RE - 5132 - Sessão: 30/09/2014 às 14:00

RELATÓRIO

MARCELO CRISTIANO MAGALHÃES interpôs recurso contra sentença exarada pelo Juízo da 173ª Zona Eleitoral – Gravataí na representação proposta pelo Ministério Público Eleitoral, forte no § 3º do art. 23 da Lei n. 9.504/97, em virtude de suposta doação acima do limite legal efetuada pelo ora recorrente, no valor de R$ 700,00 (setecentos reais), nas eleições de 2012 daquele município (fls. 62-66).

O magistrado afastou a preliminar relativa à falta de interesse de agir do Parquet eleitoral arguida pela defesa em virtude de que o número do CPF do representado apontado na inicial não condizia com o real número de inscrição de Marcelo Cristiano Magalhães -, porquanto a divergência foi sanada nos autos, e julgou procedente a representação, condenando o recorrente ao pagamento de multa no valor de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) (fls. 58-v.).

As razões recursais repisaram a preliminar relativa à divergência do número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (fl. 63) e, quanto ao mérito, trouxeram cópia fiel da peça de defesa (fls. 46-48), na qual é admitida a doação em desacordo com a lei, porém é alegado que o valor é ínfimo e deve ser apreciado sob a luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (fls. 64-66).

O recorrido apresentou contrarrazões, aduzindo que a preliminar não deve ser conhecida, posto que, além de já sanada a divergência apontada, o ponto caracterizaria mera irregularidade, pois os demais dados contidos na qualificação do representado estão corretos. No mérito, arguiu que o limite legal já estabelece a razoabilidade da quantia a ser doada, ocorrendo à margem do razoável aqueles que ultrapassem o patamar fixado (fls. 68-72).

Os autos subiram a este Tribunal e foram com vista ao Ministério Público Eleitoral, o qual opinou pelo provimento do recurso (fls. 76-79).

É o relatório.

 

VOTO

O procurador do recorrente foi intimado da sentença em 02.12.2013 (fl. 60v.) e a peça recursal aportou em cartório em 05.12.2013 (fl. 62), observado, portanto, o requisito temporal para a interposição do recurso.

Consigno entender ausente o pressuposto da profligação, à medida que o recorrente nada trouxe em relação aos fundamentos do juízo sentenciante, não se insurgindo, a rigor, contra a decisão vergastada. Entretanto, tenho por superar essa ausência, excepcionalmente, em virtude de entendê-la como frágil obstáculo quando confrontada com a gravosidade do não conhecimento do recurso no caso.

Preliminar de ilegitimidade passiva e de falta de interesse de agir

Alega Marcelo Cristiano Magalhães que o equívoco ocorrido em sua qualificação na petição inicial, mediante a atribuição de número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas de pessoa diversa, seria motivo para afastar a condenação, porquanto o erro geraria dúvida a respeito de quem seria o efetivo demandado e poria em causa a existência do interesse de agir do representante.

Sem razão o recorrente.

A uma, porque o restante da qualificação deixa perfeitamente claro contra quem a ação se dirige. A duas, porque ainda que o mero erro formal acarretasse dúvida sobre o integrante do polo passivo – o que não é o caso –, tal equívoco foi sanado com a informação juntada nas fls. 36-38, da Receita Federal, a qual esclarece, indene de dúvidas, que o representado é o empresário individual que efetivamente realizou a doação combatida.

Ademais, em sua defesa, reproduzida no recurso, a doação não é negada, ao contrário, é assumida como ilegal, mas justificada pelo viés do equívoco, descuido ou falha.

Não paira, portanto, qualquer incerteza quanto à constituição do polo passivo e, em consequência, resta intacto o interesse de agir do representante.

Assim, afasto as preliminares.

Mérito

Incontroversa a doação no valor de R$ 700,00 (setecentos reais), nas eleições de 2012, cumpre analisar apenas se a colaboração financeira foi efetuada dentro dos contornos da lei.

Inicialmente, é de ser referido que o recorrente, na qualidade de empresário individual, sujeita-se aos limites estabelecidos pelo art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97, porquanto tal gênero de atividade não acarreta, por si só, personalidade jurídica distinta, gerando confusão patrimonial que alcança a pessoa física. Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. FIRMA INDIVIDUAL. AUSÊNCIA DE DUPLA PERSONALIDADE. DOAÇÃO SOB O REGIME DO ART. 23 DA LEI Nº 9.504 /97. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO NO LIMITE PREVISTO NO ART. 23, § 7º DA LEI Nº 9.504 /97. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

1. […]

2. […]

3. Firma individual não representa personalidade jurídica autônoma, sendo a ela atribuído o regime previsto no art. 23 da Lei nº 9.504/97.

4. [...]

5. Recurso conhecido e provido.

(TRE/PR - RE 3723 PR, Rel. Jean Carlo Leeck, DJE de 27.05.2013.)

Quanto às pessoas físicas, os valores de doação permitidos são assim delimitados:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas:

I - no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição;

Para a apuração dos rendimentos brutos, toma-se por base a declaração do IRPF – Imposto de Renda da Pessoa Física. No caso, na fl. 37, a Receita Federal informa que não há registro de Declaração de IRPF em nome de Marcelo Cristiano Magalhães no ano de 2011.

Nesse contexto, é de ser aplicada a presunção de que o doador não declarou renda por não estar obrigado a tanto, ou seja, por ter auferido rendimentos dentro da margem estabelecida como isenta pela Receita Federal, qual seja, até o limite máximo de R$ 23.499,15 (vinte e três mil, quatrocentos e noventa e nove reais, com quinze centavos).

Nesta instância, o Ministério Público Eleitoral, na fl. 78 de seu parecer, analisou com precisão esse dado:

[…] quando a autoridade fiscal afirma, no item seguinte (“3.1 Item 3 solicitado pela 173ª Zona Eleitoral: Apresentamos a tabela abaixo, com as informações solicitadas”) que a PJ apresentou faturamento bruto/rendimentos no ano calendário 2011 zerado, cuida-se de uma presunção apenas, visto que, no item anterior, foi esclarecido que não foram apresentadas as declarações de rendimento nem pela pessoa física, nem pela jurídica.

Ora, em situações como a descrita nos autos, diante da ausência de declaração anual de imposto de renda da pessoa física, referente ao ano anterior ao pleito eleitoral, é válida a presunção de que o doador tenha auferido rendimento no limite legal máximo para a isenção da obrigação de declarar rendas ao Fisco.

Reproduzo, também, por pertinente, jurisprudência colacionada pelo Parquet (fls. 78 v.-79):

RECURSO ELEITORAL – REPRESENTAÇÃO – DOAÇÃO FEITA POR PESSOA FÍSICA PARA CAMPANHA ELEITORAL – LIMITE LEGAL – NÃO OBSERVÂNCIA – RENDA PRESUMIDA PELO MÁXIMO VALOR ISENTO PARA FINS DE DECLARAÇÃO NULA DE AJUSTE DE RENDA – MULTA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO.

Diante da ausência de declaração anual de Imposto de Renda da pessoa física, referente ao ano anterior ao pleito eleitoral, é válida a presunção de que o doador tenha auferido rendimentos no limite legal máximo para a isenção da obrigação de declarar rendas ao Fisco Nacional.

[…]

(TRE/MT, Recurso de decisão dos juízes eleitorais n. 1701, Acórdão n. 17142 de 19.08.2008, Relator Renato César Vianna Gomes, publicação DEJE Tomo 248, 25.08.2008, págs. 1-6.)

Tendo em vista o teto de rendimento estabelecido, o cálculo do percentual permitido – 10% (dez por cento) – resulta no valor de R$ 2.349,91 (dois mil, trezentos e quarenta e nove reais, com noventa e um centavos).

Dessarte, o recorrente, que poderia doar R$ 2.349,91 (dois mil, trezentos e quarenta e nove reais, com noventa e um centavos), e reconhecidamente efetuou colaboração financeira no valor de R$ 700,00 (setecentos reais), agiu dentro dos parâmetros da legislação de regência, não havendo que se falar em doação acima do limite legal.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento do recurso interposto por MARCELO CRISTIANO MAGALHÃES, afastando a multa imposta.