RE - 23830 - Sessão: 25/09/2014 às 14:00

RELATÓRIO

A Coligação Jaguari para Todos, constituída nas eleições 2012 pelos partidos PP, PDT e PSB, em 17.12.2012, ajuizou representação contra João Mário Cristofari, prefeito reeleito de Jaguari (do PMDB), Sidinei Rodrigues dos Santos, vice-prefeito reeleito (do PT), Hélio Genésio Pivetta e Eudo Calegaro Tambara, ambos vereadores eleitos (pelo PMDB), e Antonio Carlos Dapieve, então candidato a vereador (segundo suplente) (fls. 02-30). Juntaram documentos (fls. 35-342).

A inicial funda-se nos fatos narrados em três inquéritos policiais que lastrearam denúncia apresentada pelo Ministério Público Eleitoral em ação penal, consistentes na promessa e entrega de valores pecuniários, promessa e entrega de materiais de construção, entrega de gêneros alimentícios, compra de um cavalo, promessa de bens e outros benefícios.

Tais circunstâncias caracterizariam captação ilícita de sufrágio, a teor do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, bem como abuso de poder, a teor do art. 22, XVI, da Lei Complementar n. 64/90, razão pela qual pretendida ao final cassação dos diplomas ou mandatos dos representados, com a renovação das eleições.

A representante postulou a intimação pessoal das testemunhas, sob alegada coação a que estariam sendo submetidas por parte dos representados, não obstante a sua condução devesse ser promovida pelas partes, a teor do art. 22, V, da Lei Complementar n. 64/90 (fls. 352-353), no que houve o indeferimento (fls. 613-613v.). Irresignação na forma de agravo retido (fls. 617-618) não foi acolhida (fls. 647 e 677-678).

Instruído o feito, em razão de a juíza titular haver-se declarado impedida de nele atuar (fl. 646), o processo aguardou em cartório para proferimento de sentença (certidão fl. 829v. e decisão da fl. 834).

Por determinação judicial, foi juntada aos autos cópia do acórdão do Mandado de Segurança n. 110-54, de 29.10.2013, da relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha. Nele o impetrado e aqui recorrente João Mário Cristofari postulou a nulidade dos inquéritos que embasaram a representação, dada a sua prerrogativa de foro, em razão do art. 29, X, da CF, em face do cargo de prefeito que ocupava. O pedido de suspensão de audiência da representação foi indeferido sob o entendimento de que “nenhum dos inquéritos foi instaurado contra o impetrante”, não havendo impedimento de sua utilização como prova emprestada (fls. 860-864).

Sobreveio sentença: (I) de improcedência em relação a HELIO GENESIO PIVETA; (II) de parcial procedência reconhecendo a ilicitude de parte dos fatos apontados na inicial para aplicar aos demais representados a seguinte condenação: a) em relação a ANTÔNIO CARLOS DAPIEVE e EUDO CALEGARO TAMBARA, multa individual no valor equivalente a 1 (um) mil UFIRs, cumulada à cassação dos respectivos diplomas de vereador; b) em relação a JOÃO MÁRIO CRISTOFARI, multa no valor equivalente a 15 (quinze) mil UFIRs, cumulada à cassação do diploma de prefeito, cuja extensão alcança também o mandato de vice-prefeito de SIDINEI RODRIGUES DOS SANTOS (fls. 865-878v.).

Inconformados com a decisão, recorreram:

- JOÃO MÁRIO CRISTOFARI e SIDINEI RODRIGUES DOS SANTOS - suscitaram preliminares: a) cerceamento de defesa, por não ter sido apreciada petição (protocolo n. 20.244/2014, fls. 836-844) apresentada preliminarmente à sentença, e que arguiu: (i) a nulidade da representação por ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário, nas pessoas do chefe do gabinete do prefeito e o seu secretário adjunto de obras e (ii) a decadência, tendo em vista que, para a formação do litisconsórcio suscitado, o prazo para ajuizamento da ação já teria ultrapassado a diplomação; b) nulidade do processo, por ausência de formação do litisconsórcio passivo necessário, relacionado aos dois agentes públicos retrocitados; c) a decadência em relação ao direito de processar os mesmos agentes, por ultrapassado o prazo para tanto; e d) a nulidade da prova colhida em inquérito policial; no mérito, em suma, alegam insuficiência de prova documental e testemunhal (fls. 881-916);

- EUDO CALEGARO TAMBARA e ANTÔNIO CARLOS DAPIEVE - suscitaram preliminares ao efeito da extinção do processo: a) ilegitimidade ativa, tendo em vista que os subscritores da inicial não detinham a condição de representantes legais da Coligação, à época do ajuizamento da inicial; e b) a nulidade da representação por ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário nas pessoas do chefe do gabinete do prefeito e o seu secretário adjunto de obras; no mérito, igualmente, alegam insuficiência de provas (fls. 944-954).

Com contrarrazões (fls. 964-987), vieram os autos a este TRE e foram com vista ao Ministério Público Eleitoral, que exarou parecer pela rejeição das preliminares suscitadas por todos os recorrentes e, no mérito, pelo provimento parcial dos recursos, ao efeito de afastar os fundamentos da condenação em relação a dois fatos (fls. 1.000-1.008v.).

É o relatório.

 

VOTOS

Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

Admissibilidade

A sentença foi publicada no DEJERS em 23.06.2014 (fl. 879v.). Os recursos interpostos em 25.06.2014 (fl. 881) e 26.06.2014 (fl. 944) são tempestivos, a teor do § 4º do art. 41-A da Lei das Eleições.

Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Preliminares

1. Cerceamento de Defesa

A primeira preliminar suscitada no recurso de João Mário Cristofari e Sidinei Rodrigues dos Santos a justificar pretensa nulidade do processo, a partir da sentença, diz com alegada omissão do cartório e do juízo em apreciar petição por eles apresentada (Protocolo n. 20.244/2014, fls. 836-844), por meio da qual pretendiam ver analisadas, previamente à sentença, questões relacionadas a preliminares de litisconsórcio passivo – como agora renovam em sede recursal, na sequência examinadas.

A magistrada, quando do encaminhamento dos recursos a este Tribunal, esclareceu:

[…]

2) No tocante à primeira preliminar recursal, consigno que o documento protocolado sob nº 20244/2014 já estava inserto no caderno processual às fls. 836/858, sendo inclusive numerado e rubricado por esta Magistrada, além de ter sido referido no relatório da sentença, ocorrendo somente seu lançamento no sistema eletrônico a posteriori.

[...]

Com efeito, o processo estava concluso para julgamento desde 04.12.2013 (fl. 835). O documento de protocolo n. 20.244/2014 tem data de recebimento em cartório de 07.05.2014 e, de acordo com os registros do Sistema de Acompanhamento de Documentos e Processos (SADP), levado à conclusão em 12.05.2014.

Igualmente a partir do SADP, vejo que a sentença prolatada em 17.06.2014 (fl. 878v.) foi juntada aos autos em 18.06.2014. Nesta mesma data, também foram juntados os documentos relacionados ao protocolo em questão, com a observação: “Juntada do documento n. 20.244/2014 Protocolo juntado quando o Proc 238-30 estava concluso”.

Ou seja, os termos da petição eram do conhecimento do juiz eleitoral antes de proferida a sentença e foram juntados aos autos anteriormente a ela; porém, só tiveram o seu registro eletrônico de juntada posterior ao da sentença, o que não configurou qualquer irregularidade processual.

Por oportuno, em relação a esta preliminar, os recorrentes apontam, como nota de rodapé, na fl. 884, sob o título “matéria de Corregedoria da Justiça Eleitoral”, que seja apurada a responsabilidade de quem deu causa ao fato, lamentando o tratamento processual conferido ao feito.

Este relator, que exerce também as funções de Corregedor Regional Eleitoral, atua, concomitantemente, por força de disposição regimental deste Tribunal (art. 20, XI), como Ouvidor. Assim também o foi meu antecessor, Des. Marco Aurélio Heinz, agora na Presidência desta Corte.

Colhi nos registros da Ouvidoria, que o seu então titular, Des. Heinz, esteve atento ao trâmite do presente feito, atuando operosamente para que dele se extraísse o julgamento em primeiro grau. A respeito, destaco os seguintes registros:

a) em 07.04.2014, a Juíza Eleitoral da 26ª Zona – Jaguari, Dra. Ana Paula Nichel Santos, foi instada a manifestar-se acerca de crítica recebida na Ouvidoria, de que o feito estava concluso para julgamento desde 04.12.2013, oportunidade na qual esclareceu que, em 17.05.2013, já despachara nos autos declarando-se impedida de atuar no feito (fl. 646);

b) na sequência, o então titular da Jurisdição Eleitoral da 69ª Zona – São Vicente do Sul e à época substituto em Jaguari, Dr. Márcio Cesar Sfredo Monteiro, foi instado a manifestar-se pela Ouvidoria, em duas oportunidades: em 07.04.2014 e em 29.04.2014, quando esclareceu que estivera em licença, posterior ao nascimento de seu filho, e que o volume de trabalho das jurisdições impunha o cumprimento de plano de trabalho.

Em decorrência, em 09.05.2014, o Sr. Ouvidor determinou ao magistrado que julgasse o processo com a maior brevidade possível, tendo em conta as disposições da Lei Complementar n. 64/90 (art. 26-B, § 1º) e da Res. TSE n. 23.367/11 (art. 32).

c) em virtude da remoção do Dr. Márcio, em 16.06.2014, quando este relator já era o titular da Corregedoria, designei a Dra. Larissa de Moraes Morais para jurisdicionar a 69ª Zona Eleitoral, na condição de titular por vacância. Esta magistrada proferiu a sentença de julgamento, agora objeto de recurso, no dia seguinte – 17.06.2014.

Feitos os esclarecimentos devidos, pelos fundamentos expostos, rejeito esta preliminar.

2. Nulidade do processo - ausência de formação do litisconsórcio passivo necessário, relacionado a dois agentes públicos/decadência (em relação ao direito de processar os mesmos agentes)

Todos os recorrentes aludem à nulidade do feito em função de que o chefe de gabinete do prefeito, Anízio de Oliveira Feliciani, e o secretário adjunto de obras da Prefeitura Municipal, Leonel Vicente Botezelle Minuzzi, não foram incluídos no polo passivo da representação, não obstante lhes tenha sido atribuída participação nos fatos que ensejaram o juízo de procedência da representação. Para a sua inclusão, agora pretendida, já se teria operado a decadência para ajuizamento da ação.

No ponto, reporto-me aos termos do parecer do Dr. Procurador para rejeitar também esta preliminar:

O Tribunal Superior Eleitoral e esta Egrégia Corte não tem exigido a formação de litisconsórcio passivo entre os beneficiários e aqueles que contribuíram para a prática de captação ilícita de sufrágio. Conforme observa-se nos seguintes julgados:

Agravo regimental. Recurso especial. Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico. Embargos de declaração. Violação. Art. 275 do Código Eleitoral.

1. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, o inciso XIV do art. 22 da LC nº 64/90 não exige a formação de litisconsórcio passivo necessário entre o representado e aqueles que contribuíram com a realização do abuso de poder. Nesse sentido: RO nº 722, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 20.8.2004. […] Agravo regimental a que se nega provimento.

(Ag. Reg. no Respe nº 76440, Ac. de 10/04/2014, Rel.: Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE 23/05/2014.) (Original sem grifos.)

Recursos. Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Abuso de poder econômico. Candidatos à majoritária. Procedência. Inelegibilidade. Multa. Eleições 2012. Matéria preliminar afastada. 1. Nulidade do processo por ausência de litisconsórcio passivo necessário não configurada. A demanda proposta contra o agente público responsável pela prática de captação ilícita de sufrágio não impõe a obrigatoriedade de integração da lide por eventuais beneficiários. [...]

(Recurso Eleitoral nº 88479, Acórdão de 03/06/2014, Relator(a) DR. HAMILTON LANGARO DIPP, Publicação: DEJERS, Tomo 99, 05/06/2014, pp. 6-7 ) (Original sem grifos).

O inteiro teor do acórdão do TRE/RS acima ementado, de relatoria do Dr. Hamilton Langaro Dipp, esclarece o tema, vejamos:

O que exigem os tribunais é a formação de litisconsórcio necessário entre o beneficiário e o agente público, se houver imputação da prática de conduta vedada, tipificada no artigo 73 da Lei n. 9.504/97, hipótese distinta da verificada nos autos, em que os recorrentes foram condenados pela prática de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico.

3. Nulidade da prova colhida em inquérito policial

A inicial da representação por compra de votos teve como suporte às alegações nela contidas a reprodução de fatos constantes em três inquéritos policiais, os quais tramitaram perante o juízo eleitoral de primeiro grau.

A representação teve primeiro combate junto a este Tribunal na via do mandado de segurança impetrado por João Mário Cristofari, por meio do qual buscou suspender audiência de instrução daquela ação. O mandado teve sustentação no fato de que o impetrante, na condição de prefeito, detinha prerrogativa de foro, a teor do art. 29, X, da Constituição Federal. O acórdão, de 29.10.2013, da relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, assim restou ementado:

Mandado de segurança com pedido de medida liminar. Eleições 2012.

Prefeito. Impetração em razão da utilização de três inquéritos policiais para embasar a representação por captação ilícita de sufrágio movida contra o impetrante. Sustenta o impetrante que, na condição de prefeito, tem prerrogativa de foro, razão pela qual referidos inquéritos são nulos, já que instaurados sem a autorização deste Tribunal.

Indeferida a liminar que pedia a suspensão de audiência.

Afastada a ilegalidade do ato. Nenhum dos inquéritos foi instaurado contra o impetrante o que, por si só, desconstitui a tese delineada. Não há impedimento de utilização dessas provas emprestadas para instruir a representação por captação ilícita. O conjunto das provas irá apontar se há ou não responsabilidade do impetrante nos fatos narrados na inicial daquela ação.

Denegação da segurança. (Grifei.)

Os mesmos três inquéritos policiais que lastrearam a representação também foram base para a apresentação de denúncia junto à 26ª Zona Eleitoral. Antes da audiência de instrução e julgamento da respectiva ação penal (AP 237-45), os autos foram remetidos a este Tribunal, em razão da então reconhecida prerrogativa de foro do denunciado João Mário Cristofari. Colho, nos termos do relatório da AP, que este Tribunal determinou a cisão do feito, para que a ação penal seguisse nesta Corte em relação a três denunciados, dentre eles, João Mário Cristofari. Quando do seu julgamento, entendeu-se que o recebimento e processamento da denúncia se dera por juízo incompetente, incidindo em nulidade da denúncia, pelo que foi ainda declarada a nulidade do inquérito policial. Dito julgado, também da relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, assim foi ementado:

Ação Penal. Suposta prática do delito de corrupção eleitoral. Art. 299 do Código Eleitoral. Prerrogativa de foro. Cisão processual. Eleições 2012.

Ação ajuizada à época em que um dos denunciados já era detentor de cargo com prerrogativa de função, o que determina a competência originária deste Tribunal Regional Eleitoral, por força do artigo 29, X, da Constituição Federal.

Declaração de nulidade da denúncia e de todos os demais atos da ação penal, bem como do inquérito policial em relação aos denunciados processados perante esta Corte.

Extração de documentos e remessa à Procuradoria Regional Eleitoral.

Nulidade.

Resgato este histórico processual – tanto relacionado ao mandado de segurança frente à representação, quanto à ação penal -, tendo em conta que os aqui recorrentes João Mário Cristofari e Sidinei Rodrigues dos Santos suscitam a nulidade da prova policial coletada aos autos da representação, e que lastreou a sua propositura. Alegam que “como a prova testemunhal colhida nesses três inquéritos policiais foram declaradas nulas por este Tribunal Eleitoral, nula é, também – e pelo mesmo motivo – essa mesma prova colhida, mais tarde, em juízo. Seu vício originário contamina a sequência de todos os atos processuais supervenientes” (sic, fls. 892-896).

Passo, assim, ao exame do objeto dos inquéritos.

- Inquérito 283/12 (fls. 69-128):

Como refere o Dr. Procurador Regional Eleitoral, em seu parecer (fl. 1002v.), foi ele “instaurado para apurar a doação de bens em troca de votos por ‘Chico Taquara’ (...) a Mariluzi da Encarnação Erd, fato que envolve indiretamente o prefeito, visto que este seria o destinatário da captação ilícita supostamente praticada por Anízio”.

Com efeito, verifico que o relatório da autoridade policial indiciou, por incursos nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral, exclusivamente Anízio de Oliveira Feliciani (chefe do gabinete do prefeito), Leonel Vicente Botezele Minuzzi (secretário adjunto de obras) e Mariluzi da Encarnação Erd. A denúncia do Ministério Público Eleitoral que tomou por fundamento este inquérito foi apresentada somente contra essas mesmas três pessoas (fls. 66-68v.).

- Inquérito 295/12 (fls. 132-189):

Aqui, como também refere o Dr. Procurador, este inquérito “teve por objetivo investigar a compra de votos por Igor Tambara para seu pai, Eudo Tambara” (fl. 1002v.).

Igualmente verifico que o relatório da autoridade policial indiciou, por incursos nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral, exclusivamente Igor Rosa Tambara e Vani Terezinha Moreira da Silveira, tendo sido oferecida denúncia pelo Ministério Público Eleitoral, relacionada aos fatos deste inquérito, apenas contra essas mesmas duas pessoas (fls. 129-131).

- Inquérito 289/2012 (fls. 216-342):

Em relação a este terceiro apuratório, diz o Dr. Procurador que, dos seis boletins de ocorrência que contêm narratória incriminadora, os quais deflagraram a investigação policial, somente em um deles (de n. 690/2012 – fls. 232-233) há a narrativa de “oferecimento de dinheiro por João Mário Cristofari a Valcir José Del Agneze em troca de voto, sendo que nos demais seu nome é apenas citado” (fl. 1002v.). E, dentre os 12 (doze) denunciados pelo Ministério Público Eleitoral, tomando por base os fatos deste inquérito, somente nesse figura, expressamente, o nome de João Mário (fls. 190-215).

O Dr. Procurador bem se pronunciou acerca da preliminar suscitada em recurso, dando os exatos contornos que a questão abriga. O fato de os inquéritos terem sido declarados nulos em razão da competência deste Tribunal para a sua supervisão, ao revés do juízo de primeiro grau, não lhes alcança imprestabilidade capaz de contaminar com ineficácia todos os demais processos judiciais cujos autos esses inquéritos componham, como é o presente. Colho da manifestação ministerial:

[...]

Vale destacar que a supervisão judicial entranhada na previsão constitucional de prerrogativa de foro para casos tais, como cediço, destina-se à apreciação das questões incidentes nos inquéritos originários, circunstância essa não verificada nos autos do presente apuratório, no qual não foi decretada qualquer medida constritiva da liberdade, privacidade ou patrimônio do investigado.

Convém observar, ainda, que o deslocamento do inquérito policial para o tribunal competente e sua imediata distribuição a um juiz relator não converte tal magistrado em presidente do inquérito ou autoridade investigadora, permanecendo as atribuições e diligências próprias da investigação a cargo da autoridade policial, agora, porém, sob a supervisão da Corte. (Grifei.)

Sobre o tema, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal nos autos do HC 82507/SE, em acórdão do qual se colhe a seguinte ementa:

“STF: competência originária: habeas corpus contra decisão individual de ministro de tribunal superior, não obstante susceptível de agravo. II. Foro por prerrogativa de função: inquérito policial. 1. A competência penal originária por prerrogativa não desloca por si só para o tribunal respectivo as funções de polícia judiciária. 2. A remessa do inquérito policial em curso ao tribunal competente para a eventual ação penal e sua imediata distribuição a um relator não faz deste "autoridade investigadora", mas apenas lhe comete as funções, jurisdicionais ou não, ordinariamente conferidas ao juiz de primeiro grau, na fase pré-processual das investigações. III. (…) (STF-HC 82507, Rel: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 10/12/2002, DJ 19-12-2002 PP-00092 EMENT VOL-02096-04 PP-00766.)”

Nesse sentido colaciona-se o seguinte precedente do TRE/RS:

“Inquérito policial. Art. 299 do Código Eleitoral. Prefeito. Competência por prerrogativa de foro. Eleições 2012. Abertura de inquérito policial a pedido do promotor eleitoral, contra autoridade com prerrogativa de foro. Atividade de supervisão desempenhada pela Procuradoria Regional Eleitoral e esta Corte no curso da investigação.

Questão de ordem. Convalidação dos atos praticados anteriormente pela autoridade policial. Não executados atos de constrição, mas tão somente investigações de praxe, as quais não requerem a intervenção judicial.

Agrega-se, ainda, a não incidência do art. 5º da Res. TSE n.23.396/2013, que regulamenta a investigação dos supostos crimes nas eleições de 2014, situação distinta do caso em tela.

Confirmação da competência deste Tribunal para julgar os fatos apurados no inquérito, e convalidação dos atos até aqui praticados.

Acolhida a promoção ministerial.

(TRE-RS. Inquérito n. 5984, Acórdão de 14.02.2014, Rel: DR. HAMILTON LANGARO DIPP, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data 18.02.2014.) (Grifou-se.)”

Não se pode olvidar, sobretudo, a natureza administrativa do inquérito, o qual, ainda que guarde espaço investigativo relevante à elucidação dos fatos, não tem o condão de conferir validade, por si só, ao juízo de valor que sobre eles deva ser extraído.

Recolho na doutrina os elementos que amparam esse entendimento:

[…] Não há falar em nulidade do processo criminal por vícios eventualmente constatados no inquérito policial. No caso de serem inobservadas normas procedimentais estabelecidas para a realização das diligências que compõem o procedimento policial, a consequência será minimizar-se o já reduzido valor probante que, como referimos, é legalmente atribuído ao precitado expediente policial. Neste sentido, existem reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça, compreendendo que eventual nulidade do inquérito policial não contamina a ação penal superveniente, vez que aquele é mera peça informativa, produzida sem o crivo do contraditório.

(Norberto Navena, in “Processo Penal”, Editora Método, 2009, p. 102.)

 

[…] O inquérito policial é uma peça informativa, que jamais contaminará, por si só, em qualquer espécie de sanção. Para que isso aconteça, os elementos colhidos em seus autos deverão, aí, sim, obrigatoriamente ser submetidos ao contraditório, durante um processo judicial.

(Alexis Couto de Britto, Humberto Barrinuevo Fabretti e Marco Antônio Ferreira Lima, in “Processo Penal Brasileiro”, Editora Atlas, 2012, p. 56.)

A representação que visou a apurar a alegada compra de votos seguiu percurso processual próprio, frente aos termos propostos na inicial, no qual a legalidade foi observada.

Os recursos interpostos para apreciação deste Tribunal visam a atacar os termos da sentença. E a sentença, segundo os termos nela proclamados, foi exarada sem considerar as provas colhidas na fase inquisitorial.

Assim, discussão sobre os fatos, renovada na esfera judicial não-criminal da representação - ainda que esses fatos sejam os mesmos referidos no inquérito policial invalidado no julgamento da ação penal -, foi realizada sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, angariando, assim, o manto da constitucionalidade assegurada a todos os acusados em juízo. No ponto, bem destaca o Dr. Procurador Eleitoral:

Se não bastasse os fundamentos lançados, cabe referir que a decisão de primeiro grau não considerou as declarações das testemunhas colhidas na fase da investigação, como se extrai do texto da sentença que segue (fl. 868):

“Consigno, outrossim, que deixo de considerar as declarações das testemunhas colhidas na fase inquisitorial, pois a Constituição Federal prevê a necessidade de que a prova seja produzida sob o crivo do contraditório e ampla defesa”.

Por tais razões, não há falar em imprestabilidade da prova - colhida judicialmente, friso -, a qual serviu de fundamento do decreto condenatório do juiz eleitoral.

No amparo dessa linha de compreensão, trago à colação os seguintes precedentes jurisprudenciais:

Ação de investigação judicial eleitoral. Eleições 2010. Vícios do inquérito. Não ocorrência. Preliminar afastada. Interceptação telefônica. Juiz incompetente. Violação ao princípio do juiz natural. Preliminar acolhida. Procedimentos médicos. Marcação e antecipação. Provas. Ausência. Improcedência.

I – Provas que acompanharam a inicial, sendo consideradas judicializadas e colocadas sob o crivo do contraditório, não geram qualquer nulidade proveniente do inquérito, se trazidas pelo representante aos autos.

[…]

(Acórdão TRE/RO n. 197, de 27.06.2013, AIJE n. 2888-72.2010.6.22.000 – Classe 3 – Porto Velho, Rel. Juiz Herculano Martins Nacif.)

 

Representação. Captação ilícita de sufrágio. Preliminares: […] 6) Nulidade das provas que instruem a presente representação. Rejeitadas. […]

7. O inquérito policial – IPL nº 0890/2010, que colheu material probatório para dar sustentação à presente Representação foi instaurado mediante o conhecimento por parte do Ministério Público Eleitoral de fatos que caracterizariam captação ilícita de sufrágio. De fato, o art. 102, I, alínea b, da CF/88, preceitua que é de competência originária do Supremo Tribunal Federal o processamento e julgamento das infrações penais comuns cometidas pelos membros do Congresso Nacional, enquanto forem detentores de mandato, o que abrange também os crimes eleitorais. E conforme entendimento jurisprudencial, até mesmo só inquéritos policiais que investiguem congressistas devem tramitar na Corte Suprema. No entanto, o inquérito policial 0890/2010-4, inicialmente, não investigava o representado. A partir do momento do momento em que o mesmo passou a ser investigado é que os autos foram remetidos ao STF. […]

(Acórdão TRE/ES n. 127, de 13.06.2012, Rp n. 4115-87.2010.6.08.0000 – Classe 42ª – Vitória, Rel. Dra. Rachel Durão Correia Lima.)

Neste último precedente, que guarda estreita relação com o presente caso, assim se pronunciou a relatora:

[…] a captação ilícita de sufrágio, descrita no artigo 41-A da Lei 9.504/97, constitui ilícito cível-eleitoral, hipótese não abrangida pela regra de foro por prerrogativa de função, uma vez que esta é aplicável somente quando se tratar de ilícito de natureza estritamente penal.

Dessa forma, os documentos que informam a inicial deveriam ser tidos por prova ilícita caso se tratasse de ação penal instaurada em razão do cometimento do crime de corrupção eleitoral. Porém, em se tratando de ação de natureza não penal, que tem por objeto ilícito eleitoral apenas, não há que se falar em foro privilegiado e nem mesmo na ilicitude das provas que acompanham a exordial […].

A Suprema Corte brasileira também já assentou entendimento nessa mesma linha:

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO E AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONTRA DEPUTADO FEDERAL: AUSÊNCIA DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PRECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO E AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUAIS SE NEGA SEGUIMENTO.

[…] 4. A utilização de prova emprestada legalmente produzida em outro processo de natureza criminal não ofende os princípios constitucionais do processo. O que não se admite é que as provas emprestadas e aquelas obtidas no inquérito civil não sejam judicializadas, ou seja, não incorporadas ao contraditório e à ampla defesa.

(ARE 806293, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 13.05.2014, publicado em DJe-093 DIVULG 15.05.2014, PUBLIC 16.05.2014.)

Assim, meu voto é pelo afastamento também dessa preliminar.

Por prejudicial ao exame de mérito, destaco-a.

4. Ilegitimidade ativa

Alegam os recorrentes Eudo Calegaro Tambara e Antônio Carlos Dapieve a ilegitimidade ativa da autora da representação, tendo em conta que os subscritores da inicial não detinham a condição de representantes legais da coligação, à época do seu ajuizamento. Invocam, a tanto, o disposto na Lei Eleitoral:

Art. 6º É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se mais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integram a coligação para o pleito majoritário.

[…]

§ 3º Na formação de coligações, devem ser observadas, ainda, as seguintes normas:

III - Os partidos integrantes da coligação devem designar um representante, que terá atribuições equivalentes às de presidente de partido político, no trato dos interesses e na representação da coligação, no que se refere ao processo eleitoral;

IV - A coligação será representada perante a Justiça Eleitoral pela pessoa designada na forma do inciso III ou por delegados indicados pelos partidos que a compõem […]

A procuração que acompanha a exordial vem subscrita pelos presidentes dos três partidos que compuseram a Coligação Jaguari para Todos (PP-PDT-PSB), respectivamente Luiz Pedro Della Flora, Celito Zanini Sonza e Altivo Martins de Oliveira, conforme atestam os documentos das fls. 35 a 56.

Certidão expedida pelo Cartório da 26ª Zona Eleitoral informa que o representante da referida coligação, na eleição de 2012, era Joni da Fontoura Riella (fl. 955).

A inicial foi apresentada à Justiça Eleitoral no dia 17.12.2012; portanto, ultrapassada a realização das eleições municipais. Novamente, no tópico, valho-me dos termos do parecer do Dr. Procurador Regional Eleitoral para afastar também esta preliminar:

[…] após a ocorrência das eleições os partidos recuperam sua capacidade para representar isoladamente perante a Justiça Eleitoral.

Consoante jurisprudência do TSE e TRE/RS:

Investigação judicial. Legitimidade ativa. Coligação.

1. A coligação é parte legítima para propor as ações previstas na legislação eleitoral, mesmo após a realização da eleição, porquanto os atos praticados durante o processo eleitoral podem ter repercussão até após a diplomação.

2. Com o advento das eleições, há legitimidade concorrente entre a coligação e os partidos que a compõem, para fins de ajuizamento dos meios de impugnação na Justiça Eleitoral, em face da eventual possibilidade de desfazimento dos interesses das agremiações que acordaram concorrer conjuntamente.

3. Essa interpretação é a que melhor preserva o interesse público de apuração dos ilícitos eleitorais, já que permite a ambos os legitimados – partidos isolados ou coligações - proporem, caso assim entendam, as demandas cabíveis após a votação. Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, AgR-REsp – n. 36.398/MA, Rel. Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Ac. 04.05.2010, DJE 24.06.2010.)

 

RECONHECIMENTO. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO. NÃO-COMPROVAÇÃO. PRELIMINARES DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PELA CORTE REGIONAL. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DE PARTIDO POLÍTICO COLIGADO PARA REPRESENTAR APÓS O PERÍODO ELEITORAL. FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL, ANTE O NÃO ATENDIMENTO DO PRAZO DE 5 DIAS PARA O AJUIZAMENTO DA INVESTIGAÇÃO JUDICIAL. REJEITADAS. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO-CONFIGURADA. REEXAME DE PROVAS. NEGATIVA DE SEGUIMENTO DO AGRAVO ANTE A DISSONÂNCIA DAS RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.

[...]

2 - Após a eleição o partido político coligado tem legitimidade para, isoladamente, propor representação, conforme orientação deste Tribunal. (TSE - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 6416 Jandira/SP, Relator Min. JOSÉ GERARDO GROSSI, DJE 05.12.2006.)

Mérito

Os autos veiculam a ocorrência de captação ilícita de sufrágio, a teor do art. 41-A da Lei 9.504/97:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

§ 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto.

[…]

Não obstante o resultado das urnas em nada vincule o exame acerca da regularidade do processo eleitoral, que é o que se quer apurar neste feito, tenho por oportuno trazer a lume extrato do cenário político-eleitoral que na cidade de Jaguari se desenhou no último pleito: duas candidaturas na eleição majoritária, representadas nas figuras de João Mário Cristofari e, como seu opositor, Ivo José Patias. Do total de 8.660 eleitores que compareceram às urnas, excluídos os brancos e nulos, o candidato João Mário sagrou-se vitorioso na eleição, obtendo 4.171 votos, e o seu concorrente obteve 4.164 votos; ou seja, uma diferença de 7 (sete) votos.

O fato jurídico da alegada compra de votos, ora em análise, está inserido nesse contexto político, a partir do qual permite-se concluir que se conformou um ambiente de estreita disputa entre duas correntes políticas pretensamente opostas e que traz consigo a possibilidade da utilização de expedientes que pudessem ultrapassar o limite entre o lícito e o ilícito visando à obtenção de votos. A assertiva é válida tanto para admitir a veracidade da imputada compra de voto, como para afastá-la, razão pela qual impõe-se, sobremaneira, verificar com acuidade o conjunto probatório trazido aos autos.

O reconhecimento do ilícito realizado em primeiro grau assentou-se na análise individualizada de diversos atos cuja imputação é feita aos ora recorrentes. Assim é que, a partir dos termos da sentença que proferiu juízo condenatório, realizo, agora, o reexame, em sede recursal.

I) em relação a ANTÔNIO CARLOS DAPIEVE:

Sobre este paira a condenação de que teria oferecido a Cláudia Pessota Militz material de construção, consistente em 200 tijolos, para obtenção de seu voto e do seu companheiro Roberto Araújo da Silveira.

No depoimento em juízo, consoante se extrai do vídeo da audiência, Cláudia é enfática nas suas afirmações. Não nega que sua iniciativa de procurar a delegacia de polícia, após as eleições – portanto, após o resultado das urnas -, tenha sido fruto de uma articulação coletiva, capitaneada por pessoa de nome Fátima. Porém, nada altera o fato de não ter sido movida por ação espontânea, na medida em que a dita pessoa chamada Fátima seria “uma mulher que mora ao lado de sua casa e que reuniu as pessoas que ganharam coisas”, deixando claro que os benefícios também teriam derivado de ação articulada.

Porém, não titubeia ao, por duas vezes, apontar Antônio como sendo a pessoa que lhe ofereceu o material e, como contrapartida, pediu-lhe o voto:

Cláudia: foi ele ali ó … onde é que está ele? (virando-se de costas) … ele lá … aquele lá … ele me deu … me deu tijolo ....

Pela autora: lhe pediram, em contrapartida, voto?

Cláudia: nos tijolo, sim.

Pela autora: pediram voto para quem?

Cláudia: pra esse homem que está aí atrás.

Juiz: aquele ao lado da porta?

Cláudia: não, não. O do lado.

Juiz: o segundo?

Cláudia: sim.

Juiz: o Antônio.

Os recorrentes nada trouxeram que pudesse fragilizar o contundente testemunho colhido.

Modo particular, a sentença delineia o alcance do comprometimento de Cláudia com o candidato a prefeito da outra coligação, José Patias, tanto é assim que manteve a propaganda dele afixada em sua casa até as eleições e negou, peremptoriamente, ter sido cooptada para votar no candidato a prefeito da coligação de Antônio, João Mário, deixando claro que a benesse lhe foi alcançada especificamente com o fim de dar o voto a Antônio. E assim como o Dr. Procurador, colho no excerto da sentença também os fundamentos para reconhecer a conduta ilícita deste recorrente.

No ponto, tem-se que a sentença bem analisou a matéria (fls. 865-878):

“1) Quanto o réu ANTÔNIO CARLOS DAPIEVE foi acusado de oferecer material de construção, 200 tijolos, a Cláudia Pessota Militz para obtenção do voto dela e de seu companheiro, Roberto Araújo da Silveira.

Cláudia Pessota Militz referiu que ganhou tijolos e dinheiro para pagamento de IPVA de seu carro de Antônio. Apontou para Antônio reconhecendo-o como doador dos tijolos em troca de voto, tecendo relato muito coerente sobre a oferta de vantagem indevida. Disse que não lhe foi pedido votos em favor de João Mário. Afirmou que se arrependeu, que ficou sentida. Referiu que na sua casa havia placa de propaganda eleitoral da coligação contrária que tinha como candidato ao cargo de prefeito municipal, o Sr. Ivo. Informou que é afilhada da esposa de Ivo. Por fim, mencionou que realizou o registro do boletim de ocorrência após o resultado das eleições.

Desse depoimento, saliento ser relevante a visualização do vídeo, pois Cláudia aponta de forma muito incisiva para Antônio Carlos afirmando que foi ele que lhe deu os tijolos afirmando lhe pediram votos “pra esse homem que tá ali atrás”, “ele ali”.

Assim, conclui-se que Cláudia é coerente em seu relato apontando ANTÔNIO CARLOS DAPIEVE como fornecedor dos tijolos em troca de voto, sendo oportuno consignar que o fato de ela manter laços afetivos com o candidato oposicionista a prefeito municipal, Ivo Patias, não desqualifica seu depoimento, tendo em vista que, em relação ao candidato diretamente concorrente de seu padrinho, João Mário, ela asseverou que não houve promessa de favor irregular.

Desse modo, evidencia-se a coerência do relato da eleitora, impondo-se o reconhecimento da conduta ilícita de captação irregular de sufrágio praticada por ANTÔNIO CARLOS DAPIEVE, nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, condenando-o ao pagamento de multa no valor equivalente a mil Ufir, bem como determinando a cassação de seu diploma de vereador nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97”.

II) em relação a EUDO CALEGARO TAMBARA:

Esta condenação teve assento no reconhecimento do fato de o então candidato Eudo haver doado material de construção à eleitora Tanise Moreira da Silveira. Tanise alega ter recebido de Eudo material para banheiro: “vaso, pia, piso”, provenientes da loja de propriedade de João Mário, o qual também lhe teria ofertado uma porta de ferro, fato este analisado em apartado, na sequência. Asseverou que o seu ex-companheiro Edson Almeida dos Santos, cabo eleitoral dos acusados, foi quem teria intermediado as tratativas junto à loja, figurando em nome deste a nota fiscal correspondente.

No cotejo dos depoimentos colhidos em juízo, a manifestação de Tanise guarda coerência:

Pela autora: a Sra. foi procurada por algum candidato, representantes desse candidato, por terceiros, com o objetivo de obterem o seu voto, lhe dando ou entregando algum benefício, algum produto ou alguma promessa em contrapartida?

Tanise: sim.

Juiz: a Sra. pode desenvolver, então.

Tanise: primeiro, quando me ofereceram o banheiro foi o Edinho, que foi, me ofereceu o banheiro e eu aceitei. Seria, no caso, o Eudo que teria me dado. O banheiro completo: vaso, pia, piso. Veio até o rejunte junto.

Pela autora: a Sra. reconheceria esses produtos?

Tanise: reconheço (…) a pia era branca, o vaso era branco, o piso era grandão branco (…) e a porta era de ferro.

Pela defesa (de João Mário): como esta porta teria sido dada por João Mário, segundo a depoente? De que forma o João Mário teria dado esta porta para ela?

Tanise: eu fui lá buscar.

Pela defesa: lá onde a Sra. foi buscar?

Tanise: na loja.

Pela defesa: foi adquirida numa loja?

Tanise: sim, eu fui buscar na loja. Como eu ganhei, o Sr. quer dizer?

[...]

Do depoimento de Claudionir da Silva, vendedor da loja que é propriedade de João Mário, somente é possível extrair a afirmação de que vendeu o material relacionado na nota fiscal para Edson, o “Edinho”. Por outro lado, Edson afirma que efetivamente foi à loja, adquiriu os bens e, tendo pegado a chave da casa com Tanise, que estava trabalhando naquele horário, deixou o material em sua casa. Em juízo diz ter ficado “com pena” da situação do banheiro de sua ex-companheira, que adjetivou “precária”, tendo resolvido presentear Tanise, a despeito de não mais manter com ela relacionamento afetivo.

Tanise confirmou em seu depoimento que recebeu a proposta por intermédio de Edson e que aceitou, asseverando, no entanto, saber que o presente, na verdade, provinha de Eudo: “foi o Edinho, que foi, me ofereceu o banheiro e eu aceitei. Seria, no caso, o Eudo que teria me dado”.

Encontro no parecer do Ministério Público Eleitoral de primeiro grau percuciente avaliação acerca dos depoimentos colhidos, especificamente no que disse com a fase judicial (fls. 813-814):

[…] é claro que Edson, em juízo, afirmou que entregou o banheiro para Tanise, em razão de ela ser sua ex-companheira. Não seria diferente. Não viria a juízo, filiado ao Partido do Prefeito Eleito e diria que pegou os utensílios na loja dele, a pedido dele, a fim de buscar votos para ele e para um vereador.

[…]

No caso concreto, Edson, cabo eleitoral do Prefeito e de Eudo, entrega bens para Tanise, buscando votos para ambos, em pleno período eleitoral, próximo das eleições. É nesse sentido, aliás, o depoimento de Tanise.

É forçoso acreditar que foi um simples “regalo” prestado por Edson que, aliás, é pedreiro e, a despeito disso, afirmou em juízo ter presenteado sua ex-companheira com um banheiro todo novo e, pasme Excelência, PAGAMENTO À VISTA.

[…] Edson, valendo-se de sua relação com Tanise, funcionou como interposta pessoa, como elo de ligação a fim de obter o voto para João Mário e Eudo, sendo que, em troca disso, doou um banheiro repleto de utensílios.

Em relação a esse fato, assim como o Dr. Procurador, busco nos termos da sentença a fundamentação para admitir a ocorrência de também mais esse ilícito:

EUDO CALEGARO TAMBARA foi acusado, juntamente com João Mário Cristofari, de terem doado material de construção para um banheiro com a finalidade de obtenção do voto da eleitora Tanise Moreira da Silveira.

Tanise Moreira Da Silveira afirmou que Edinho lhe ofereceu o banheiro “que o Eudo teria me dado, banheiro completo, no caso o vaso, pia, piso, veio até o rejunte junto e a porta que ganhei do João Mário”. Disse que foram feitos uns vídeos que indicavam que ela tinha ganhado, sendo, então, chamada à Delegacia e, após, recolhidos os produtos. Mencionou que reconheceria os produtos que eram brancos, o “piso era grandão branco” e a porta de ferro. Relatou que foi buscar a porta na loja de João Mário que saiu nota fiscal em seu nome e que o fretista pegou a nota.

De outro lado, Edson Almeida dos Santos, disse que Tanise é sua ex-companheira e que foi ele que comprou o banheiro para ela, efetuando o pagamento. Referiu que Leonardo foi quem levou os bens, mencionando que Cláudio, da Loja de João Mário, efetuou a venda.

Claudiomiro da Silva, nessa linha, relatou que vendeu os materiais de construção para Edson, que trabalhava como pedreiro.

Eduardo Diefembach, cargo comissionado do requerido João Mário, referiu que conhecia Tanise em razão de contato profissional relativo à relação empregatícia extinta.

Nesse contexto, verifica-se que os depoimentos de Edson e Claudiomiro não guardam sintonia com o fato de que, caso efetivamente tivesse sido Edson o responsável pelo pagamento, de posse da nota fiscal, deveria ter diligenciado para garantir que a compra fosse assegurada a Tanise, o que não fez. Além disso, Tanise realizou relato harmônico e seguro no sentido de que os então candidatos Eudo e João Mário lhe ofereceram o jogo de banheiro e porta.

Assim, impõe-se o reconhecimento da conduta ilícita de captação irregular de sufrágio praticada por EUDO CALEGARO TAMBARA, nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, condenando-o ao pagamento de multa no valor equivalente a mil Ufir, bem como determinando a cassação de seu diploma de vereador, nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97.

III) em relação a JOÃO MÁRIO CRISTOFARI:

Quatro fatos deram suporte à decisão de sua condenação.

O primeiro, diz com a doação de porta de ferro à eleitora Tanise Moreira da Silveira, fato correlacionado àquele já examinado por envolver também o recorrente Eudo. Distinguem-se tão só quanto ao objeto: Eudo seria o responsável pela doação dos materiais para o banheiro e João Mário, por uma porta de ferro.

No ponto, o recorrente infirma os termos da acusação apenas buscando desacreditar o depoimento de Tanise pelo fato de as alegadas tratativas para a doação da porta, que teriam sido efetuadas em lancheria na qual Tanise trabalhava, não terem sido presenciadas por outra pessoa, bem como pelo fato de Tanise agora trabalhar para a filha de Joni Fontoura Riella, Presidente do PDT, partido integrante da coligação autora da representação.

O depoimento de Tanise, como já referido na análise relacionada a Eudo, guarda conexão com a acusação que recai sobre o recorrente. Transcrevo, novamente, o trecho em que especificamente relacionado a João Mário:

Pela autora: a Sra. reconheceria esses produtos?

Tanise: reconheço (…) a pia era branca, o vaso era branco, o piso era grandão branco (…) e a porta era de ferro.

Pela defesa (de João Mário): como esta porta teria sido dada por João Mário, segundo a depoente? De que forma o João Mário teria dado esta porta para ela?

Tanise: eu fui lá buscar.

Pela defesa: lá onde a Sra. foi buscar?

Tanise: na loja.

Pela defesa: foi adquirida numa loja?

Tanise: sim, eu fui buscar na loja. Como eu ganhei, o Sr. quer dizer?

Pela defesa: a Sra. foi numa loja buscar …

Tanise: sim, eu fui lá na loja dele buscar.

Pela defesa: a Sra. trabalhava onde, na época?

Tanise: na lancheria …

Pela defesa: houve alguma coisa lá na lancheria em relação a esses fatos, que a Sra. tá noticiando que teria ganhado alguma coisa? … Lá na lancheria foi feita alguma tratativa desses produtos? … a respeito de a Sra. receber algum desses produtos … foi tratado lá?

Tanise: sim.

Pela defesa: quem tratou com a Sra?

Tanise: o João Mário.

Outra vez, filiando-me ao entendimento do Dr. Procurador, trago dos termos da sentença a fundamentação para reconhecer configurado o ilícito perpetrado:

c) Doação de porta de ferro à eleitora Tanise Moreira da Silveira. JOÃO MÁRIO CRISTOFARI foi acusado, de ter doado uma porta de ferro com a finalidade de obtenção do voto da eleitora Tanise Moreira da Silveira.

Tanise Moreira da Silveira, como já transcrito acima, afirmou com convicção que “que o Eudo teria me dado, banheiro completo, no caso o vaso, pia, piso, veio até o rejunte junto e a porta que ganhei do João Mário”, mencionando que foi buscar a porta na loja de João Mário que saiu nota fiscal em seu nome e que o fretista pegou a nota, reafirmando que a nota saiu em seu nome.

No ponto, a fim de evitar repetição desnecessária, reporto-me à análise já exarada quando do exame da conduta imputada ao candidato EUDO CALEGARO Tambara, conferindo valor ao relato coerente e harmônico da eleitora em detrimento aos depoimentos do ex-companheiro da eleitora e do empregado da loja de material de construções de João Mário.

Portanto, reconheço a conduta ilícita de captação irregular de sufrágio praticada por JOÃO MÁRIO CRISTOFARI, nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97.

O segundo fato pelo qual este recorrente teve reconhecida conduta ilícita se refere à promessa de doação de bomba d’água à eleitora Elzira da Encarnação Erd.

A prova em apreciação, como referido ao início, a conferir validade ao exame de mérito, restringe-se àquela coletada em juízo. Com relação a este fato tem-se apenas o depoimento de Elzira:

Elzira: Foi em outubro que me procuraram, antes da eleição. O Chico Taquara. Me oferecendo uma bomba, com fio, e a maga pra puxar uma água pra mim, que não podiam mais carregar água pra mim porque era bastante, que eu gastava, né? Então ele disse que, se eu votasse por João Mário, ele me dava essa bomba. E eu não quis, eu não aceitei.

Pela defesa: a Sra. tinha alguma placa de algum candidato lá na sua casa?

Elzira: tinha. Do Ivo Patias.

Pela defesa: foi a Sra. mesmo quem colocou?

Elzira: fui eu que botei.

Pela defesa: a Sra. é simpatizante da Coligação do Seu Ivo e do Seu Valente?

Elzira: sou.

Pela defesa: quem a convenceu a ir até a Delegacia? Ou foi por espontânea vontade?

Elzira: foi por espontânea vontade.

Pela defesa: a depoente é filiada a algum partido político?

Elzira: não.

O relato de Elzira, como referido na sentença, mostra-se “coerente e harmônico”, e o fato de se dizer “simpatizante” da coligação adversária não permite afastá-lo de plano. Mesmo porque, no seu legítimo exercício de cidadania, não pode ser obstaculizado à eleitora, simultaneamente à escolha política, o direito/dever de denunciar ilícitos relacionados àqueles que não detêm a sua preferência eleitoral.

Na mesma linha de raciocínio, não é crível que a compra de voto, ou sua tentativa, seja exercida junto àqueles perante os quais os candidatos já tenham a certeza de sua simpatia; ao revés, a lógica nos remete a concluir que a conquista de votos – lícita, naturalmente - deva se dar no terreno daqueles que não convirjam com as ideias defendidas na candidatura em disputa.

No entanto, no caso, despido de qualquer outro elemento de prova que com este testemunho se possa validar conjuntamente, forçoso admitir a sua fragilidade, na perspectiva de asseverar configurada a tentativa da captação ilícita de voto, que requer a sua comprovação, senão à saciedade, com razoável verossimilhança.

Assim, no ponto, mais uma vez estou de acordo com o Dr. Procurador para afastar o juízo de condenação relacionado a este fato.

Nessa linha, a jurisprudência:

Recurso ordinário. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Prova testemunhal. Fragilidade.

1. A procedência de representação, com fundamento no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, requer prova robusta da prática de captação ilícita de sufrágio cometida pelo candidato ou a comprovação de sua anuência ao referido ilícito.

2. Em face da ausência de provas consistentes sobre a infração narrada na representação, esta deve ser julgada improcedente.

Recurso a que se nega provimento.

(TSE, Recurso Ordinário n. 1468, Acórdão de 23.09.2008, Relator Min. CARLOS EDUARDO CAPUTO BASTOS, Publicação: DJE 10.02.2009, Página 50.)

 

Recursos. Decisões no juízo originário que julgaram improcedentes representações por captação ilícita de sufrágio e por arrecadação e gastos ilícitos de campanha. Reunião de ambas irresignações, para julgamento conjunto, diante da relação de dependência entre as demandas. Partes e suporte fático comum a ambas as ações.

Fragilidade do acervo probatório, formado por testemunhos inconsistentes e aparentemente comprometidos com os candidatos da coligação adversária. Inexistência de prova judicial segura para demonstrar a alegada captação ilícita de sufrágio e, por consequência, a ocorrência de gasto ilícito de recursos.

Provimento negado a ambos os recursos.

(TRE/RS, Representação n. 527823, Acórdão de 22.11.2011, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS 24.11.2011, Página 06.)

O terceiro fato suporte ao juízo condenatório refere-se à doação de dinheiro e promessa de doação de materiais de construção à eleitora Edivanir Lenz de Vargas. Ana Maria de Vargas Gonçalves, funcionária da Secretaria de Assistência Social do Município, teria alcançado à eleitora Edivanir a quantia de R$ 80,00 (oitenta reais), os quais teriam sido utilizados pela eleitora para fazer compras no Supermercado Minuzzi, para que ela votasse no candidato João Mário, sendo-lhe prometido, ainda, que, caso fosse o vitorioso nas urnas, construiria sua casa.

Os recorrentes infirmam o depoimento de Edivanir invocando as limitações intelectuais da depoente (“morava há anos em Jaguari, nem sabia quem era o prefeito municipal”, “nem sabia o que estava dizendo em audiência”), tendo em vista que, perguntada, não soube precisar quem era o prefeito ao tempo das eleições.

Natural concluir-se de seu testemunho que se trata de pessoa humilde, com poucas luzes. Afirmou em juízo, no entanto, categórica, tanto aos autores, quanto aos recorrentes, que seu voto e seu apoio se dera para Ivo Patias, adversário de João Mário. Assertiva que, em si mesma, não exclui a possibilidade de que a oferta proclamada tenha, com efeito, ocorrido – vale a máxima, novamente, de que é normal que a conquista de votos se dê no terreno adversário. Nesse sentido reporta-se ao fato de que Ana Maria teria lhe alcançado propaganda do candidato: “me deu até um jornalzinho do João Mário que era pra mim ver o que ele tinha feito, pra eu votar pra ele”.

A magistrada, prolatora da sentença, atribui prevalência ao relato da eleitora, em razão de que “sequer Ana Maria foi arrolada para prestar depoimento em sentido contrário, situação em que se teria depoimentos contraditórios”. Com efeito, singular a circunstância. Porém, eventual manobra processual de defesa não tem o condão de conferir veracidade à alegação de quem acusa. E único depoimento, descortinado de outros elementos de prova que, no cotejo, lhe possam emprestar maior significado frente aos fatos imputados como ensejadores da compra de voto, não pode fundamentar juízo de condenação, na esteira dos precedentes retrocitados. Nessa linha, filio-me ao entendimento do Dr. Procurador para, tomando seus apontamentos como razões de decidir, não reconhecer a ocorrência do alegado ilícito:

A eleitora Edir Vanir Lenz de Vargas narra que Ana Maria, funcionária da Assistência Social, em troca de seu voto para João Mário, lhe deu R$ 80,00 para que fizesse compras no mercado. Acresce ainda que Ana teria lhe prometido material de construcão, caso o candidato fosse eleito. Em audiência, Edivanir Ledir Vargas contou que Ana Maria, que trabalhava na assistência, esteve em sua casa e disse que lhe daria R$ 80,00 para que trocasse a placa do Ivo Patias pela do João Mário, bem como que, se o João Mário ganhasse, lhe daria todo o material de construcão para sua casa. Disse que pegou o dinheiro e gastou, mas que não colocou a placa do João Mário, deixando a de Ivo Patias.

A prova do fato se limita ao depoimento de Edivanir Ledir Vargas, a qual possuia, em sua casa, placa do candidato oposicionista, Ivo Patias, não sendo capaz, por si só, de comprovar a alegada compra de votos.

O quarto fato imputado ao recorrente se refere à alegação de que Anízio de Oliveira Feliciani, então chefe de gabinete do prefeito, teria dado à eleitora Mariluzi da Encarnação Erd 5 (cinco) telhas Imbralit e 3 (três) cumeeiras, em troca de voto no candidato a prefeito. A alegada doação de vale, no valor de R$ 100,00 (cem reais), foi afastada pela sentença.

Conforme imputação inicial, as telhas teriam sido retiradas na loja de propriedade de João Mário, tendo sido emitida nota fiscal nominal a Elzira, mãe de Mariluzi, que protagonizou o fato relacionado à promessa de doação de bomba de água, neste voto citado como segundo fato relacionado a João Mário.

Afirma em seu depoimento ter sido procurada para o oferecimento de benefício em troca de voto:

Mariluzi: foi assim: eu vim a Jaguari pra pedir uma ajuda pra uma coberta pra minha casa. Aí eu cheguei na Prefeitura pra falar com o S. João Mário, tava só o S. Anízio, ele disse que o S. João Mário estava viajando. E que pela assistente social nós não poderia fazer o pedido porque era período de eleição. Aí ele pegou, disse que um pouco do bolso dele ele ia ajudar, e quando o S. João Mário voltasse de viagem ele ia pedir o resto, pra ajudar pra coberta da casa.

Aí ele ligou pra loja, eu não tinha crediário, só minha mãe que tem. Daí ele ligou pra loja pra liberarem 5 folha de brasilit do grosso, e três 'cunheiras'. Foi tirado na conta da mãe, porque como era época de eleição não podiam pagar à vista, nem nada, dá pista. Daí ficou no crediário, no nome da mãe.

(…) Dali a uma semana, que foi conseguido dinheiro pro frete, nós viemos buscar. Eu paguei o frete do Zé. Daí eu fiz rancho na cooperativa, já levei o rancho junto. Mas, o rancho foi feito com o dinheiro que o meu marido trabalha.

E daí foi … ele pediu em troca … disse que queria que a gente colocasse a placa. Do João Mário e do Sidi. Aí foi colocada a placa lá em casa. Levou uns 20 dias para eles levarem lá. Fui um Senhor que cantava, eu não tô lembrada o nome, e outro moreno, magro. Daí era daquelas placas de colocar na parede, mas eu coloquei na árvore, na frente da casa.

Aí, depois, mais tarde, eles ficaram … prometeram de levar o resto, não levaram. Como não era suficiente pra colocar na casa, eu comprei do brasilit fino, fiz prestação de R$ 28,00 na loja, meu esposo pagou, e 9 'cunheira' do fininho, que foi colocado na casa. E as outras eu não ocupei que eu ganhei.

Aí eles pegaram também o … eu não tô lembrada do nome … o Chico … conheço por Chico, ele chegou um dia lá, tava a placa deles, o Ivo deixou duas placas lá na mãe,

Como o S. João Mário foi na casa da minha mãe, fazer visita, e não foi na minha casa, eu decidi que eu ia votar no Ivo. Peguei uma placa lá na mãe, sem ordem de ninguém, por minha conta, e tirei a do João Mário, botei a do Ivo. Daí o Chico chegou lá, (…), chegou num carrinho vermelho (…), parou na frente da casa [excluída narrativa relacionada ao rancho, por não ser objeto do recurso] ... que eu teria que trocar as placas. Só que tinha uma vizinha minha lá em casa … ela presenciou o fato.

Daí, eu peguei, tirei a placa do Ivo e não coloquei a de nenhum dos dois mais lá. (…) E ele ficou de dar um banheiro pra mim, não me deu. Aí nesse motivo, por eu ser pobre, nem visitar minha casa, por esse motivo, nem o banheiro que eu pedi tanto pela assistente e pela Prefeitura, eu não ganhei, eu decidi votar no outro.

Pela autora: sucintamente, a Sra. recebeu esses bens pra votar em quem?

Mariluzi: no João Mário e no Sidi.

Pela defesa: em algum momento, o Sr. João Mário teve algum contato com a Sra?

Mariluzi: S. João Mário, não. Foi através do Chico. Ele só teve na mãe.

Pela defesa: e na casa da mãe, tinha placa de candidatos, também?

Mariluzi: tinha, do Ivo Patias. Meu irmão colocou. Colocou na casa dele, que é do lado da casa da mãe.

Pela defesa: em algum momento a Sra. chegou a colocar a de João Mário, ou só tirou a do Ivo e não colocou a do João Mário?

Mariluzi: não, tava a do João Mário e ficou por uns 20 dias a placa do João Mário lá (…) tirei a do João Mário e coloquei a do Ivo. Depois, daí o Chico pediu pra mim tirar a do Ivo e botar de volta a do João Mário. Daí, eu tirei as duas e não coloquei nenhuma mais.

Pela defesa: desse rancho, a Sra. guardou a notinha?

Mariluzi: não, não me deram nota alguma. No mercado, não.

Pela defesa: e lá na loja, foi dado nota?

Mariluzi: foi dado nota, a mãe pegou as notas, foi entregue na delegacia as notas … só que a mãe não assinou as notas … cada coisa que a gente compra na loja se assina uma nota, e ela não assinou essa nota.

Pela defesa: sabe se o Seu Chico Taquara era candidato a vereador ou a prefeito?

Mariluzi: não, ele pedia em troco … ele pedia pro S. João Mário.

Pela defesa: a depoente sabe em que data ocorreram esses fatos?

Mariluzi: do rancho que ele entregou lá em casa … foi numa quinta-feira, antes da eleição, as três e quarenta da tarde. As outras datas eu não recordo.

Pela defesa: quando é que a Sra. registrou essa ocorrência?

Mariluzi: no dia da eleição de noite ...

Pela defesa: a Sra. veio com alguém, alguém lhe trouxe?

Mariluzi: eu vim com um amigo meu, que eu conhecia aqui de Jaguari, que eu liguei pra ele, que eu queria denunciar, que eu queria que ele fosse lá em casa.

Pela defesa: isso foi depois das eleições?

Mariluzi: foi, já tinha encerrado a votação.

Pela defesa: já tinha saído o resultado?

Mariluzi: já tinha saído o resultado.

Nesse contexto fático, entendo que o conjunto probatório favorece à tese defensiva.

O depoimento em juízo do policial civil, Giovani Righes Giacomelli, arrolado pela defesa, embora admita sua filiação ao PT, revela que percebeu grande movimentação na delegacia de polícia, na semana posterior à eleição e/ou na sequente, sobretudo oriundo das regiões periféricas da cidade: “depois da eleição … logo depois … chegou denúncias das vilas ...”. Porém, perguntado pela autora se “houve apreensão de materiais de construção e gêneros alimentícios”, afirmou: “apreendemos”.

Vejo que o ilícito teve granjeado elementos de prova significativos; porém, em sua quase totalidade obtidos na fase policial, da qual esse julgamento de plano afastou-se.

De relevo a fundamentação da magistrada prolatora da sentença no que pertine à nota fiscal da fl. 80, na qual figuram adquiridas por Elzira da Encarnação Erd telhas e cumeeiras da marca Imbralit, no valor total de R$ 263,20, a serem pagas em duas parcelas de R$ 131,60. A compra é datada de 06.09.2012, véspera das eleições municipais de 2012. No entanto, esta prova está encartada no inquérito que, como referido à exaustão, não foi convalidado para exame de mérito deste recurso.

Assim, guardando coerência com a tese defendida ao início deste voto, acerca da validade do inquérito, deixo de apreciar este elemento de prova.

E, guardando coerência com a posição manifestada em relação ao segundo fato relativo ao recorrente João Mário, pelo qual não reconheci configurada suposta promessa de doação de bomba d’água à eleitora Elzira da Encarnação Erd, mãe de Mariluzi, também entendo frágeis os elementos de prova coligidos judicialmente para o fato em exame.

E, ainda que expressado harmonicamente, também o testemunho de Mariluzi sobre os fatos vem de forma isolada, corroborada a circunstância de que tanto a eleitora quanto sua família têm, pelos termos de seu depoimento, significativo vínculo com as candidaturas concorrentes, seja por manifesta simpatia, seja por aversão, o que compromete a imparcialidade que se pretende extrair para um juízo de procedência da representação (precedentes retrocitados).

Tenho, portanto, que a prova vertida nos autos em relação a este item não é capaz de conformar verossimilhança a tais alegações.

Assim, dos quatro fatos que serviram de substrato à condenação de João Mário Cristofari, subsiste a cassação do seu diploma fundamentada no primeiro fato examinado.

A condenação de Sidinei Rodrigues dos Santos se efetiva como consequência do juízo de procedência frente à conduta de João Mário Cristofari, na medida em que, na condição de vice-prefeito, ante a indivisibilidade da chapa que com o primeiro compôs, sofre os efeitos do juízo condenatório proferido em relação àquele. Por tal razão, mantém-se, também, a cassação do seu diploma.

CONCLUSÃO

Em conclusão, certo é que o processo eleitoral de 2012 em Jaguari não ocorreu dentro da normalidade eleitoral devida.

O que o artigo 41-A da Lei Eleitoral ampara é a liberdade do voto.

Da análise extraída dos autos, concluí que houve mácula no livre exercício da vontade dos eleitores, de sorte que a regularidade do pleito restou comprometida.

Ainda que nem sobre todos os fatos alegados na inicial tenham sido carreados elementos de prova robustos, o fato é que o reconhecimento de parte dos ilícitos que foram imputados aos recorrentes se impõe, sendo-lhes devidas as sanções pertinentes. No dizer de Rodrigo Lopes Zílio a prova do elemento subjetivo do ilícito prende-se às circunstâncias do caso concreto, ou seja, a compra de voto é analisada fundamentalmente dentro de uma moldura fática predeterminada (in Direito Eleitoral. 3ª edição, 2012, p. 494).

Ademais, paga caro a democracia, na medida em que um pleito eivado de irregularidade a coloca em situação de fragilidade, transformando as urnas em balcão de negociação. Não é o que a lei determina. Não é o que pretende a Justiça Eleitoral. Nesse sentido, medida de adequada justiça é a manutenção da sentença para reconhecer havida a captação ilícita do sufrágio.

Bem refere o doutrinador Zílio (obra citada, p. 490):

[…] a captação ilícita de sufrágio se configura quando presentes os seguintes elementos: a) a prática de uma conduta (doar, prometer, etc.); b) a existência de uma pessoa física (o eleitor); c) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto); d) o período temporal específico (o ilícito ocorre desde o pedido de registro até o dia da eleição).

Prossegue ele, com ensinamentos que em tudo se aplicam ao caso (obra citada, p. 491, in fine):

Para a configuração do ilícito a conduta deve ser dirigida a eleitor determinado ou determinável. Neste passo, é necessário traçar elemento distintivo entre a captação ilícita de sufrágio – que é vedada – e a promessa de campanha – que, em princípio, é permitida. Quando a conduta é dirigida a pessoa determinada e é condicionada a uma vantagem, em uma negociação personalizada em troca do voto, caracteriza-se a captação ilícita de sufrágio. Diversa é a hipótese de uma promessa de campanha, que é genericamente dirigida a uma coletividade, mas sem uma proposta em concreto como condicionante do voto.

Poder-se-ia dizer que, ante a existência de corruptores, haveria o aceite dos corrompidos, e esse raciocínio mais estreito poderia levar à equivocada conclusão da equivalência de condutas, o que não se coaduna ao texto da lei, tampouco ao entendimento doutrinário.

José Jairo Gomes (in Direito Eleitoral. 6ª edição, 2011, p. 494) esclarece:

Às vezes, é o próprio eleitor que se insinua ao candidato, solicitando-lhe bem ou vantagem para entregar-lhe o voto. Embora essa conduta seja tipificada como crime de corrupção eleitoral passiva no art. 299 do Código, não é previsto no art. 41-A da LE. O que denota ilicitude na captação do voto é a iniciativa do candidato, não a do eleitor, porquanto é a liberdade deste que se visa resguardar.

Ainda que nem todas as condutas tenham sido reconhecidas como ilícitas, tem-se que os recorrentes, por suas ações, envidaram esforços para cooptação de votos em favor de suas candidaturas. E não seria necessário o reconhecimento de todas elas. Bastaria um só ilícito ser admitido como existente a colocar por terra a legitimidade que o resultado de um pleito deve guardar, no preceito de que deve representar a lídima vontade de uma coletividade.

Nessa linha, colaciono, mais uma vez, o ensinamento de José Jairo Gomes (obra citada, p. 496):

[…] o bem que se visa salvaguardar é a liberdade do eleitor de votar conforme os ditames de sua própria consciência. É a liberdade de formar sua vontade de votar livremente, escolhendo quem bem entender para o governo. Logo, não é mais necessário que o evento afete ou comprometa a normalidade ou legitimidade das eleições, porquanto uma só ocorrência já e bastante para configurar o ilícito em exame, sendo desnecessário que haja desequilíbrio das eleições em seu conjunto.

Outrossim, o entendimento jurisprudencial do TSE dispensa o pedido expresso de votos para caracterização do ilícito:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. REPRESENTACÃO. CAPTAÇÃO ILICITA DE, SUFRÁGIO. PEDIDO EXPRESSO DE VOTO. DESNECESSIDADE. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA NÃO INFIRMADOS. DESPROVIMENTO.

1. Conforme já reiteradamente decidido por esta Corte, o exame pelo presidente de Tribunal Regional Eleitoral de: questões afetas ao mérito do recurso especial, por ocasião do juízo de admissibilidade, não implica invasão de competência do TSE. Precedentes.

2. Não há afronta ao art. 93, IX, da Constituição Federal, quando o julgado, embora sucinto, declina de forma clara os fundamentos suficientes a embasá-lo.

3. In casu, assentou o TRE a efetiva ocorrência de captaão ilícita de sufrágio. Chegar à conclusão contrária demandaria nova análise dos fatos à luz das provas produzidas. Incidências das Súmulas n 7/STJ e 279/STF.

4. A jurisprudência desta Corte, antes mesmo da entrada em vigor da Lei n° 12.034109, já se havia firmado no sentido de que, para a caracterização de captaão ilícita de sufrágio, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a anuência do candidato e a evidência do especial fim de agir. Descabe, assim, falar em aplicação retroativa do novel diploma legal na hipótese.

5. Agravo regimental desprovido.

(AG. REG. NO AG. DE INST. N. 3920-27.2010.6.00.0000 - CLASSE 6 – CORINTO/MG, Relator: Min. Marcelo Ribeiro, 05.04.2011.)

Também esse o entendimento deste Tribunal:

Recurso. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Condutas vedadas. Artigos 41-A e 73, § 10, da Lei n. 9.504/97. Prefeito e vice. Eleições 2012.

Procedência da demanda no juízo originário, por violação a ambos os dispositivos invocados. Cassação dos diplomas e aplicação de sanção pecuniária. Exclusão dos partidos beneficiados da distribuição de recursos do Fundo Partidário.

[…] Decisão singular adequada na apreciação da matéria fática relacionada ao ilícito do artigo 41-A da lei das Eleições. Plenamente comprovada nos autos a formação de um arrojado balcão de negócios visando à compra de votos e até mesmo a abstenção ao escrutínio. Atuação em conjunto, pelos representados e cabos eleitorais, na prática da captação ilícita de sufrágio no município. Condutas que afetaram a normalidade da eleição, abalaram a moralidade pública e a legitimidade democrática. Ressalte-se que para a caracterização da irregularidade, não é preciso a ação pessoal do candidato, basta que se denote sua anuência ou concordância com os atos ilegais.

[…] Determinada a realização de nova eleição no município, com base no art. 224 do Código Eleitoral.

Extinção da ação cautelar por perda superveniente e evidente de seu objeto.

Provimento parcial ao recurso.

(RE n. 24424, Ac. 03.09.2013, Rel. Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, DEJERS, Tomo 165, Data 05.09.2013, Página 4.)

 

Recurso. Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Captação ilícita de sufrágio e abuso de poder político e econômico. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Procedência no juízo originário, para cassar os registros dos candidatos da chapa majoritária e de postulante ao pleito proporcional. Declaração de inelegibilidade, pelos próximos oito anos, dos candidatos a prefeito e à vereança, com aplicação de sanção pecuniária.

Licitude da prova obtida mediante a gravação ambiental, por um dos interlocutores, de conversa não protegida por sigilo legal.

Conjunto probatório coeso e apto a comprovar a prática da infração eleitoral tipificada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, decorrente da evidenciação clara e convincente da compra de votos perpetrada pelo candidato vencedor das eleições majoritárias e pelo concorrente à vereança.

Não configurada a ocorrência do alegado abuso de poder, circunstância que impõe a reforma da sentença para afastar a declaração de inelegibilidade preconizada no inc. XIV do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90.

Adequação da multa imposta, em consideração às condições econômicas dos representados, consoante preconizado no art. 367, inc. I, do Código Eleitoral.

Inteligência do art. 224 do Código Eleitoral, que, em decorrência da cassação dos diplomas da chapa eleita ao governo municipal e da nulidade dos votos por eles obtidos, impõe a realização de novo pleito. Execução imediata das decisões fundadas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Provimento parcial.

(RE n. 42918, Ac. 13.11.2012, Rel. Dr. Jorge Alberto Zugno, DEJERS, Tomo 222, Data 19.11.2012, Página 2.)

Tenho, por derradeira conclusão, que o juízo de procedência da representação, exarado em primeira instância, não merece reparo tocante à determinação de cassação do diploma dos recorrentes, cabendo a sua reforma, tão só ao efeito de excluir dos seus fundamentos os fatos relativos ao recorrente João Mário Cristofari, neste voto identificados como segundo, terceiro e quarto.

Diante do exposto, VOTO por negar provimento aos recursos de:

a) João Mário Cristofari e Sidinei Rodrigues dos Santos, mantendo a decisão de primeiro grau que cassou os seus diplomas, excluindo dos fundamentos da sentença de procedência os fatos elencados neste voto como segundo, terceiro e quarto;

b) Eudo Calegaro Tambara e Antônio Carlos Dapieve, mantendo a sentença em seus integrais termos, ressalvando a condição de suplente de Antônio Carlos Dapieve.

Impende considerar que os representados componentes da chapa majoritária foram eleitos com 4.171 votos, alcançando 50,04% dos votos válidos, aplicando-se à espécie o disposto no artigo 224 do Código Eleitoral.

Devem, assim, ser realizadas novas eleições para os cargos majoritários no Município de Jaguari, nos termos do artigo 224 do Código Eleitoral e de resolução a ser aprovada por este Tribunal.

Até a posse do novo eleito, deve assumir o cargo de prefeito o presidente da respectiva Câmara Municipal de Vereadores.

Sobre os cargos de vereança, este Tribunal vinha entendendo, acompanhando reiterada e pacífica jurisprudência do TSE, que o reconhecimento de ilícitos perpetrados por vereador cassado tornaria nula a votação por ele auferida, não havendo possibilidade do cômputo desses votos para a legenda, não se aplicando à espécie os termos do art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, pois teria sido superado pelo art. 16-A, parágrafo único, da Lei das Eleições.

Todavia, o Tribunal Superior adotou recentemente posicionamento pela não incidência do art. 16-A da Lei 9.504/97 em casos como o presente, ao entendimento de que os votos obtidos por candidato cujo registro encontrava-se deferido na data do pleito eleitoral não são anulados, mas contados a favor da legenda pela qual o parlamentar se candidatou, nos termos do art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, inviável o pedido de recálculo dos votos. Nesse sentido os precedentes do TSE: MS n. 1394-53/MS e MS n. 4787-96/CE, AgR-RESPE n. 416-58, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 02.06.2014, AgR-RESPE n. 740-50, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 03.06.2014; AgR-REspe n. 749-18, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 27.05.2014 e AgR-RESPE n. 1104, Acórdão de 25.06.2014, rel. Min. Henrique Neves da Silva, Dje de 05.08.2014, p. 288.

Assim, comunique-se o inteiro teor desta decisão ao Juízo Eleitoral da 26ª Zona – Jaguari para que:

1. sejam adotadas as providências visando à realização de novas eleições no Município de Jaguari;

2. proceda ao cômputo dos votos atribuídos a EUDO CALLEGARO TAMBARA e ANTÔNIO CARLOS DAPIEVE para a legenda.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Acompanho o relator.

 

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

Observo que, em mais um processo, como já ocorreu em Capão da Canoa, agora na Comarca de Jaguari, pelo menos dois magistrados não tiveram condições de julgar o feito. Isso demonstra o grau de passionalidade que envolve esses municípios, com compra de eleitores e desrespeito à jurisdição eleitoral. Não se pode esperar de determinados políticos postura diferente, lamentavelmente. Estou acompanhando o voto do relator.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Em primeiro lugar, quero elogiar o minucioso voto do eminente relator e acompanhá-lo na rechaça das preliminares.

Quanto ao mérito, justamente pelo que foi evidenciado - um debate bastante acirrado, passional, levou a problemas, inclusive com relação a processo judicial, anulação de inquérito e assim por diante -, com  uma diferença de sete votos não consigo acompanhar a ideia de que apenas uma testemunha - e em cada fato foi uma só testemunha que foi decisiva para o resultado, que, ao meu sentir, não parece que possa merecer tanto crédito para que, isoladamente, possa levar a esse resultado, pelas circunstâncias que estão presentes no processo. Causa espécie que justamente a pessoa que foi procurar por Cláudia, chamada Fátima, tendo nos autos seu nome e endereço, não foi chamada a depor. E supostamente haveria outras testemunhas que também teriam induzido Cláudia a, depois das eleições, republicanamente, procurar a polícia. São muitos fatores que levantam perplexidades; não há gravações, não há outras provas. E nesse caso, a cassação de mandatos, em uma eleição tão disputada, com tão pouca diferença, justamente merece ainda maior cuidado. Nessas circunstâncias, parece-me que uma testemunha não pode servir de sustentáculo para a cassação de mandatos, em processo em que houve uma série de irregularidades. 

Por essas razões, vou me permitir divergir e dar provimento a todos os recursos, reformando a sentença na íntegra, quanto a suas consequências.

 

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Com a vênia do eminente relator, vou me alinhar com a divergência.

Em relação a Antônio Carlos Dapieve. Foi condenado com base em apenas uma única testemunha, a denunciante Cláudia Pessota Militis, afilhada da esposa do candidato Ivo Patias, da oposição. A testemunha Cláudia tinha propaganda de Ivo Patias em frente de sua casa, mentiu sobre o dinheiro para o IPVA, já pago, conforme reconhecido pela magistrada de 1º grau, e somente tomou a iniciativa após o resultado das eleições, e ainda fruto de uma articulação coletiva capitaneada por uma pessoa chamada Fátima.

Quanto a Eldo Callegaro Tambara. Também condenado com base em uma única testemunha, comprometida com o partido denunciante, empregada da filha do presidente do PDT, Tanise. E a prova que consta nos autos é de uma compra que foi feita por seu ex-companheiro Edson, em nome de quem foi emitida a nota fiscal.

E quanto a João Mário Cristofari, a prova que foi mantida pelo eminente relator é da mesma Tanise, que agora trabalha para a filha do presidente do PDT e teria ganhado uma porta de ferro do então prefeito.

Acompanho a divergência.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Em face do que se consegue provar e alinhando-me com as decisões antigas desta Casa, e mesmo do Tribunal Superior Eleitoral, acompanho o voto divergente.

 

Des. Marco Aurélio Heinz:

Quanto às preliminares, há convergência sobre a licitude da prova.

No mérito, tenho que a prova  senão consistente é coerente entre os depoimentos e fatos atribuídos aos recorrentes. A  sentença apanha os fatos com as respectivas provas.

Nego provimento ao recurso,  já que é jurisprudência pacífica que a prova testemunhal é hábil para esse tipo de ilícito,  que é a captação ilícita de sufrágio, normalmente feita às escondidas.

Peço vênia aos pares que votaram com a divergência para acompanhar o voto do relator, negando provimento ao recurso.