RE - 3650 - Sessão: 23/09/2014 às 14:00

Pedi vista destes autos e peço vênia ao nobre relator para divergir do seu voto.

O PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB de Alvorada teve suas contas de 2011 desaprovadas pelo juízo da 124ª Zona, em razão de doação de fonte vedada, proveniente de detentor de cargo comissionado de coordenador junto à prefeitura municipal, fulcro no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Determinados (i) o recolhimento ao Fundo Partidário da quantia de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais) e (ii) a suspensão do recebimento de novas cotas daquele fundo por 12 (doze) meses, sobreveio recurso do partido postulando a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, ou a redução da suspensão determinada.

O Dr. Leonardo Tricot Saldanha proveu o recurso, aprovando as contas, por entender que o doador não detinha “poder de autoridade”, cingindo-se a controvérsia, adianto, ao alcance do conceito previsto na norma:

Lei n. 9.096/95:

Art. 31

É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I - entidade ou governo estrangeiros;

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

[…]

Inicialmente, lembro que esta Corte se posicionou sobre o tema em recente julgamento, em processo da relatoria do Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, pelo qual, à unanimidade, foram desaprovadas as contas de agremiação partidária em virtude de doação advinda de cargos de coordenador, diretor de departamento e chefe de setores e unidades administrativas:

Prestação de contas partidária. Diretório municipal. Art. 5º, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro 2011.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum e na condição de autoridades. No caso, recebimento de quantia expressiva advinda de cargos de coordenador, diretor de departamento e chefe de setores e unidades administrativas.

Manutenção das sanções de recolhimento de quantia idêntica ao valor doado ao Fundo Partidário e suspensão do recebimento das quotas pelo período de um ano.

Provimento negado.

(RE 34-80 – J. sessão de 26/08/2014.)

Na mesma linha, os seguintes feitos: RE 94-19, Rel. Desa. Maria de Fátima Freitas Labarrère, Sessão de 1º.7.2014; RE 45-50, Rel. Dr. Jorge Alberto Zugno, Sessão de 19.11.2013; RE 1000005-25, Rel. Desa. Elaine Harzheim Macedo, Sessão de 25.4.2013.

O TSE também se pronunciou na Consulta n. 1.428, na sessão de 6.9.2007, relator designado para o acórdão o Min. Antônio Cézar Peluso:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade. Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(DJ - Diário de justiça de16/10/2007, p. 172.) 

Extraio, do seu corpo, o seguinte excerto:

Min. Carlos Ayres Britto: Nós estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que a autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção. Só estamos excluindo o assessoramento.

Dizer que o assessor é autoridade, uma vez que não dirige, não chefia ninguém, talvez seja demasia interpretativa. […]

Min. Cezar Peluso: A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com partido político e que dele sejam contribuintes.

Min. Carlos Ayres Britto: Pode cumprir esse efeito inibidor.

Min. Cezar Peluso: Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

Min. Marco Aurélio (Presidente): Gostaria de saber a extensão da resposta, e peço que fique gravado.

Min. Cezar Peluso: Eu respondo negativamente, sob condição: desde que se trate de autoridade.

[…]

Min. Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, se Vossa Excelência me permite, há uma variável. No conceito de autoridade, de logo – penso que o ministro Cezar Peluso também –, incluímos os ocupantes de cargo em comissão que exerçam função de chefia e direção e os que, por alguma forma, exerçam cargo de assessoramento que implique direção e chefia.

Min. Marco Aurélio (Presidente): Receio que a resposta do Tribunal acabe dando cobertura irrestrita a essas doações.

Min. Carlos Ayres Britto: Nós estamos afunilando, estabelecendo um filtro. No nosso conceito de autoridade, de logo, incluímos os ocupantes de cargo em comissão.

Min. Marco Aurélio (Presidente): A operacionalização desse filtro é nenhuma.

Min. Carlos Ayres Britto: Está claro. A autoridade não pode contribuir. Quem é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

Mas só incluímos no conceito de autoridade o ocupante de cargo em comissão na condição de assessor se também tiver função de direção e chefia, senão o assessor pode contribuir – mas apenas ele, dos ocupantes de cargo em comissão.

Min. Marco Aurélio (Presidente): Como ficamos, então?

Min. Carlos Ayres Britto: As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenhem função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

Min. Marco Aurélio (Presidente): O enfoque é esse, ministro Cezar Peluso?

Min. Cezar Peluso: Sim. Desde que seja autoridade. Para mim, autoridade em sentido amplo: todo aquele que possa, por exemplo, em mandado de segurança, comparecer nessa qualidade, para mim é autoridade.

Min. Marco Aurélio (Presidente): O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver doação por detentor de cargo de chefia e direção.

Diante dessas balizas, prossigo.

É possível afirmar que o conceito atual de autoridade abrange os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia (art. 37, V, da Constituição Federal), sendo excluídos os que desempenham função exclusiva de assessoramento.

Transmudou-se, destarte, de uma compreensão que privilegiava a proteção do partido político contra a influência do Poder Público para uma interpretação que ressalta a relevância dos princípios democráticos da moralidade, dignidade e preservação contra os abusos de autoridade e do poder econômico.

Por certo que o art. 5º, § 1º, da Res. TSE n. 21.841/04 (que disciplina a prestação de contas dos partidos políticos) afasta a vedação sobre as contribuições ou auxílios pecuniários dos agentes políticos e dos servidores públicos filiados a partido político, investidos em cargos, funções, mandatos, comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação de atribuições constitucionais. Mas a exceção não compreende os titulares de cargos demissíveis ad nutum que desempenham funções de direção e chefia, a exemplo do servidor que exerce cargo comissionado de coordenador; neste caso, junto à Coordenadoria de Assistência Social e Cidadania da Prefeitura de Alvorada.

A não ser assim, diante de cargos como os que envolvem coordenação, estar-se-ia premiando aqueles que foram guindados a tal condição pela via da indicação partidária, com inegável conotação política, logo, parcial, sem qualquer obstáculo ao financiamento das campanhas eleitorais àqueles vinculados.

De qualquer sorte, é indubitável que o coordenador em questão detinha funções de direção e chefia, como fazem ver os autos, em documentos trazidos pelo próprio recorrente:

À fl. 102, consta organograma, no qual, abaixo da referida coordenadoria, aparece a figura do “CHEFE”, remetendo à ideia ou de que o coordenador exercia a chefia sobre demais servidores, ou de que havia servidor a ele hierarquicamente subordinado, na condição de chefe.

E à fl. 106, as atribuições do cargo propriamente ditas, sob o código/padrão “CC / FG – Nível III” (obtidas na página virtual da prefeitura, ipsis litteris):

- responsável pela coordenadoria de atividades e serviços administrativos, operacionais, técnicos, políticos e de projetos estratégicos nas secretarias, departamentos e setores da prefeitura municipal;

- dirigir, coordenar e supervisionar os serviços executados pelos diversos setores ligados a sua coordenadoria;

- participar com outros órgãos da secretaria na realização de tarefas que mantenham correlação de atividades;

- apresentar o diretor de departamento, relatórios periódicos das atividades da coordenadoria;

- propor as medidas que julgar necessárias ao melhor desempenho das atividades de sua coordenadoria e departamento;

- gerenciar os recursos humanos, financeiros e físicos pertinentes a sua área de atuação;

- executar outras tarefas afins.

(Grifei.)

Para além, destaco a imediatidade do juízo de valor a que somos levados ao depararmos com tal espécie de cargo, de “coordenador”, no sentido da indiscutível ascendência, intracoordenadoria, sobre os supervisionados. Ao mesmo tempo, para o enquadramento do conceito de autoridade que aqui se almeja, inexiste previsão de que ela deve ser exercida apenas externamente, como o faz, à evidência, o titular da hierarquicamente superior Secretaria Municipal de Trabalho, Assistência Social e Cidadania da Prefeitura de Alvorada.

Nesse contexto, não vejo como adotar como critério a legitimidade do servidor para figurar em mandado de segurança, o qual foi lançado na consulta do TSE acima exposta, ao meu sentir, apenas como mais um dos fundamentos do ministro relator. E vale destacar: não constou da conclusão da discussão lá tecida, pela qual, repita-se, tão somente “não pode haver doação por detentor de cargo de chefia e direção”.

Do contrário, configurada estaria exigência restritiva sem amparo legal.

À guisa de conclusão, a teleologia da norma de regência aponta que não pode doar recursos a partidos políticos o detentor de cargo exonerável ad nutum, que exerça função de chefia e direção – o que se verifica na espécie, a justificar a desaprovação das contas do recorrente.

Por outro lado, tenho que merece acolhimento o pleito recursal sucessivo de diminuição do período de suspensão do recebimento de novas cotas do Fundo Partidário, para fixá-lo em 6 (seis) meses, considerando, para este fim, o valor diminuto do montante envolvido.

Isso porque, embora o art. 36, II, da Lei n. 9.096/95 faça expressa menção à suspensão por 01 (um) ano, entendo que, diante do parâmetro da proporcionalidade, sejam as contas anuais ou de campanha, aplica-se o disposto no § 3º do art. 37 do mesmo estatuto, o qual se revela de conteúdo geral quanto à fixação da penalidade (TSE / Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 45-27. 2011.6.24.0071 – Rel. Min. Arnaldo Versiani – Sessão de 02/10/2012).

Logo, impõe-se a manutenção do juízo de desaprovação das contas do recorrente, mas com a redução do tempo de suspensão do recebimento das cotas do Fundo Partidário. Igualmente, como muito bem apanhado pelo eminente relator, o reconhecimento do erro material da sentença quanto ao valor a ser recolhido ao Fundo Partidário, correspondente, em verdade, a R$ 660,00 (seiscentos e sessenta reais).

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto pelo PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB de Alvorada, tão somente para reduzir o tempo de suspensão do recebimento das cotas do Fundo Partidário, para 6 (seis) meses, e determinar o recolhimento ao Fundo Partidário de R$ 660,00 (seiscentos e sessenta reais), mantendo a sentença nos seus demais termos.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Com a vênia do digno relator, estou acompanhando o voto divergente.

 

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

O voto divergente apanha muito bem a questão do cargo em comissão, há desvio de verba pública através do cargo comissionado.  Estou acompanhando o voto divergente.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Estou acompanhando o voto divergente, com um acréscimo de argumentação. Essa alusão ao conceito de autoridade comparado àquele que pode figurar como impetrado em mandado de segurança é equivocada, porque não há convergência de conceito de autoridade. Há uma incongruência, pois em mandado de segurança pode responder como autoridade: policial, guarda ou diretor de escola privada. Assim, acompanho a divergência, igualmente pelo seus próprios fundamentos.

 

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Com a vênia do digno relator, estou acompanhando o voto divergente, que inclusive cita um precedente meu.