RC - 8012 - Sessão: 23/10/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença do Juízo da 67ª Zona Eleitoral – Encantado, que absolveu sumariamente LUIZ CARLOS VOLKEN da acusação de prática do delito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, com base no art. 397, inc. III, do CPP, ao argumento de que o fato narrado não constitui crime eleitoral, segundo a seguinte descrição trazida na denúncia:

Fato 03:

Nas mesmas circunstâncias de tempo descritas no primeiro fato delituoso, no “Posto de Combustíveis Volken”, em Roca Sales, o denunciado LUIZ CARLOS VOLKEN recebeu vantagem, consistente em aumento na venda de combustíveis, em razão da troca de voto por vale-combustível.

Na oportunidade, o denunciado, proprietário do posto de combustíveis supracitado, aceitou o pagamento de combustível por meio de vales (apreendidos, conforme auto de apreensão à fl. 34 do Inquérito), sabendo de sua origem ilícita, qual seja, que estes eram usados para compra de votos.

A denúncia foi recebida em 17.09.2013, sendo 04 (quatro) os denunciados (fl. 249).

A proposta de suspensão condicional do processo foi aceita por 03 (três) dos acusados e homologada pelo juiz eleitoral em 09.06.2014. Todavia, por não preencher os requisitos do art. 89 da Lei n. 9.099/95, não foi possível oferecer a proposta ao ora recorrido.

Apresentada a defesa (fls. 195-198v.), o julgador singular proferiu sentença de absolvição sumária com fulcro no art. 397, III, do CPP, ao argumento de que o fato narrado não constitui crime eleitoral (fls. 257-258).

Nas razões de reforma, o Ministério Público Eleitoral destaca que os vales para combustíveis foram apreendidos no estabelecimento comercial do apelado, o qual tinha como único condão a compra de votos, ou seja, o apelado aderiu à conduta dos demais denunciados com o fito de “compra de votos” dos eleitores do município de Roca Sales. Requer a anulação da sentença, devendo dar-se prosseguimento à ação penal (fls. 231-232).

Em contrarrazões, Luiz Carlos Volken relata que vendeu combustível para diversos partidos políticos os quais estavam em meio à campanha eleitoral, mediante realização de um cadastro dos contratantes a fim de que efetuassem pagamento a prazo. Destaca que em momento algum houve percepção de vantagem ilícita, e que responde à ação unicamente por vender combustível para um partido político o qual supostamente realizou compra de votos. Sustenta que cabia às agremiações a responsabilidade pela distribuição dos vales para seus candidatos e funcionários, não podendo ser responsabilizado por ato ilícito cometido por terceiros. Afirma que seu intento era o lucro com a venda legal de combustíveis, sendo impossível efetuar o controle sobre a entrega dos cupons pelo partido. Requer a manutenção da sentença ou, caso sua conduta seja entendida como ilícita, seja reconhecida a excludente de culpabilidade por ausência de potencial conhecimento da ilicitude (fls. 271-274).

Os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso invocando o princípio in dubio pro societate (fls. 278-279).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo e merece conhecimento. O Ministério Público Eleitoral foi intimado da sentença em 11.06.2014 (fls. 259); e o recurso, interposto em 16.06.2014 (fl. 261), dentro, portanto, do prazo previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

A denúncia aponta que o recorrido Luiz Carlos Volken, proprietário do Posto de Combustíveis Volken, praticou o delito descrito no art. 299 do Código Eleitoral, uma vez que “recebeu vantagem” consistente em “aumento na venda de combustíveis” em razão da troca de voto por vale-combustível. Alega-se que o denunciado aceitou que o pagamento fosse realizado por meio de vales, os quais foram apreendidos, conforme auto de apreensão à fl. 34 do inquérito policial em anexo, sabendo de sua utilização ilícita, qual seja, o uso para compra de votos.

A par dos argumentos trazidos pelo Ministério Público Eleitoral nas razões recursais e pela Procuradoria Regional em seu parecer, entendo que a decisão merece ser mantida, seja porque não há tipicidade formal e material, seja pela ausência de tipicidade conglobante, seja pela falta de justa causa para a ação penal.

Inicie-se dizendo que o fato narrado referente ao recorrido não configura o crime eleitoral previsto no art. 299 do Código Eleitoral, que dispõe:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa. (Grifei.)

O art. 299 trata de crime de corrupção eleitoral que abrange múltiplos verbos nucleares em seu preceito primário, os quais representam, na primeira parte, a corrupção ativa (dar, oferecer, prometer) e, na segunda parte, a corrupção passiva (solicitar, receber). A conduta pressupõe que a vantagem se destine à obtenção de voto ou de abstenção.

Como sabido, a tipicidade penal congrega a tipicidade formal e a tipicidade conglobante (ou conglobada). A adequação típica ou tipicidade formal verifica-se sempre quando a conduta do agente - comissiva ou omissiva - amoldar-se, com precisão, àquela abstratamente definida em lei como crime.

In casu, nota-se que o fato imputado ao recorrido mostra-se, a toda evidência, atípico. Isso porque o art. 299, ao descrever como crime a corrupção eleitoral, vem coibir a liberdade do exercício do voto, situação que não se evidencia no fato imputado ao recorrido - “aumento na venda de combustíveis”.

Embora o recurso afirme que “a conduta do apelado é principal, sem a qual o delito não aconteceria, uma vez que ele concordou em entregar combustível a eleitores que lhe entregassem cupons, os quais tinham sido previamente acertados com representantes políticos”, essa situação não é proibida pela legislação, pois o que se veda é a negociação do vale em troca do voto.

Ademais, no curso das investigações, apurou-se que o proprietário do posto de combustíveis acertou a venda da gasolina por meio de vales com outros partidos, e que os representantes das agremiações eram os responsáveis pela entrega dos vales a cabos eleitorais, correligionários, etc., não tendo o proprietário do posto o controle sobre a doação do vale a eleitores em troca de votos. Ao comerciante importava, a todo efeito, vender a gasolina, ato de comércio permitido legalmente, daí a ausência de tipicidade conglobante, teoria que basicamente entende que o Estado não pode considerar como típica uma conduta que é fomentada ou tolerada pelo próprio Estado (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. V.1., 6 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 472).

Idêntica questão foi muito bem analisada quando do julgamento do RC 81-83, de relatoria do Des. Marco Aurélio Heinz, sessão de 29.04.2014, na qual o relator, citando a sentença recorrida, apontou que a conduta do comerciante não candidato deve ser examinada com enfoque diferenciado da praticada por aqueles que se envolvem na lida política, pois os 'esquemas' de compra de votos atingem e, certamente, beneficiam o comércio, pois, como se viu pelo exame das condutas dos candidatos de ambas as coligações, os mais diversos tipos de benefícios e mercadorias são adquiridos ao longo do período eleitoral. São feitos ranchos em nome dos candidatos, comprados materiais de construção em nome de um ou de outro, ou do próprio beneficiário, o combustível é comprado em lote e depois distribuído, ou é comprado normalmente e pago à vista. Enfim, os esquemas e as ideias são as mais diversas. Cumpre transcrever a ementa do julgado:

Recursos Criminais. Suposta prática do crime tipificado no art. 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

Funcionários de posto de combustíveis acusados de terem participado de esquema de entrega de gasolina a eleitores em troca de votos. Decisões saneadoras pelas quais o juiz eleitoral absolveu sumariamente os recorridos, com base no art. 397, III, do CPP.

Acolhida a preliminar de intempestividade recursal em relação a dois dos réus. Inobservância do prazo do art. 362 do Código Eleitoral. Afastada a prefacial de intempestividade em relação ao feito remanescente.

Ausência de elementos mínimos de materialidade e autoria a justificar a continuidade da persecução criminal. Absolvição sumária mantida.

Impossibilidade de aplicar-se o princípio in dubio pro societate, se o Tribunal entende que não se verifica ocorrência de dúvida.

Não conhecimento do recurso com relação a dois demandados.

Provimento negado à irresignação remanescente.

(TRE-RS, RC 81-83, rel. Des. Marco Aurélio Heinz, j. 29.4.14.)

Nesse julgamento, o relator inclusive fez referência à fórmula lógica utilizada pelo juiz de primeiro grau ao prolatar a sentença de absolvição sumária, cumprindo transcrevê-la:

Ou seja, não basta o comerciante saber que, vendendo o rancho para A, A vai entregá-lo a B em troca de voto. Em princípio, a negociação entre o comerciante e A é lícita e objetiva, para o comerciante, unicamente o lucro. O objetivo de B é que é ilícito e configura violação à legislação eleitoral.

Na hipótese ora analisada, o juízo a quo entendeu atípico o fato descrito na denúncia: aumento no faturamento do posto de combustíveis com o esquema de abastecimento, que não se subsumiria ao tipo previsto no art. 299, fundamentando a decisão não apenas na ausência do elemento subjetivo do tipo, mas também na falta de referência à prática da conduta delituosa formalmente definida em lei, merecendo transcrever o seguinte excerto (fl. 257):

Consta na descrição do fato 03 da denúncia que o crime cometido, em tese, seria o de auferir vantagem (aumento no faturamento do posto de combustíveis com o esquema de abastecimento) mediante a ciência que os vales eram usados para a compra de votos. Todavia, o art. 299 do Código Eleitoral exige a finalidade específica na conduta, qual seja, obter ou dar voto, o que não se vislumbra dos elementos constantes dos autos. Não há qualquer indicativo no sentido de que o denunciado Luiz Carlos Volken, proprietário do posto de combustíveis, tenha participado do esquema de abastecimento com o objetivo de influenciar eleitores a votar em determinado candidato/coligação/partido. Tampouco constam informações de que teria prometido seu voto em troca dos abastecimentos, mediante vale combustível, em seu estabelecimento. Diferente seria a hipótese da denúncia descrever (apoiada em elementos conferentes de justa causa à ação penal) a conduta de participação/co-autoria efetiva do denunciado Luiz Carlos Volken no esquema de abastecimento, visando a apoiar o comitê da coligação a angariar votos em troca de combustível. No caso, o terceiro fato, isolado, não constitui o tipo penal imputado ante a ausência da vinculação com a promessa de dar ou obter voto de eleitor. Ante o exposto, reconsidero parcialmente a decisão de fl. 249 e absolvo sumariamente o réu Luiz Carlos Volken, forte no art. 397, inc. III, do CPP.

De igual modo, tenho que não há como imputar ao recorrido conduta que se amolde ao tipo penal em comento, sobretudo porque não se evidencia o cometimento do ilícito pelo incremento da venda de combustíveis, não sendo este fato antijurídico. Os eleitores eram direcionados a buscar a gasolina oferecida na forma de vales, mas a conduta ativa era praticada por aqueles que ofereciam vales aos eleitores em troca de voto ou de abstenção.

Não há ofensividade ao bem jurídico tutelado pela norma - a liberdade do sufrágio - no ato de venda de combustível ou de combinação da entrega por meio de vales, nem tampouco há desvalor nesta conduta que, de algum modo, constitua um ataque intolerável ao ordenamento capaz de atrair a tutela penal.

Anoto que o caráter fragmentário e subsidiário do direito penal impõe uma seleção, dentre todas as condutas reprováveis, das que efetivamente ameaçam e violam bens jurídicos tidos como essenciais à sociedade, punindo-as com a sanção mais grave permitida, qual seja, a sanção penal. Acerca do tema, preleciona Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Ed. Revista dos Tribunais. 5a. Edição. p. 47):

Princípio da fragmentariedade: significa que nem todas as lesões a bens jurídicos protegidos devem ser tuteladas e punidas pelo direito penal. Fragmento é apenas a parte de um todo, razão pela qual o direito penal deve ser visto, no campo dos atos ilícitos, como fragmentários, ou seja, deve ocupar-se das condutas mais graves, verdadeiramente lesivas à vida em sociedade, passíveis de causar distúrbios de monta á segurança pública e à liberdade. O mais, deve ser resolvido pelos demais ramos do direito penal.

Além disso, segundo preconizado pelo princípio da adequação social, as condutas proibidas sob a ameaça de uma sanção penal não podem abraçar aquelas socialmente aceitas e consideradas adequadas pela sociedade, como é o caso da venda de combustíveis pelo posto de gasolina.

Também reforça o argumento o fato de que, materialmente falando, crime é aquela conduta que viola de forma significativa o bem jurídico penal (MACHADO, Luiz Alberto. Direito criminal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 78).

No caso em tela, sequer havia necessidade de que eleitores se dirigissem ao posto de combustível, pois o art. 299 constitui crime formal, que não exige a produção de resultado naturalístico, sendo suficiente o oferecimento da vantagem, em troca do voto ou da abstenção, para a configuração do delito. Em outras palavras, é mero exaurimento a efetiva entrega da vantagem ofertada ou prometida na compra de votos (Ac.-TSE, de 27.11.2007, no Ag n. 8.905).

Portanto, com razão o juiz eleitoral sentenciante, pois inexistem elementos mínimos a justificar a continuidade da persecução criminal quanto ao recorrido, ao qual foi imputado fato atípico, ensejando, assim, a aplicação do instituto da absolvição sumária, na esteira do entendimento pretoriano sobre a matéria, que exige como requisito imprescindível para a configuração do tipo previsto no art. 299 do  Código Eleitoral a necessidade de promessa concreta, específica, determinada e explícita de troca de bem por votos:

Petição. 1. Investigação instaurada para apurar a suposta prática do crime de corrupção eleitoral ativa por Deputado Federal (Código Eleitoral, art. 299). 2. Arquivamento requerido pelo Ministério Público Federal (MPF) sob o argumento de que a conduta investigada é atípica. 3. Na hipótese de existência de pronunciamento do Chefe do MPF pelo arquivamento do inquérito, tem-se, em princípio, um juízo negativo acerca da necessidade de apuração da prática delitiva exercida pelo órgão que, de modo legítimo e exclusivo, detém a opinio delicti a partir da qual é possível, ou não, instrumentalizar a persecução criminal. Precedentes do STF. 4. Apenas nas hipóteses de atipicidade da conduta e extinção da punibilidade poderá o Tribunal analisar o mérito das alegações trazidas pelo Procurador-Geral da República. 5. Ausência de elementar do fato típico imputado: promessa de doação a eleitores. 6. Arquivamento deferido.

(STF - Pet: 3927 SP, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 12.06.2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-197 DIVULG 16-10-2008 PUBLIC 17-10-2008 EMENT VOL-02337-01 PP-00126.) (Grifei.)

 

EMENTA Penal. Inquérito. Parlamentar. Deputado federal. Pedido de arquivamento fundado na atipicidade do fato. Necessidade de decisão jurisdicional a respeito: precedentes. Inquérito no qual se apura a eventual prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral. Atipicidade do fato. Arquivamento determinado. 1. Firmou-se a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que, quando fundado - como na espécie vertente - na atipicidade do fato, o pedido de arquivamento do inquérito exige "decisão jurisdicional a respeito, dada a eficácia de coisa julgada material que, nessa hipótese, cobre a decisão de arquivamento" (v.g., Inquéritos nºs 2.004-QO, DJ de 28/10/04, e 1.538-QO, DJ de 14/9/01, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; 2.591, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 13/6/08; 2.341-QO, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 17/8/07). 2. Comprovada a inocorrência de pagamento destinado à obtenção de voto ou promessa de abstenção, não se configura o crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral. 3. Arquivamento do inquérito, por atipicidade da conduta, ordenado.

(STF - Inq: 2934 AC , Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 25/11/2010, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-035 DIVULG 21-02-2011 PUBLIC 22-02-2011 EMENT VOL-02468-01 PP-00001.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2004. Agravo regimental no recurso especial. Não caracterização do crime eleitoral. Previsto no art. 299 do Código Eleitoral. Corrupção eleitoral. Atipicidade. Ausência de dolo específico. Sorteio de bonés, camisetas e canetas em evento no qual se pretendia divulgar determinadas candidaturas. Distribuição de bolo e refrigerante. Ausência de abordagem direta ao eleitor com objetivo de obter voto. Precedentes.Agravo regimental não provido.

(TSE - AgR-REspe: 35524 RO, Relator: Min. JOAQUIM BENEDITO BARBOSA GOMES, Data de Julgamento: 30.06.2009, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 14.08.2009, Página 24/25.) (Grifei.)

 

Habeas-corpus. Crime de corrupção eleitoral (art. 299 do CE). Recebimento da denúncia. Constrangimento ilegal. Liminar. Deferimento. Ausência de dolo específico. Trancamento da ação penal. Sendo elemento integrante do tipo em questão a finalidade de "obter ou dar voto ou prometer abstenção", não é suficiente para a sua configuração a mera distribuição de bens. A abordagem deve ser direta ao eleitor, com o objetivo de dele obter a promessa de que o voto será obtido ou dado ou haverá abstenção em decorrência do recebimento da dádiva. Ordem concedida para trancar a ação penal.

(TSE - HC: 463 BA , Relator: LUIZ CARLOS LOPES MADEIRA, Data de Julgamento: 18.09.2003, Data de Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 03.10.2003, Página 105.) (Grifei.)

Por fim, ressalto que a atipicidade (inexistência de crime) traduz matéria ligada ao mérito, tanto que o legislador, acertadamente, elencou-a entre as causas que autorizam a absolvição sumária, nos termos do artigo 397 do Código de Processo Penal. Trata-se da consagração do julgamento antecipado do processo no âmbito do contexto criminal (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo. 5ª ed., RT, 2008, p. 678), que permite, mediante juízo de certeza, o abreviamento do procedimento sem a necessidade da instrução criminal, porém depois de dada a oportunidade ao acusado de apresentar resposta preliminar, como ocorreu no caso em tela.

Inexistindo dúvidas acerca da atipicidade do delito, entendo inviável a aplicação do princípio in dubio pro societate ao caso em tela.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a sentença prolatada.