RC - 5622 - Sessão: 09/10/2014 às 14:00

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral – MPE, após aceitação da proposta de suspensão condicional do processo pelo codenunciado ALFEU AZELINO CANTON (fl. 214), interpôs recurso contra sentença do Juiz da 22ª Zona Eleitoral – Guaporé (fls. 289-293) que julgou improcedente, por insuficiência probatória, a denúncia oferecida em 18.10.2013 contra MANOEL GOMES nos seguintes termos (fls. 02-03v.):

No decorrer da campanha eleitoral de 2012, entre os meses de agosto e setembro, até o dia 28, os denunciados MANOEL GOMES e ALFEU AZELINO CANTON, em comunhão de esforços e vontades, utilizaram organização comercial de vendas, distribuição de mercadorias, prêmios e sorteios para propaganda e aliciamento de eleitores.

Na ocasião, os denunciados efetuaram a venda de rifas de uma caminhonete Fiat Strada, ano 2002, no valor de R$ 50,00 a unidade, para diversas pessoas na cidade de Serafina Corrêa. Tal caminhonete, como se apurou, muito provavelmente pertencia a EUDIR SALVI, irmão do candidato da Coligação Mais Serafina para Todos (PMDB / PT).

As rifas vendidas pelos representados eram totalmente ilegais, pois confeccionadas e comercializadas sem a autorização dos órgãos competentes. Além do mais, para dificultar o rastreio de sua origem, na rifa eram omitidas o nome do promotor do sorteio.

Tal rifa, além de meio ilegal de angariar recursos, não declarados nas prestações de contas, constituiu-se em forma de captar ilicitamente votos, pois os denunciados também distribuíram gratuitamente cupons da referida rifa em troca de votos.

Em cumprimento de mandado de busca e apreensão, no dia 28.09.2012 foram apreendidas 08 cartelas de rifas na residência do denunciado ALFEU AZELINO CANTON (fls. 50/51), que as comercializava para angariar recursos para sua campanha eleitoral e a do partido que pertencia.

ASSIM AGINDO, incorreram os denunciados nas sanções do artigo 334 da Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral), na forma do artigo 71, ‘caput’, do Código Penal. […]

Com contrarrazões (fls. 298-302), os autos foram com vista ao Ministério Público Eleitoral com atuação perante este TRE, o qual opinou pela negativa de provimento ao recurso (fls. 306-309).

É o breve relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

Da sentença, o MPE foi pessoalmente intimado em 05.05.2014 (fl. 283), vindo a interpor o recurso em 06.05.2014 (fl. 289). Logo, tempestivo, pois observado o decêndio legal previsto no art. 362 do Código Eleitoral – CE.

Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Mérito

Inicialmente, à luz do art. 109 do CP, não há ocorrência de prescrição do fato com a capitulação delitiva contida na inicial.

Na questão de fundo, nos termos da denúncia acima reproduzida, o réu MANOEL GOMES foi apontado como incurso nas sanções do art. 334 do CE:

Art. 334

Utilizar organização comercial de vendas, distribuição de mercadorias, prêmios e sorteios para propaganda ou aliciamento de eleitores.

Pena - detenção de seis meses a um ano e cassação do registro se o responsável for candidato. (Grifei.)

Suzana de Camargo Gomes (em Crimes Eleitorais. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 204) leciona que o crime em tela perfaz-se com a ação de, através de uma interposta pessoa, ser levada a efeito a distribuição de mercadorias, prêmios ou sorteios com fins de propaganda ou aliciamento de eleitores.

É da jurisprudência:

RECURSO CRIMINAL. CRIME PREVISTO NO ART. 334 DO CÓDIGO ELEITORAL. DISTRIBUIÇÃO DE PRÊMIOS EM SORTEIOS COM O OBJETIVO DE PROMOVER PROPAGANDA OU ALICIAMENTO DE ELEITORES. AUSÊNCIA DE PROVA DE PEDIDO DE VOTO. UTILIZAÇÃO DE CARTELAS COM O NOME DO CANDIDATO. AJUSTAMENTO DE CONDUTA ENTRE O CANDIDATO E O REPRESENTANDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL NA VÉSPERA DO EVENTO. CONDUTA CUMPRIDA NA MEDIDA DAS POSSIBILIDADES QUE ESTAVAM AO ALCANCE DO CANDIDATO. DIMENSÃO ESTADUAL DO EVENTO. DESCARACTERIZAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO DE REALIZAR PROPAGANDA ELEITORAL NO MUNICÍPIO DE ELEIÇÃO DO CANDIDATO. IMPROVIMENTO DO RECURSO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA.

Para a caracterização do crime previsto no art. 334 do Código Eleitoral, é necessária prova robusta do intuito de realizar propaganda eleitoral ou de aliciar eleitores. Na espécie, não restou demonstrada a finalidade de praticar publicidade eleitoral ou de induzir que os eleitores votassem no candidato, na medida em que não houve prova de pedido de voto ou de propaganda visando às eleições, descaracterizando assim a conduta criminosa. No tocante ao ajustamento de conduta firmado com o Ministério Público Eleitoral, restou demonstrado que o candidato se prontificou em cumprir todos os termos do ajustamento combinado, e o fez na medida das possibilidades reais levando-se em consideração a proximidade do evento. Manutenção da sentença absolutória. Desprovimento do Recurso.

(TRE/RN – PP n. 100538 – Rel. Jailsom Leandro de Sousa– DJE de 29/09/2011.)

Dispôs a juíza eleitoral na sentença (fls. 276-281):

A materialidade do delito está comprovada pela certidão de fl. 82, na qual é informada a apreensão de cautelas de rifas (fl. 84); bem como pelos depoimentos prestados nos autos.

Para a analise da autoria do delito, há necessidade de serem analisadas as provas produzidas. Vejamos:

A testemunha Lauryen Julia Vidmar disse que comprou rifa e posteriormente teve conhecimento que era “fria”. A rifa foi adquirida, quando estava no Camping Carreiro, do réu Manoel, o qual ofereceu o número para ajudar o partido. O réu somente ofereceu para a depoente. Disse que seu colega Dimas comprou a rifa de Alfeu Canton. Referiu que adquiriu a rifa um mês ou dois antes da eleição. Informou ser sobrinha do candidato Jairo Vidmar, candidato do partido PMDB. Disse que no talão em que o réu estava vendendo, havia várias cartelas destacadas. A depoente exerce função de coordenadora de higiene e materiais de limpeza, tratando-se de cargo de confiança, tendo sido nomeada pelo prefeito, o qual concorreu pela coligação contrária a de Manoel. Confirmou ter trabalhado na campanha, em partido contrário ao de Manoel. Esclareceu que Manoel ofereceu a rifa dizendo que era para ajudar na campanha e, mesmo assim, comprou pois é amiga da família dele, não tendo acreditado que era para ajudar o partido. Disse que em Serafina Corrêa existe rivalidade entre os partidos. Informou que Dimas tem a mesma filiação partidária que a depoente (fls. 229/238).

O informante Dimas Santin disse que não tem filiação partidária, mas fez campanha para seu tio Silmar Santin, do partido PP, contrário ao partido de filiação do réu. Informou ter comprado uma rifa de Alfeu Canton. Adquiriu a rifa aproximadamente um mês antes da eleição. Referiu que estava no posto Buffon em Serafina Corrêa conversando com Alfeu e este lhe ofereceu a rifa. Algumas folhas do talão de rifa já estava destacadas. Não lembra se foi citado que a rifa era para ajudar a campanha, mas deu a entender que era para a campanha. Não viu se Alfeu vendeu para outras pessoas. Disse que Lauryen falou para o depoente que tinha comprado a rifa que Manoel vendeu. O depoente não ouviu outras pessoas dizendo que teriam comprado rifa com Manoel. Disse que os ânimos políticos na cidade são acirrados em época de eleição. Ficou sabendo que a rifa seria ilegal quando comentou, no comitê, que havia comprado (fls. 239/246).

O informante Lourenso Presotto disse ser filiado ao Partido Progressista, o qual é contrário ao partido em que era vinculado o réu Manoel. Informou que na última eleição o depoente foi procurador da coligação encabeçada pelo PP Força Popular, sendo que teve conhecimento, por diversas pessoas, que havia uma rifa circulando capitaneada pela coligação oposta. Referiu que efetuaram diversas diligências para verificar se o fato procedia e chegaram a conclusão que sim. A rifa tinha sido impressa em uma gráfica de Serafina Corrêa e disponibilizados talões para todos os vereadores, presidentes de partido e coordenadores de campanha que tinham metas de venda e distribuição. Afirmou que Lauryen e Dimas apresentaram as rifas para o depoente. O depoente não viu Manoel vendendo as rifas (fls. 247/252).

Por sua vez, o réu Manoel Gomes, interrogado em Juízo, negou a prática do delito que lhe é imputado na denúncia. Disse que se estivesse vendendo as rifas, a polícia teria encontrado os canhotos em sua residências. Não tem conhecimento sobre a rifa. Questionado, referiu não ter conhecimento por qual motivo foram encontradas as rifas com o 'Krepa' (fls. 253/258).

Também, à fl. 86 consta certidão dando conta que na residência do réu Manoel não foram encontradas rifas, quando do cumprimento de mandado de busca e apreensão.

Dessa forma, considerando a prova produzida nos autos, entendo que não restou comprovada a materialidade [sic] do delito imputado ao acusado.

Registro que a prova testemunhal produzida em juízo é extremamente frágil para embasar eventual decreto condenatório, pois tanto a testemunha Lauryen quanto os informantes Dimas e Lourenso informaram que, na última eleição, possuíam vínculos com a coligação contrária ao partido no qual o réu Manoel concorreu para o cargo de vereador.

Ademais, apenas Lauryen relatou ter comprado a rifa pessoalmente de Manoel, não havendo qualquer outra prova a indicar que o réu estaria vendendo as referidas rifas, ou que tivesse conhecimento sobre a venda por outras pessoas de seu partido.

Inclusive, saliento que ao ser procedida a busca e apreensão na residência de Manoel, nada foi encontrado.

Dessa forma, não há provas suficientes para a condenação, pois deveria ter vindo aos autos provas concretas a respeito da prática do delito pelo réu, o que não ocorreu.

Assim, não tendo ficado devidamente demonstrado nos autos a autoria do delito descrito na denúncia, por parte do réu Manoel, a absolvição se impõe, aplicando-se o princípio do in dubio pro réu.

Com razão.

Também eu analisei o conjunto probatório – ênfase nos documentos integrantes do inquérito policial correlato (fls. 06-141) e na prova coligida em juízo (fls. 227-258) – e não identifiquei prova segura, especialmente, quanto à autoria imputada a MANOEL, consideradas a conformação jurídica e a finalidade da norma em apreço.

O recorrente, a seu turno, não se desincumbiu do ônus probante que lhe cabia, enquanto propositor da ação, tampouco trouxe novos elementos, nesta instância, que pudessem modificar o sentido do julgado.

Outro não foi o posicionamento do Procurador Regional Eleitoral em seu parecer, cujos destaques agrego às razões de decidir (fls. 306-309):

É indispensável destacar que, para a configuração da infração prevista no art. 334 do Código Eleitoral, é necessária prova inequívoca referente ao objetivo de realizar propaganda eleitoral ou aliciar os eleitores. O que não se verifica no caso concreto em apreço.

[…]

Além disso, não há qualquer prova concreta de que as rifas foram vendidas e / ou distribuídas gratuitamente pelo recorrido. A única pessoa que afirmou ter comprado a rifa pessoalmente de MANOEL foi Lauryen, sendo que, como já afirmado acima, ela possui vinculação com o partido adversário do réu e, inclusive, ocupa cargo comissionado no município de Serafina Corrêa.

Ademais, nos casos de insuficiência de provas, deve-se absolver o réu quando não ficar demonstrada a autoria do delito descrita na denúncia. Faz-se oportuno citar o art. 386, VII do Código de Processo Penal que trata do assunto, in verbis:

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: […]

VII – não existir prova suficiente para a condenação.

[…]

De outro vértice, pese embora a independência entre as esferas penal e extrapenal eleitorais, pelos mesmos fatos fora confirmada por esta Corte a sentença de improcedência exarada na representação proposta com base no art. 30-A da Lei n. 9.504/97 – transitada em julgado em 06.06.2014, consoante o sistema SADP desta especializada:

Recurso. Representação. Captação ilícita de recursos. Art. 30-A da Lei 9.504/97. Vereador e suplente. Improcedência. Eleições 2012.

Comprovada a venda de rifas para a arrecadação de recursos destinados à agremiação partidária.

Não demonstrada a finalidade de angariar votos para beneficiar candidato específico, tendo em vista a ausência de menção à eleição.

Eventuais irregularidades devem ser verificadas na prestação de contas do partido político.

Conjunto probatório insuficiente para demonstrar a alegada captação irregular.

Provimento negado.

(TRE/RS – RE n. 710-43 – Rel. Dr. Leonardo Tricot Saldanha – j. sessão de 29.05.2014.)

Logo, dentro desse contexto, a manutenção da sentença, com a negativa de provimento ao recurso, é medida que se impõe.

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO pelo não provimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, mantendo a sentença que absolveu MANOEL GOMES da imputação delitiva descrita na denúncia, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.