RE - 5025 - Sessão: 01/09/2014 às 14:00

RELATÓRIO

ABC SERVIÇOS DE ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO LTDA-ME, JOÃO RICARDO BORDMAN MACEDO, DIEGO ALEGRE CAPELA e DANIELA DALEIRO AFFONSO interpuseram recurso contra sentença do Juízo da 51ª Zona Eleitoral – São Leopoldo que, em representação por doação acima do limite proposta em seu desfavor, condenou a empresa ao pagamento de R$ 1.000,00 (mil reais) e à proibição de participação em licitações públicas e celebração de contratos com o poder público pelo prazo de 5 (cinco) anos, bem como declarou os sócios inelegíveis por 8 (oito) anos, de acordo com o art. 1º, I, “p”, da LC n. 64/90.

Em sua decisão, o juiz eleitoral afastou a preliminar de inépcia da inicial, pois veio fundamentada com informações da Receita Federal e foram adicionadas diligências posteriores ao seu ajuizamento, as quais dependeram de autorização judicial. Também afastou a decadência do direito de agir, por considerar que o ajuizamento da representação por doação de recursos acima do limite legal observou o prazo legal de 180 (cento e oitenta dias) após a diplomação. No mérito, o magistrado entendeu ter ocorrido transgressão à norma do art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97, reconhecido o excesso no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), uma vez que a empresa esteve inativa e não obteve faturamento no ano anterior. Afastou a aplicação do princípio da insignificância e condenou os representados nas penas supracitadas (fls. 143-149).

No recurso, a empresa e os sócios reiteraram argumentos e alegaram o princípio da insignificância, ao afirmar que o valor excedido na doação foi de apenas R$ 45,27 (quarenta e cinco reais e vinte e sete centavos), e não como constou. Aduziram, também, que a doação foi efetivada em serviços (realização de web site). Requereram, ainda, a reforma da sentença para aplicação de multa no mínimo legal e para que sejam afastada a inelegibilidade das pessoas físicas e a proibição de licitar imposta à pessoa jurídica (fls. 154-156).

Com contrarrazões (fls. 160-161), nesta instância, os autos foram com vista ao Ministério Público Eleitoral, que opinou pelo parcial provimento do recurso, para que seja mantida apenas a sanção pecuniária (fls. 164-168v.).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

A sentença foi publicada no DEJERS em 17.03.2014, conforme certidão acostada nos autos (fl. 150), e o recurso foi interposto também em 17.03.2014 (fl. 154), sendo, portanto, tempestivo; porquanto protocolado dentro do prazo de 3 dias previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

Os demais pressupostos de admissibilidade também se encontram preenchidos, de forma que conheço do recurso.

Mérito

A Lei n. 9.504/97 aborda o tema da seguinte forma:

Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso. (Grifei.)

Incontroversa a doação de serviços estimáveis em dinheiro no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), realizada pela empresa requerida e comprovada pelo recibo eleitoral da fl. 70, nas eleições de 2012.

Os recorrentes assumiram que a doação excedeu o limite legal, mas alegaram o princípio da insignificância. Este deve ser afastado, pois há entendimento recente do Tribunal Superior Eleitoral para que sua aplicação seja apenas em relação às sanções, independente do quantum excedido.

Segue a decisão proferida pela Suprema Corte Eleitoral:

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. DESPROVIMENTO. 1. Proposta pela parte legítima dentro do prazo de 180 dias, no Juízo competente à época, mesmo que tenha havido modificação posterior da competência, não há falar em decadência. 2. A quebra de sigilo fiscal é procedimento administrativo no qual o exercício do contraditório sobre as provas obtidas é postergado ou diferido para a representação - processo judicial - dela decorrente. 3. É legítima a quebra do sigilo fiscal deferida pelo órgão originariamente competente para o julgamento da ação. 4. Este tribunal já decidiu que, averiguada a doação de quantia acima dos limites fixados pela norma legal, a multa prevista na Lei das Eleições é de aplicação impositiva, não havendo se falar, portanto, na aplicação do princípio da insignificância.(AgR-REspe/RS, 248-26, Rel. Ministro Arnaldo Versiani, DJE de 24.2.2012). 5. Agravo regimental não provido.

(TSE - AgR-REspe: 33887 DF, Relator: Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Data de Julgamento: 03.04.2014, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 84, Data 08.05.2014, Página 75.) (Grifei.)

A pessoa jurídica em questão constou como inativa na Receita Federal no ano calendário 2011, exercício 2012 (fl. 110).

A inatividade da empresa, no ano anterior ao pleito, não a exime de observar o disposto na lei supracitada. Pelo contrário, se inativa, a pessoa jurídica não poderia efetuar doação alguma, sob pena de multa sobre todo o valor doado. Segue jurisprudência nesse sentido:

ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO REALIZADA POR PESSOA JURÍDICA A CAMPANHA ELEITORAL. ART. 81, § 1º, DA LEI Nº 9.504/97. DOAÇÕES LIMITADAS A 2% DO FATURAMENTO BRUTO DO ANO ANTERIOR À ELEIÇÃO. RÉ REVEL. INFORMAÇÃO DA RECEITA FEDERAL SOBRE AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIR O FATURAMENTO BRUTO. LIBERALIDADE NÃO PERMITIDA. APLICAÇÃO DA SANÇÃO PECUNIÁRIA SOBRE TODO O VALOR DOADO. MULTA FIXADA NO PATAMAR MÍNIMO LEGAL. SANÇÃO DE PROBIÇÃO DE LICITAR E CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO. NÃO APLICAÇÃO. PEDIDOS DA REPRESENTAÇÃO JULGADOS PARCIALMENTE PROCEDENTES. DECISÃO UNÂNIME. 1. A doação à campanha eleitoral por pessoa jurídica, limitada a 2% de seu faturamento bruto, pressupõe a existência e a comprovação de faturamento anterior à eleição, sem o qual não poderá se realizar a liberalidade econômica. 2. A pessoa jurídica inativa ou que não apresentou faturamento em ano anterior ao pleito não pode realizar doações, pelo que todo o valor é considerado irregular para efeito de aplicação da sanção pecuniária. 3. No caso vertente, a multa fixada em seu patamar mínimo, revela-se suficiente para sancionar o doador, não se sendo oportuno, diante do princípio da continuidade da empresa e de sua função social a proibição de participar de licitações e contratar com o poder público, pelo prazo de cinco anos. 4. Pedidos da representação julgados parcialmente procedentes.

(TRE-AL - REP: 62151 AL , Relatora: Elisabeth Carvalho Nascimento, Data de Julgamento: 26.07.2012, Data de Publicação: DEJEAL - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral de Alagoas, Tomo 141, Data 27.07.2012, Página 04.) (Grifei.)

No entanto, nas razões recursais, os recorrentes reiteraram que não houve doação em espécie, mas sim, em serviços, consubstanciada em construção de web site. Analisando o conjunto probatório trazido aos autos no momento da defesa (fls. 66-69 e 71-84), tenho essa afirmação por comprovada.

É garantido às pessoas físicas e jurídicas a contribuição para campanhas eleitorais não somente por meio da entrega de dinheiro em espécie, mas, também, por meio do fornecimento de bens e serviços por eles custeados, sujeitando-se ao limite legal, a teor dos arts. 23 e 81 da Lei das Eleições.

Sobre o tema, no tocante às doações realizadas por pessoa física, prevê o § 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/1997:

§ 7º O limite previsto no inciso I do § 1o não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). (Grifei.)

O entendimento do TSE é pelo alcance do parágrafo supracitado também às doações de serviços, como se vê da decisão que segue:

Representação. Doação acima do limite legal.

1. A doação de serviços estimáveis está incluída na ressalva prevista no art. 23, § 7º, da Lei nº 9.504/97, que diz respeito aos bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, pois constitui atividade com valor econômico que, em razão de sua prestação obriga, em tese, o beneficiário à necessária contraprestação.

2. A doação de serviços para campanha eleitoral envolve, para efeito de análise financeira das campanhas, a renúncia ao direito pessoal de caráter patrimonial, ou seja, o direito de crédito que faria jus o doador, o qual, na hipótese prevista no inciso III, do art. 83 do Código Civil Brasileiro, deve ser considerado como bem móvel.

3. A doação de prestação de serviços de divulgação de panfletos não ultrapassou o limite de R$ 50.000,00 previsto no § 7º do art. 23 da Lei das Eleições, ainda que somado ao valor atinente à cessão do veículo de propriedade do recorrente.

Recurso especial a que se dá provimento, para julgar improcedente a representação.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 1.787, Acórdão de 01.10.2013, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 198, Data 15.10.2013, Página 31.) (Grifei.)

Neste ponto, esclareço não olvidar que essa ressalva foi concebida para abrigar somente doações traduzidas em serviços realizadas por pessoa física. Todavia, ao assentir na aplicação do permissivo legal somente às doações realizadas por pessoas físicas, tenho que se estabelece um tratamento não isonômico entre os doadores que não soa, pelo menos no caso em foco, como razoável, como solução de melhor justiça. Justifico.

Há de se atentar para a intenção da norma. Tenho que insculpida no intuito de evitar a influência nefasta do poder econômico nas campanhas eleitorais, a causar desigualdade entre candidatos e viciar o resultado das urnas. Os percentuais estipulados, de 2% para empresas e 10% para pessoas físicas, foram idealizados com o intuito de impedir que empresas de enorme capacidade financeira pudessem impor sua vontade política no pleito. E não só os valores percentuais como também o valor numérico, consubstanciado nos aludidos R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), servem a esse propósito.

Na espécie, a empresa requerida doou, comprovadamente, serviço que representa o fruto de sua atividade profissional, no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), o qual não ultrapassa o limite previsto no aludido § 7º do art. 23. Se, por um lado, excedeu a baliza percentual, por outro, manteve-se dentro do patamar de valor, não se mostrando justo que atraia as duras penalidades reservadas às doações que excedem de todo a previsão legal.

À toda evidência, não se está diante de doação ilegal ou que represente o abuso de poder econômico que a legislação intenta coibir. Nesse cenário, a cominação de penas desatenderia ao equilíbrio pretendido entre meios e fins na solução das demandas desta especializada, de modo a bem proteger o interesse público.

Esse entendimento encontra ressonância na jurisprudência de outros regionais, como no exemplo:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ARTIGO 81 DA LEI N. 9.504/97. PRELIMINARES REJEITADAS. DOAÇÃO DE SERVIÇO ESTIMADO EM DINHEIRO PROVENIENTE DA ATIVIDADE ECONÔMICA DA DOADORA (AGÊNCIA DE PUBLICIDADE). SERVIÇO DE GRAVAÇÃO DE ÁUDIO E VÍDEO DE PROPAGANDA ELEITORAL. APLICAÇÃO DO LIMITE DE DOAÇÃO PREVISTO NO ART. 23, PARÁGRAFO 7º, DA LEI 9.504/1997. INEXISTÊNCIA DE EXCESSO DE DOAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS FORMULADOS NA REPRESENTAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

[…]

6. Hipótese de fato em que: (a) houve doação estimada de serviço de gravação de áudio e vídeo para propaganda eleitoral de candidato ao cargo de prefeito, no valor estimado de R$ 10.000,00 (dez mil reais); (b) serviço proveniente da atividade econômica da empresa doadora e (c) que não excede ao limite percentual aplicável às doações estimadas realizadas por pessoa física (Lei 9.504/97, art. 23, § 7º).

[…]

8. Aplicação do princípio da razoabilidade. Extensão por analogia do limite no § 7º do art. 23 da Lei 9.504/97 à pessoa jurídica. Não houve no caso concreto a doação em espécie, mas doação de serviços de publicidade (gravação de programas de áudio e vídeo), estimável em dinheiro e proveniente da própria atividade econômica da doadora (Agência de Publicidade), cujo valor encontra-se dentro do limite legal permitido, ou seja, não ocorreu qualquer movimentação financeira para o financiamento da campanha eleitoral que pudesse indicar abuso do poder econômico. Precedentes.

[…]

10. Tendo em vista que não houve ilegalidade ou abuso do poder econômico, impõe-se o reconhecimento da legitimidade da doação estimável, que se encontra dentro do limite fixado para pessoa física no artigo 23, § 7º, da Lei 9.504/97.

11. Recurso conhecido e provido.

(TRE/GO, Recurso Eleitoral n. 27-68.2013.6.09.0001, Acórdão de 12.12.2013, Relator Des. João Waldeck Feliz Sousa.) (Grifei.)

Nesse sentido, a reforma da sentença, para afastar a condenação imposta, é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento do recurso e pelo seu provimento, ao efeito de julgar improcedente a representação.