RE - 64807 - Sessão: 22/09/2014 às 14:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpôs recurso contra a sentença do Juízo da 53ª Zona Eleitoral – Sobradinho que, nos autos de Ação de Investigação Judicial Eleitoral proposta com fulcro no art. 30-A da Lei n. 9.504/97 c/c art. 22, § 3º, da LC n. 64/90 (abuso do poder econômico) em desfavor de ALGILSON ANDRADE DA SILVA, ANTENOR ANESTOR DA SILVA (estes eleitos prefeito e vice-prefeito) e COLIGAÇÃO UNIÃO DEMOCRÁTICA LAGONENSE (PMDB/PP/DEM/PSB), relativamente ao pleito de 2012 em Lagoão, extinguiu o feito sem resolução do mérito em relação à coligação demandada, por ilegitimidade passiva, e julgou improcedente o pedido.

Reprisou argumentos da inicial, que reproduziu texto de “representação para fins de investigação judicial eleitoral” formulada pela candidata Iolanda Guindani, reafirmando a suposta existência de gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais e utilização de “caixa 2”. Aduziu que a magistrada reconheceu a ocorrência das condutas imputadas: a) emprego de ônibus em campanha sem lançamento na prestação de contas; b) declaração parcial de utilização de comitê; e c) locação, por simpatizante, de dois veículos utilizados por quase um mês de campanha. Todavia, deixou de condenar, por entender ausente a relevância das irregularidades no contexto da campanha do candidato e não ter havido desequilíbrio no pleito.

Sustentou que, em sede de representação com base nos citados artigos não se examina potencialidade de a conduta desequilibrar o pleito. Alegou que os fatos são graves e requereu o provimento, para serem cassados os diplomas dos demandados e declarada sua inelegibilidade por 08 (oito) anos, sem insurgência quanto à exclusão da coligação representada (fls. 406-430).

Com contrarrazões (fls. 440-454), nesta instância, os autos foram com vista ao Ministério Público Eleitoral, que opinou pelo não provimento do recurso (fls. 458-467v.).

É o breve relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O Ministério Público Eleitoral foi intimado da sentença em 02.09.2013 (fl. 404), sendo o recurso tempestivo porque interposto em 03.09.2013 (fl. 406), dentro do tríduo legal.

Assim, preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Preliminar

Trago, de ofício, por pertinente, para saneamento do processo antes de enfrentar o mérito, necessário esclarecimento sobre a participação da Coligação União Democrática Lagonense no polo passivo desta demanda.

A coligação foi inicialmente demandada, mas restou afastada do feito na sentença, cujos fundamentos não foram atacados, no ponto, pelo Ministério Público Eleitoral. Este, apesar de citar a coligação no preâmbulo do recurso, não a inclui em suas razões, de modo que entendo não ter havido irresignação a respeito, apenas simples menção ao mote da ação.

Assim, e não se tratando de caso de litisconsórcio passivo necessário, é de se considerar o recurso voltado somente contra os mandatários.

Mérito

Estou negando provimento ao recurso.

Relativamente ao abuso de poder econômico, colho da doutrina de José Jairo Gomes o alcance do termo abuso (Direito Eleitoral. 5 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 167.):

Por abuso de poder compreende-se a realização de ações exorbitantes da normalidade, denotando mau uso de recursos detidos ou controlados pelo beneficiário e a ele disponibilizados, sempre com vistas a exercer influência em disputa eleitoral futura ou já em curso. As eleições em que ele se instala resultam indelevelmente maculadas, gerando representação política mendaz, ilegítima, já que destoante da autêntica vontade popular.

Ainda, trago a jurisprudência do TSE:

O abuso de poder econômico ocorre quando determinada candidatura é impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito.

(Recurso Especial Eleitoral n. 470968, Acórdão de 10.05.2012. Relatora Min. Nancy Andrighi.)

Da mesma forma, a jurisprudência é firme no sentido de que, para a procedência da AIJE que verse sobre abuso de poder, deve haver prova inequívoca da participação ou, pelo menos, da ciência do candidato beneficiário da conduta tida como abusiva:

Eleições 2010. Deputada Estadual. Abuso de poder. Convites eleitorais em órgão público. Indícios. Ausência de provas robustas. A presença de indícios da prática de abuso de poder nas eleições, sem o amparo de outras provas robustas e incontestes que o candidato tinha ciência, praticou ou consentiu com os fatos ilícitos não são suficientes para caracterizar a infração eleitoral e apontar a sua autoria.

(TRE-RO-Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 265138, Acórdão n. 490/2011, de 30.08.211, Rel. Rowilson Teixeira, Data 06.09.2011.) (Grifei.)

No que pertine ao comumente denominado “Caixa Dois”, a malversação na captação e nos gastos dos valores de campanha eleitoral, diz o art. 30-A da Lei das Eleições:

Art. 30-A Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

§ 3º O prazo de recurso contra decisões proferidas em representações propostas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Grifei.)

Com efeito, as sanções previstas nesse dispositivo estão condicionadas à captação ou ao gasto ilícito de valores para atos de campanha do candidato que sejam comprovados.

Entre outras ilegalidades, a norma de regência coíbe a movimentação financeira de recursos, ainda que lícitos, sem trânsito pela conta bancária específica (art. 22, caput, da LE). A seu turno, o TSE consolidou que a configuração da ilegalidade depende da gravidade da conduta, a ponto de prejudicar a lisura das eleições, e não da potencialidade em interferir no resultado do pleito (RO n. 1.540 – Rel. Min. Félix Fischer - J. Em 28.04.2009).

Ao caso propriamente dito, peço vênia para reproduzir longo trecho da sentença, que muito bem descreve e valora os fatos, permitindo melhor análise das questões postas (com grifos meus):

Compulsando os autos, vejo que os pontos nucleares que alicerçam a existência da presente AIJE norteiam-se nestes aspectos minudentemente averiguados:

1) Uso de ônibus em campanha sem a devida contabilização na prestação de contas:

Consoante atesta o Ministério Público Eleitoral, os requeridos teriam utilizado, para carreata realizada em 30/09/2012, onze ônibus da empresa Irmãos PASA, concessionária de linha intermunicipal de transporte coletivo, incluindo, ainda, na ocasião, transporte realizado por outra empresa, sendo que as despesas oriundas de tal atividade não teriam sido consignadas devidamente na prestação de contas dos candidatos ou foram declaradas a menor.

Inclusive, conforme a parte representante, ao longo de toda a campanha feita no município, os candidatos teriam disponibilizado o transporte dos participantes de seus comícios, como, por exemplo, para a abertura do comitê principal, em 11/08/2012.

Foram juntados vídeos e colhidos depoimentos de testemunhas acerca do ocorrido, os quais ora cotejo com a argumentação esgrimida pelo Parquet: [...]

1.1) Prova extraída dos CDs acostados aos autos:

no vídeo denominado “Carreata 11”, constata-se a existência de imagem (sem áudio, tampouco sem identificação do dia, do horário e do local exatos no qual fora realizada a filmagem) em que uma sucessão de veículos - aparentemente dirigidos por simpatizantes munidos de bandeiras na qual figuram os símbolos de campanha dos representados - deslocam-se para localidade ignorada, haja vista que o vídeo foca somente em uma estrada, tendo ao fundo uma bucólica imagem de um campo, sem que seja tangível discernir, com exatidão e fidedignidade, a localização em que se dera o fato, nem para onde estão se dirigindo os veículos filmados.

Não há, pois, como inferir-se - sem correr o risco de que seja forjada uma conclusão prejudicial a qualquer das partes - o objetivo pelo qual tantos veículos estão a deslocar-se rumo a um local sem identificação (ao que parece, estão indo para um comício, mas tudo não passa de meras ilações empreendidas por esta magistrada, porquanto, em suma, as imagens em questão não dão azo a um entendimento mais acurado sobre o tema).

Ademais, no vídeo, como as imagens resumem-se a mostrar veículos em movimento, nele não vislumbrei a presença efetiva de nenhum dos representados, tampouco se a destinação exata de tais bens móveis era, de fato, um comício da lavra dos investigados.

De outra banda, por volta do final da gravação, constatei o que segue: 1 (um) ônibus da empresa “Paz e Guerra”, 8 (oito) ônibus da empresa Irmãos Pasa S.A., 1 (um) ônibus repleto de adesivos colados, que quase ocultavam a inscrição “ESCOLAR” estampada na lataria do veículo, além de 1 (um) ônibus da empresa Santa Cruz, que seguem na mesma direção dos demais veículos em diligência.

Após esse breve clímax, o filme citado termina como começou: sem esclarecer dia, horário e local em que se dera a movimentação mencionada, sem ao menos citar envolvidos na atividade referida, sem aclarar este juízo sobre aspectos mais contundentes e decisivos que lançassem lume às acusações escandidas neste tópico. Ora, o vídeo referido resume-se a uma cena quase estática, sem identificação de dados detalhados acerca do evento e, ademais, sem comprovar a verdadeira periodicidade de realização do acontecimento ali constante, haja vista que, repito, segundo a parte representante, ao longo de toda a campanha eleitoral se verificara a ocorrência de ofertamento de veículos de transporte aos simpatizantes dos investigados por meio de flagrante quantidade de ônibus disponíveis nesses eventos, o que não se pôde comprovar mediante análise do material ofertado em sua denúncia.

Com efeito, acerca deste ponto, a celeuma permanece: como deduzir-se que, deste vídeo, todos os comícios e todas carreatas relativos aos demandados foram promovidos nos moldes aduzidos pelo MPE em sua exordial, isto é, será que em tais ocasiões, realmente, foram ofertados veículos para transporte de simpatizantes na nababesca quantidade verberada pela denúncia?

Em busca de mais informações acerca do alegado, assisti ao CD sem identificação externa que se encontra juntado aos autos, da marca Faber Castell. Nele, há diversas gravações focadas no mesmo fato acima descrito – com a exceção, gize-se, de que a mídia ora citada possui gravação de áudio, ainda que pouco discernível por ter sido feita em ambiente externo e de forma amadora.

Tirante tais problemas de ordem técnica, foi possível constatar (e repito-me novamente, para deixar clara a questão) que a gravação foi realizada no mesmo dia que a anterior, mas sob uma perspectiva diferente, mais focada nos veículos, de modo que pude escutar o anúncio de que uma carreata estaria sendo produzida no local (contudo, não consegui saber qual seria o local, tampouco a data em que se deu o evento e se o mesmo contava com a chancela dos envolvidos).

Ao final de todas as gravações (praticamente idênticas, destoando apenas no tempo de filmagem de cada uma delas), vi a mesma cena já descrita retro quando tratei da filmagem “Carreata 11”, ou seja, a passagem dos ônibus das empresas já qualificadas, na exata quantidade acima mencionada, portando simpatizantes da agremiação partidária dos investigados.

Ante o fato de os vídeos até agora contemplados não terem esclarecido à perfeição as dúvidas colocadas retro, fundamentadas sobre o teor da denúncia feita pelo representante, continuei a perscrutar respostas mais concretas nas demais provas juntadas ao processo, com destaque ao rol de testemunhas ouvido na audiência realizada para este fim, cujos detalhes fulcrais obtidos descreverei a seguir.

1.2) Prova extraída da oitiva de testemunhas ocorrida na audiência de instrução e julgamento:

outro meio probatório disponibilizado pelas partes foi a colheita de depoimentos das testemunhas, que, em verdade, muito pouco acrescentaram aos dados já obtidos por este juízo.

Ora, explico-me. Em primeiro lugar, a gritante maioria das pessoas ouvidas neste processo o foram na qualidade de meras informantes, seja por guardarem interesse direto no deslinde da demanda (caso da candidata Iolanda Guindani), seja por manterem estreitos liames com as partes envolvidas (por motivos laborais e/ou judiciais), de modo que a essência do colhido em seus depoimentos está despida da robustez e da força probatória advindas da prova testemunhal juramentada e, por tal natureza, mais imparcial.

Malgrado as considerações tecidas acima, em nome da integralidade de apreciação de todo o conjunto probatório acostado aos autos que quero imprimir a esta sentença, citarei os mais relevantes, por assim dizer, trechos do relato dos informantes indagados sobre o acontecimento em epígrafe.

Em primeiro lugar, contemplemos a declaração da informante Iolanda Guindani, candidata a prefeita de Lagoão, acerca do assunto. Antes de adentrar a questão alvo deste tópico, ela assumiu ter procurado o órgão ministerial com o fito de apresentar as alegações que baseiam esta AIJE, o que fortalece ainda mais seu interesse direito sobre as consequências deste feito, com o que seu depoimento, de fato, deve ser contemplado sob a ótica de informante. Na sequência, ela tratou de asseverar que, em pesquisa às empresas de ônibus da região que fazem transporte de eleitores em campanha, foi informada que teria de adimplir, por veículo, a quantia de “uns R$ 400,00”. A respeito disso, não apresentou nenhuma prova aos autos que formalizasse o valor cobrado pelo serviço citado. Ainda, segundo cálculos aproximados da lavra da própria, teriam sido utilizados “no mínimo 11 (onze) ônibus pelos investigados ao longo de todo o período de campanha”.

O Sr. Elias Setter, segundo informante escutado, o qual é primo da candidata Iolanda Guindani, cunhado do outro candidato a prefeito derrotado nas urnas, Salvador Vítor, e afilhado do investigado Algilson, além de ter exercido cargo de confiança na antiga Administração da Prefeitura Municipal, tendo sido demitido pela atual, disse ter “ajudado na campanha do 11” (sigla dos investigados), tendo, ao final, rumado para o lado rival. Sobre o assunto em análise, ele não soube precisar nem o quantitativo de veículos empregados pelos requeridos em campanha, tampouco o preço pago pelo serviço, tendo se restringido a elucubrar valores entre “R$ 350,00 a 400,00” por viagem empreendida pela empresa.

O Sr. Olívio Torrel, que chegou a ser juramentado como testemunha, cujo compromisso recebeu a contradita do procurador da parte representada, haja vista que o mesmo é dono de mercado na cidade e participante de licitações abertas pela Administração passada, disse que vira uns “10, 12 ônibus da empresa Irmãos Pasa e de outra empresa” em comício feito pelo investigado. Também não soube precisar valores porventura auferidos pelas empresas quanto aos serviços prestados, nem mesmo a periodicidade em que verificada a prática do ato.

Já a Sra. Rosiméri dos Santos, igualmente ouvida como informante pelo fato de ter ligação direta com a sigla “12”, notória adversária de campanha dos investigados, não soube fixar, com exatidão, o número de veículos utilizados em comícios dos referidos representados, bem como nada acrescentou acerca de eventuais valores cobrados pelo serviço.

E, quase nessa mesma toada, seguiu a alegação realizada pelo Sr. Cândido Tadeu (também ouvido como informante por ser simpatizante da sigla “12”), último a participar como depoente favorável à parte representante.

Do contexto até aqui narrado, são poucas as luzes lançadas às acusações carreadas nos autos e muitas as dúvidas que obliteram o entendimento do que, de fato, ocorreu na campanha eleitoral de Lagoão promovida pelos investigados. Da nebulosa acareação testemunhal e dos poucos elucidativos vídeos juntados ao processo ficou apenas esta relativa impressão: houve o transporte, não se sabe quando, para onde e por quem, de alguns simpatizantes (porquanto ostentadores, nas imagens da mídia em análise, da flâmula da agremiação dos investigados) por meio de ônibus das empresas Pasa, Paz e Guerra e Santa Cruz.

Ainda, pela verificação da prestação de contas dos requeridos, houve o pagamento de valores, por serviços prestados, à primeira empresa mencionada, mas nada declarado nesse sentido acerca das demais citadas. Outra questão: com que frequência o aludido transporte ocorreu? Quanto, de fato, foi pago a tais estabelecimentos empresariais? Infelizmente, essas interrogações, do contexto probatório à disposição deste juízo, restaram anemicamente equacionadas.

Sabe-se apenas, até agora, que, em determinado evento de campanha eleitoral em Lagoão, oito (8) ônibus da empresa Pasa (cujo adimplemento pelo serviço prestado restou comprovado nos autos), 1 (um) ônibus da empresa Paz e Guerra (não vislumbrei pagamentos realizados a tal estabelecimento por parte dos investigados) e 1 (um) ônibus da empresa Santa Cruz (também não descobri se houve pagamento efetivo ao estabelecimento pelo serviço prestado) estavam portando simpatizantes de campanha da sigla partidária “11”. Isso é a efetiva conclusão que se extrai dos autos. O resto são meras ilações, conjecturas ou acusações que não restaram respaldadas pelas provas acostadas aos autos.

1.3) Cotejo definitivo realizado entre as provas de áudio, os depoimentos e as demais documentações acostadas nos autos:

No meu conceber, da análise do contexto probatório juntado ao processo eleitoral (e aqui já incluo as fotos de redes sociais acostadas aos autos, cujas imagens fazem eco à nebulosidade mencionada acima), não restou percucientemente demonstrada a ocorrência fática de todas as denúncias efetuadas pela parte representante sobre o tópico em análise. Por óbvio, da vista das mídias “carreata 11” e do CD da “Faber Castell” acima descritos, é perceptível, repito, a movimentação de ônibus de três empresas distintas, portando simpatizantes da sigla citada, rumo a um destino desconhecido. Todavia, a despeito de tal ocorrência, persiste a pergunta: como não provado o volume de periodicidade do fato e o real envolvimento dos investigados nesse ponto da denúncia, o uso dos ônibus que figuraram, uma única vez, ao que parece, no vídeo, teria gerado grave desequilíbrio na disputa e, nesse condão, teria prejudicado a competitividade do pleito municipal de 2012 no município de Lagoão? E mais: houve abuso de poder econômico à época da campanha eleitoral dessa pequena cidade?

Teço tais perguntas por razões de suas respostas serem capitais para o deslinde desta demanda, haja vista que o juízo de procedência porventura emanado nas AIJEs balizadas no art. 30-A da Lei nº 9504/97 deve pautar-se em dois princípios basilares, a saber, a proporcionalidade e a razoabilidade. Sobre os aludidos valores legais pronunciar-me-ei mais detidamente doravante, mas tenciono, neste tópico do mérito da demanda, cravar já minha decisão de alinhar esta sentença com estreiteza bastante forte aos preceitos sobre a matéria erigidos pela doutrina e pela jurisprudência quanto aos processos de AIJE com embasamento no artigo acima citado.

2) Despesas efetuadas com combustíveis mediante distribuição de “vales”:

Em carreatas promovidas pelos candidatos e pela Coligação representada, segundo o Ministério Público Eleitoral, teria sido ofertado, para todos os partícipes, o abastecimento de seus veículos mediante ampla distribuição de vales. Citou-se como caso emblemático a carreta empreendida em 30/09/2012 pelos representados, em que a distribuição de combustível teria sido realizada no Posto Pohlmann, segundo asseverou o Parquet.

2.1) Prova extraída dos CDs acostados aos autos:

no CD identificado como “Abastecendo 11”, há um filme focando na movimentação de pessoas em um posto de gasolina (aparentemente, o Posto Pohlmann), sem identificação de data, tampouco inclusão de registro de áudio discernível. As imagens constantes do vídeo estão bastante tremidas, sem foco, mas observam-se, mesmo assim, frentistas abastecendo veículos em sua maioria com identificação partidária. Percebe-se um movimento intenso no estabelecimento, mas, até aí, nada há para pontuar como fato relevante que ateste contra a conduta dos investigados. Lá por meados do filme é que se consta a cena isolada de uma frentista portando um papel encarnado, imagem que guarda semelhanças com as fotografias juntadas ao processo acerca deste tópico 2.

Logo, ambas as imagens da figura feminina portando o papel famigerado, tanto a do filme, quanto a das fotos, são as mesmas, o que não corrobora a tese articulada pelo representante de que “todos os partícipes da carreata, sem exceção, teriam recebido vales em dinheiro para troca de combustível”. Ora, caso isso fosse veraz, certo é que a própria parte representante teria conseguido obter, nas filmagens feitas, mais imagens de outras pessoas portando vales, o que não ocorreu.

E, ainda que tal cena se tivesse verificado, o ofertamento de combustíveis a simpatizantes que participam de carreata de candidatos em eleição não é conduta defesa por esta Justiça Especializada, entendimento que foi cunhado lapidarmente pela Presidente do c. Tribunal Superior Eleitoral, Exma. Sra. Cármen Lúcia, desde o mês de agosto de 2012.

O que poderia ser questionado neste tópico seria, caso houvesse a comprovação de que a grande maioria de pessoas que aportaram no posto aquele dia (não se sabe qual, porquanto as provas restam silentes nesse aspecto) teriam recebido gratuitamente combustível, é o fato do não lançamento do todo da despesa efetuada na prestação de contas dos candidatos. O problema cinge-se ao fato que, do contexto probatório juntado a esse respeito, inclusive da movimentação de valores recebidos pelo Posto no período citado pelo MPE como irregular, não há como inferir-se, necessariamente, a ocorrência de desvio ou não declaração de valores gastos em campanha nesse sentido, o que desqualifica o teor da denúncia neste tópico específico.

Quanto às demais filmagens versantes sobre o tema em análise, há que mencionar o muito pouco que acrescentaram ao vídeo-paradigma acima já dissecado, o mesmo podendo ser dito relativamente às fotos ampliadas do contexto da denúncia, porquanto todas tratam do mesmo evento já verificado retro, somente sob ângulos distintos, os quais não lograram captar imagem alguma que, de forma nítida e cabal, viesse a corroborar os pontos-chave da acusação feita neste tópico.

Por fim, da prestação de contas apresentada, percebe-se a regular declaração de valores gastos em combustível no percurso de campanha, de maneira que, ante a fragilidade das provas apresentadas contra os fatos comprovados pelos investigados, torna-se temerário o juízo pela procedência desta demanda com base no constante do tópico 2 da sentença.

3) Locação de aparato de som com declaração a menor de gastos efetuados:

Consoante atestou o Parquet e, nesse sentido, o depoimento dos informantes apresentados pelo representante ministerial (com destaque ao que alegaram a Sra. Iolanda Guindani e a Sra. Rosemeri dos Santos), na abertura do comitê dos representados, houve a utilização de aparato de som no valor de R$ 4000,00 (quatro mil reais). Todavia, com vistas ao reforço do alegado, não houve a apresentação de nenhum documento ou prova mais contundente passível de comprovar que o montante pago pelos representados à empresa contratada fora exatamente esse.

A contrario sensu, em análise da documentação constante destes autos, o que se vê é a existência de uma nota fiscal paga pelos investigados à empresa Paradoxson, na quantia de R$ 1.170,00 (mil cento e setenta reais), regularmente lançada na prestação de contas apresentada pelos candidatos no que tange ao serviço em questão.

Destarte, em razão da inexistência de prova documental convergente com a informação passada por alguns dos informantes ouvidos em juízo, e em face da comprovação da despesa feita pela parte representante quanto ao serviço aludido, a qual se encontra legalmente lançada na prestação de contas e comprovada com a apresentação de nota fiscal válida, rechaço, no ponto, este tópico, passando à análise do próximo.

4) Despesas não declaradas com Diretórios

Conforme argumentou o Ministério Público Eleitoral, os investigados, além de subsidiarem a mantença de um Comitê - este aberto ao público e com despesas de pré-instalação declaradas em prestação de contas -, também utilizava-se das instalações da residência do Sr. Flávio Camargo como se fosse um Diretório, local em que diversas atividades de campanha teriam sido realizadas. Cumpre ressaltar que o Sr. Camargo foi ouvido em juízo na qualidade de informante por ser, além de filiado ao PDT, casado com funcionária de cargo de confiança da atual Administração.

O depoimento do informante citado, contudo, não deixa patente que a residência referida tenha sido usada, contumazmente, como bunker de campanha. Na verdade, segundo o proprietário do imóvel, “Quando tinha uma turma, eu reunia pra pintar umas bandeira” (sic), sendo que sua casa não teria sido permanentemente usada como se Diretório de campanha fosse.

É inegável a existência de fotos extraídas do site de relacionamentos Facebook, que aparentam mostrar o interior de um local repleto de bandeiras artesanais estampadas com os símbolos de campanha dos representados. Contudo, não dá para, como corolário lógico da assertiva retro, dizer que tal local é pertencente à residência do Sr. Camargo, pois nenhuma prova nesse sentido restou juntada.

Também não houve comprovação de que o Sr. Camargo tenha recebido R$ 800,00 para que cedesse o espaço de sua casa para uso dos investigados, pois a única alegação nesse sentido resume-se ao trecho da peça acusatória juntada pelo próprio órgão ministerial, sem que nada de mais concreto fosse apontado a esse respeito.

Ademais, os vídeos trazidos ao lume dos autos, denominados “Diretorio 11 (2)” e “Diretorio 11 Flavio” (sic) nada trazem de novo ao debate, pois restringem-se a mostrar parte do exterior de uma casa, cuja fachada traz alguns adesivos colados com a sigla “11” - demonstração de simpatia a uma agremiação partidária totalmente permitida pelos diplomas eleitorais vigentes no país, frise-se.

De outra banda, em depoimento feito pelo Sr. Jesus Alencar Fritsch, ouvido na qualidade de informante por ser tesoureiro do PMDB, constatou-se que o terreno utilizado pelo Comitê oficial dos investigados durante a campanha elei toral fora por ele cedido a título gratuito o que, de fato, não consta averbado na prestação de contas dos candidatos representados.

Não obstante isso, a mesma prestação de contas traz a baila a declaração de gastos referentes à pré-instalação do citado comitê, o que supriu (mas não sanou de todo) a ausência de contabilização da cedência do terreno empregado na campanha como bem estimável em pecúnia.

A falha em que incorreram os demandados, isoladamente, não enseja a incidência das penas previstas no art. 30-A da Lei das Eleições, razão pela qual somente sua adição a um conjunto probatório robusto e maior poderá redundar o sancionamento citado, o que será verificado ao longo do desenrolar desta sentença.

5) Despesas com pessoal:

No que concerne ao contingente de pessoal empregado na campanha sob investigação eleitoral, aduziu o Parquet que as provas juntadas aos autos demonstram claramente a existência declarada de um considerável montante de pessoas pagas trabalhando em prol dos representados, sem que nenhuma dessas despesas tenham sido contempladas na prestação de contas apresentada em juízo pelos candidatos.

Apreciando as provas existentes no processo acerca do fato alegado pela parte representante, constatei o seguinte:

5.1) Que o vídeo denominado “Conversa 11”, o qual traria conteúdo sobejamente esclarecedor sobre os fatos narrados pela parte representante, trata-se, na verdade, de uma filmagem bastante desfocada, com diálogos indiscerníveis.

Ao escutá-lo, o espectador é defrontado com a imagem de parte do perfil de um senhor utilizando camisa vermelha com listras brancas, sentado no interior de um carro (de onde parte a perspectiva da filmagem), que conversa com um interlocutor cuja imagem, bem como a voz, são impossíveis de serem identificadas. Inclusive, o onus probandi do alegado, a cargo do representante, que deveria ter identificado os partícipes da conversa, e ter providenciado uma gravação que oportunizasse uma satisfatória oitiva do diálogo entabulado pelos interlocutores, restou inobservada. Dos sons ouvidos por esta magistrada quando da apreciação do vídeo, só lograram sobressair ruídos, onomatopeias e palavras soltas advindas, repito, de pessoas que não foram identificadas, tampouco confirmaram, tendo oportunidade para tanto, a autenticidade do exposto na filmagem.

5.2) Que o vídeo “carro de som – Anderson trabalhando” mostra, de maneira rápida, uma pequena perseguição, ao longo das ruas de Lagoão, empreendida pela pessoa que filmava o carro de som contendo adesivos do PMDB em direção ao condutor do citado veículo que, instado a manifestar-se sobre o recebimento (ou não) de quantias para executar a atividade em questão, não ofertou resposta passível de entendimento claro por este juízo. Nem mesmo o indivíduo mencionado na denominação do vídeo, Sr. Anderson, foi arrolado na audiência de instrução e julgamento, a fim de que restasse apurado o modo como se deu sua participação na campanha movida pelos investigados.

5.3) Que os depoimentos realizados pelos informantes (haja vista que nenhuma testemunha compromissada mencionou algo a esse respeito) nada acrescentaram de contundente acerca do eventual recebimento ou não de contraprestação pecuniária por parte dos simpatizantes que trabalharam na campanha dos representados, com o que não vejo como recepcionar as alegações postuladas pela parte representante, sendo que as mesmas padecem de lastro que as munifiquem de força comprobatória real.

5.4) Que as fotos extraídas de sítios de relacionamento, bem como outras de semelhante espécie acostadas aos autos, nada lograram acrescentar ou mesmo deixar assente a aventada omissão de declaração na prestação de contas dos candidatos de serviços pagos a pessoas que trabalharam em sua campanha eleitoral.

5.5) Que, por fim, o Cd alcunhado “jingles 11”, juntado aos autos, constitui-se de uma reunião de canções de campanha mencionando os investigados, resumindo-se tão somente à gravação de áudio de uma voz entoando canções tipicamente eleitoreiras, sem adicionar nenhum dado mais concreto acerca do participante da referida gravação, que poderia (mas não foi) ter sido arrolado em audiência como prova testemunhal a aduzir o ocorrido – o que, novamente repito, não se deu na ocasião oportunizada por este juízo.

Inexitosa, mais uma vez, a juntada de documentação apta a comprovar, de forma robusta, a acusação relatada pela parte representante, declaro este tópico como desprovido de força a ensejar eventual juízo de procedência da demanda, ante a deficiência do contexto probatório cá reunido.

6) Da utilização e da locação de veículos não declarados na prestação de contas:

Aduz o Ministério Público Eleitoral que, na campanha promovida pelos representados, 11 (onze) veículos teriam sido empregados, sendo 3 (três) deles alugados sem o necessário registro de gastos na prestação de contas eleitoral. Tencionando comprovar o alegado, duas empresas foram instadas por este juízo a manifestarem-se acerca de prováveis locações de carros (cujas placas foram previamente apontadas pelo Parquet) feitas por algum dos investigados neste processo.

Como resposta, a empresa ROSASUL informou que o senhor Ari dos Santos Borges firmou contrato de locação do veículo Gol VW – placa ISP 4145 – entre os dias 21/08/2012 a 11/03/2013. Vale dizer a esse respeito, que, ao longo de toda a instrução do processo, em momento algum, a parte representante requereu a oitiva do Sr. Ari como forma efetiva de ser aclarado esse ponto da denúncia. Além do mais, tampouco a data de devolução do veículo converge minimamente com o interstício temporal em que fora realizada a campanha eleitoral de Lagoão (cujo término deu-se em 07/10/2012, sendo que a entrega do carro à locadora foi feita apenas em março, ou seja, 5 meses após findo o período eleitoral no município), sendo pouco crível que este juízo possa respaldar a acusação impingida contra os acusados tomando-se como mote esse fato apenas.

Já a resposta da empresa LOCALIZA RENT A CAR S/A foi um tanto mais elucidativa. Oficiado, o referido estabelecimento informou que locou os veículos de placas OLS 5677 e OLS 5613 ao senhor Genésio de Andrade Pohlmann - testemunha juramentada ouvida por este juízo – durante o período que começou em 09/09/2012 e terminou em 08/10/2012 (justamente o dia posterior à votação realizada em Lagoão).

Inquirido sobre o assunto, o Sr. Genésio redarguiu dizendo que as locações mencionadas foram feitas para si e para sua esposa, mas não juntou prova alguma que corroborasse sua assertiva. Outrossim, resta muito estranho o fato de a devolução dos veículos citados ter-se dado em dia posterior ao da votação oficial realizada no município, do que se infere, fatalmente, a constatação de que tais carros tiveram algum liame com a campanha empreendida pelos investigados, mormente porque estampada a sigla “11” em adesivos colados no vidro dos automóveis.

Destarte, depurando todo o contexto probatório acostado aos autos, infere-se que a prova mais robusta até este momento analisada é esta, consubstanciada na existência de veículos empregados em campanha por obra de um simpatizante da sigla, cujo lançamento na prestação de contas dos investigados restou inobservado.

E mesmo que, no amparo da pretensão dos investigados, fosse utilizada, de forma um tanto elástica, a previsão do art. 31 da Res. TSE nº 23.376/2012 (que permite ao simpatizante de partido gastar, em nome da campanha eleitoral, cifras até o somatório de R$ 1.064,10), o quantum autorizado pelo citado diploma legal encontra-se muito aquém do patamar de valores utilizado pelo Sr. Pohlmann para a locação dos carros empregados na campanha dos representados, de modo que, analisada à exaustão as provas apresentadas sobre este tópico, passo ao enfrentamento da decisão meritória deste caso.

Nesse diapasão, reputo ser oportuna a realização de algumas considerações acerca dos pressupostos doutrinários e jurisprudenciais que, comumente, respaldam a construção processual da AIJE com fulcro no art. 30-A da Lei nº 9504/97.

Imperioso mencionar, nesse sentido, que a reforma eleitoral idealizada pela Lei n.º 11.300/2006 buscou atingir os seguintes aspectos: eliminar ou reduzir a corrupção, o abuso de poder econômico e todas as formas de desvio dos recursos financeiros eleitorais. Tal alteração veio estatuída pela introdução do art. 30-A na Lei das Eleições, nos seguintes termos:

[...]

O referido artigo, indubitavelmente, foi o principal sistema repressivo das infrações às normas contábeis da campanha eleitoral, no sentido de permitir a grave penalidade de cassação do diploma do candidato que não tenha atendido as regras que têm por escopo a extinção do conhecido “caixa dois” e de todas as formas de corrupção e abusos que o poder econômico pode propiciar, em detrimento do equilíbrio da disputa.

Destarte, com essa nova sistemática de controle, a Justiça Eleitoral passou a focar na destinação e na origem dos recursos movimentados pelos candidatos sob uma ótica mais rígida e com maior efetividade na fiscalização. E, face a tal inovação normativa salutarmente introduzida pelo legislador na esfera eleitoral, cabe aos candidatos, bem como a seus partidos políticos e respectivos administradores, articularem-se de modo a respeitarem com efetividade os dispositivos legais relativos ao modo como devem apresentar suas prestações de contas e, obviamente, a forma como carecem de conduzir suas respectivas campanhas eleitorais.

A inobservância, pelos responsáveis, de tais preceitos, têm crescentemente ensejado rigorosas reprimendas por parte desta Justiça Especializada, a qual, sempre que colocada diante de provas inconcussas que atestem a ocorrência dos fatos tipificados nas normas em comento, têm respondido à altura dos clamores sociais que buscam a concretização da justiça por que tanto se pugna nas ruas, a exemplo do lapidar acontecimento ilustrado pelo Parquet em suas alegações finais (as manifestações em torno da PEC 37).

Todavia, friso que a resposta exata, rigorosa e drástica oferecida pela Justiça Eleitoral sempre que instada a julgar casos de caixa dois e de mal emprego de verbas em campanha eleitoral dá-se diante de um cabedal de provas averiguadas sob os conceitos da robustez e da incontestabilidade na forma, além de, no conteúdo, terem de evidenciar uma desproporção entre o ato irregular perpetrado pelo investigado ante o contexto de campanha em que viveu e o eventual desequilíbrio por ele causado ao pleito que disputou.

Logo, dois são os valores sopesados na questão que ora está a ser decidida: se o mal realizado pelos investigados é passível de sofrer as reprimendas previstas na legislação eleitoral ou, se, ao contrário, por não terem dado azo, com os atos realizados, a gritante desproporção e desequilíbrio às eleições de Lagoão, não estão submetidos às consequências preconizadas pelo art. 30-A da Lei nº 9504/97. Adiciono, ainda, outro princípio que deve cá ser analisado sob a ótica em estudo: é razoável que os investigados sejam punidos com a previsão do artigo mencionado em virtude das irregularidades que cometeram, o que alterará, aliás, a vontade popular sacramentada nas urnas eletrônicas de Lagoão em 07 de outubro de 2012?

[…]

Portanto, cinge-se a matéria de fundo a verificar se houve a comprovação dos ilícitos e, em caso positivo, a extensão da sua gravidade e qual a reprimenda aplicável.

De fato, após análise do conjunto probatório, tenho que não há nos autos suporte apto a ensejar juízo condenatório. Nesse sentido, ressalto que tive acesso a todos os documentos, áudios, vídeos e fotos dos autos, e não cheguei a conclusão outra que não fosse a da magistrada de piso.

Mais especificamente, comungo do entendimento de que, da totalidade das imputações feitas, restaram demonstradas apenas as seguintes: a) emprego de 02 (dois) ônibus em campanha dos demandados sem o lançamento na respectiva prestação de contas; b) declaração parcial de utilização de comitê eleitoral no processo de prestação de contas concernente; e c) locação, por simpatizante da sigla partidária, de 02 (dois) veículos utilizados ao longo de quase um mês de campanha eleitoral. E que, nesse cenário, sopesando as variáveis do caso concreto, tanto sob o ponto de vista formal quanto material, a cassação do diploma por incidência do art. 30-A da Lei das Eleições mostrar-se-ia desproporcional à gravidade das condutas e à lesão causada ao bem jurídico tutelado pela norma, cediço, ademais, que não há previsão de multa na norma de regência.

Nesse sentido a jurisprudência do TSE e desta Corte:

Representação. Arrecadação ilícita de recursos.

1. Comprovada, por outros meios, a destinação regular dos saques efetuados em espécie na conta bancária específica, ainda que em dissonância com o disposto no § 1º do art. 21 da Res.-TSE nº 23.217/2010, resta evidenciada a possibilidade de controle dos gastos pela Justiça Eleitoral.

2. Este Tribunal tem decidido pela aplicabilidade dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no julgamento das contas de campanha, quando verificadas falhas que não lhes comprometam a regularidade.

3. Para a cassação do diploma, nas hipóteses de captação ou gastos ilícitos de recursos (art. 30-A da Lei nº 9.504/97), é preciso haver a demonstração da proporcionalidade da conduta praticada em favor do candidato, considerado o contexto da respectiva campanha ou o próprio valor em si.

Agravo regimental não provido.

(TSE – Agravo Regimental em Recurso Ordinário 274641 – Rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares – DJE de 15.10.2012, p. 03.) (Grifei.)

 

Recurso. Arrecadação e gastos ilícitos de recursos para a campanha eleitoral. Art. 30-A da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Improcedência da representação no juízo originário.

Contexto probatório duvidoso e insuficiente para comprovar os fatos alegados e para caracterizar a conduta imputada. Não demonstrado o comprometimento da higidez da norma de regência e eventual reflexo no equilíbrio da disputa eleitoral.

Provimento negado.

(TRE/RS – RE 360-80 – Rel. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – J. Sessão de 22.01.2014.) (Grifei.)

 

Recurso. Decisão que julgou improcedente representação pela prática da infração descrita no art. 30-A da Lei das Eleições. Alegada captação e emprego de recursos sem a necessária contabilização na prestação de contas.

Inocorrente hipótese de incidência da norma em apreço. As incorreções contábeis impugnadas não detêm potencialidade lesiva para ensejar o desequilíbrio entre os candidatos ao pleito e, portanto, não caracterizam abuso do poder econômico.

Ausente a relevância jurídica dos fatos narrados para justificar a aplicação proporcional da sanção prevista na norma, impondo a preservação do mandato outorgado livremente pela vontade popular.

Provimento negado.

(TRE/RS – RE 305553 – Rel. Dr. Artur dos Santos e Almeida – J. Sessão de 27.09.2011.) (Grifei.)

Por conseguinte, não há que se falar em abuso do poder econômico com as práticas tidas por ilícitas, visto que não comprovados fatos que pudessem macular a lisura do pleito e malferir o princípio da isonomia em desfavor dos demais candidatos, características indispensáveis à conformação do pretendido abuso.

Ademais, ao contrário do que sinalizou o recorrente, há efetiva independência entre o resultado do processo de prestação de contas dos candidatos e esta seara, estando já assentado pela jurisprudência que a reprovação daquelas, por si só, não enseja automática condenação com esteio no art. 30-A da lei das eleições; sendo que, no caso, sequer isso ocorreu, porquanto, na sede própria, as contas foram aprovadas, com ressalvas, exclusivamente porque a conta bancária específica de campanha extrapolou em 10 (dez) dias a data até a qual deveria ter sido aberta (cópia da respectiva sentença às fls. 98-99).

Outro não é o entendimento do Procurador Regional Eleitoral, que bem destacou (fls. 458-467v.):

[...]

Assiste razão ao recorrente quando afirma que existem algumas inconsistências na prestação de contas dos representados. Porém, identificadas as irregularidades, deve-se analisar se elas são capazes de configurar arrecadação ou realização de gastos ilícitos na campanha, nos termos do art. 30-A, § 2º da Lei nº 9.504/97, e se é proporcional a incidência da pena de cassação do diploma já outorgado aos investigados.

Em primeiro lugar, verifica-se que o bem jurídico tutelado pela norma do art. 30-A da Lei nº 9.504/97 é a moralidade e a lisura das eleições. JOSÉ JAIRO GOMES, em Direito Eleitoral (ed. São Paulo: Atlas, 2011, pg. 490) ensina que:

“É explícito o desiderato de sancionar a conduta de captar ou gastar ilicitamente recursos durante a campanha. O objetivo central dessa regra é fazer com que as campanhas políticas se desenvolvam e sejam financiadas de forma escorreita e transparente, dentro dos parâmetros legais. Só assim poderá haver disputa saudável entre os concorrentes.

O termo captação ilícita remete tanto à fonte quanto à forma de obtenção de recursos. Assim, abrange não só o recebimento de recursos de fontes ilícitas e vedadas (vide artigo 24 da LE), como também sua obtenção de modo ilícito, embora aqui a fonte seja legal. Exemplo deste último caso são os recursos obtidos à margem do sistema legal de controle, que compõem o que se tem denominado “caixa dois” de campanha.”

Ao captar e utilizar recursos de forma desorganizada, prejudicando o controle da Justiça Eleitoral, os candidatos podem ter lançando mão de um “Caixa Dois”. Essa prática é estritamente vedada pela Justiça Eleitoral, na medida em que a utilização de recursos não contabilizados (ou mesmo oriundos de fontes vedadas ou ilícitas), em regra, acaba servindo para a realização de outros ilícitos eleitorais, tais como o abuso de poder econômico (CF, art. 14, §§ 9º e 10), captação ilícita de sufrágio (Lei 9.504/97, art. 41-A), propaganda eleitoral irregular, etc., tudo em prejuízo da legitimidade das eleições e da igualdade entre os candidatos.

Ocorre que o conjunto probatório colacionado aos autos não é cabal neste sentido, não fazendo demonstração suficiente do alegado.

Ademais, a caracterização da prática do ilícito do art. 30-A não afasta, por si só, na fase seguinte, o questionamento sobre a proporcionalidade, no caso concreto, da aplicação da sanção de cassação do diploma.

José Jairo Gomes, na obra antes citada, afirma que “a sanção deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido”.

Explica que, por certo, uma irregularidade de pequena monta, que não tivesse maior repercussão na contexto da campanha do candidato, não seria robusta o bastante para acarretar a cassação do diploma, pois não agrediria seriamente o bem jurídico tutelado pela norma.

No entanto, salienta que “isso só é aceitável em caráter excepcional, relativamente a irregularidades irrelevantes”.

[…]

Dessa forma, por todas essas circunstâncias, a manutenção da sentença, com a negativa de provimento ao presente recurso é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pelo não provimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, mantendo a sentença de primeiro grau.