RE - 1367 - Sessão: 01/10/2014 às 17:00

RELATÓRIO

OSCAR DA SILVA DIAS e DEUZA DA SILVEIRA DIAS, em 25.06.2014, interpuseram recurso contra a decisão da Juíza da 49ª Zona Eleitoral – São Gabriel que manteve o cancelamento de suas inscrições eleitorais, em virtude de processo de revisão do eleitorado realizado no Município de Santa Margarida do Sul, no período de 22 de julho a 27 de novembro (fls. 40-42).

Entendeu a magistrada que as diligências efetuadas para apurar a efetiva moradia de Oscar da Silva Dias, único citado na sentença, restaram frustradas e que o eleitor não apresentou prova suficiente da existência de seu vínculo com a comunidade de Santa Margarida do Sul (fls. 34-36).

Nas razões de recurso, o casal alegou que, na ocasião da revisão do eleitorado, Oscar da Silva Dias estava na cidade de Uruguaiana, onde ficou por três meses, acompanhado de sua esposa Deuza da Silva Dias, para submeter-se a tratamento quimioterápico (fl. 41). Acostaram documentação do Instituto de Radioterapia e Oncologia, datada de 27.11.2013, aprazando novo retorno para 08.01.2014 (fl. 42).

Os autos foram com vista ao Ministério Público Eleitoral, o qual opinou pela intempestividade do recurso e, no mérito, manifestou-se pelo seu não provimento, ante a falta de comprovação do vínculo comunitário (fls. 31-33v).

É o relatório.

 

 

 

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é intempestivo. A intimação da sentença deu-se em 16.06.2014 (fl. 38-38v) e o recurso ingressou em 25.06.2014 (fl. 40), além, portanto, do tríduo legal. Todavia, por versar o presente feito sobre matéria de cunho administrativo, entendo não se ter operado a preclusão temporal, mormente em face de envolver interesse público e direitos fundamentais.

Assim, preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Questão de ordem

Verifico que o pedido inicial foi apresentado e firmado por OSCAR DA SILVA DIAS e DEUZA DA SILVEIRA DIAS (fl. 03). A autuação na zona eleitoral fez constar apenas o primeiro como parte. Em decorrência, a sentença e a respectiva intimação dirigiram-se apenas a ele. Não obstante, o recurso foi manejado por ambos, o feito se encontra instruído com relação aos dois requerimentos e a solução da demanda a ambos interessa, estando madura para decisão, motivo pelo qual, não havendo prejuízo daí resultante, admito-os como partes legítimas no presente recurso.

Ademais, tratando-se do direito a voto, a parte não pode ser prejudicada por falha cartorária.

Mérito

A questão delineada nos autos cinge-se ao exame do domicílio eleitoral.

Os recorrentes tiveram as suas inscrições canceladas no procedimento revisional havido em 2013. No entanto, a revisão do eleitorado, apesar da natureza de depuração cadastral, não constitui processo investigativo. Ao revés, é o momento em que o revisando deve comprovar pessoalmente o seu domicílio perante o juízo eleitoral no curso de período determinado, sob pena de cancelamento da inscrição, como foi o caso.

É sabido que domicílio eleitoral não é sinônimo de domicílio civil.

Residência ou moradia, para o Direito Eleitoral, é o local onde se vive habitualmente, mesmo que apenas para trabalhar, sem fixar lugar de morar. Se há local de ocupação habitual, de trabalho frequente, há residência para efeito de domicílio eleitoral, como também para efeitos civis. Se possui vínculo patrimonial com a localidade, também. Ainda que lá não viva, possui interesses, de modo que se admite sua domiciliação para fins eleitorais.

[...]

É bem verdade que o Tribunal Superior Eleitoral tornou ainda mais flácido o conceito de domicílio eleitoral ao admitir o chamado domicílio eleitoral por vínculo afetivo, em que o eleitor interessado não precisa demonstrar que possui residência ou moradia, apenas necessitando provar que possui pela localidade algum vínculo de ordem afetiva. Trata-se de um conceito amplíssimo e fluído, como uma caixa de sapatos, na qual cabe qualquer modelo de qualquer número (Adriano Soares da Costa, in Instituições de Direito Eleitoral, pp. 140-1, 6ª ed., 2006).

A exigência de vínculo do eleitor com o local de sua inscrição eleitoral encontra amparo na jurisprudência que, na interpretação do parágrafo único do artigo 42 do Código Eleitoral, concebeu-o nas mais diversas formas; dentre elas, a do vínculo afetivo.

No Processo n. 62006 - Classe 13 (Relatora Dra. Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, sessão de 05.07.2007), no qual não foi reconhecida a existência de prova capaz de demonstrar o vínculo econômico ou afetivo dos eleitores com a localidade, encontro definição que se amolda ao caso ora em exame, para, dessa feita, ao revés, reconhecer presente o vínculo comunitário afetivo:

[...] o fato de ser a recorrente nascida em (...), não tem o condão de comprovar, por si só, que a mesma teria vínculo afetivo com o local, já que este somente se verifica com as pessoas que moraram e continuam frequentando o local, cultivando amizades e laços familiares [...].

Ademais, a propriedade arrendada também produz, aos olhos da jurisprudência, ânimo para que o eleitor estabeleça laços com a localidade em que ela é existente.

Nesse sentido, o recente julgado:

Recurso. Decisão que indeferiu pedido de transferência de inscrição eleitoral por insuficiência de prova do vínculo declarado pela requerente.

Flexibilidade do conceito de domicílio eleitoral, identificado como o lugar onde o eleitor possua vínculos patrimoniais, econômicos, profissionais ou sociais. Comprovação documental atestando a presença dos requisitos para a transferência pleiteada.

Provimento.

(Proc. RE 69-90/2012, Rel. Eduardo Kothe Werlang, 17.07.2012.)

Aludido feito, nas razões de voto, assim traz consignado:

No caso, está comprovado o vínculo da recorrente com o Município de Vista Alegre do Prata.

Com a análise dos documentos trazidos, verifica-se que (...), ainda que possua residência em Veranópolis, permanece com estreitos vínculos com o Município de Vista Alegre do Prata, no qual possui terras desde (...), onde seu filho (...) exerce suas atividades de produtor rural.

No caso, Oscar da Silva Dias acostou contrato firmado com Paulo Gilberto Dezerte Paulo, demonstrando que arrenda imóvel rural com 1,3 hectares em Corredor do Bolso, Santa Margarida do Sul (fl. 07-08). Acostou, também, cópia da certidão do registro de imóveis onde consta ter adquirido propriedade rural de 14 hectares naquele município (fls. 11). Ademais, narra Oscar que ele e sua esposa votam em Santa Margarida do Sul desde a primeira eleição ali realizada, tendo ele, inclusive, participado da comissão de emancipação do município e sido presidente do Partido Democrático Trabalhista – PDT, assim como candidato à vereança, consoante cópia do diploma juntado na fl. 15.

Por fim, é de ser considerado que Oscar, atualmente com 76 (setenta e seis) anos de idade, e Deuza da Silveira Dias, com 73 (setenta e três) anos, estão desobrigados de votar, pois, nos termos da legislação eleitoral, são eleitores facultativos desde os 70 (setenta) anos.

Assim, por todo o conjunto probatório que demonstra a participação de Oscar da Silva Dias na vida política de Santa Margarida do Sul, aliado ao manifesto desejo do eleitor de seguir naquela comunidade exercendo a cidadania, ainda que o ato de votar, para ele, esteja já despojado do viés obrigatório, tenho que o vínculo com o município está suficientemente demonstrado.

No que se refere a Deuza da Silveira Dias, esposa de Oscar, ainda que não possua histórico de forte participação política na comunidade, remanescem diversos pontos em comum com o marido (eleitora facultativa, vota no município desde a sua criação) ou na condição de companheira deste (arrendamento e aquisição de terras no município, esposa do ex-presidente do PDT local e candidato à vereança), que comprovam sua vinculação a Santa Margarida do Sul.

Além disso, uma vez admitida a relação de Oscar com a comunidade, é forçoso considerar o laço matrimonial como elemento decisório favorável ao requerimento, pois o vínculo familiar configura hipótese de constituição de domicílio eleitoral.

Assim, tenho que os recorrentes angariaram prova suficiente da existência de seu vínculo com o Município de Santa Margarida do Sul.

Diante do exposto, dou provimento ao recurso interposto por Oscar da Silva Dias e Deuza da Silveira Dias para modificar a sentença de primeiro grau, que indeferiu os respectivos requerimentos de alistamento eleitoral perante o Município de Santa Margarida do Sul.

Todavia, considerando que o cadastro eleitoral encontra-se indisponível para movimentação em face dos preparativos do pleito, desde 07.05.2014, a reversão da decisão somente será possível após sua reabertura, que se dará após o transcurso do pleito.