INQ - 9296 - Sessão: 18/11/2015 às 17:00

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral ofereceu denúncia contra LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG pela prática dos seguintes fatos delituosos:

Nas eleições majoritárias do ano de 2012, no município de Barra do Ribeiro, LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG, fez inserir informação falsa em sua prestação de contas eleitorais, consistente na apresentação de recibo eleitoral que simula a prática de doação estimável em dinheiro, no montante de R$ 2.500,00, por REJANE ROMANELLI CAMARGO, a qual jamais existiu. Assim agindo o denunciado, de forma livre e consciente, fez incidir o tipo penal do artigo 350 do Código Eleitoral em sua conduta, mediante as seguintes ações que revelam a autoria dolosa, bem como a relevância jurídica do falso para o pleito eleitoral:

(1) LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG, alugou (valor do aluguel R$ 500,00 mensais, total pago de R$ 2.500,00), pela interposta pessoa de REJANE ROMANELLI CAMARGO, o imóvel sala comercial localizada na Av. Visconde do Rio Grande, 1401, frente, para ser a sede de seu comitê eleitoral nas eleições municipais de 2012; início da locação 15/05/2012, término em 15/10/2012; REJANE ROMANELLI CAMARGO transferiu o uso do imóvel por meio de comodato ao Partido Social Democrático – PSD na data de 15/05/2012 (informações documentais às folhas 98-106 do Inquérito);

(2) LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG negociou a locação do imóvel diretamente com JOSÉ ALEXANDRE GUIMARÃES, advogado e representante dos interesses do Sr. Arnaldo Reinert Neto, proprietário do imóvel; LUCIANO é quem indicou a interposta pessoa de REJANE ROMANELLI CAMARGO para constar no contrato, bem como requereu a realização posterior do contrato de comodato, em que REJANE transferiu o uso do imóvel ao comitê eleitoral dele; ambos os contratos foram celebrados no escritório de JOSÉ ALEXANDRE (informações na forma de depoimentos às folhas 26, 177, 192 do Inquérito, corroboradas pelos contracheques de REJANE de folhas 200-209);

(3) LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG, com o objetivo de não demonstrar a realidade dos fatos no plano do processo eleitoral, apresentou o referido gasto, em sua prestação de contas, como doação estimável em dinheiro realizada por REJANE ROMANELLI CAMARGO (informação documental à folha 84 do Inquérito).

O Parquet Eleitoral promoveu o arquivamento em relação a REJANE ROMANELLI CAMARGO, acolhido por meio do despacho das fls. 274-277.

Relativamente a LUCIANO, contudo, posicionou-se (fls. 258-260) no sentido de que (1) o cometimento da falsidade possui relevância jurídica; (2) restou comprovada a materialidade do delito e, finalmente; (3) seria clara a finalidade eleitoral à qual a conduta se prestou.

Requereu a notificação de LUCIANO para a oferta de defesa preliminar, bem como o recebimento da denúncia, determinação da oitiva de testemunhas e a produção das demais provas admitidas, dentre elas o interrogatório do acusado, para que ocorra a posterior condenação.

Sobreveio defesa preliminar às fls. 302-315, na qual sustenta a inépcia da inicial acusatória, atipicidade da conduta e negativa da autoria do tipo penal.

É o relatório.

 

VOTO

A competência deste Tribunal Regional Eleitoral está firmada em razão de o investigado Luciano Guimarães Machado Boneberg ser o atual Prefeito de Barra do Ribeiro, detentor de foro privilegiado perante esta Corte em razão da prerrogativa da função, nos termos do art. 29, inc. X, da Constituição Federal, combinado com art. 84 do Código de Processo Penal, de acordo com a Súmula n. 702 do STF.

Inépcia da Inicial e Atipicidade da Conduta

Analisando a peça acusatória, verifica-se que ela narra com clareza e objetividade o delito imputado ao investigado, descrevendo o fato criminoso, com todas as circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do crime e, também, as testemunhas arroladas.

De modo que estando presentes todos os requisitos da denúncia, previstos no art. 41 do CPP, não há que se falar em inépcia da inicial.

O inquérito policial foi instaurado para apurar a possível prática do delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.

Os fatos narrados são, sinteticamente, os seguintes:

LUCIANO, então candidato ao cargo de prefeito de Barra do Ribeiro, teria feito inserir informação falsa em sua prestação de contas eleitorais ao apresentar recibo de doação estimável em dinheiro no valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).

O valor corresponderia, na realidade, ao custo gerado pelo aluguel de um imóvel, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) mensais, pelo período de 5 (cinco) meses, para sediar o comitê eleitoral da campanha de LUCIANO. REJANE seria apenas uma "laranja", ao assinar o contrato de aluguel como locatária, pois, de fato, seria LUCIANO quem teria arcado com tal valor.

Ainda, REJANE teria transferido o uso do imóvel ao Partido Social Democrático - PSD de Barra do Ribeiro, por meio de comodato.

A falsidade teria ocorrido no momento em que LUCIANO declarou, na prestação de contas, que o valor total do contrato, R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), teria advindo de doação estimável em dinheiro realizada por REJANE quando, na realidade, seria oriundo de seus próprios recursos.

Logo, a tipicidade é manifesta, devendo ser rejeitada a alegação de conduta atípica.

Sobre a relevância jurídica da falsidade perpetrada, transcrevo o que constou na denúncia, com grifos do original (fls. 258-260):

A relevância jurídica da falsidade, no caso dos autos, restou demonstrada, pois LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG pretendia, lançando mão de informação falsa, obter a regularização de sua prestação de contas, como forma de evitar representações por arrecadação ou gastos ilícitos de recursos nos termos do artigo 30-A da Lei 9.504/97 e, por consequência, manter a sua diplomação incólume, mantendo válido o resultado obtido nas urnas. Segue o referido artigo de lei:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos. […] § 2o Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

Vale destacar que embora a prestação de contas final seja ato posterior ao pleito eleitoral, tal situação, por si só, não é capaz de afastar a relevância jurídica de eventuais fraudes nas informações que a compõe. Isso porque, se o objeto da informação não puder ser verificado de plano pelo órgão técnico da Justiça Eleitoral, bem como a referida fraude tiver potencialidade para violar o bem jurídico higidez das normas de arrecadação, necessariamente haverá finalidade eleitoral, cujo objetivo é tornar válido um resultado eleitoral, por meio de atos fraudulentos.

Destaco recente precedente do TSE relativo ao dolo específico do crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral (finalidade eleitoral), envolvendo declarações falsas em sede de prestação de contas:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES. 2008. PREFEITO E VEREADOR. "CAIXA DOIS". OMISSÃO DE VALORES UTILIZADOS DURANTE A CAMPANHA NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA ELEITORAL (ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL). REJEIÇÃO PREMATURA DA DENÚNCIA. ACOLHIMENTO DA TESE DA ATIPICIDADE DA CONDUTA PELA AUSÊNCIA DOS ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO. PRECEDENTES. ANULAÇÃO DO ACÓRDÃO A QUO.

1. Reenquadramento ou requalificação legal de situação fática descrita na denúncia não encontra óbice nas Súmulas n° 7/STJ e 279/STF.

2. A juntada dos acórdãos apontados como exemplos do dissídio jurisprudencial e a descrição dos fatos semelhantes, que embasaram as decisões discrepantes, atendem ao requisito de admissibilidade do recurso especial.

3. O tipo do art. 350 do Código Eleitoral - crime de falsidade ideológica eleitoral - requer dolo específico. A conduta - de omitir em documento, público ou particular, informação juridicamente relevante, que dele deveria constar (modalidade omissiva) ou de nele inserir ou fazer inserir informação inverídica (modalidade comissiva) - deve ser animada não só de forma livre e com a potencial consciência da ilicitude, como também com um "especial fim de agir". E essa especial finalidade, que qualifica o dolo como específico, é a eleitoral.

4. Contrariamente ao assentado no acórdão recorrido, é equivocada a afirmação de que nenhuma omissão de informações ou inserção de informações inverídicas em prestação de contas tem aptidão para configurar o delito em análise, por ser cronologicamente posterior às eleições.

5. O argumento de que esta Corte Superior assentou, em duas oportunidades, essa impossibilidade, não autoriza o juízo de atipicidade prematuro (pela ausência de dolo específico). Há precedentes recentes do STJ e do TSE em sentido oposto.

6. Se é certo, de um lado, que a inserção inverídica de informações na prestação de contas ou a omissão de informações (que nela deveriam constar) não configura necessariamente o crime do art. 350 do Código Eleitoral; também é certo, de outro, que não se pode, antes do recebimento da denúncia e da consequente instrução, afirmar ser atípica a conduta, pela falta do elemento subjetivo do tipo - dolo específico -, unicamente sob o argumento da ausência de finalidade eleitoral na conduta, porque realizada em procedimento posterior às eleições (na prestação de contas).

7. Presentes, na narrativa inicial acusatória, todas as elementares do tipo, descabe a rejeição da denúncia pela falta de dolo específico. A conclusão sobre a ausência do elemento subjetivo depende do exame do caso concreto, e deve ser precedida da análise probatória, sendo certo, dessa forma, que necessita de instrução. Precedentes.

8. Provimento do REspe para anular o acórdão recorrido.

(Respe 2027-02.2009.6.12.0000, Relator MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, julgado na sessão de 28.4.2015.) (Grifei.)

Portanto, ainda que em tese, os atos atribuídos a LUCIANO podem vir a configurar o delito do art. 350 do Código Eleitoral, indubitavelmente. A apresentação de contrato simulado em prestação de contas eleitorais é contrária à legislação de regência, mormente se os atos praticados buscam “maquiar” a contabilidade ofertada, trazendo repercussão jurídica relevante ao respectivo processo eleitoral.

Então, como da descrição dos fatos na denúncia resulta a configuração, em tese, de crime, presentes indícios de materialidade e autoria e inexistentes causas de flagrante atipicidade, a inicial merece ser recebida e processada, como pacificamente assentado na jurisprudência das Cortes Superiores.

Por último, registro mais um detalhe: exatamente esse mesmo fato já obteve apreciação por esta Corte, ainda que na esfera cível-eleitoral, ocasião em que foi mantida a cassação do diploma de Luciano, por infração ao art. 30-A da Lei das Eleições. Transcrevo a ementa:

Recursos. Representação. Ação cautelar. Julgamento conjunto. Arrecadação e gastos ilícitos de recursos para a campanha eleitoral. Art. 30-A da Lei n. 9.504/97. Prefeito e vice. Eleições 2012.

Evidenciada a captação e dispêndio de recursos de modo ilícito para fins eleitorais, mediante a omissão do real montante envolvido no financiamento da campanha dos candidatos.

1. Ausência de conta bancária específica para campanha do candidato e trânsito dos recursos pela conta do comitê financeiro, impedindo a fiscalização pela Justiça Eleitoral; 2. recursos de campanha não contabilizados na prestação de contas; 3. realização de despesa em contrato de comodato de sala para instalação de comitê de campanha antes do prazo permitido por lei. Condutas graves que influenciaram a normalidade do pleito, afetando a isonomia entre os concorrentes.

Mantida a cassação dos diplomas dos candidatos aos cargos de prefeito e vice. Assunção do segundo colocado no pleito.

Ação cautelar prejudicada.

Provimento negado.

(RE 1-72.2013.6.21.0151, Relator Dr. INGO WOLFGANG SARLET, julgado em 02 de setembro de 2014.) (Grifei.)

No ponto, elucidativo o que constou no acórdão a respeito do contrato de locação:

Destarte, tenho que restou claro que, apesar dos contratos terem sido firmados pela Sra. Rejane Camargo, quem realizou a negociação foi o candidato Luciano Boneberg, inclusive anuindo a proposta do proprietário do imóvel, razão pela qual concluo que houve burla à legislação eleitoral, na medida em que o candidato se utilizou de um terceiro para firmar o contrato e realizar os pagamentos para, dessa forma, não contabilizar os gastos que, em verdade, tratam-se de gastos de campanha declarados de forma irregular.

Embora o feito não tenha transitado em julgado e a matéria tenha sido analisada sob a ótica cível-eleitoral, inequívoco que esses elementos corroboram autoria e materialidade do fato.

De qualquer sorte, o acervo reunido nos autos confere indícios suficientes acerca da autoria e materialidade dos fatos narrados, fazendo-se necessário o recebimento da denúncia para que, no decorrer da ação penal, seja possível apurar se efetivamente ocorreram. É que, em sede de recebimento da denúncia, eventual dúvida milita em favor da sociedade, ou seja, no sentido de se receber a peça acusatória para possibilitar a apuração completa durante a instrução da ação penal.

Nesse sentido, VOTO pelo recebimento da denúncia, com o prosseguimento da ação, nos termos do art. 6º e seguintes da Lei n. 8.038/90, em relação a LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG, Prefeito de Barra do Ribeiro, determinando:

a) a reautuação do feito como Ação Penal, constando como autor o Ministério Público Eleitoral e como réu Luciano Guimarães Machado Boneberg – Prefeito de Barra do Ribeiro;

b) a remessa dos autos à Procuradoria Regional Eleitoral para a análise da concessão do benefício da suspensão condicional do processo;

c) com ou sem manifestação da Procuradoria, venham os autos conclusos.