RE - 4534 - Sessão: 15/01/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos por LUIZ CARLOS JACOBY e SHEILA DA CONCEIÇÃO RANGEL contra a decisão que julgou parcialmente procedente a representação ajuizada pela COLIGAÇÃO FRENTE POPULAR DEMOCRÁTICA, considerando que os recorrentes foram responsáveis pela veiculação de afirmações ofensivas e anônimas contra o candidato Ronaldo Zulke no pleito de 2012, aplicando-lhes multa individual no valor de R$ 8.000,00 (fls. 342-347).

Em suas razões recursais, Luiz Carlos Jacoby (fls. 358-360) e Sheila Conceição Rangel (fls. 364-366) afirmam que os documentos dos autos não comprovam a sua participação nas injúrias proferidas contra o candidato. Argumentam que o fato de terem acessado a página onde foi divulgada a propaganda irregular não demonstra a sua responsabilidade pelo ilícito. Aduzem não ser ofensiva a afirmação realizada contra o candidato Ronaldo Zulke e protestam contra o valor da multa aplicada. Requerem a improcedência da representação.

Com as contrarrazões (fls. 373-375), nesta instância, os autos foram encaminhados com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento dos recursos (fls. 387-388).

É o relatório.

 

 

 

 

 

VOTO

Os recursos são tempestivos, pois interpostos dentro do prazo de 24 horas previsto no artigo 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97. Luiz Carlos foi intimado da sentença no dia 8.7.2014 (fl. 351) e Sheila Rangel, no dia 21.7.2014 (fl. 355); as partes interpuseram recurso, respectivamente, nos dias 9.7.2014 (fl. 358) e 22.7.2014 (fl. 364).

No mérito, a representação foi interposta pela Coligação Frente Popular Democrática, em razão da divulgação de uma fotografia do candidato Ronaldo Zulke com os seguintes dizeres: não se licenciou, tá ganhando dinheiro público pra fazer campanha política! Não está batendo ponto DEPUTADO? Quase 30 mil de salário. Fala sério (fl. 39). A mensagem foi postada no perfil do Facebook de Jonathan Guerreiro Capilé e compartilhada pelo perfil de Clara Miorim (fls. 38-39).

Inicialmente, deve-se referir que não se identifica qualquer conteúdo ofensivo à honra do candidato Ronaldo Zulke nas afirmações impugnadas. É pacífica a jurisprudência no sentido de reconhecer que, em meio à campanha eleitoral, os conceitos de injúria e difamação devem ser mitigados, para admitir críticas ácidas e contundentes aos candidatos. Cite-se a seguinte ementa, ilustrativa desse entendimento:

I - Expressão que, no trato comum, constitui injúria perde substância quando se leva em conta o ambiente da campanha política, em que ao candidato incumbe potencializar, em seu proveito, as mazelas do adversário.

II - Mesmo que se considere montagem a exibição de imagens, não há nela aquele potencial degradante ou ridicularizante que a tornaria ilícita.

(TSE, Representação n. 496, Acórdão n. 496 de 25.9.2002, Relator: Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 25.9.2002 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 14, Tomo 4, Página 40.)

Na hipótese dos autos, houve a afirmação de que o candidato Ronaldo Zulke estava fazendo campanha para a Prefeitura de São Leopoldo sem ter se licenciado de sua atividade, percebendo, ainda, verbas pela sua atividade parlamentar. A afirmação tá ganhando dinheiro público para fazer campanha política! foi feita dentro desse contexto, de crítica à postura do deputado. O fato dessa conduta ser lícita não impede o questionamento da moralidade ou conveniência desse comportamento pelo público em geral.

Observaram-se, no decorrer do pleito de 2014, críticas políticas que assumiram contornos muito mais agressivos do que a propaganda impugnada nesta representação. Vale transcrever apanhado feito pela Desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro no julgamento da RP 1771-34, ocorrido em 3.10.2014, pontuando expressões empregadas em campanhas políticas que foram consideradas lícitas pelo Poder Judiciário:

A jurisprudência tem admitido o emprego de termos distorcidos ou de mau gosto na propaganda eleitoral, como se verifica pelas seguintes passagens, extraídas de decisões judiciais: “o desabamento que atingiu a Favela Nova República foi criminoso e assassino' ou 'a tragédia poderia ter sido evitada se a administração do PT fosse competente', não ensejam direito de resposta” (Res./TSE 15.811, Rel. Min. Vilas Boas, DJ 5.2.90); “As assertivas do tipo 'o PT administra com raiva, com ódio, procurando antes criar agitação do que resolver os problemas dos sem-terra' ou 'com esse objetivo político ideológico' não ensejam direito de resposta” (Res./TSE n2 14.472, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 25.8.94); “Chamar alguém de desleal no calor de uma disputa eleitoral não revela qualquer atitude que justifique direito de resposta […]. No que diz respeito às palavras que imediatamente seguem esta declaração (nessa campanha ele utilizou pequenos partidos para agredir, para infamar, para difamar) também não verifico um fundamento hábil para sustentar o presente direito de resposta (TRE/PR, Direito de Resposta 1041, Rel. Dr. Marcelo Malucelli, julg. em 22.10.2002); “eles sabiam se humilhar muito bem em inglês na frente dos poderosos.” ou “gostavam de vender sem o menor pudor o patrimônio público.” (TSE, Rp 342, Relator: Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO, DJ 3.12.2002.)

Como se percebe, a afirmação ora impugnada passa ao largo de expressões mais ácidas e contundentes, que foram consideradas lícitas pelos tribunais.

Dessa forma, não se verifica na presente propaganda ofensa à honra do candidato nos termos em que é interpretada pelo Direito Eleitoral.

Remanesce a questão do anonimato da manifestação. A Constituição Federal assegura a livre manifestação do pensamento, vedando expressamente o anonimato (art. 5º, IV). A restrição ao direito fundamental foi reproduzida pela legislação específica, a qual, inclusive, prevê a aplicação de multa para a propaganda anônima:

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas "a", "b" e "c" do inciso IV do § 3º do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.

[...]

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

Desse modo, ainda que seu conteúdo não seja ofensivo, a simples manifestação anônima, além de expressamente vedada pela Constituição Federal, quando realizada na internet, sujeita o seu responsável à multa do art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97. Essa é a orientação jurisprudencial:

ELEIÇÕES 2013 - RECURSO - RECURSO ADESIVO - PROPAGANDA ELEITORAL - DIVULGAÇÃO DE PROPAGANDA ANÔNIMA EM SÍTIO DA INTERNET - INFRAÇÃO AO ART. 57-D, DA LEI N. 9.504/1997 - CONDENAÇÃO EM MULTA - DESPROVIMENTO.

(TRE-SC, Recurso Contra Decisões de Juízes Eleitorais n. 7348, Acórdão n. 29325 de 11.6.2014, Relator: MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 100, Data 18.6.2014, Página 11.)

 

EMENTA - RECURSO ELEITORAL - PROPAGANDA ELEITORAL - INTERNET - FOTOMONTAGEM - PROPAGANDA NEGATIVA - PERFIL FAKE NO FACEBOOK - ANONIMATO - VIOLAÇÃO A REGRA DO ARTIGO 57-D DA LEI N.º 9.504/97 - RESPONSABILIDADE DO PARTIDO - EXASPERAÇÃO DA PENA NÃO FUNDAMENTADA - REDUÇÃO DA MULTA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A utilização de um perfil fake em redes sociais para a divulgação de propaganda eleitoral visa resguardar o verdadeiro responsável, constituindo, assim, verdadeira afronta ao artigo 57-D da Lei n.º 9.504/97.

2. À míngua de elementos que indiquem a necessidade de exasperação da pena, a multa deve ser fixada em seu mínimo legal.

3. Recurso parcialmente provido.

(TRE-PR, Recurso Eleitoral n. 14618, Acórdão n. 44532 de 20.9.2012, Relator: Dr. MARCOS ROBERTO ARAÚJO DOS SANTOS, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 20.9.2012.)

Passando à análise da responsabilidade pela manifestação anônima, a sentença considerou comprovada a responsabilidade de Sheila Conceição Rangel, Luiz Carlos Jacoby e Adão Alzirino de Oliveira, concluindo que:

[...] restou devidamente comprovado que os três representados antes citados efetivaram vários acessos aos perfis do facebook 'Jonathan Guerreiro Capilé' e 'Clara Miorim', responsáveis pela postagem da propaganda e compartilhamento. Veja-se que um dos e-mails vinculados ao perfil 'Jonathan Guerreiro Capilé' tem, inclusive, o nome da empresa TERRES, justamente a pessoa jurídica da qual o representado ADÃO é sócio.

Além da comprovação de responsabilização da SHEILA, LUIZ e ADÃO sobre os perfis 'Jonathan Guerreiro Capilé' e 'Clara Miorim', verifica-se ainda que os três representados acessaram através de diferentes IPs os perfis citados entre as datas 10 e 11 de setembro de 2012, justamente o período aproximado da postagem e compartilhamento atacado. Com efeito, pelos documentos de fls. 94, 229 e 230, verifica-se que entre 10 e 11 de setembro de 2012 existiu acesso ao perfil 'Jonathan Guerreiro Capilé' através de IPs vinculados aos terminais telefônicos de propriedade da empresa TERRES SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS LTDA. e de ADÃO. Já os documentos da fls. 139, 184, 185 e 191 comprovam que entre 11 e 10 de setembro de 2012 existiu acesso ao perfil 'Clara Miorim' através de Ips vinculados aos terminais telefônicos de LUIZ CARLOS JACOBY e SHEILA DA CONCEIÇÃO RANGEL. (fl. 346)

As provas dos autos, como a própria sentença reconhece, demonstraram que tanto Sheila, Luiz e Adão acessaram os perfis Jonathan Guerreiro Capilé e Clara Miorim, inclusive entre os dias 10 e 11 de setembro de 2012, período no qual foi publicada e compartilhada a mensagem impugnada. Ocorre que a demonstração do mero acesso às páginas do Facebook tornam os acusados acima nominados apenas potenciais responsáveis, mas não demonstra com a precisão necessária o efetivo responsável pela postagem das afirmações impugnadas. Vale dizer: se por um lado é certo que os três acessaram as páginas nas datas das postagens, por outro, não se sabe qual dos três efetivamente divulgou a mensagem ora impugnada.

Registre-se que a multa possui natureza de sanção administrativa e, em linha de princípio, somente pode ser aplicada ao responsável pelo ilícito, sendo imprescindível a prova de que os representados foram os autores da propaganda negativa.

Somente em relação ao candidato beneficiário é que se amplia esta responsabilidade, ao estabelecer o dever de fiscalização das propagandas realizadas em seu benefício, exigindo apenas o seu prévio conhecimento, como se extrai do art. 40-B da Lei n. 9.504/97. A lei não se preocupa em saber se o político em campanha foi o autor direto do ilícito praticado, valendo parafrasear, aqui, o Ministro Herman Benjamin, no julgamento do RESPE 650728, para dizer que a lei responsabiliza o candidato que faz, que não faz quando deveria fazer, que deixa de fazer, que não se importa que façam e que se beneficia quando outros fazem, exigindo apenas a evidência de seu prévio conhecimento a respeito da ilegalidade.

Essa mesma lógica, entretanto, não se aplica aos demais cidadãos, que, na ausência de uma regra de extensão da sua responsabilidade, a exemplo da norma do art. 40-B da Lei n. 9.504/97, somente podem ser sancionados quando forem responsáveis pela propaganda ilícita.

Na hipótese, sabe-se apenas que um dos três foi o responsável pela divulgação, mas apenas por presunção seria possível concluir quem postou a mensagem anônima e a compartilhou posteriormente. Em razão dessa incerteza, não é possível concluir pela responsabilidade de Sheila Conceição Rangel e de Adão Alzirino de Oliveira em relação à mensagem anônima. Destaco que o representado Luiz Carlos Jacoby foi candidato, no pleito de 2012, ao cargo de vereador, mas não se pode afirmar que ele seja beneficiário da propaganda anônima, pois esta se referia ao pleito majoritário, que, aparentemente, em nada influenciaria o pleito proporcional.

Dessa forma, entendo que deve ser reformada a sentença recorrida, para julgar improcedente a representação.

Ante o exposto,  VOTO pelo provimento dos recursos, a fim de julgar improcedente a representação.