RE - 103 - Sessão: 13/10/2014 às 14:00

RELATÓRIO

CARLOS ALEXANDRE FERREIRA e FABIANE FORMENTINI interpuseram recurso contra a decisão da Juíza da 98ª Zona Eleitoral – Garibaldi que julgou procedente o pedido de cancelamento de suas inscrições eleitorais, formulado pelo Ministério Público Eleitoral, por operação de transferência realizada com base em declaração falsa de endereço (fls. 59-60).

Comprovada a hipossuficiência econômica dos representados, veio aos autos a Defensoria Pública para representá-los, oferecendo recurso no qual alegou que a única intenção de Carlos e Fabiane, ao transferir o título para Garibaldi, era conseguir financiamento imobiliário na referida cidade. Sustentou que não agiram de má-fé, bem como postulou a reforma integral da decisão (fls. 68-70).

Com as contrarrazões apresentadas (fls. 75-77v), nesta instância, foram os autos com vista ao Ministério Público Eleitoral, que opinou pelo não provimento do recurso (fls. 81-82v).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

A Defensoria Pública foi intimada no dia 27.5.2014 (fl. 67v), e o recurso foi interposto no mesmo dia (fl. 67v), de forma que, observado o tríduo previsto no art. 258 do Código Eleitoral, o recurso é tempestivo. Presentes os demais pressupostos, conheço do recurso.

Mérito

A respeito do domicílio eleitoral, o art. 42 do Código Eleitoral expressa o seguinte:

Art. 42. O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor.

Parágrafo único. Para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.

Sedimentou-se no TSE o entendimento de que os conceitos de domicílio civil e eleitoral não se confundem, sendo o último mais abrangente que o primeiro. A demonstração de vínculo político, social ou afetivo é suficiente à prova de domicílio eleitoral. Nas palavras da relatora Desa. Elaine Harzheim Macedo, no RE 255-78:

Com efeito, para a caracterização do domicílio eleitoral basta a comprovação fática de que o eleitor reside no município no qual deseja exercer seus direitos políticos, e aqui leia-se capacidade eleitoral ativa e passiva, ou vínculo – patrimonial, profissional, familiar, social ou comunitário – que supra essa exigência, justificando o interesse do candidato em participar da sua vida política.

Sobre o tema leciona Adriano Soares da Costa:

Residência ou moradia, para o Direito Eleitoral, é o local onde se vive habitualmente, mesmo que apenas para trabalhar, sem fixar lugar de morar. Se há local de ocupação habitual, de trabalho frequente, há residência para efeito de domicílio eleitoral, como também para efeitos civis. Se possui vínculo patrimonial com a localidade, também. Ainda que lá não viva, possui interesses, de modo que se admite sua domiciliação para fins eleitorais.

[...]

É bem verdade que o Tribunal Superior Eleitoral tornou ainda mais flácido o conceito de domicílio eleitoral ao admitir o chamado domicílio eleitoral por vínculo afetivo, em que o eleitor interessado não precisa demonstrar que possui residência ou moradia, apenas necessitando provar que possui pela localidade algum vínculo de ordem afetiva. Trata-se de um conceito amplíssimo e fluído, como uma caixa de sapatos, na qual cabe qualquer modelo de qualquer número (Adriano Soares da Costa, in Instituições de Direito Eleitoral, pp. 140-1, 6ª ed., 2006).

Todavia, no caso dos autos, não há elemento que comprove o vínculo afetivo dos eleitores com o Município de Garibaldi. Pelo contrário, os documentos acostados comprovam vínculos residenciais e profissionais com a cidade de Carlos Barbosa.

Na declaração acostada na folha 56, assinada por CARLOS ALEXANDRE e FABIANE FORMENTINI, consta que ambos nunca moraram em Garibaldi, o que reforça a ausência de vínculo de qualquer tipo com esse município.

Segue decisão desta Casa nesse sentido:

Recurso. Alistamento eleitoral. Art. 42, parágrafo único, do Código Eleitoral. Representação julgada improcedente no juízo originário. Reconhecimento da regularidade da inscrição eleitoral. Não obstante a flexibilidade do conceito de domicílio eleitoral, inexistente, nos autos, qualquer comprovação de vínculo, seja patrimonial, afetivo ou profissional com o município, razão pela qual impõe-se o cancelamento da respectiva inscrição eleitoral. Provimento.

(TRE/RS – Acórdão n. 44581, DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, tomo 217, data 25/11/2013, página 6.)

(Grifei.)

Os recorrentes alegaram não ter agido de má-fé, nem com dolo, pois a única intenção, ao transferir o título de Carlos Barbosa para Garibaldi, era facilitar o financiamento de um terreno nesta última.

Ocorre, entretanto, que na transferência do título eleitoral é necessário observar o disposto no art. 55 do Código Eleitoral:

Art. 55. Em caso de mudança de domicílio, cabe ao eleitor requerer ao juiz do novo domicílio sua transferência, juntando o título anterior.

§ 1º A transferência só será admitida satisfeitas as seguintes exigências:

I - entrada do requerimento no cartório eleitoral do novo domicílio até 100 (cem) dias antes da data da eleição.

II - transcorrência de pelo menos 1 (um) ano da inscrição primitiva;

III - residência mínima de 3 (três) meses no novo domicílio, atestada pela autoridade policial ou provada por outros meios convincentes.

[...]

O requisito de residência mínima de 3 meses no novo domicílio poderia ter sido mitigado ante a comprovação de vínculo, nos moldes da jurisprudência citada, o que não ocorreu. A transferência por interesse em financiar um terreno no município representa verdadeira inversão da previsão legal, que abriga a pretensão de domicílio eleitoral de quem já possui patrimônio na cidade, ou com ela tem laços profissionais ou afetivos. Nesse cenário, ausente o vínculo e os requisitos para a transferência, não há substrato para provimento do recurso.

Agrego trecho do parecer ministerial às minhas razões de decidir:

Mister sublinhar que, embora os recorrentes tenham alegado que não agiram de má-fé e que em momento algum tinham a intenção de burlar a lei, sendo que apenas queriam um imóvel no município de Garibaldi, tal fato não afasta o cancelamento da inscrição eleitoral.

Diante do exposto, voto pelo não provimento do recurso interposto, para manter o cancelamento das inscrições eleitorais de CARLOS ALEXANDRE FERREIRA e FABIANE FORMENTINI no Município de Garibaldi.