RE - 3587 - Sessão: 10/02/2015 às 14:00

RELATÓRIO

ONEI SELES LOUREIRO e ADRIANA KLEMUK interpõem recurso em face da sentença que julgou procedente a representação por doação acima do limite legal ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra GOSPEL FASHION BUSINESS PRODUÇÕES E EVENTOS CULTURAIS LTDA-ME, pessoa jurídica de direito privado, para o fim de condená-la ao pagamento de multa no valor de R$ 12.135,00, à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos e, também, declarar a inelegibilidade dos sócios da representada por oito anos após o trânsito em julgado da decisão, por infringência ao parágrafo primeiro do art. 81 da Lei n. 9.504/97.

Os sócios da pessoa jurídica representada interpuseram recurso suscitando, preliminarmente, (a) cerceamento de defesa e ofensa ao contraditório ao argumento de que o procurador constituído não foi intimado para apresentação de defesa por telefone ou correspondência, conforme havia sido informado pelo cartório, e (b) ilegitimidade ad causam da sócia Adriana Klemuk, que deve ser excluída do polo passivo da ação, uma vez que outorgou procuração com poderes especiais ao sócio Onei Seles Loureiro, administrador da pessoa jurídica representada. No mérito, afirmam que houve, em verdade, doação de bem estimável em dinheiro a candidatos à vereança no montante de R$ 350,00, e não doação de valores, conforme afirmado na inicial. Requerem a reforma da sentença, com a improcedência dos pedidos (fls. 65-66). Juntaram documentos (fls. 68-71).

Com as contrarrazões (fls. 77-80), os autos foram remetidos a este Tribunal, restando determinada a regularização da representação processual dos recorrentes (fl. 83), o que foi atendido à fl. 88.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo parcial provimento do recurso para o fim de ser aplicada apenas a pena de multa, afastadas as demais condenações (fls. 101-105).

É o relatório.

 

VOTO

Quanto à preliminar suscitada de ilegitimidade ad causam da sócia Adriana Klemuk, deixo de analisá-la, visto que, do exame dos autos, verifica-se a necessidade de reconhecer, de ofício, matéria de ordem pública atinente à inobservância do rito previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 e ao manifesto cerceamento de defesa da representada.

Apesar de ter sido aduzido o cerceamento de defesa como preliminar no recurso interposto, tenho que a questão merece ser considerada por fundamento diverso ao suscitado.

De fato, embora seja referido no recurso que o advogado da representada desconhecia a forma de intimação dos atos processuais dos feitos que tramitam perante a Justiça Eleitoral e que verbalmente foi informado pelo cartório de que a forma de intimação seria por telefone ou correspondência, cabe ao advogado conhecer do processo e dos procedimentos eleitorais.

Portanto, por esse motivo, a preliminar não merece acolhida.

No entanto, há questão relativa ao cerceamento de defesa, afeta à quebra do rito processual, que segue arguida de ofício.

O § 4º do art. 81 da Lei n. 9.504/97 prevê que as representações propostas objetivando a aplicação das sanções previstas nos § § 2º e 3º do mesmo artigo observarão o rito previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, que prevê, para a espécie, (a) prazo de cinco dias para apresentação de defesa, juntada de documentos e rol de testemunhas, se cabível; (b) inquirição de testemunhas e diligências ex officio ou a requerimento das partes, inclusive oitiva de terceiros referidos pelas partes e requisição de documentos; (c) oferecimento de alegações finais no prazo comum de 2 dias; e (d) sentença.

No que pertine à notificação para a defesa, ressalto que o art. 22, inciso I, alínea “a”, dispõe que o representado será notificado do conteúdo da petição entregando-se-lhe a segunda via apresentada pelo representante com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 5 (cinco) dias, ofereça ampla defesa, juntada de documentos e rol de testemunhas, se cabível.

Porém, na hipótese dos autos, a ação foi ajuizada com pedido liminar de expedição de ofício à Receita Federal e, ao despachar a inicial e acolher o pedido liminar, o juízo a quo determinou de plano a notificação da representada para apresentação de defesa, sem a ação estar plenamente instruída com os fatos e provas que comprovariam os fatos alegados na inicial (fl. 12 e verso).

A representada foi notificada em 29.7.2013 (fl. 23) e seu prazo de cinco dias para apresentação de defesa correu concomitantemente à decisão do dia 31.7.2013,  a qual determinou a requisição de documentos para complementação dos dados fornecidos pela Receita Federal (fl. 24).

A recorrente inclusive peticionou relatando a dificuldade de defesa antes da juntada dos documentos que instruiriam a ação, razão pela qual requereu a intimação para oferecimento de defesa após a juntada de todos os documentos requisitados pelo Ministério Público Eleitoral (fl. 28). Não houve manifestação do juízo acerca desse pedido.

Após a juntada dos documentos solicitados, os autos foram remetidos com vista ao Ministério Público Eleitoral (fl. 45), que se manifestou pela procedência da representação (fls. 46-48).

Com o retorno dos autos, a magistrada determinou a intimação da representada para apresentação de alegações finais (fl. 51), prazo que correu in albis (fl. 54), sobrevindo a sentença de procedência das fls. 56-58.

Dessa forma, verifica-se que foi suprimida uma etapa do rito processual previsto para as representações eleitorais por doação acima do limite legal, atinente à própria notificação para defesa, procedimento anterior à apresentação de alegações finais pelas partes. A quebra do rito processual é causa de nulidade da sentença, conforme ementa dos seguintes precedentes (com grifos meus):

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. NULIDADES VERIFICADAS DE OFÍCIO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. A violação ao devido processo legal configura grave nulidade cognoscível de ofício, ante sua natureza, e impõe a anulação do decisum guerreado. 2. Recurso conhecido. Sentença anulada.

(TRE-PA - RE: 82125 PA, Relator: Dr. RAIMUNDO HOLANDA REIS, Data de Julgamento: 16.10.2014, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 197, Data 24.10.2014, Pág. 2.)

RECURSO ELEITORAL - REPRESENTAÇÃO - DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL - PESSOA FÍSICA - CONDENAÇÃO - PAGAMENTO DE MULTA - CINCO VEZES O VALOR EXCEDIDO - PRELIMINAR - CERCEAMENTO DE DEFESA - ACOLHIDA - SUPRESSÃO DA FASE INSTRUTÓRIA - RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM - RECURSO PROVIDO. 1. A apresentação de defesa constando rol de testemunhas, que não mereceu despacho de deferimento ou indeferimento do juízo, além de ausência de ouvida das mesmas ofende o rito do art. 22, I, 'a', da Lei Complementar n. 64/90, adotado pelo juízo de piso, configurando cerceamento de defesa. 2. O acolhimento da preliminar de cerceamento de defesa impõe anulação da sentença com remessa dos autos ao juízo a quo para o efetivo cumprimento da fase instrutória.

(TRE-MT - Rp: 52062 MT, Relator: Dr. ANDRÉ LUIZ DE ANDRADE POZETTI, Data de Julgamento: 28.6.2012, Data de Publicação: DEJE - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Tomo 1164, Data 11.7.2012, Págs. 1-9.)

O prejuízo é manifesto, uma vez que o prazo para defesa correu antes da juntada dos documentos que fundamentaram a condenação da representada. Assim, houve inequívoco prejuízo processual, cerceamento de defesa e ofensa ao contraditório.

Destarte, tenho que restaram malferidos os princípios do contraditório e da ampla defesa e a garantia do devido processo legal, devendo ser anulada a sentença, oportunizando-se à pessoa jurídica representada a apresentação de defesa conforme estabelece o art. 22, I, 'a', da LC 64/90, observando-se as etapas do rito procedimental previsto para a ação.

Ante o exposto, conheço do recurso interposto pelos sócios da pessoa jurídica em face do interesse processual dos recorrentes e VOTO pela anulação da sentença prolatada, determinando o retorno dos autos à origem a fim de que a pessoa jurídica representada seja notificada para apresentação de defesa, conforme estabelece o art. 22, I, 'a', da LC 64/90, observando-se as etapas do rito procedimental previsto para a ação.