RC - 5213 - Sessão: 07/10/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão do Juiz Eleitoral da 142ª Zona que julgou improcedente denúncia, para absolver ANA MARIA ALVES JORGE, ADEVANIR LINDOMAR SANTANA PEREIRA e IVETE DA SILVA da acusação de transporte ilegal de eleitores (art. 11, III, c/c art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/74), em continuidade delitiva, na forma do artigo 29, caput, do Código Penal, e PAULO ANTÔNIO NOCCHI PARERA e SIDENIR FERREIRA da acusação de transporte ilegal de eleitores, em continuidade delitiva, com a incidência da agravante prevista no art. 62, I, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos, assim descritos na inicial:

"No dia 07 de outubro de 2012, dia das eleições, pela parte da manhã, no município de Bagé/RS, reiteradamente, os denunciados, em comunhão de esforços e conjunção de vontades, descumpriram a proibição estampada no art. 5º da Lei n.º 6.901/74, ao realizarem, em veículos, o transporte de eleitores no dia do pleito municipal.

O denunciado PAULO ANTÔNIO, vereador e candidato à reeleição pelo Partido dos Trabalhadores (PT), como objetivo de fraudar o livre exercício do voto e angariar a votação necessária à recondução ao cargo de vereador, incumbiu os demais agentes de cooptar eleitores mediante o oferecimento de transporte gratuito no dia do pleito municipal.

Para agir, dias antes das eleições, em datas não suficientemente esclarecidas no inquérito policial, os codenunciados ADEVANIR, ANA MARIA, IVETE e SIDENIR, a mando de PAULO ANTÔNIO, compareceram à residência de potenciais eleitores do citado candidato (Adevanir, Ana Maria e Ivete, funcionárias públicas municipais, exerciam a função de visitadoras do Programa Primeira Infância Melhor – PIM), e ofereceram caronas até os locais de votação no dia das eleições municipais.

Conforme ajustado entre os agentes e os eleitores, no dia da eleição, o denunciado SIDENIR, Secretário Municipal de Transporte e Lazer, dirigindo um veículo Fiat/Pálio, de cor branca, placas ILU-7642, dirigiu-se à residência dos eleitores previamente cooptados, e efetuou o transporte dos mesmos até os respectivos locais de votação, o que ocorreu várias vezes na manhã; além do veículo Fiat/Pálio, outros veículos (não identificado no inquérito), também foram utilizados pelos denunciados para o transporte de eleitores.

Após receber comunicados relatando o transporte ilegal de eleitores realizado pelo veículo Fiat/Pálio, de cor branca, placas ILU-7642, a Polícia Federal passou a investigar a situação, oportunidade em que localizou o denunciado SIDENIR e as denunciadas ADEVANIR, ANA MARIA e IVETE, em frente ao Ginásio 'Mosquitão', nas proximidades do IFSUL.

Em revista no veículo Fiat/Pálio de propriedade do denunciado SIDENIR, os Policiais Federais localizaram a lista de eleitores previamente cooptados (foi apreendida uma Planilha denominada 'Tabela de Transporte Pessoal', com anotações indicando a organização do transporte de eleitores no dia da eleição, contendo nomes, endereços, telefones, locais e votação de dezenas de pessoas e, ao lado dos nomes, a palavra 'carona' – vide Auto de Análise de Material Apreendido das fls. 47/49), bem como um mapa da região com dizeres 'Equipe 4' (circunstância que revela, no mínimo, a existência de '3 Equipes' com a mesma finalidade).

Foram apreendidos no interior do automóvel Fiat/Pálio, também, um 'ofício de lavra de Fabrício Nogueira Vianna, datado de 30/08/2012, dirigido ao Sr. Paulo Parera; 05 folhas, sendo 04 em branco, denominadas 'Tabela de Transporte de Pessoal'; Ata de uma reunião, data de 19/9/2012, ocorrida na sala de reuniões da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer, redigida a mão, subscrita por SIDENIR FERREIRA e outros, a qual versa sobre a necessidade, à época, de que os detentores de cargos em comissão e funções gratificadas da Prefeitura Municipal de Bagé se empenhassem mais nas eleições; 15 folhas (planilha), sendo 05 em branco, como título 'Apoiadores do Dudu e Paulinho Parera'; Folha de Papel contendo manuscritos (03 nomes, os respectivos endereços e apontamento 'não precisa de carona', Mapa de parte da cidade de Bagé, constando a inscrição 'Equipe 4'. No verso há o lançamento de nomes e telefones; 06 folhas (planilha) com o título 'Tabelas de Transporte Pessoal', nas quais são descritos nomes, nº de pessoas, endereço e horários; 05 folhas impressas, sendo que a primeira possui o título 'Equipe de Campanha', contendo a descrição de bairros/locais desta cidade e nomes de pessoas' (informação extraída das fls. 47/49).

O denunciado PAULO ANTÔNIO, com objetivo de garantir sua reeleição ao pleito municipal (ressalta-se que atualmente é o Presidente da Câmara de Vereadores de Bagé, tendo sido o candidato mais votado do município), elaborou um bem articulado esquema de transporte irregular de eleitores no dia do pleito, que foi dividido em 'Equipes', todo com o objetivo de facilitar a ação e garantir o maior número possível de votos, tendo como operador do esquema o denunciado SIDENIR FERREIRA, que exercera cargo em comissão na Secretaria Municipal de Esporte e Lazer, enquanto o denunciado PAULO ANTÔNIO era o Secretário Municipal da referida Secretaria, e, posteriormente, o sucedeu como Secretário Municipal de Esporte e Lazer.

O denunciado PAULO ANTÔNIO promoveu a atividade dos demais agentes, enquanto o denunciado SIDENIR FERREIRA dirigia a atividade das demais codenunciadas.”

A denúncia foi recebida no dia 04 de setembro de 2013 (fl. 164).

Após a instrução, o juízo de primeiro grau julgou improcedente a denúncia (fls. 926/935), para absolver os réus, com base no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.

Em suas razões recursais (fls. 945/965), o Ministério Público Eleitoral alega que a decisão proferida foi contrária à prova dos autos e que houve equívoco na avaliação do dolo específico. Requer o provimento do recurso e a condenação dos réus.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 971/994 e 1035/1070), o Procurador Regional Eleitoral opinou pelo provimento do recurso (fls. 1073/1079).

É o relatório.

 

VOTO

O Ministério Público Eleitoral foi intimado da sentença no dia 09 de junho de 2014 (fl. 936) e interpôs o recurso no dia 16 do mesmo mês, dentro do prazo de 10 dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

O recurso criminal é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a conduta aqui debatida está tipificada no art. 11, inc. III, c/c o art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/74, nos seguintes termos:

Art. 5º. Nenhum veículo ou embarcação poderá fazer transporte de eleitores desde o dia anterior até o posterior à eleição, salvo:

I – a serviço da Justiça Eleitoral;

II – coletivos de linhas regulares e não fretados;

III – de uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família;

IV – o serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição de que trata o art. 2.

Art. 11. Constitui crime eleitoral:

III – descumprir a proibição dos artigos 5º, 8º e 10:

Pena – reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias multa (Art. 302 do Código Eleitoral).

A denúncia postula, ainda, em relação aos acusados Sidenir Ferreira e Paulo Antônio Nocchi Parera, a incidência da agravante prevista no art. 62, inciso I, do Código Penal:

Art. 62 – A pena será ainda agravada em relação ao agente que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)

I – promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984.)

Na sentença, o Juiz Eleitoral da 142ª entendeu comprovadas a autoria e a materialidade delitivas, porém absolveu os acusados, ao argumento de que não restou demonstrado, de forma cabal, o dolo específico exigido à espécie, relativo à finalidade de obter vantagem eleitoral com a carona.

O Ministério Público Eleitoral recorre, afirmando que a presença do dolo específico se extrai do conjunto probatório. De igual modo, a Procuradoria Regional Eleitoral exarou parecer pela reforma da sentença, entendendo demonstrada a finalidade eleitoral no agir dos recorridos.

O crime de transporte irregular de eleitores na data do pleito é crime formal ou de consumação antecipada, que se perfectibiliza com a prática do núcleo do tipo: a ação de transportar o eleitor para votar. O resultado do crime é mero exaurimento do delito. (STOCO, Rui. STOCO, Leandro de Oliveira. Legislação eleitoral interpretada: doutrina e jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 568).

Por construção jurisprudencial, a partir do disposto no art. 8º, parágrafo único, da Resolução TSE n. 9.641/74, exige-se, para a configuração do tipo, a presença do elemento subjetivo específico do crime, consistente no fornecimento do transporte ao eleitor com o fim especial de obter-lhe o voto. Transcrevo o dispositivo que deu origem ao entendimento:

Art. 8º – Nenhum veículo ou embarcação poderá fazer transporte de eleitores desde o dia anterior até o posterior à eleição, salvo:

I – a serviço da Justiça Eleitoral;

II – coletivos de linhas regulares e não fretados;

III – de uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família;

IV – o serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição de que trata o artigo 2o (Lei no 6.091, art. 5o).

Parágrafo único – Não incidirá a proibição prevista neste artigo quando não houver propósito de aliciamento.

Da finalidade eleitoral, depreende-se que a conduta típica é aquela caracterizada pelo cunho eminentemente negocial do comportamento do aliciador, devendo a sua ação mostrar-se como instrumento de indução eleitoral. Nesse sentido é a iterativa jurisprudência tanto deste TRE quanto do TSE.

Tratando-se de crime formal, a consumação efetivada com a realização do transporte do eleitor independe da efetiva lesão ao bem jurídico tutelado, bastando a potencialidade de dano real. Vale dizer: não há necessidade de o eleitor votar em determinado candidato. (TRE-SC, Processo-Crime Eleitoral n. 11796. Rel. Eládio Torret Rocha, DJE 14.11.2012, p. 5-6.).

Estabelecidas essas premissas iniciais acerca do tipo penal em questão, passo ao exame do caso concreto.

Consta dos autos que no dia 7.10.12, domingo de eleição municipal, por volta das 11 horas da manhã, a Polícia Federal, a partir de telefonemas recebidos pela “base” policial informando que um veículo Palio branco, placas ILU 7642, estava realizando transporte ilegal de eleitores, localizou e efetuou a abordagem no automóvel. No Auto de Prisão em Flagrante (fl. 15), aponta-se que o veículo estava “parado” nas proximidades do IFSUL, em frente ao Ginásio Mosquitão, em Bagé.

Na ocasião, o proprietário do veículo, Sidenir Ferreira, então Secretário Municipal de Esporte e Lazer de Bagé, estava sozinho dentro do carro, sendo que quatro mulheres estavam próximas ao automóvel.

Três mulheres que acompanhavam Sidenir foram identificadas: Ana Maria Alves Jorge, Adevanir Lindomar Santana Pereira e Ivete da Silva, ora recorridas. Segundo o policial federal condutor, Sandro José Silveira Luiz Vieira, uma das quatro mulheres (a qual não conseguiu identificar) "jogou um 'bolo de santinhos' no chão” (fl. 15).

Em primeiro lugar, importa referir que o fato de o automóvel estar parado no momento da abordagem policial demonstra que não houve flagrante do transporte de eleitores em si, uma vez que o carro estava estacionado e que apenas os acusados se encontravam presentes, pois não foi localizado nenhum eleitor próximo ao veículo.

No entanto, após revista, foi constatado que Sidenir portava, em suas vestimentas, R$ 612,20 (auto de apreensão da fl. 24) e, no interior do veículo, foram encontrados documentos. Conforme Auto de Apresentação e Apreensão da fl. 23, no veículo havia: 1) uma pasta ofício transparente contendo documentos diversos, encontrada na parte traseira do veículo; 2) material publicitário diverso do candidato a prefeito Dudu Colombo e do candidato a vereador Paulinho Parera espalhados por todo o veículo; 3) 16 (dezesseis) páginas de planilhas com o título “Apoiadores de Dudu Colombo” encontradas no interior do veículo; 4) documentos diversos encontrados no interior do carro e no bolso de Sidenir.

Os documentos apreendidos foram listados às fls. 02-03 do Anexo 1 do processo e um exemplar de cada item foi colacionado aos autos, cumprindo referir, dentre os materiais que estavam no veículo:

- Mapa de ruas da localidade de Bagé “Vila Damé”, com ruas destacadas por caneta “marca-texto” amarela e inscrição à mão “Equipe 04” (fl. 4 do Anexo 1);

- Papel escrito à mão com os dizeres: “6) Carlos Nei Rosa Alves - Emilio Guilan 45 - Não precisa carona. 7) Marco Aurelio de Oliveira Conde - Av. Italia 140 (99742711) – hora 14 horas as 15,00. 8) Ataliba Dutra Silva – táxi 96 frente Obino Hotel – Não precisa carona” (fl. 5);

- Documento com o título “Coordenador: SIDENIR/BALANÇA”, “Local: SÃO JUDAS”, com indicação de seções eleitorais e lista de três pessoas no item “Equipe” (fl. 6);

- Documento com o título “Coordenador: SIDENIR”, “Local: CIEP”, com indicação de seções eleitorais e lista de três pessoas no item “Equipe” (fl. 7);

- Documento com o título “Coordenador: SIDENIR”, “Local: CARLOS MÁRIO”, com indicação de seções eleitorais e lista de nove pessoas no item “Equipe” (fl. 8);

- Documento com o título “Coordenador: SIDENIR”, “Local: MARIA DE LURDES”, com indicação de seção eleitoral e lista de dez pessoas no item “Equipe” (fl. 9);

- Documento com o título “EQUIPE DE CAMPANHA”, lista com nomes de pessoas com a indicação de coordenadores e inscrição à mão: “Responsável Bage” (fl. 10);

- Planilhas com o título “Carreata” e “Carreata da Vitória” (fls. 13-21);

- Planilha com o título “TABELA DE TRANSPORTE PESSOAL”, contendo inscrição à mão: “Ana Floresta - 15 visitas – 24 pessoas”. A tabela tem os seguintes campos: “RESPONSÁVEL”, preenchido 15 vezes à mão com o nome “Ana Jorge”; “NOME” e indicação de pessoas, “Nº DE PESSOAS” preenchido com numerais como: 01, 02, 03; “RUA/BAIRRO” preenchido com endereços e o item “HORÁRIO” com inscrições variadas como: não, a confirmar, e 8:00, 9:00, 13:00, etc. Está preenchida com o nome e endereço de 24 pessoas. (fl. 22);

- Planilha com o título “TABELA DE TRANSPORTE PESSOAL”, contendo os campos: “RESPONSÁVEL”, “NOME”, “Nº DE PESSOAS”, “RUA/BAIRRO” e “HORÁRIO”, sem preenchimento à mão, em branco (fls. 23-26);

- Planilhas com o título “TABELA DE TRANSPORTE PESSOAL”, contendo os campos: “RESPONSÁVEL”, “NOME”, “Nº DE PESSOAS”, “RUA/BAIRRO” e “HORÁRIO”. Possui inscrição à mão: “Data 01-10-2012 – Ivete-Ana-Adevanir - 84 visitas – 159 pessoas”. As duas páginas de tabelas contém os itens já referidos, com preenchimento do campo “RESPONSÁVEL” pelos nomes de Adevanir, Ana Jorge e Ivete alternadamente, e está preenchida com o nome e o endereço de 29 pessoas (fls. 27-28);

- Planilhas com o título “TABELA DE TRANSPORTE DE PESSOAL”, contendo os campos: “RESPONSÁVEL”, “Nº DE PESSOAS”, “RUA/BAIRRO” e “HORÁRIO”. As três páginas de tabelas estão preenchidas pelos nomes de Adevanir, Ana Jorge e Ivete alternadamente, e contêm o endereço de 55 pessoas (fls. 29-31);

- Planilhas “APOIADORES DE DUDU E PAULINHO PARERA” com inscrição à mão: Responsável Bagé, preenchida com nomes de pessoas, endereços, bairros, telefones e locais de votação/seção (fls. 33-40 e 42);

- Planilha “APOIADORES DE DUDU E PAULINHO PARERA” com inscrição à mão: Tatiani Cremona Pereira, preenchida com nomes de pessoas, endereços, bairros, telefones e locais de votação/seção (fl. 41);

- Planilhas “APOIADORES DE DUDU E PAULINHO PARERA” sem preenchimento à mão, em branco (fls. 43-47);

- Material de propaganda eleitoral (folders, santinhos, adesivo) em sua maioria dos candidatos “Dudu” e “Paulinho Parera” (fls. 49 e seguintes).

Os documentos localizados no automóvel de Sidenir constituem fortes indícios do cometimento do delito, pois além de os policiais encontrarem bastante propaganda do candidato Paulo Parera no automóvel, localizaram diversas planilhas com o título “TABELA DE TRANSPORTE PESSOAL”, que estão preenchidas com os dados de diversas pessoas tais como “NOME”, “Nº DE PESSOAS”, “RUA/BAIRRO” e “HORÁRIO”. Além disso, todas as tabelas estão preenchidas com o nome de uma das corrés no campo “RESPONSÁVEL”.

O art. 239 do Código de Processo Penal dispõe que se considera indício “a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.

Na hipótese analisada, tem-se que as chamadas policiais noticiando que o veículo estava sendo utilizado para transporte ilegal de eleitores e a localização do automóvel com diversos documentos intitulados “tabela de transporte de pessoal” são elementos consistentes que apontam para a materialidade do delito e até mesmo sugerem a sua autoria, uma vez que estavam na posse de Sidenir. Porém, é preciso considerar que estas provas constituem apenas indícios de que tenha sido realizado transporte de eleitores no dia da eleição, não sendo autorizada a condenação baseada em mera presunção.

Durante a instrução, foram ouvidas 11 testemunhas, inicialmente inquiridas pela autoridade policial no curso da investigação criminal.

Os policiais federais que atuaram na prisão em flagrante, Sandro José Silveira Luiz Vieira (fl. 588) e Marcus Vinícius Blumberg Tavares (fls. 618-619), confirmaram que o veículo de propriedade de Sidenir foi abordado em função de denúncias de que estaria sendo utilizado para realizar transporte de eleitores. Afirmaram que apreenderam planilhas que estavam no interior do carro e material de propaganda no porta-malas. Apesar do relato de que as mulheres próximas ao veículo jogaram vários santinhos do candidato Paulinho Parera no chão, tal fato não foi melhor apurado durante a instrução, não havendo menção sobre a apreensão ou não de tais santinhos ou sobre a identificação da mulher que os descartou. Além disso, embora o auto de prisão em flagrante e os depoimentos dos policiais mencionem a existência de “quatro” mulheres  fora do veículo, apenas três foram levadas à delegacia e passaram a figurar como rés: Ana Maria Alves Jorge, Adevanir Lindomar Santana Pereira e Ivete da Silva. Os autos não trazem notícia de quem seria a quarta mulher que estava próxima ao carro de Sidenir. Por tal razão, tenho por desconsiderar a alegação de que houve descarte de santinhos do candidato no momento da abordagem policial, pois o fato não restou minimamente comprovado.

Os responsáveis pelas campanhas majoritária e proporcional do Partido dos Trabalhadores e o presidente do diretório municipal do partido também foram ouvidos e negaram a ocorrência de transporte de eleitores durante o pleito.

Quanto às pessoas supostamente transportadas pelos réus, seis testemunhas que prestaram depoimento perante a Polícia Federal foram chamadas a depor em juízo.

Luiz Cláudio Ferreira Vasconcelos relatou que, uma semana antes das eleições, sua mulher, Maria Cristiane Cação da Rosa, contou que uma moça compareceu em sua residência oferecendo carona para votar e solicitando autorização para afixar um cartaz de propaganda eleitoral do candidato “Paulinho Parera”. Na audiência, Luiz afirmou que a ré Ana Maria Alves Jorge foi a pessoa que ofereceu a carona e que o transporte foi efetivamente realizado. Porém, disse que no dia da eleição um senhor de idade, que lhe era desconhecido, compareceu para prestar o transporte, e que depois chegou uma outra mulher, pessoas que não sabia identificar. Confirmou que recebeu a carona até seu local de votação e que não conseguiu votar porque não levou a identidade, apenas o título eleitoral, e disse que não recebeu propaganda eleitoral durante a carona e que não houve pedido de votos (fls. 538-541).

Apenas porque a questão foi trazida pela defesa em sede de memoriais, ressalto que o art. 91-A da Lei das Eleições, introduzido em 2009 pela Lei n. 12.034, exige que o eleitor apresente documento de identificação com fotografia, além da exibição do respectivo título eleitoral, para habilitar-se ao voto. E tal procedimento é cumprido em todo o território nacional desde a eleição de 2010.

Maria Cristiane Cação da Rosa, mulher de Luiz Cláudio, afirmou que a ré Ana Maria Alves Jorge esteve em sua residência antes das eleições, ocasião em que solicitou autorização para veicular propaganda de Paulinho Parera, ofereceu carona para votar e entregou-lhe santinhos. Disse que não utilizou a carona oferecida para votar, e que outra mulher compareceu na data do pleito para realizar o transporte de seu marido, Luiz, não tendo certeza se foi a ré Ivete. Afirmou que, durante a carona, não foi entregue material de propaganda eleitoral nem foi realizado pedido de votos. Contou que no dia em que ofereceu a carona, Ana Maria anotou seus dados e o horário em que iria buscá-la, e solicitou que Maria Cristiane assinasse. Também não soube dizer quem foi o motorista que dirigiu o carro e disse que o veículo era verde-escuro (fls. 542-545).

O depoimento da testemunha Dalva dos Santos sugere de forma singela apenas o início da fase da preparação para o cometimento do crime de transporte por parte de Sidenir e de Ivete. Dalva disse que, uma semana antes das eleições, o réu Sidenir Ferreira ofereceu-lhe carona para votar: “talvez até ele poderia ter me procurado porque ele sabe que eu tenho uma deficiência e muito pouco eu posso me... andar”. A mais, referiu que duas pessoas que faziam campanha e distribuíam santinhos “apontaram num caderno o horário que iriam me pegar, às 08h da manhã que é o horário que eu costumo ir votar”, reconhecendo a ré Ivete como uma das pessoas “que marcou o horário para a carona”. Porém, Dalva afirmou que não utilizou o transporte oferecido e que foi votar com sua moto. Sobre sua relação com Sidenir, disse que o conhecia e que sempre conversava com ele, e que, após o início das investigações, uma colega de trabalho de Ivete, chamada Margareth, procurou-a solicitando não falasse nada que a prejudicasse (fls. 546-550). Do seu testemunho percebe-se que a oferta de carona para votar foi realizada sem a evidência da finalidade específica de aliciamento, uma vez que pensou ter sido proposto o transporte em função da sua deficiência física e não vinculou o fato ao voto em candidato.

A testemunha Marlene Lemos Rocha negou que tenham lhe oferecido transporte no dia das eleições e disse ser amiga da ré Ivete e conhecê-la há anos, sendo que por conta da amizade pediu carona a ela e a seu marido. Afirmou que foram até sua casa e registram seu nome para que “os candidatos fossem lá dar uma conversada como é que ia ser a, né, a proposta deles pra melhoria”, e negou que tenha recebido a visita para o oferecimento de transporte para votar. Relatou que no dia da eleição aguardou Ivete acompanhada de sua filha, sua irmã e duas netinhas, e que, como Ivete e seu marido não compareceram, entrou no carro de um desconhecido que ofereceu carona e as levou para perto do seu local de votação (fls. 650-655).

Conforme se verifica, além do depoimento de Marlene invocar uma relação de amizade com a ré Ivete, termina por revelar que não foi transportada pelos réus para votar, mas por um desconhecido, parecendo ser temerária a condenação da ré, na presunção de que Ivete tenha realmente realizado o transporte no dia do pleito, vez que não há prova nesse sentido.

Marisa Lima Cavalheiro (fls. 656-662) e sua filha, Cíntia Lima da Silva (fls. 663-670), são parentes de Ivete, sendo que apenas Cíntia foi ouvida como informante e Marisa prestou depoimento sob compromisso. Indagada sobre seu nome e endereço constarem na tabela da folha 27 do volume anexo com a indicação “levar presídio”, Marisa asseverou que não lhe ofereceram carona para votar, pois foi votar a pé. Além disso, relatou que encontrou com Sidenir enquanto andava na rua: “ataquei ele ali na ponte do viaduto” e, no momento, solicitou carona para ir ao presídio. Cíntia Lima da Silva afirmou que sua mãe e a ré Ivete são amigas há anos e que, durante uma visita, Ivete ofereceu carona para votarem no dia das eleições, o que acabou não acontecendo. Embora tenham referido o oferecimento de carona por parte da ré Ivete, não se infere conotação eleitoral da oferta, que inclusive se apresenta com gravidade atenuada em função do parentesco e da amizade revelada.

Observa-se que os testemunhos prestados pelas pessoas supostamente transportadas não evidenciam a consumação do delito e sua autoria, havendo apenas referência ao oferecimento da carona, aqui tomada como fase preparatória do tipo penal. No entanto, é preciso ter em conta que, para a consumação do delito de transporte irregular de eleitores, é preciso que haja a prática efetiva da conduta ou a tentativa frustrada independentemente da vontade do autor do fato, além da finalidade eleitoral, o que não restou comprovado.

A preparação, que precede o início da agressão ao bem jurídico penalmente tutelado, consubstancia-se na prática dos atos indispensáveis à execução do delito. São atos que se dirigem à conduta criminosa. Esta fase deve ir mais além do simples projeto interno (cogitação) sem que deva iniciar a imediata realização tipicamente relevante da vontade delitiva (DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 325).

Em regra, o iter criminis começa a ser punível quando tem início a fase de execução, por serem atípicos os atos preparatórios e as fases que os antecedem (NUCCI, Guilherme de Souza.- Manual de Direito Penal, Parte Geral, Parte Especial. 4ª.ed.; São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 311). Tratando-se de crime formal, que se consuma com a realização do transporte, ainda que admitida a tentativa, por interrupção da execução, é imperioso o reconhecimento de que a mera combinação prévia sobre a realização de transporte de eleitores no dia da eleição não constitui fase executória do delito. O artigo 31 do Código Penal deixa explícito que os atos preparatórios, via de regra não são puníveis: “O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”.

A terceira etapa do iter criminis é a fase da execução, é a ação que efetivamente agride o bem jurídico tutelado, assim entendido no dizer de Guilherme de Souza Nucci: “é a fase de realização da conduta designada pelo núcleo da figura típica, constituída, como regra, de atos idôneos e unívocos para chegar ao resultado, mas também daqueles que representarem atos imediatamente anteriores a estes, desde que se tenha certeza do plano concreto do autor”(NUCCI, Guilherme de Souza, op. cit., p.312).

Nessas circunstâncias, tenho que o alegado oferecimento da carona para votar, formulado cerca de uma semana antes do pleito, constitui fase preparatória da prática do delito de transporte irregular de eleitores.

O depoimento da testemunha Dalva dos Santos deixa claro que não utilizou carona para votar no dia da eleição, pois foi ao local de votação dirigindo sua moto. Marlene Lemos Rocha relatou que no dia da eleição entrou no carro de um desconhecido que ofereceu carona ao seu local de votação, mas não imputou o ato aos recorridos nem o relacionou a qualquer campanha eleitoral. Marisa Lima Cavalheiro e sua filha, Cíntia Lima da Silva, também disseram que não receberam carona dos recorridos para votar no dia da eleição, sendo que Marisa apenas afirmou que encontrou com Sidenir “enquanto andava na rua” e solicitou carona para ir ao presídio, após ter votado.

Portanto, embora os fortes indícios, sequer a materialidade e autoria do delito restaram comprovadas em relação aos réus, que negaram a realização de transporte de eleitores no dia da eleição. Além disso, trata-se de cinco acusados da prática do delito, mas a prova testemunhal refere apenas condutas de Sidenir, Ana Maria e Ivete, sem menção direta aos réus Paulo Antônio Nocchi Parera, suposto candidato beneficiado, e Adevanir Lindomar Santana.

Conforme já assinalado, o flagrante ocorreu com o veículo estacionado, ou seja, o automóvel não estava em situação de transporte de eleitores, sendo que apenas os acusados, à exceção do candidato Paulo Parera, estavam próximos ao veículo. Das pessoas ouvidas em juízo, não se extrai a certeza e convicção de que os réus, efetivamente, tenham cometido o crime. A prova, apesar de apontar para o oferecimento de carona por parte de Ana Maria e Ivete, e de sugerir a possível consumação do tipo, não foi corroborada durante a instrução processual e deixa dúvidas intransponíveis sobre a prática do delito.

Embora exista jurisprudência consolidada de que no âmbito do processo penal seja possível a aplicação da inversão do ônus da prova a partir de indícios, a exemplo do delito de furto quando ocorre a apreensão da coisa subtraída em poder do réu, situação que lhe impõe a prova de justificativa idônea acerca da origem ilícita do bem (STF - HC: 118584 MG, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe-163 de 21.08.2013), é preciso considerar que prevalece a parêmia in dubio pro reo, e que o tipo penal imputado aos recorridos tem pena privativa de liberdade altamente severa de reclusão de quatro a seis anos.

Para um édito condenatório é necessária a certeza, e não apenas conjecturas, quanto à autoria. Assim, havendo dúvidas acerca da autoria do crime de transporte de eleitores, pesando contra os réus meras presunções e suspeitas, não deve haver condenação, pois esta deve sempre resultar de prova certa, segura, tranquila e convincente. Havendo dúvida, é uníssona a jurisprudência pela absolvição dos acusados:

CRIME ELEITORAL - TRANSPORTE IRREGULAR DE ELEITOR - ART. 11, III C/C ART. 10º, AMBOS DA LEI Nº 6091/74 - AUSÊNCIA DE PROVA DA PARTICIPAÇÃO DO APELADO - IN DUBIO PRO REO - AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO OU ESPECIAL FIM DE AGIR -ALICIAMENTO DE ELEITOR - INEXISTÊNCIA - ABSOLVIÇÃO - RECURSO PROVIDO. 1. Consoante entendimento firmado pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal, para a configuração do crime previsto no art. 11, III da Lei nº 6.091/74, há necessidade de que o transporte seja praticado com a finalidade explícita de aliciar eleitores e angariar votos. 2. Ausentes não só o especial fim de agir na conduta, mas também de prova de participação do apelado quanto ao transporte de eleitores, impõe-se sua absolvição. 3. Por força do art. 580 do Código de Processo Penal, a absolvição de um dos corréus em razão da inexistência da conduta típica aproveita aos demais.

(TRE-PR - PROC: 206 PR, Relator: IRAJÁ ROMEO HILGENBERG PRESTES MATTAR, Data de Julgamento: 15.04.2010, Data de Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 77, Data 30.04.2010.)

 

RECURSO CRIMINAL. CRIME ELEITORAL. ELEIÇÃO 2008. TRANSPORTE DE ELEITORES. ART. 11, DA LEI Nº 6.091/74. DOLO ESPECÍFICO. AUSENCIA. PROVIMENTO DO RECURSO. REFORMA DA SENTENÇA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO DOS ACUSADOS. AFASTAMENTO DAS PENAS. 1 - Não há, nos autos, qualquer prova que se permita aferir se os recorrentes transportaram eleitores com intuito político em benefício próprio, no sentido de angariar votos. 2 - Provimento do recurso. Sentença reformada. Absolvição dos acusados. Afastamento das penas.

(TRE-CE - 31: 958119952 CE, Relator: JORGE LUÍS GIRÃO BARRETO, Data de Julgamento: 09.05.2011, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 90, Data 19.05.2011, Páginas 15/16.)

 

RECURSO - PROCESSO-CRIME - TRANSPORTE DE ELEITORES - PRISÃO EM FLAGRANTE - ELEMENTO SUBJETIVO IMPRESCINDÍVEL PARA CONFIGURAÇÃO DO TIPO - INEXISTÊNCIA DE PROVA ROBUSTA E INCONTROVERSA DE ALICIAMENTO DE ELEITORES - PROVIMENTO. - Ausente prova robusta e incontroversa de que a oferta de transporte tenha ocorrido com a finalidade de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto, não resta configurada a conduta delituosa prevista pelo art. 11, III, da Lei n. 6.091/1974.

(TRE-SC - CRIME: 631 SC, Relator: JOÃO EDUARDO SOUZA VARELLA, Data de Julgamento: 11.03.2008, Data de Publicação: DJE - Diário de JE, Data 25.3.2008.)

Tratando-se de crime formal, o transporte irregular de eleitores se consuma com o ato de conduzir ou levar de um lugar para o local de votação. No caso dos autos, nenhuma pessoa afirmou que foi transportada por qualquer dos réus para seu local de votação, ônus que cabia à acusação demonstrar.

As alegações trazidas na denúncia no sentido de que o réu Sidenir dirigiu-se à residência de eleitores previamente cooptados e efetuou o seu transporte ao local de votação “várias vezes na manhã”, e que Paulo e Sidenir dirigiam a atividade criminosa, não foram minimamente demonstradas.

Na audiência judicial, Sidenir fez referência ao seu engajamento político na campanha do candidato a prefeito Luis Eduardo Dudu Colombo dos Santos e afirmou que “participava junto com a coordenação da majoritária”. Disse que apoiava a candidatura de Paulo Parera e que “aonde eu andava fazendo campanha para o meu candidato a prefeito eu também fazia campanha para o meu candidato a vereador” (fl. 772v.). Também se infere, da prova coligida, uma relação de bastante proximidade entre Sidenir e Paulo, pois Sidenir ocupava o cargo em comissão de assessor especial de Paulo na época em que Paulo exercia o cargo de secretário municipal. Em 2010, Paulo teve de se desincompatibilizar para concorrer à vereança e Sidenir assumiu o cargo de secretário municipal ocupado por Paulo.

De notar-se que a oferta de vantagem/carona em troca do voto resta evidenciada concretamente apenas pelo testemunho do casal Luiz Cláudio e Maria Cristiane, cujo teor incrimina a ré Ana Maria Alves Jorge em relação ao oferecimento de transporte, pois o casal afirma que ela esteve em sua residência propondo carona para o dia da eleição e oferecendo propaganda eleitoral do candidato Paulo Parera. São os únicos testemunhos que vinculam a carona a uma finalidade eleitoral.

No entanto, recebo com reservas o depoimento prestado por Luiz Cláudio, uma vez que afirmou o oferecimento da carona por parte de Ana Maria ao mesmo tempo em que disse não estar em casa no dia em que o transporte foi oferecido. Além disso, Luiz e Maria não souberam dizer com certeza, dentre as rés que estavam presentes à audiência, se alguma delas foi a pessoa que efetivamente compareceu na data da eleição para fornecer o transporte. Ademais, Maria disse que assinou o documento em que teria sido anotado o seu endereço, sendo que em nenhuma das planilhas acostadas aos autos, e supostamente utilizadas para o agendamento de caronas para votar, há assinatura de qualquer pessoa.

Tenho que não há como considerar esses dois depoimentos para a fundamentação de um juízo condenatório, pois a conduta alegadamente praticada pela ré não ultrapassou a fase de mera preparação de futuro crime, cuja execução material não restou suficientemente esclarecida. Luiz Cláudio Ferreira Vasconcelos e Maria Cristiane Cação da Rosa afirmaram que a ré Ana Maria Alves Jorge ofereceu carona e entregou propaganda eleitoral, mas disseram que ela não realizou o transporte, que não sabem dizer quem os levou para o local em que Luiz votaria e que durante o trajeto não foi oferecida propaganda eleitoral. A prova é fraca, não demonstra o dolo específico de aliciamento quando da prática do crime, e aponta apenas que Ana Maria ofereceu uma carona mas sequer a realizou.

A questão posta nos autos até poderia ser pensada sob o prisma da prática do crime de corrupção eleitoral previsto no art. 299 do Código Eleitoral, delito que estaria absorvido pelo tipo de transporte irregular de eleitores, uma vez que a oferta de carona em troca do voto, como já referido, está compreendida na fase preparatória do ilícito, constituindo clara hipótese de consunção. No entanto, seria imprescindível que o Ministério Público Eleitoral apresentasse aditamento à denúncia, nos termos do artigo 384 do Código de Processo Penal, seja porque eventual condenação pelo delito do art. 299 do CE seria ultra petita, com violação das garantias constitucionais da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório, seja porque malferido o princípio da correlação entre o fato descrito na denúncia e o fato pelo qual o réu é condenado (Fernando Capez, Curso de Processo Penal, ed. Saraiva, 14ª edição, 2007, p. 427), seja porque é impossível, em segunda instância, aplicar o disposto no art. 384 do CPP, nos termos da Súmula 453 do STF.

Penso que a hipótese até poderia ter juízo de procedência se a acusação lograsse obter testemunhos mais convincentes acerca da consumação e da autoria. Porém, no caso dos autos analisa-se pedido de reforma de sentença absolutória em processo criminal, e a prova coligida não traz a certeza necessária para a aplicação da grave pena restritiva de liberdade, que inicia em reclusão de quatro anos.

No caso, há incertezas quanto ao cometimento do delito por parte dos recorridos e quanto à agressão ao bem jurídico tutelado (liberdade eleitoral e isonomia), sendo que a dúvida é sempre interpretada em favor do réu, pois mais vale absolver um culpado do que condenar um inocente.

Não podemos ver o direito penal como inimigo daquele a quem se imputa um crime, pois em um Estado Democrático de Direito o direito penal deve ser liberal, democrático e garantista. Descabe pensar em condenação fundada na gravidade abstrata do delito ou, ainda, nas circunstâncias pessoais dos acusados, aqui consideradas como sendo o seu envolvimento com o candidato supostamente beneficiário e com a campanha eleitoral local. No Estado Democrático de Direito deve haver espaço tão somente para o direto penal do fato, em desprestígio ao odioso direito penal do inimigo.

Embora as versões apresentadas pelos réus não expliquem de forma satisfatória a existência das planilhas para transporte de pessoal, o que gera dúvida quanto à veracidade da tese defensiva dos recorridos, tal elemento, por si só, não possibilita um juízo assertivo acerca da sua responsabilidade penal.

Saliento que não se está a afirmar, inequivocamente, a inocência dos réus. Entretanto, não há comprovação da sua efetiva participação na empreitada delitiva, de modo que, havendo dúvida razoável na hipótese dos autos, aplica-se o princípio in dubio pro reo, devendo-se decidir pelo modo mais favorável aos denunciados.

Como cediço, o referido princípio, decorrente da máxima constitucional da presunção de não culpabilidade (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal), veda condenações baseadas em conjecturas, sem a presença de provas contundentes apontando a materialidade e a autoria delitivas e, quando necessário, o dolo ou culpa do agente. Por isso é que se faz necessário, a teor do artigo 156 do Código de Processo Penal, que a acusação traga aos autos provas suficientes a respeito do que alega, de modo a permitir a formação de convicção firme acerca da prática criminosa, apta a sustentar um veredicto condenatório.

Cito importante excerto de julgado do STF que bem expressa a conclusão pela manutenção da absolvição no caso concreto:

A submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público e o resguardo à intangibilidade do jus libertatis titularizado pelo réu.

A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada, por padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo penal só pode ser concebido - e assim deve ser visto - como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu. O processo penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da persecução penal.

Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu - que jamais se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória -, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público.

A própria exigência de processo judicial representa poderoso fator de inibição do arbítrio estatal e de restrição ao poder de coerção do Estado. A cláusula nulla poena sine judicio exprime, no plano do processo penal condenatório, a fórmula de salvaguarda da liberdade individual.

(STF, HC 73338, 1ª Turma, Rel. Ministro Celso de Mello, DJU 19.12.1996.)

 

Nesses termos, concluo que não há prova segura e reveladora do cometimento do crime, havendo meros indícios de materialidade e de autoria, com o que a manutenção da sentença absolutória é medida que se impõe, embora por fundamento diverso, pois a hipótese enquadra-se no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, uma vez que não existe prova suficiente para a condenação.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso e pela manutenção da sentença absolutória, por fundamento diverso, nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.