RP - 137472 - Sessão: 29/10/2014 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de representação por condutas vedadas a agente público ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra CARLOS EDUARDO SZULCSEWSKI, vereador de São Leopoldo e candidato ao cargo de deputado federal, OSSIRES THIAGO ILG RODRIGUES, servidor da Câmara de Vereadores de São Leopoldo, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA - PSDB e COLIGAÇÃO UNIDOS PELA ESPERANÇA (PP/PRB/SD/PSDB).

De acordo com a inicial, o candidato Carlos Eduardo Szulcsewski, na condição de vereador de São Leopoldo, tem utilizado os serviços do assessor parlamentar Ossires Thiago Ilg Rodrigues para a realização de atos de campanha durante o horário de expediente normal da Câmara Municipal, situação comprovada pelas impressões de páginas do Facebook juntadas aos autos e que caracteriza a conduta vedada prevista no art. 73, inciso III, da Lei n. 9.504/97. Alega que, no dia 19.08.2014, uma terça-feira, o próprio servidor afirma, em postagem no Facebook, que estava na cidade de Santiago em campanha eleitoral do candidato. Requer a condenação dos representados à pena de multa prevista no § 4º do art. 73 da Lei das Eleições, de forma individual (fls. 02-13).

O pedido liminar foi deferido, determinando-se a imediata suspensão do ato que deu origem à representação. Além disso, de ofício, foi determinada a exclusão do PSDB do feito, por ilegitimidade passiva, nos termos do artigo 267, inciso VI, do CPC c/c o artigo 6º, § 4º, da Lei n. 9.504/97 (fls. 39-40v.).

Notificada, a Coligação Unidos Pela Esperança apresentou defesa sustentado que jamais o vereador requereu/ordenou/solicitou ao assessor parlamentar que realizasse, durante o horário de expediente, qualquer ato de campanha eleitoral em seu favor. Afirma que as atitudes contestadas, se efetivamente realizadas, foram tomadas espontaneamente pelo servidor, e que há mera presunção de que as atividades tenham sido praticadas no horário em que o assessor deveria estar trabalhando. Alega que a manifestação do assessor não ultrapassou o limite de sua vida privada, sendo garantida constitucionalmente a manifestação do pensamento. Além disso, é fato notório que os telefones celulares incorporam o cotidiano dos cidadãos, podendo ser realizadas postagens na rede social a qualquer momento, não havendo elementos que indiquem ter sido o servidor cedido para a campanha (fls. 52-61).

O candidato Carlos Eduardo Szulcsewski apresentou defesa suscitando a preliminar de nulidade da notificação inicial, a qual não se fez acompanhar dos documentos que instruem a representação, restando infringido o art. 22, I, “a”, da LC 64/90. No mérito, sustenta que o inciso III do art. 73 da Lei das Eleições é inaplicável aos membros do Poder Legislativo, sendo restrito aos integrantes do Poder Executivo. Afirma que nunca houve cessão, tampouco uso do servidor público para a campanha eleitoral, restando a ação fundada em mera suposição. Alega que, enquanto vereador, votou contra projeto de lei que aumentava o número de assessores de vereadores e que não houve gasto com diárias em seu gabinete. Aponta a falta de potencialidade lesiva da conduta e a ausência de desequilíbrio do pleito, não sendo vedado aos simpatizantes e apoiadores manifestarem livremente seu apreço por candidatos. Requer a improcedência da representação ou, alternativamente, a aplicação de multa no patamar mínimo (fls. 63-75).

Na defesa de Ossires Thiago Ilg Rodrigues também foi arguida a preliminar de nulidade da notificação inicial e de infringência ao art. 22, I, “a”, da LC 64/90, por não terem sido enviados os documentos que instruem a representação. De igual modo, sustentou a inaplicabilidade do disposto no art. 73, III, da Lei n. 9.504/97 aos membros do Poder Legislativo. No mérito, afirma que é natural da cidade de Santiago, onde residem seus familiares, e que, no dia 19 de agosto de 2014, por razões pessoais, dirigiu-se até Santiago. Afirma que, em 22 de agosto, deu ciência do fato ao Setor de Recursos Humanos da Câmara de Vereadores, conforme documento que anexa aos autos, no qual solicitou o desconto do pagamento referente àquele dia. Alega que inexiste subsunção à hipótese prevista na Lei Eleitoral, bem como a ausência de lesão ou prejuízo aos cofres públicos, uma vez que comprova a falta ao trabalho por conta própria, por razões pessoais. Afirma que os aparelhos celulares que acessam a internet possibilitam que, durante o trabalho, no horário de descanso “intrajornada”, seja postado conteúdo nas redes sociais e que não consta nos autos os horários em que publicadas as postagens com indicação de suas preferências políticas e partidárias. Sustenta a ausência de infração à legislação eleitoral se a publicação ocorre no momento do intervalo laboral. Aduz que nem toda manifestação de pensamento pode ser qualificada como ato de campanha eleitoral e invoca os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Relata que os servidores comissionados não se sujeitam a controle de horário nem são vinculados ao expediente normal da Câmara Municipal e que os assessores parlamentares trabalham inclusive em ambiente externo, em horários diversos dos observados pelo Parlamento. Requer a improcedência da representação ou, alternativamente, a aplicação de multa no patamar mínimo (fls. 78-88).

Em face da ausência de arrolamento de testemunhas e da falta de pedidos de diligências, foi determinado o encerramento da instrução e a intimação das partes para apresentação de alegações finais (fl. 93).

O Ministério Público Eleitoral manifestou-se pelo afastamento da matéria preliminar e apontou evidências de falsidade quanto ao documento da fl. 91, relativo ao requerimento em que o assessor solicita que o dia 19.08.2014 seja descontado de sua folha de pagamento. Em razão disso, requereu a remessa do original do documento à Polícia Federal para instauração de inquérito policial, a fim de apurar indícios de falsidade. No mérito, requereu a procedência da representação (fls. 96-103).

A Coligação Unidos pela Esperança sustenta que as provas apenas demonstram o compartilhamento de postagens nas quais o assessor demonstra a sua preferência política em seu perfil pessoal do Facebook e que o servidor não faz parte da coordenação da campanha do candidato. Alega que não há como impedir a livre manifestação do pensamento dos cidadãos e que a conduta impugnada se trata de fato isolado, corroborando a tese de que ocorreu por livre e espontânea vontade. Além disso, as horas de ausência no recinto da Câmara Municipal podem ser compensadas (fls. 107-110).

Ossires Thiago Ilg Rodrigues, em alegações finais, reitera os argumentos da peça defensiva e afirma que o documento da fl. 91 é idôneo, não tendo sido falsificado nem produzido por má-fé (fls. 112-115).

Carlos Eduardo Szulcsewski apresentou alegações finais reportando-se aos termos da defesa apresentada e postulou a improcedência da representação (fls. 117-118).

É o relatório.

 

VOTO

Inicialmente, passo ao enfrentamento das preliminares de nulidade da notificação inicial e de cerceamento de defesa.

Alega-se infringência ao art. 5º, LV, da Constituição Federal, ao art. 24, “a”, da Res. TSE n. 23.398/13 e ao art. 22, I, “a”, da LC 64/90, uma vez que a notificação para responder à ação não foi acompanhada dos documentos que instruem a inicial, restando prejudicado o exercício do contraditório e da ampla defesa.

A preliminar não prospera.

Consoante se depreende dos autos, essa falta não gerou prejuízo algum à parte contrária e tampouco impediu os representados de apresentarem suas peças defensivas, respondendo a todos os termos da inicial.

O art. 22, I, “a”, da LC 64/90 e demais dispositivos tidos por violados prescrevem que o relator ordenará que se notifique o representado do conteúdo da petição, entregando-se-lhe a segunda via apresentada pelo representante com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 5 (cinco) dias, ofereça ampla defesa, juntada de documentos e rol de testemunhas, se cabível. Todavia, não prevê nulidade em caso de descumprimento dessa exigência legal, cabendo, pois, a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas.

Segundo o referido princípio, o que importa é a finalidade do ato e não ele em si. Se puder atingir a sua finalidade, ainda que irregular na forma, não se deve anulá-lo.

Conforme bem leciona Nelson Nery Junior (Código de processo civil comentado. 7 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 556):

É válido o ato realizado no processo sem se revestir de forma especial, a menos que a lei prescreva como deva ser praticado. Ainda assim, se praticado de outro modo, vier a preencher-lhe a finalidade essencial, é válido o ato, desde que a lei comine sanção diferente de nulidade contra a preterição da forma exigida.

Com efeito, considerando que a notificação dos representados, acompanhada da cópia da inicial, foi suficiente para lhes dar ciência do conteúdo da representação, bem como para lhes abrir oportunidade para apresentar defesa, pelo princípio da instrumentalidade das formas, não há falar em nulidade da notificação ou malferimento do contraditório.

Ademais, as ações questionadas se referem a postagens realizadas no perfil do assessor representado junto ao Facebook, informação acessível ao servidor representado.

Assim, afasto a preliminar.

No mérito, alega-se que os representados infringiram o inciso III do art. 73 da Lei n. 9.504/97, que prevê:

Art. 73 - São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado; (Grifei.)

Inicialmente, cumpre analisar a tese defensiva de que o dispositivo seria inaplicável aos agentes vinculados ao Poder Legislativo, porque o inciso menciona expressamente apenas o Poder Executivo.

De fato, a questão é controvertida tanto na doutrina quanto na jurisprudência, havendo posições antagônicas no que pertine à aplicação da conduta vedada aos servidores ligados a outros Poderes.

A regra do art. 73 e seus incisos, da Lei n. 9.504/97, que enumera os casos de condutas vedadas a agentes públicos, por se tratar de norma restritiva de direitos, não comporta interpretação extensiva, ampliativa ou analógica para abranger hipóteses não previstas expressamente, haja vista a observância do princípio geral de direito, em especial o da estrita legalidade. Com esse entendimento, os seguintes precedentes (Com grifos meus.):

ELEIÇÕES 2012 - RECURSO - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - SUPOSTA PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA AOS AGENTES PÚBLICOS (LEI N. 9.504/1997, ART. 73, III) E DE ABUSO DE PODER POLÍTICO OU DE AUTORIDADE (LEI COMPLEMENTAR N. 64/1990, ART. 22) - PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE RECURSAL REJEITADA - ALEGADA CESSÃO DE TRÊS SERVIDORES PÚBLICOS PARA PRÉSTIMOS DE SERVIÇOS ELEITORAIS - IMPEDIMENTO LEGAL DE UTILIZAR SERVIDORES EM CAMPANHA IMPOSTO PELA LEGISLAÇÃO ELEITORAL SOMENTE AOS SERVIDORES DO PODER EXECUTIVO - ÓBICE INAPLICÁVEL, POR ISSO MESMO, A DOIS DOS SERVIDORES VINCULADOS AO PODER LEGISLATIVO - INEXISTÊNCIA DE PROVA CONCLUSIVA A EVIDENCIAR O NÃO CUMPRIMENTO DA JORNADA DE TRABALHO NO SERVIÇO PÚBLICO PARA REALIZAR ATOS DE PROMOÇÃO DE DETERMINADA CANDIDATURA - CESSÃO OU USO DE SERVIDORES SEM GRAVIDADE SUFICIENTE PARA AFETAR A REGULARIDADE E LEGITIMIDADE DO PROCESSO ELEITORAL - SERVIDOR LICENCIADO DO CARGO NO PODER EXECUTIVO ALEGADAMENTE EM RAZÃO DE FICTÍCIA CANDIDATURA PARA, COM DIREITO À REMUNERAÇÃO, PROMOVER A CAMPANHA DOS RÉUS - INAPLICABILIDADE DA REGRA PUNITIVA EM RAZÃO DA RESSALVA DE INCIDÊNCIA "SE O SERVIDOR OU EMPREGADO ESTIVER LICENCIADO" - SIMULACRO NÃO REVELADO ANTE EVIDÊNCIAS DA REALIZAÇÃO DE ATOS PRÓPRIOS DE CAMPANHA - INEXISTÊNCIA DE ÓBICE LEGAL A IMPEDIR A CONCOMITANTE PROMOÇÃO DE CANDIDATOS À ELEIÇÃO MAJORITÁRIA EFETIVADA POR CANDIDATO À ELEIÇÃO PROPORCIONAL - DESPROVIMENTO.

(TRE-SC, Recurso contra decisões de juízes eleitorais n. 62874, Acórdão n. 28674 de 16.09.2013, Relator: LUIZ CÉZAR MEDEIROS, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 181, Data 23.09.2013, Página 9.)

 

Recursos Eleitorais. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Conduta vedada aos agente públicos em campanha. Improcedência. Eleições 2008. Preliminar de licitude da prova gravada. Acolhida. Filmagens realizadas por um dos interlocutores, ou com seu consentimento, dentro de órgão público e diante de diversas pessoas. Abrandamento do direito fundamental à intimidade. Precedentes. Licitude da mídia filmada e juntada como prova. Mérito. Captação ilícita de sufrágio. Distribuição de senhas para consultas médicas no Sistema Único de Saúde (SUS) em troca de votos. Ausência de provas quanto ao pedido de votos. Condutas vedadas aos agentes públicos em campanha. Art. 73, I, III e IV da Lei nº. 9504/97. Cessão e uso de bem público em favor de candidatura. Ausência de provas. Servidor público ou empregado do Poder Executivo cedido em horário de expediente para atuar em campanha eleitoral. Empregada pertencente ao Poder Legislativo. Não-incidência da restrição do art. 73, III. Distribuição de senhas para consultas médicas no Sistema Único de Saúde em troca de votos. Prática existente desde 2005. Finalidade eleitoral não comprovada. Recursos a que se nega provimento.

(TRE-MG, Recurso Eleitoral n. 6365, Acórdão de 17.09.2009, Relatora: MARIA FERNANDA PIRES CARVALHO PEREIRA, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TRE/MG, Data 02.10.2009.)

Entendo que, caso fosse a intenção do legislador abarcar também os agentes do Poder Legislativo na vedação prevista no inciso III, teria expressamente consignado a restrição, como ocorrido no inciso II, que prevê usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas. Portanto, a interpretação sistemática das condutas previstas no art. 73 demonstra que o legislador quis excluir os agentes vinculados ao Legislativo, não cabendo ao intérprete efetuar restrição não prevista na legislação eleitoral.

A questão foi analisada recentemente pelo c. TSE, embora em decisão monocrática, no julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 65589, de Relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, em 13.08.2014, no qual o Relator entendeu que, tratando-se de servidor que integra o Poder Legislativo, não há como se enquadrar a conduta impugnada na vedação do art. 73, III, da Lei 9.504/97.

O fundamento é a regra de hermenêutica jurídica de que normas que encerrem exceção ou mitigação de direitos devem ser interpretadas restritivamente.

Assim, embora a conduta imputada aos representados seja moralmente reprovável, não há como aplicar a vedação prevista no inciso III do art. 73 da Lei 9.504/97 aos agentes vinculados ao Poder Legislativo, por falta de tipicidade.

Ante o exposto, VOTO pela improcedência da representação e defiro o pedido da Procuradoria Regional Eleitoral de que seja extraído e remetido à Polícia Federal o documento da fl. 91 para instauração de inquérito policial, a fim de apurar indícios de falsidade, devendo ser juntada aos autos sua cópia.