais atraentes para investimentos - obviamente em função da sua atuação como governador. E é também um dos que mais recebeu recursos federais nos últimos anos, o famoso alinhamento entre as estrelas - governo federal, estadual e municipal. E transmitindo a ideia de continuidade - ainda há muito a conquistar e, para atrair mais investimentos e compartilhar os avanços sociais com todos os gaúchos, vote nos candidatos do PT para deputado federal.

Só na última manifestação é que houve o pedido de votos para deputado federal,  o que é permitido pela lei. Aqui fica evidente a  intenção de enaltecer as realizações do governo do Estado.

Entendo que o relator fez uma análise adequada, obviamente não há pedido direto de voto e nem seria de se imaginar que o governador, com o preparo que tem, atuasse dessa maneira, em evidente transgressão ao texto legal.

Acompanho o voto do eminente relator, porque entendo que houve manifestação excessiva no pedido de voto para deputado federal.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Acompanho o voto do relator.

O fato de este Tribunal ter seguido uma trilha permissiva e compreensiva, em que as decisões foram baseadas em argumentos sempre bem elaborados e robustos, abrindo a porteira não só para situações limítrofes, mas para praticamente qualquer tipo de manifestação quase explícita com pedido de voto para a eleição majoritária, não significa que tenhamos que continuar votando dessa forma. A lei é clara, diz que a inserção é para a finalidade exclusiva de solicitar voto para os candidatos da eleição proporcional. Trata-se apenas de avaliar se o suporte fático está preenchido, se realmente houve pedido exclusivo de votos para a proporcional. Definitivamente não houve pedido exclusivo de voto para a proporcional.

De fato, reconheço que esse fato gera uma jurisprudência que evidentemente vai fazendo com que os candidatos  e os partidos acabem se adaptando à orientação do Tribunal e sendo menos rigorosos nas suas manifestações em inserções na esfera da eleição proporcional.

Temos aqui no Rio Grande do Sul, agora também está pontificando em São Paulo, o Prof. Humberto Ávila, que tem uma magnífica obra sobre o princípio da segurança jurídica, que analisa inclusive, o que não é muito comum no Direito brasileiro, a questão da proteção  da confiança com a expectativa legítima em face de decisões judiciais.

Parece-me razoável que possamos fazer uma modulação talvez um pouco distinta da proposta pelo Dr. Leonardo, no sentido de que daqui para a frente, se firmarmos essa nova posição,  não para este caso que está embasado na jurisprudência  passada, mas os que forem de propaganda veiculada até a presente sessão, se a posição do Tribunal mudar, possa haver uma modulação quanto à consequência concreta de perda nesses casos.

Parece-me razoável, porque criamos uma expectativa legítima na medida em que se flexibilizou a exceção e se criou essa situação quase fática de complacência com esse estado de coisas.

Acompanho o eminente relator quanto ao mérito e adiro à divergência quanto à não imposição da sanção no caso.

 

Des. Marco Aurélio Heinz:

Vou colher os votos quanto à modulação ou o efeito meramente  declaratório.

 

Des. Federal Otávio Roberto Pamplona:

Mantenho o meu voto.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Acompanho na íntegra o voto divergente do Dr. Leonardo.

 

Dr.  Luis Felipe Paim Fernandes:

Norma sem sanção não tem efeito prático algum. Aqui havia uma regra geral de impedimento, com uma exceção que permitia a manifestação de pedido de voto para deputados federais. Essa regra já decidimos no caso presente que foi quebrada com a propaganda além do pedido. Acompanho integralmente o voto do eminente relator.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Em face da questão de ordem suscitada, gostaria de complementar o meu voto.

Concordo que a questão é ver o suporte fático, o que se enquadra  ou não na regra ou na exceção.

Aqui temos casos muito similares, mas não é essa circunstância que afasta a expectativa de confiança legítima, porque, na medida em que hipóteses fáticas embora não idênticas, mas que realmente em todos os casos apontavam para uma ampliação muito significatica do limite da exceção que é restritiva, de fato, é de se esperar que o processo se acomode à interpretação de um tribunal.

Não vejo a absoluta inépcia de uma decisão de caráter não sancionatório no caso concreto. Em primeiro lugar, porque é uma prática comum de tribunais constitucionais até de declarar a inconstitucionalidade ou aplicar a nulidade, justamente para que se possa preservar as situações. A própria Constituição prevê que, por força da segurança jurídica, de interesse de terceiros de boa-fé, se possa modular os próprios efeitos da declaração de constitucionalidade.

A modulação incide em efeito para eventualmente não se sancionar. No caso concreto não significa necessariamente que esteja deixando de ter uma censura forte, até porque se o efeito concreto da decisão, já que está bem claro que futuras veiculações similares serão sancionadas caso mantida essa orientação, porque é evidente que uma próxima composição do Tribunal vai depender do quanto os colegas vão rever a sua posição, porque a ideia é colocar o princípio da igualdade no seu devido caminho.

A questão  é se vamos continuar apostando na possibilidade de assegurar uma ampla margem de desigualdade no processo eleitoral, permitindo que simplesmente usem e abusem  dos  espaços da proporcional na majoritária, com amplo desequilíbrio no processo eleitoral, ou se realmente vamos fazer uma jurisprudência que prime pela isonomia e igualdade de chances do processo eleitoral. Essa é a nossa orientação, o que estamos decidindo aqui. E se para o futuro tivermos uma mudança de atuação dos partidos, sabendo-se evidentemente que agora não sancionamos por essas razões colocadas, mas daqui para a frente sancionaremos se o fato se repetir, não vejo que não possa ter efeito útil, até porque, pelo que me consta, já temos uma mudança de postura em face da votação que ocorreu neste Plenário anteriormente, mesmo sem ter saído vitoriosa, embora não seja a regra. A regra é que tem que ter sanção, mas no caso concreto é uma capitis deminutio do  nosso julgamento.