E.Dcl. - 357 - Sessão: 25/08/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração opostos pelo PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO – PSD,  com pedido de efeitos infringentes, contra o acórdão deste Tribunal que, por maioria, julgou improcedente o Recurso Contra Expedição de Diploma – RCED movido contra Sildo Jocelito Machado Cabreira e Coligação São Gabriel Não Pode Parar I.

O embargante alega que o voto que conduziu a decisão incorreu em obscuridades e omissões, pois, partindo de premissa equivocada, examinou a questão como se estivesse analisando o pedido de candidatura para a presente eleição, e não a condição de elegibilidade de Sildo à época do pleito de 2012. Assevera que o demandado possuía consciência de sua condição de inelegível na eleição passada em virtude da condenação imposta. Aduz que todos os precedentes jurisprudenciais indicam que o crime contra a propriedade imaterial por ele perpetrado constitui ofensa contra o patrimônio privado, inscrevendo-se na hipótese de inelegibilidade apontada, não cabendo, nos autos deste RCED, a discussão sobre a interpretação extensiva a afastar a infração do rol inscrito no art. 1º, inc. I, alínea “e”, item 2, da LC n. 64/90. Indica, ainda, omissões e obscuridades sobre pontos que teriam ficado sem resposta nos votos que acompanharam a divergência. Requer, por fim, com os esclarecimentos, a atribuição de efeitos infringentes para modificar o julgado.

É o relatório.

 

 

 

 

 

VOTO

Os embargos são tempestivos. O acórdão foi publicado no DJERS de 01.08.2014, uma sexta-feira, e os embargos opostos em 06.08.2014, quarta-feira, dentro, portanto, do tríduo legal.

Os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, dúvida ou contradição que emergem do acórdão, situando a matéria, no âmbito deste Tribunal, nos termos do artigo 275, I e II, do Código Eleitoral.

Dispõe aludido dispositivo legal:

Art. 275. São admissíveis embargos de declaração:

I - quando há no acórdão obscuridade, dúvida ou contradição;

II - quando for omitido ponto sobre que devia pronunciar-se o Tribunal.

Todavia, não se observa na decisão embargada a existência de omissão ou obscuridade alegada, ou qualquer das hipóteses acima mencionadas.

As razões trazidas pelo embargante evidenciam, a todo efeito, o inconformismo com a decisão que lhe foi desfavorável, não sendo plausível, em sede de embargos, a pretensão de ver a decisão novamente analisada.

O cerne do problema circunscreve-se à discussão protagonizada no voto condutor sobre a interpretação do art. 1º, inc. I, alínea “e”, item 2, da LC n. 64/90, resultando no afastamento do crime contra a propriedade imaterial perpetrado por Sildo do rol inscrito naquele dispositivo legal, deixando, assim, de aplicar a Lei Complementar n. 64/90, daí decorrendo todas as alegadas omissões e obscuridades apontadas.

Como se sabe, a Constituição Federal oferece mecanismos de verificação da constitucionalidade das normas contidas no nosso ordenamento jurídico, influência advinda do modelo norte-americano, consagrada a partir da primeira Constituição Republicana de 1891 e aperfeiçoada ao longo do tempo.

Não obstante a presente análise não comportar que aqui se discorra, longamente, sobre as diversas formas como esse controle se perfaz, certo é que pode ser exercido de modo difuso ou concentrado.

A Constituição Federal outorga o controle difuso da constitucionalidade das normas aos integrantes do Poder Judiciário, mediante seus juízes e tribunais, a teor dos arts. 97, 102, III, “a” a “d” e 105, II, “a” e “b”, direcionado, neste caso, ao objeto da demanda sob exame, de caráter individual ou coletivo, caracterizando a fiscalização a ser exercida de modo incidental ou em concreto.

Assim conforme o ensinamento do Ministro Gilmar Mendes (Curso de Direito Constitucional. Mendes, Gilmar Ferreira, e Branco, Paulo Gustavo G. Editora Saraiva. 7ª Edição, 2012, pág. 1169), o controle de constitucionalidade difuso, concreto, ou incidental, caracteriza-se, fundamentalmente, também no Direito brasileiro, pela verificação de uma questão concreta de inconstitucionalidade, ou seja, de dúvida quanto à constitucionalidade de ato normativo a ser aplicado num caso submetido à apreciação do Poder Judiciário. É mister – diz Lúcio Bittencourt – que se trata de uma controvérsia real, decorrente de uma situação jurídica subjetiva.

Anote-se que não se faz imprescindível a alegação dos litigantes, podendo o juiz ou tribunal recusar-lhe aplicação, a despeito do silêncio das partes. (Grifei.)

Não foi outro o recurso sintetizado no voto condutor, faculdade exercida pelo tribunal no controle difuso da constitucionalidade da norma infraconstitucional no caso concreto posto à apreciação. Assim, pode o julgador trazer à discussão a aplicação ou não do art. 1º, inc. I, alínea “e”, item 2, da LC n. 64/90, pois a hipótese de inelegibilidade estampada no caso concreto é ínsita ao dispositivo legal em comento.

Diferentes passagens daquele voto demonstram o exercício do poder conferido pela Constituição Federal:

[...]

Assim, se mesmo é possível questionar a automática suspensão dos direitos políticos quando de condenação criminal (o que aqui não será objeto de maior desenvolvimento), mais ainda se faz necessário refletir sobre a legitimidade constitucional da opção do legislador quando editou a Lei Complementar n. 64/1990.

[…]

É aqui que se enquadra a situação do recorrido SILDO JOCELITO, mas que teve condenação (com pena substituída por restrição de direitos) por crime contra o patrimônio privado, já com base numa discutível interpretação extensiva do alcance do art. 1º, I, e, 2, da LC 64/1990.

A tese que aqui se esgrime é a da inconstitucionalidade substancial da norma complementar, pelo menos no que diz respeito aos crimes contra a propriedade imaterial, pela desproporcionalidade manifesta, da suspensão por mais oito anos dos direitos políticos que já tinham sido suspensos anteriormente por força de condenação criminal até o momento da extinção da pena.

[...]

Aliás, quando a CF prevê que a legislação infraconstitucional poderá criar outras hipóteses de inelegibilidade para além das previstas na própria CF, é de se indagar se não estará implicitamente afastada a criação de inelegibilidades que digam respeito a fatos pelos quais já teve o cidadão seus direitos políticos suspensos, em homenagem a uma interpretação sistemática e que priorize os postulados da congruência e da integridade.

Além disso, quanto ao argumento de que no caso se está diante de situação distinta da prevista no art. 15, III, da CF, de tal sorte que não há que falar em uma situação similar ao bis in idem (dupla sanção na seara eleitoral pelos mesmos fatos), cumpre salientar que isso não afasta a possibilidade de se questionar a constitucionalidade do ponto de vista da proporcionalidade e mesmo razoabilidade da opção legislativa, seja quanto ao tipo delitivo que está em causa, seja quanto ao período pelo qual se considera inelegível o cidadão, mesmo depois que sua pena foi declarada extinta.

[...]

O que aqui se pretende é que seja aplicada a técnica da interpretação conforme a constituição sem redução de texto, deixando-se de aplicar a Lei Complementar pelo menos aos delitos de matriz eminentemente patrimonial, sem violência ou grave ameaça, mas pelo menos no caso dos delitos contra a propriedade imaterial, que é o que se verifica na hipótese.

Não se desconhece a existência de decisão proferida pelo STF, em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade, dotada de eficácia geral e efeito vinculante, reconhecendo, sem ressalvas, a constitucionalidade da LC ora em exame, o que por si só já poderia servir de argumento para apenas ressalvar a posição aqui sustentada e acompanhar o voto do ilustre Relator, poupando o meu tempo e o tempo de todos os ilustres julgadores com tal digressão.

Todavia, sabe-se também que o próprio STF, inclusive em sede de Reclamação (que é a via pela qual se poderá inclusive, caso venha a prevalecer a tese aqui exposta, impugnar o julgado e reverter a situação), já alterou, em parte, entendimento anterior sufragado em ADI ou ADC. Assim, tendo em conta que eventual inconformidade com o presente julgamento (caso o presente voto venha a ser acompanhado pela maioria) poderá ensejar, entre outros casos que estão a aportar ao Pretório Excelso, eventual rediscussão e mesmo ajuste de entendimento, insiste-se com o ponto de vista aqui defendido. Aliás, friso que é precisamente esta a intenção, pois não se trata de uma mera rebeldia contra o entendimento atual e – ouso afirmar – seguramente em parte precário do STF e do TSE, mas sim, argumentação fundada em razões que não foram sacadas de forma leviana e sim com fundamento na própria CF e na doutrina. Nesse sentido é de se recordar a apertada maioria obtida no julgamento do STF, cuja composição está para sofrer entre três e quatro substituições nos próximos quatro anos. […] (Grifei.)

Assim, não subsistem as alegadas omissões e obscuridades referidas nos aclaratórios, assertivas que, em verdade, demonstram o inconformismo do embargante com o resultado do julgamento, questões que se prestam à discussão em grau recursal sobre o mérito da demanda.

Nesse sentido, ensina o ilustre jurista Humberto Theodoro Júnior:

No caso de obscuridade ou contradição, o decisório será expungido, eliminando-se o defeito nele detectado.

Em qualquer caso, a substância do julgado será mantida, visto que os embargos de declaração não visam à reforma do acórdão, ou da sentença. No entanto, será inevitável alguma alteração no conteúdo do julgado, principalmente quando se tiver de eliminar omissão ou contradição. O que, todavia, se impõe ao julgamento dos embargos de declaração é que não se proceda a um novo julgamento da causa, pois a tanto não se destina esse remédio recursal. As eventuais novidades introduzidas no decisório primitivo não podem ir além do estritamente necessário à eliminação da obscuridade ou contradição, ou ao suprimento da omissão. (Sem grifos no original.)

(Curso de direito processual civil, teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. volume 1, 41ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 560-561.)

Concluo, portanto, que os aclaratórios são destituídos de fundamento jurídico, na medida em que não se enquadram em quaisquer das hipóteses previstas no art. 275, do Código Eleitoral, haja vista a ausência de omissão, dúvida ou contradição no aresto em apreciação.

Nessa linha, recente jurisprudência do TSE afasta a possibilidade de novo julgamento mediante o suscitar de aspectos que refogem às hipóteses autorizadoras para acolhida dos embargos:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2006. PROPAGANDA ANTECIPADA EM PROGRAMA PARTIDÁRIO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. PRETENSÃO DE NOVO JULGAMENTO. REJEIÇÃO.

1. Hipótese em que não se evidencia a ocorrência do vício previsto no artigo 275, II, do Código Eleitoral, tampouco afronta ao dever de fundamentação e ao princípio da persuasão racional, máxime porque o acórdão embargado decidiu de forma fundamentada a respeito das alegações do regimental, consoante orientação firmada no âmbito desta Corte Superior.

2. A omissão que desafia os declaratórios é aquela advinda do próprio julgamento e prejudicial à compreensão da causa, não aquela deduzida com o fito de provocar novo julgamento da demanda ou modificar o entendimento manifestado pelo julgador. Precedentes. (Emb. de Declaração em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 999234792. Acórdão de 09/04/2014, de relatoria da Min. LAURITA HILÁRIO VAZ.) (Grifei.)

Ressalta-se, por fim, que o julgador não está obrigado a se manifestar sobre todos os fundamentos invocados, bastando que sejam referidos na decisão apenas aqueles que interessem para a resolução do caso.

A ilustrar, o entendimento do TSE no seguinte julgado:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL. ATO DE PRESIDENTE DE DIRETÓRIO NACIONAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO.

1. Assentou a decisão embargada que a Justiça Eleitoral não é competente para julgar mandado de segurança contra ato de presidente de diretório nacional que destituiu presidente de comissão executiva estadual.

2. Embargos de declaração não se prestam à reapreciação da causa, não sendo cabível a inovação de teses.

3. O julgador não está obrigado a se manifestar sobre todos os pontos suscitados pela parte, mas somente sobre aqueles que sejam suficientes para fundamentar seu convencimento.

Embargos rejeitados, ante a ausência de omissão.

(Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Mandado de Segurança nº 3890 - salvador/BA . Acórdão de 21.05.2009. Relator Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira.) (Grifei.)

Diante do exposto, ausentes os vícios elencados no art. 275 do Código Eleitoral, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração, visto que resta evidente o propósito de buscarem, na realidade, rediscutir o mérito da decisão.