RC - 4563 - Sessão: 02/09/2014 às 14:00

Pedi vista destes autos e peço vênia à nobre relatora para divergir parcialmente do seu voto.

NAIRO DA SILVA BILHAR (eleito vereador) e MÁRIO DE ÁVILA foram denunciados por atos de inscrição fraudulenta de eleitores (art. 289 do Código Eleitoral - CE) e de corrupção eleitoral (art. 299 do CE), tendo figurado como um dos corruptores passivos o eleitor VANDERLEI FURTADO DOS SANTOS, relativamente ao pleito de 2012 em Maratá - 31ª Zona Eleitoral (Montenegro). O magistrado de piso julgou improcedente a denúncia, absolvendo NAIRO e MÁRIO, sobrevindo recurso do MPE no qual postulou a sua condenação nos termos da exordial.

Superada pela Corte a preliminar de contrarrazões de ilicitude da prova amparada em interceptação telefônica, tenho que, de fato, inexistem elementos suficientes para condenação com base no art. 289 do CE, razão pela qual, no ponto, acompanho o voto da relatora.

Mas quanto à imputação atrelada ao art. 299, a minha conclusão é diversa.

Primeiramente, lembro que esse preceito normativo tutela o livre exercício do sufrágio, tendo como objetivo a repressão do comércio de votos, a troca de favores entre candidatos e eleitores. Trata-se de crime formal, pois sua consumação independe da ocorrência do resultado pretendido pelo agente.

É tipo penal que se reveste de extrema gravidade, pois sua consumação pode vir a alterar os resultados das eleições, ferindo, sobremaneira, o Estado Democrático de Direito. Além disso, a configuração deste delito não exige pedido expresso de voto, mas sim a comprovação da finalidade de se obter ou dar voto, ou prometer abstenção (Ac.-TSE, de 2.3.2011, no ED-REspe n. 58245).

Nesse cenário, é indiscutível a relação de proximidade entre a norma do art. 299 do CE e a do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 (Captação Ilícita de Sufrágio):

Art. 299 do CE

Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

 

Art. 41-A da Lei n. 9.504/97

Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990.

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.
[…]

Vale dizer que as circunstâncias dos núcleos de ambos os dispositivos são análogas, diferenciando-se, à evidência, por pertencerem a esferas distintas, as quais, é consabido, são independentes entre si.

Esta Corte, à unanimidade, diante da mesma moldura fática, no RE n. 976-03, da relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, julgado na sessão do dia 30.07.2013, condenou os ora recorridos ao pagamento de multa e cassou o diploma de NAIRO – afastando a pretensão atinente à suposta transferência irregular de domicílios eleitorais:

Recursos. Investigação judicial eleitoral. Abuso de poder político. Transferência fraudulenta de eleitores e distribuição de gasolina e ranchos. Captação ilícita de sufrágio. Artigo 41-A da Lei n. 9.504/97. Entrega de dinheiro a eleitor em troca do voto. Eleições 2012. Parcial procedência da ação no juízo originário. Imposição do pagamento de multa, declaração de inelegibilidade e cassação do diploma do recorrente candidato.

Matéria preliminar afastada. Inexistência de qualquer nulidade processual. Interceptação telefônica autorizada por juiz competente para a instrução de investigação criminal instaurada para apurar possível prática de delito tipificado no Código Eleitoral.

Admissibilidade do aproveitamento desta prova, produzida na esfera criminal, nos feitos de natureza administrativa ou civil. Livre apreciação pelo juiz, que não está legalmente limitado a valorar a interceptação telefônica somente se existirem outros elementos de prova. Desnecessária a integral degravação das interceptações e dos depoimentos colhidos em audiência. Oportunizado o acesso às mídias em tempo hábil para referir ou transcrever os trechos que entendessem pertinentes, não havendo qualquer cerceamento ou prejuízo à defesa.

Interceptações sem qualquer impugnação quanto ao seu conteúdo, inexistindo dúvida com relação à identidade dos interlocutores.

Incontroversa a ocorrência da compra de voto. Suporte probatório demonstrando a presença de todos os elementos conformadores da figura ilícita.

Não comprovada, outrossim, a prática do alegado abuso de poder, que exige, para sua configuração, de gravidade circunstancial suficiente para macular a legitimidade do pleito. Afastada a declaração de inelegibilidade imposta aos recorrentes e mantida a improcedência da ação com relação aos candidatos majoritários, objeto da irresignação ministerial.

Redução do valor sancionatório estabelecido na sentença, a ser quitado de forma individual. Manutenção da cassação do diploma do vereador eleito.

Provimento negado ao recurso ministerial.

Provimento parcial às irresignações remanescentes.

Extraio do acórdão o cerne da fundamentação então desenvolvida, a qual, diga-se de passagem, foi inequívoca ao apontar a responsabilização lá perseguida:

Delineados os parâmetros teóricos e legais concernentes à caracterização da captação ilícita de sufrágio, passa-se ao caso sob análise.

Mário de Ávila conversou com Vanderlei Furtado para acertar o que seria dito no depoimento deste último perante o Ministério Público a respeito da transferência de seu domicílio eleitoral, orientando-o a negar que conhecia Paulo ou Nairo. Também conversaram sobre a forma como o eleitor se deslocaria ao local de votação: Mário ofereceu carona a Vanderlei, que insistiu em receber R$ 10,00 para abastecer sua moto, quando então Mário questionou se Nairo já havia dado um “troquinho” a Vanderlei, oferecendo-lhe de R$ 50,00 a R$ 100,00 para Vanderlei Furtado.

MÁRIO: Alô!

VANDERLEI: Oh, Ávila?

MÁRIO: Oi.

VANDERLEI: Tudo bem, é o Vanderlei. Como é que tá?

MÁRIO: Tudo bom, o [...]

VANDERLEI: Bacana. Oh, tu me diz uma coisa, o que que o João falou aquele dia na na, na audiência dele ali?

MÁRIO: Ele disse que tu era irmão, irmão, irmão de criação dele.

VANDERLEI: Ah!

MÁRIO: Por que?

VANDERLEI: Ah, eu 'vo te' que 'i' lá hoje, de tarde. Eles me intimaram pra 'i', pra vim aqui.

MÁRIO: Ah, 'ma' porque tu não disse que tava viajando?

VANDERLEI: Ah, eu falei, ai eu 'té té' tava mesmo, ai, bah, tu vai 'te' que 'vim' agora ou depois, não sei o que. E ai eu, tá 'vamo' vê […] chega de viagem.

MÁRIO: 'Ma' ele falou, ele falou que, ele falou que tinha chegado de viagem, não?

VANDERLEI: Não, ele perguntou pra mim se eu podia 'i' hoje ou senão tinha que 'i' outra hora igual, não adiantava.

MÁRIO: Como?

VANDERLEI: Ele disse pra mim ou tu vai agora, né, na na comparece, ou tu vai 'te' que 'i' outra hora, daqui a pouco vai arrumar mais problema pra ti.

MÁRIO: Não, não arruma não.

VANDERLEI: Aí...

MÁRIO: Tu chegou a ligar por Nairo.

VANDERLEI: Não, não liguei. Acho que eu nem tenho número mais.

MÁRIO: 'Ma' faz o seguinte, deixa quieto, nem vai hoje, deixa quieto, entendeu?

VANDERLEI: Pois é?

MÁRIO: Deixa quieto depois 'metemo' atestado, fica tranquilo. Nós 'demo' jeito no atestado, entendeu?

VANDERLEI: Ah. É, não, no caso, não importaria, que qualquer coisa diz que tava viajando.

MÁRIO: É, pode dizer que tava viajando, deixa quieto. Empurra de barriga, oh... ah... ?

VANDERLEI: Mas, qualquer coisa, é com certeza ele vai ligar de novo.

MÁRIO: Sim, mas daí já fica mais preparado, entendeu?

VANDERLEI: Sim. É o João...

MÁRIO: Oi?

VANDERLEI: O João disse que eu era irmão de criação dele?

MÁRIO: É. O que horas nós temo que 'i' lá?

VANDERLEI: Era pra 'se' às duas e meia.

MÁRIO: Duas e meia?

VANDERLEI: E, eu até não, não, não tenho, pra te falar bem a verdade eu até preciso do número do do da votação do Nairo, lá.

MÁRIO: as faz o seguinte, 'que' vê o Vanderlei, tu vai 'tá' por aí nesse final de semana?

VANDERLEI: 'Vô', eu cheguei de viagem ontem, 'vo' saí só depois das 'eleição'.

MÁRIO: Tá, mas então faz o seguinte, domingo 'vamos' se preparar pra ti, éh, éh, daí alguém te leva junto lá, entendeu? Pra ti não 'precisa' de auto.

VANDERLEI: Até, assim oh, eu, na verdade, eu 'vo' só, eu 'vo' só 'vota' e 'vo i', 'vo' saí de viagem, meu caminhão tá carregado.

MÁRIO: Tá, mas então faz o seguinte, domingo de manhã tu me liga. Ah, sábado de manhã nós..., sábado de noite tu me liga, sábado de tardezinha. Pra vê a hora que 'quise' 'i vota' nós te 'levemo' lá e te 'trouxemo' de volta, tá bom?

VANDERLEI: Não, qualquer coisa, dá uns 10 pila eu boto a gasolina na moto e 'vo' lá.

MÁRIO: Não, não, pode 'fica' tranquilo, pode 'fica' tranquilo, nós te 'levemo' de auto, fica tranquilo. Certinho?

VANDERLEI: Só que assim, eu queria tá bem cedo. Mas eu 'vo' de moto, eu 'vo' de moto, oh.

MÁRIO: Ah?

VANDERLEI: Eu 'vo' de moto lá bem cedo que eu quero 'sai' de casa umas sete 'hora', eu quero votar logo nos 'primeiro' que eu onze horas, onze horas tenho que pegar o caminhão em Canoas ali, minha carga é para terça-feira no Espírito Santo. E, aí eu 'vo espera', 'vo' votar e nós 'vamo' acelerar.

MÁRIO: Tá, então, faz o seguinte, para aí. Mas tu que 'i' hoje, ou não?

VANDERLEI: N […], pois é cara, eu pra mim é indiferente. De repente eu até 'vo i ', porque eu tendo, 'to co' meu talão de produtor, tô tudo aqui.

MÁRIO: Tem tudo aí?

VANDERLEI: Tem, tem tudo aqui.

MÁRIO: Não daí tu só, tu só, tu só, tu faz o seguinte, se por um acaso ele pergunta, vem cá o Mário, alguém, tu conhece o Mário ou alguém. Não, eu conheço ele de vista assim, mas eu 'vo', eu 'vo', eu chego lá só pra dormir de noite e tá tudo atirado lá, se eu 'dize' pra você que nos 'moremo' lá até é uma vergonha, porque é o seguinte, eu não tenho tempo. Eu 'vo” lá às vezes fazer, 'mata' umas formigas nos meu 'terreno', lá, entendeu? E vo lá, fico lá de noite que não tenho casa lá em cima, entendeu? E dai eu faço um rango pra mim lá e me mando de volta.

VANDERLEI: É, mais é mais ou menos isso aí. Oh, é no Bernardo Rech, né?

Quinhentos e sete […].

MÁRIO: Não... É, mas é o seguinte, que, vê, diz que é trilha ver […], é área verde, entendeu? Casinha velha. Isso aí é uma casinha velha, entendeu?

VANDERLEI: É só pra dormi mesmo. Eu não sei, tá então, o João, só pra confirmar, ele disse que era irmão ali da...

MÁRIO: Sim.

VANDERLEI: Irmão de criação, ali.

MÁRIO: Sim, aha. O Vanderlei daí faz... o Vanderlei faz o seguinte, eu vo pega, eu vo faze o seguinte, óh, eu vo na na na na na, deixa eu vê uma coisa, no sábado tu me liga, tá?

VANDERLEI: Aha. Não, porque eu preciso do número da seção lá, tudo, eu não, não, não tenho nada.

MÁRIO: Tu me liga sábado. Tu me liga sábado, me liga sábado. Tá bom? Certinho?

VANDERLEI: Tá bom.

MÁRIO: E qualquer coisa, se tu achar que dá problema qualquer coisa, se vai dar problema, tu me liga pra arrumar um advogado aí, tá bom?

VANDERLEI: Não, não vai, não vai dá nada.

MÁRIO: Certinho? Tá?

VANDERLEI: Pro João, ali, não deu nada, ali.

MÁRIO: Não, não deu nada, pode fica tranquilo, tá bom?

VANDERLEI: Ah, não, bacana, ali [...]

MÁRIO: E daí se te pergunta o negócio da Ana, entendeu? Não, a Ana é a mulher do Mário. Mas alguém pediu pra ti transferi título e pagaram alguma coisa? Mas tá loco, eu transferi porque é o seguinte, eu tenho as minhas terras tudo lá, entendeu?

VANDERLEI: Sim, e o que eu falei por telefone outro dia pra ele, até na verdade eu disse pra ele eu não conheço nenhum, nenhum, nem eu sei quem é que tá concorrendo lá.

MÁRIO: Sim, aha, certinho? Mas não toca o meu nome nem do Nairo, tá, e nem do Paulo, tá?

VANDERLEI: Ah não.

MÁRIO: Certo?

VANDERLEI: Ah, não, nem, nem conheço eles (risadas).

MÁRIO: Sim.

VANDERLEI: (risadas) Eu te ligo ali, sábado daí.

MÁRIO: Eu vou te […], eu falar com o Nairo. O Nairo não te deu nenhum troquinho ainda lá, né?

VANDERLEI: Não, não, mas isso é o de menos, aí.

MÁRIO: Tá deixa que eu 'vo', uns cem pila. Uns cem pila. Uns cinquenta, uns cinquenta, cem pila pra tu fazer uma carnezinha com a família, ali, no sábado […]. Deixa quieto, deixa comigo.

VANDERLEI: Beleza. Mas só a gasolina pra mim 'i' de manhã cedo lá, eu pego a moto...

MÁRIO: Tá bom.

VANDERLEI: da mana ali.

MÁRIO: Tá bom. Não, a gente se fala daí tá? Aí tu me liga sábado de manhã tu me liga tá?

VANDERLEI: Tá, bacana, então.

MÁRIO: Certinho, certinho, um abração, tudo de bom, fica com Deus.

VANDERLEI: Tchau, tchau.

MÁRIO: Tchau.

A cooptação do eleitor se deu de forma dissimulada, porém inequívoca.

Todo o contexto da conversa deixa claro o oferecimento de dinheiro ao eleitor Vanderlei com o intuito de obter-lhe o voto. Os interlocutores estavam preocupados em esconder, do Ministério Público, seus vínculos ilícitos. Ademais, enquanto tratavam do deslocamento de Vanderlei para o local de votação, fica evidente a preocupação de Mário em garantir o voto do eleitor, oferecendo-lhe transporte e finalizando a conversa com a oferta de R$ 50,00 a R$ 100,00.

O especial fim de agir de Mário fica também evidenciado por outra circunstância. Encerrada a votação, Mário queixa-se que realizaram várias compras de votos, os quais não reverteram em favor dos candidatos nas urnas:

MÁRIO: Mas Silmara, é que nem aqui no Maratá é trairagem. Oh Silmara, teve gente, teve gente do lado da casa do Prefeito, entendeu, Silmara? Que colocou a placa pelo por casa do Beto mas agora que a gente viu quera contra. Tinha que vê nas obras o que que nós fizemo por pessoal, fizemo churrasco, fizemo tudo.

SILMARA: Deus o livre!

[...]

MÁRIO: […] Silmara o que que esse Beto roubou a gente tem que ficar quieto, entendeu? O Beto tu conhece ele né?

SILMARA: Aha.

MÁRIO: Esse que tem a casa aí, né, aí em Santa Terezinha.

SILMARA: Sim, sim, sim.

MÁRIO: Mas o que que esse cara roubou da prefeitura, Silmara, pelo amor de Deus, e eu eu não sei se não vai gente pra cadeia, entendeu?

SILMARA: Meu Deus do céu, Deus o livre.

MÁRIO: […] Silmara vinte ano, vinte ano, o PTB tá mandando, entendeu? O Paulo foi, o Paulo foi, ahh, não minto, dezesseis ano. O Paulo foi dois mandato o Beto foi dois. O Beto enriqueceu na Prefeitura, tu nem imagina.

Silmara. Nem imagina.

SILMARA: Ah, eles roubam, né. Roubam a torto e a direito. E agora deu eu fui convidada pra Conselho Tutelar. Vou me inscrever já semana que vem. E como eu fiz duzentos e oitenta e nove voto, então vamo por Conselho que é trezentos só, aqui é só trezentos. Já vo me inscreve pro Conselho. Mas, oh, Mário, eu não gastei um centavo pra política. Seiscentos pila que eu ganhei ali de doação, foi pro carro mesmo, sabe, pra gasolina essas coisas, mas não dei um cesto básico, não dei bujão de gás, não paguei conta e não fiz churrascada pra ninguém.

MÁRIO: Mas aqui Silmara...

SILMARA: Não fiz, tentei fazer uma política limpa.

MÁRIO: Silmara tinha que vê Silmara.

SILMARA: mas […], tu vê (risada).

MÁRIO: Oh Silmara, aqui no Maratá também imagina, Silmara, o pessoal da, nós perde 'cas' máquina tudo da Prefeitura, nós fazia tudo, que precisava, Silmara, tudo, tudo...

SILMARA: Tá foda.

MÁRIO: Teve, teve gente assim Silmara. Tem um vereador ali o Nairo, entendeu, só pra ti te uma ideia, tem um lugar, na, tem, tem uma vilazinha na na Vitória ali, entendeu, Silmara era pra ele fazer vinte voto...

SILMARA: Coitado!

MÁRIO: Tu acredita, oh Silmara, tu acredita que homem deu mil pila por quatro por cinco voto, era pra...

SILMARA: Tá doido.

MÁRIO: Carga de brita que nós demos, oh Silmara, era pro homem faze vinte voto, só numa casa ele tinha seis votos.

SILMARA: Imagina!

MÁRIO: Tu acredita que o homem fez quatro voto só.

A conversa captada deixa claro que Mário se empenhou em corromper eleitores em favor de Nairo. Tal conversa, aliada ao contexto da gravação anteriormente referida não deixa dúvidas acerca da finalidade específica do oferecimento dos valores ao eleitor Vanderlei.

A participação do candidato está igualmente demonstrada. Em ligação realizada por Mário para Nairo, aquele informa ao candidato que ofereceu dinheiro ao eleitor Vanderlei, indagando se haveria problema neste procedimento. Nairo concorda com a oferta e ainda agradece Mário pelo seu empenho:

NAIRO: […] saí da sessão, agora.

MÁRIO: Bah, desculpe eu ter 'ti' ligado, então, né;

NAIRO: Não, não, capaz.

MÁRIO: Não, é o seguinte. Bah, cara, deu tudo a mil maravilha hoje de tarde.

NAIRO: Parabéns, […] Mário.

MÁRIO:O gurizinho foi junto e passou como primo mesmo, cara.

NAIRO: Graças a Deus, Mário.

MÁRIO: É do Santos, entendeu? E daí o Claudinho pego e entro junto com ele, entendeu?

NAIRO: Ah.

MÁRIO: Daí o cara queria complica, ma vem cá, oh, para aí. O Sr. Não me leva a mal de faze uma pergunta, de repente 'vo faze' uma pergunta 'idiota' por Senhor. Vem cá, mas o guri tem dezesseis anos, o que que tem que ele fez o título em Maratá. O Claudinho pego e peito ele, entendeu, o cara. Daí diz que ele sento pra trás. Vem cá o guri não tem o direito de vota, ele tem dezesseis anos. E ele mora com o primo, ele pode ela mora com o primo dele em Maratá. Ele não tem o direito de votá no Maratá? Daí ele pego e sento […] É a gente vai analisar, mas […] no lado de vocês têm razão mesmo. E o Vanderlei, o Vanderlei não te ligou?

NAIRO: Não.

MÁRIO: O Vanderlei também foi chamado.

NAIRO: Ah é ?

MÁRIO: O Vanderlei foi chamado às duas e meia. Ele me ligou hoje de tarde, entendeu? Apavorado o neguinho também, entendeu? E o Vanderlei...

NAIRO: Aquele não tem problema, aquele não tem problema porque ele tem mato lá em cima, ele tem talão de produtor, né?

MÁRIO: Não daí eles tiraram xerox do talão de produtor dele, tudo certinho, deu tudo certo, tudo certinho, entendeu?

NAIRO: Aha.

MÁRIO: Deu tudo certo. Mas é o seguinte, o problema é o Serginho. Tu sabia que o Serginho saiu da fábrica hoje?

NAIRO: Como [...]

MÁRIO: O Serginho saiu da fábrica, pediu as contas.

NAIRO: Tá brincando?

MÁRIO: Sim.

NAIRO: Uhhh.

MÁRIO: Oh, Nairo, nós vamo te que fazer o seguinte, oh. Eu acho assim, oh. Aquele o …, guri ali o … ali o Vanderlei que i bem cedo pra vota, daí ele pediu um troquinho pra gasolina, entendeu?

NAIRO: Ahh.

MÁRIO: Daí eu acho assim, nós tinha que um troco pro João, pro João pega i leva ele, leva. Dá uns cinquenta pila pra cada um, o que que tu acha?

NAIRO: Pode ser.

MÁRIO: Ah?

NAIRO: Pode ser. Pode ser Mário. Pode faze e depois eu acerto (…). Pode faze.

MÁRIO: mas acho que dá uns cinquenta pila pra cada um, né, Nairo?

NAIRO: Ah?

MÁRIO: Dá uns cinquenta pila pra cada um, né?

NAIRO: Pode 'se', Mário, […].

MÁRIO: E outro coisa, tu sabia, oh Nairo, oh Nairo, tu sabia que o Serginho me pediu vinte pila, vinte ou trinta pila pra i vota domingo, entendeu? O carona do ônibus. Daí esse aí a Ana vai leva, entendeu? Não adianta. A Ana, eu combinei com ele oito horas a Ana vai pega e vai precisa leva. E os guris, também. A Ana vai te que faze duas viagem, mas deixa quieto daí, entendeu?

NAIRO: Sim.

MÁRIO: Pro Vanderlei. E daí eu tenho o santinho eu tenho ali, vo dá tu certinho, eu tudo combinado certo. [...]

MÁRIO: […] Sabia que o Rico foi lá, né?

NAIRO: Aha.

MÁRIO: Ele comentou isso, não, ele disse não, é o seguinte, oh, que vê oh. O único que ajuda, dá alguma coisa é o Nairo. E o que ele prometeu eu assino embaixo. E vai passa os quatro anos, afinal de ano vocês querem fazer uma festinha uma coisa, pode pedir uns cem, duzentos pila que ele não vai negar. E os, e o .., porque daqui a quatro anos ele vai correr de novo, entendeu? E com certeza ele vai querer o voto de vocês de novo. Ele ajuda porque não adianta, entendeu? Daí eu disse pra ele.

NAIRO: Com certeza.

MÁRIO: Tá?

NAIRO: Mário, muito obrigada por tudo, Mário. De coração.

MÁRIO: Sim.

NAIRO: Muito obrigada por tudo. Faz tudo que você pude fazer, Mário, depois tu sabe, né, é (…), pode deixar Mário.

MÁRIO: Sim, certinho?

NAIRO: Certinho, Mário. Vou indo pra reunião agora, tá? Valeu [...]”

Fica claro, ainda, que a relação entre Mário e o candidato não era circunstancial, limitada ao fato específico da compra do voto de Vanderlei. Mário presta contas a Nairo a respeito de suas atividades durante a tarde, combinando com Nairo a melhor forma de proceder. Fica comprovado que Mário agia sob o comando do candidato representado.

As interceptações não sofrem qualquer impugnação em seu conteúdo, não havendo dúvidas quanto à identidade dos seus interlocutores ou do eleitor mencionado, inexistindo qualquer elemento desabonador da prova.

Assim, está comprovada a captação ilícita de sufrágio do eleitor Vanderlei, pois as provas dos autos demonstram a presença de todos os elementos configuradores da figura ilícita, conforme acima elencados.                                                                                                               

(Negritos do original.)

Também eu, agora, ao analisar tanto a prova emprestada quanto o restante da produzida nestes autos, tenho que NAIRO, por intermédio de MÁRIO, cooptou ilicitamente o voto de VANDERLEI para o pleito que se avizinhava.

Efetivamente, a interceptação telefônica operada faz prova cabal da captação ilícita de sufrágio, na qual se constata extenso diálogo entre MÁRIO e VANDERLEI, MÁRIO e “SILMARA” e NAIRO e MÁRIO, em que se planeja, se discute e se executa o delito em foco, bem como deixa transparecer outros do mesmo naipe.

A eminente relatora do presente feito partiu da premissa de que o fato ensejador da condenação por captação ilícita de sufrágio não tem o condão de, igualmente, sustentar a sua reprimenda na instância criminal, por ser esta a ultima ratio da repressão estatal à ilegalidade e porque as consequências do Direito Penal são graves. Melhor dizendo, não assentou a ausência de comprovação da compra de votos, não afastando a presença do dolo específico no caso, consistente na finalidade de obtenção do voto.

Ocorre que, na seara penal, a reprimenda prescinde da gravidade das consequências que o agente possa vir a suportar em razão do seu agir, porquanto a mera concretização do suporte fático é suficiente e grave, por si, ao decreto condenatório – tal como se verifica neste caso.

Para além disso, pondero que a cassação do diploma de vereador eleito é tão grave quanto o sancionamento criminal postulado; talvez até mais grave, face ao bem jurídico envolvido, interligado que está ao direito fundamental do livre sufrágio.

A não ser assim, corre-se o risco de punir o mandatário oriundo das urnas por fato que atenta contra o soberano exercício do voto e, na seara criminal, legitimar a mesma conduta, exclusivamente por critérios instrumentais, em indesejada incoerência.

Nessa linha:

A procedência da denúncia e sua devida condenação pela prática do delito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral restou fundada em prova testemunhal produzida na representação em que se buscava investigar a cooptação ilícita de sufrágio respectiva, a qual foi julgada parcialmente procedente em sede de juízo monocrático, cuja decisão restou confirmada por este egrégio Tribunal Regional Eleitoral.

Registre-se, por pertinente, que a circunstância de ter sido, o denunciado, cassado, na representação baseada na captação de sufrágio, pelos mesmos fatos ora apreciados, não induz, necessariamente, à procedência da ação criminal.

No entanto, por questão de coerência, tendo relatado aquele feito nesta Corte, entendo que a caracterização da prática ilícita, que culminou na parcial procedência da representação (sentença às fls. 54/62 e acórdão às fls. 80/83), não pode ensejar interpretação diversa, embora sob o crivo da esfera penal.

(TRE/RS – Classe 10 – Processo n. 62005 – Rel. Dra. Lizete Andreis Sebben – J. sessão de 06/07/2006.)

Também nesse sentido o parecer do Procurador Regional Eleitoral (fls. 861-71), que bem analisou o acervo probatório:

[…] A materialidade restou consubstanciada no Boletim de Ocorrência nº 274/2012 (fl. 12), interrogatórios, prova testemunhal, bem como pela interceptação telefônica, em relação a qual pode-se citar o auto de degravação (fls. 28/29), auto de procedimento técnico de interceptação telefônica (fls. 56/59) e o auto de degravação de interceptação de escuta telefônica (fls. 60/63).

Da mesma forma há a comprovação da autoria. Em seus interrogatórios os réus transpareceram contradições. Nairo da Silva Bilhar nega ter autorizado a entrega de dinheiro em seu nome, porém admite que pode ter dito alguma coisa em tom de brincadeira, já que recebia de 50 a 100 ligações por dia. Acresceu ter ficado sabendo de determinadas condutas praticadas por Mário somente em sede processual.

Mário de Ávila ao tentar explicar porque declarou que Paula Giovana da Silva de Azeredo residia em sua garagem, disse que esta mora com seu filho há mais ou menos um ano e trabalha na fábrica de calçados de Maratá. Contudo não soube especificar o nome da rua em que a eleitora reside.

Quanto a prova testemunhal, Márcia Carina Kerber Schmidt contou ter ouvido comentários de eleitores mencionando a entrega de brita e dinheiro por pessoas ligadas ao partido, mas não pelo próprio candidato.

Ana Márcia dos Passos Reinke, esposa de Mário e responsável pela declaração de que Vanderlei Furtado dos Santos, João Valdir dos Santos Pinto e Daniela Sá e Silva residiam em Maratá, argumentou que não reside em tempo integral naquele município e não soube informar seu endereço lá.

A testemunha João Valdir dos Santos disse não morar em Maratá, mas que visita o município aos fins de semana, pois possui casa lá. Do mesmo modo sua esposa Daniela de Sá e Silva sustentou que nunca moraram em Maratá, mas visitavam a cidade nos fins de semana.

Vanderlei Furtado dos Santos em seu depoimento narrou nunca ter morado em Maratá, admitiu conhecer Mário de Ávila, inclusive tendo levado alguns dos veículos dele. Nega ter pedido dinheiro e conversado com Mário antes da audiência na Promotoria de Justiça (fatos evidenciados na degravação de interceptação telefônica).

[…]

O diálogo acima reproduzido deixa claro que Mário prestava contas dos atos ilícitos a Nairo, o qual inclusive o parabenizava pelas condutas, pedindo para que fizesse tudo que pudesse. A conversa ainda traz menção a valores que seriam entregues a eleitores, como se verifica claramente na conversa acima, Mário diz que “Serginho” lhe pediu R$20,00 pra ir votar no domingo, bem como que daria R$50,00 para o João e R$50,00 para o rapazinho (que seria Vanderlei). Nairo concorda e Mário acrescente que tem o “santinho”, propaganda do candidato, para entregar.

Outro trecho que merece destaque é quando Nairo comenta sobre a investigação da transferência de Vanderlei: “NAIRO: Aquele não tem problema, aquele não tem problema porque ele tem mato lá em cima, ele tem talão de produtor, né?”. Demonstrando-se despreocupado apenas quanto a transferência de Vanderlei, porém não quanto aos demais.[…]

De outro lado, nos autos não consta que o corruptor passivo VANDERLEI estava inapto a votar no pleito de 2012, como também faz ver consulta realizada nesta data ao sistema ELO da Justiça Eleitoral (detentor do cadastro e da base de dados dos eleitores). Ou prova inequívoca de que VANDERLEI era correligionário de NAIRO, ou que com este partilhava projetos políticos de uma mesma aliança partidária, a tornar a ação penal, em tese, sem justa causa.

Portanto, dentro desse contexto, a reforma parcial da sentença, com a condenação de NAIRO e MÁRIO nas sanções do art. 299 do CE, é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral, para condenar NAIRO DA SILVA BILHAR e MÁRIO DE ÁVILA como incursos, tão somente, nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral.

Dosimetria da pena

Passo à dosimetria da pena.

Quanto às circunstâncias do art. 59 do Código Penal – CP, são as mesmas para ambos os réus (NAIRO e MÁRIO):

I) Culpabilidade: a culpabilidade do réu é induvidosa, porquanto possuía plena consciência da censurabilidade da sua conduta, sendo que o delito tem grau elevado de reprovabilidade frente à sociedade, considerando o bem da vida tutelado, isto é, a vontade do eleitor.

II) Antecedentes: não registra antecedentes criminais.

III) Conduta social: não restou esclarecida.

IV) Personalidade: normal, já que nada existe em contrário.

V) Motivos: obter vantagem eleitoral, mediante aliciamento de eleitor.

VI) Circunstâncias: inerentes à espécie.

VII) Consequências do crime: não há registro de consequências extrapenais.

VIII) Comportamento da vítima: prejudicado.

Já quanto à fixação das penas, com fulcro no art. 68 do CP:

A) Em relação a NAIRO DA SILVA BILHAR, fixo a pena-base privativa de liberdade em 01 (um) ano de reclusão, tornando-a definitiva ante a ausência de agravantes ou atenuantes e de majorantes ou minorantes.

Para o cumprimento da pena, fixo como regime inicial o aberto, nos termos do art. 59, inc. III c/c art. 33, § 2º, alínea c, do CP.

Substituo a pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direito de prestação de serviços à comunidade, à razão de 01 (uma) hora por dia de condenação, a ser direcionada pelo juízo da execução, fulcro nos arts. 43 e 44, inc. I, § 2º, do CP.

A pena de multa, considerando a gravidade do delito e a situação econômica do condenado (consta ter exercido a vereança por diversas vezes, não havendo nada que justifique fixação a menor), estabeleço em 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de um 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato (art. 49, § 1º, do CP). O montante deverá ser monetariamente corrigido, nos moldes do art. 49, § 2º, do CP e revertido em favor do Tesouro Nacional, em conformidade com o art. 50 do CP c/c o art. 286, caput, do Código Eleitoral – CE.

B) Em relação a MÁRIO DE ÁVILA, fixo a pena-base privativa de liberdade em 01 (um) ano de reclusão, tornando-a definitiva ante a ausência de agravantes ou atenuantes e de majorantes ou minorantes.

Para o cumprimento da pena, fixo como regime inicial o aberto, nos termos do art. 59, inc. III c/c art. 33, § 2º, alínea c, do CP.

Substituo a pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direito de prestação de serviços à comunidade, à razão de 01 (uma) hora por dia de condenação, a ser direcionada pelo juízo da execução, fulcro nos arts. 43 e 44, inc. I, § 2º, do CP.

A pena de multa, considerando a gravidade do delito e a situação econômica do condenado (por ele referida como “boa”, na fl. 38, perante a autoridade policial, na condição de empresário), estabeleço em 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de um 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato (art. 49, § 1º, do CP). O montante deverá ser monetariamente corrigido, nos moldes do art. 49, § 2º, do CP e revertido em favor do Tesouro Nacional, em conformidade com o art. 50 do CP c/c o art. 286, caput, do CE.

Provimentos finais

Comunique-se o juízo da 31ª Zona Eleitoral. Passada em julgado a presente condenação, extraia-se certidão das penas de multa e remeta-se à Procuradoria da Fazenda Nacional.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Acompanho o voto divergente do Des. Brasil Santos.

 

 

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

Entendo tipificado o delito do art. 299 do Código Eleitoral. Acompanho o voto divergente.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Acompanho o voto divergente.