RE - 4262 - Sessão: 23/10/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por SM COMUNICAÇÃO VISUAL LTDA., SIEGMAR PEREIRA DA CUNHA e MESSIAS DE BARROS AZEVEDO contra decisão do Juízo da 111ª Zona Eleitoral – Porto Alegre – que julgou procedente representação por doação acima do limite legal ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, condenando a empresa ao pagamento de multa no valor de R$ 33.974,55 (trinta e três mil, novecentos e setenta e quatro reais e cinquenta e cinco centavos), corrigido pela SELIC a partir da data da publicação, e juros moratórios contados da data da notificação, além de proibir a representada de participar de licitações públicas e celebrar contratos com o Poder Público pelo período de 5 (cinco) anos, declarando inelegíveis seus sócios-administradores Siegmar Pereira da Cunha e Messias de Barros Azevedo pelo prazo de 8 (oito) anos (fls. 308-312v.).

Em suas razões recursais, os recorrentes alegam, em preliminar, cerceamento de defesa face à ausência de pedido certo e determinado em virtude da falta de documentação comprovando o faturamento bruto do ano-calendário 2011, bem como por não constar o valor excedente da doação na propositura da representação. No mérito, sustentam que a SM Comunicação Visual Ltda. e a Digi Master Comunicação Visual Ltda. fazem parte de um grupo de empresas controladas e administradas pelos mesmos sócios, obtendo faturamento anual bruto que permitiria a doação impugnada. Requerem, por fim, o acolhimento da preliminar e, no mérito, o provimento do recurso a fim de que seja julgada improcedente a representação. Caso não seja esse o entendimento da Corte Eleitoral, pedem que sejam, ao menos, afastadas as penalidades previstas no § 3° do art. 81 da Lei das Eleições em face da ausência de abuso de poder econômico e em prol dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (fls. 317-328).

Com as contrarrazões (fls. 330-334), os autos foram encaminhados à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo afastamento da preliminar e pelo desprovimento do recurso (fls. 337-340).

É o relatório.

 

VOTO

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo, visto que interposto dentro do tríduo legal estabelecido pelo art. 258 do Código Eleitoral.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, dele conheço.

2. Preliminar de cerceamento de defesa

Os recorrentes arguem preliminar de cerceamento de defesa, sustentando que o pedido não seria certo nem determinado, pois nele não constam documentos que comprovem o faturamento bruto da empresa no ano-calendário de 2011.

A preliminar não merece acolhimento.

O tema já foi objeto de exame por este Tribunal, mostrando-se oportuno reproduzir parcialmente o voto do Dr. Artur dos Santos e Almeida que no RE 16-88, julgado em 10.10.2012, traz reflexão que se amolda ao presente caso e contribui para afastar a tese suscitada:

O TSE já discutiu e consolidou seu posicionamento sobre a legitimidade da Portaria Conjunta SRF/TSE n. 74/2006. É desse acordo entre os dois órgãos públicos que se extrai a informação preliminar de ocorrência doação acima do limite legal. É importante repisar que essa informação não é suficiente para o sucesso da demanda, sendo necessário que se caracterize o excesso do valor doado.

Com base no dado meramente indicativo apontado pela Secretaria da Receita Federal (SRF) é que o Ministério Público irá, então, atuar para aferir se houve ou não excesso na doação. Para tanto, não se vale de nenhum artifício inconstitucional, mas, ao contrário, busca no Judiciário a quebra de sigilo bancário de forma incidental. A opção procedimental, portanto, em razão de aplicação do princípio dispositivo, é integralmente do autor. Pode optar por demanda preparatória ou, como nos autos, requerer a quebra do sigilo bancário incidentalmente à relação processual já instaurada.

Trata-se, como bem se pode notar, de contraditório diferido no tempo, o que não corresponde à ausência de contraditório. Após a quebra de sigilo bancário (fl. 16), a parte teve oportunidade ampla e irrestrita de produzir sua defesa, possuidora de todas as informações necessárias para a sustentação de suas teses. A mesma faculdade projetou-se sobre os demais atos do processo, como as alegações finais e mesmo a peça recursal. Ademais, o valor dos rendimentos brutos da demandada no ano de 2009, o total de doações efetuados em 2010 e os valores que, desta correlação excederam o permissivo legal do artigo 23 da Lei das Eleições, sempre foram, por serem próprios, de seu mais absoluto conhecimento.

Obtendo os rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição e comparando-os com as doações efetuadas (que são públicas e que constam do sistema de prestação de contas da Justiça Eleitoral), o Ministério Público especificou o quanto da sanção (fl. 56). A operação, contudo, é meramente matemática e resulta diretamente dos dados obtidos pela via judicial.

Assim, fica patente que não houve qualquer prejuízo, cerceamento ou restrição de direito da parte. Ainda mais quando, por zelo, determinou o magistrado vista sobre os documentos juntados sobre os rendimentos (fl. 61) e, sobre eles, manifestou-se especificamente a representada (fls. 63/66). (Grifei.)

Portanto, destaco que houve quebra de sigilo fiscal determinada pelo Juízo, tendo as partes se manifestado sobre todas as imputações declinadas na inicial, sendo que a  representada inclusive juntou aos autos a sua Declaração de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica relativa ao ano de 2011.

Assim, ausente qualquer prejuízo à parte, tenho por afastar a preliminar de cerceamento de defesa.

3. Mérito

As doações realizadas por pessoas jurídicas ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição, conforme estabelece o art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

No caso, a empresa representada obteve faturamento no ano anterior ao pleito no montante de R$ 518.251,58 (quinhentos e dezoito mil, duzentos e cinquenta e um reais e cinquenta e oito centavos) (fl. 251).

De acordo com o § 1º do art. 81 da Lei n. 9.504/97, a empresa poderia doar até R$ 10.365,09 (dez mil, trezentos e sessenta e cinco reais e nove centavos). No entanto, a doação referente às eleições de 2012 alcançou a cifra de R$ 17.160,00 (dezessete mil, cento e sessenta reais) (fl. 282), excedendo em R$ 6.794,91 (seis mil, setecentos e noventa e quatro reais e noventa e um centavos) o limite legal de doação.

A sentença (fls. 308-312) aplicou corretamente a regra e fixou a multa em cinco vezes o valor doado irregularmente, o mínimo estabelecido pela norma cogente, perfazendo a cifra de R$ 33.974,55 (trinta e três mil, novecentos e setenta e quatro reais e cinquenta e cinco centavos), não merecendo reparo nesse aspecto a decisão atacada.

Quanto à tese da capacidade contributiva das empresas, por pertencerem ao mesmo grupo econômico, trazida por ocasião da apresentação da contestação (fls. 216-223) e reiterada em sede recursal (fls. 317-328), tenho que não merece prosperar.

A sentença de primeiro grau bem analisou a questão (fls. 309v.-310):

Registra-se que não há como pretender que a renda bruta da empresa Representada seja somada com terceira empresa, em que pese ser do mesmo grupo econômico, com mesmos sócios e atividades semelhantes, haja vista serem sociedades distintas. Caso fosse a intenção dos Representados teriam realizado a doação em nome e CNPJ da outra empresa também, o que não ocorreu. Ademais, a Lei 9504 estabelece que as doações podem ser feitas por pessoas físicas ou jurídicas, não mencionando em qualquer momento o grupo econômico. As doações às campanhas eleitorais podem ser feitas por pessoas jurídicas detentoras de CNPJ próprio, sendo irrelevante se pertencem ou não à grupo econômico.

Assim, a lide se limita às partes envolvidas na presente demanda, pois a referida doação foi realizada com o CNPJ da empresa Representada, consoante lista obtida pela Procuradoria-Geral Eleitoral, elaborada pela Receita Federal (fl. 160v.).

Em consequência, a renda bruta a ser considerada no caso é a declarada no Imposto de Renda PJ do ano-calendário de 2011 da empresa Representada, que foi de R$ 518.251,58, conforme documento de fl. 251. Nessa linha, a ré poderia ter doado até o valor de R$ 10.365,09 e, não o valor de R$ 17.160,00 (fl. 282), excedendo, por conseguinte, a quantia de R$ 6.794,91.

Portanto, deverá ser aplicada a penalidade prevista à espécie que no caso é a multa do art. 81, § § 2º e 3º, da Lei 9.504/97.

Este Tribunal já se manifestou sobre o conceito de grupo econômico, afastando a possibilidade de, somando-se os faturamentos das empresas, sobre esse montante incidir o limite de doação legalmente autorizado.

Por oportuno, transcrevo excerto do voto proferido pelo Dr. Artur dos Santos e Almeida no processo RE 72-10, em sessão do dia 26.06.2012, no qual foram mantidas as sanções à empresa doadora, mesmo diante da tese de que integrava conglomerado com capacidade de suportar o valor impugnado:

As alegações poderiam levar a considerá-la, portanto, como integrante de um grupo de fato entre empresas. Essa condição, todavia, agrava o seu quadro porque cada sociedade do suposto grupo de fato conserva seu próprio número no cadastro nacional de pessoas jurídicas (CNPJ), personalidade jurídica e patrimônio próprios e distintos uma das outras, fulminando a tese de que o grupo econômico – uma ficção jurídica – possa responder por ato individualizado de uma das empresas que o compõe.

A jurisprudência mais recente dos Tribunais Eleitorais é clara ao vetar ao grupo econômico - carente de personalidade jurídica própria – a possibilidade de realizar doações. Ainda que não se desconheça que no passado a alegação de existência de uma holding ou de um grupo fático tenha sido suficiente para aplacar a aplicação da norma, há que se respaldar a atual leitura jurisprudencial (Assim, o julgamento da RP n. 993, de relatoria da Dra. Ana Beatriz Iser, no ano de 2009.):

REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ELEITORAL. INOBSERVÂNCIA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. PRELIMINARES DE PRESCRIÇÃO, ILICITUDE DA PROVA E INADEQUAÇÃO DE VIA ELEITA AFASTADAS. APLICAÇÃO DE MULTA. MÍNIMO LEGAL. PROIBIÇÃO DE PARTICIPAR DE LICITAÇÕES E DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO IMPOSTA. PROCEDÊNCIA.

(...)

3 - Não é ilícita a prova obtida sem quebra do sigilo fiscal mediante atividade administrativa autorizada em lei.

4 - Havendo previsão em lei específica de procedimento a ser adotado nas representações por doações acima do limite legal, não se adota o procedimento comum ordinário da legislação processual civil.

5 - O grupo econômico não pode realizar doações a campanhas eleitorais, em face da ausência de personalidade jurídica própria, razão pela qual o parâmetro utilizado deve ser apenas o faturamento da sociedade doadora.

(...)

(Representação n. 2125/Goiânia, Acórdão n. 10425 de 08.03.2010 Relatora ELIZABETH MARIA DA SILVA - TRE/GO, Publicação: DJ -Diário de Justiça, Volume 044, Tomo 1, Data 15.03.2010, Páginas 4-5.)

 

Representação. Eleições 2006. Doações acima do limite legal. Pessoa jurídica. Procedência do pedido.

1. Legitimidade do Ministério Público Eleitoral para ajuizamento de representações por violação à Lei nº 9.504/97.

2. O artigo 81, § 1º, da Lei nº 9.504/97 estabelece o percentual de dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição como limite para as doações e contribuições das pessoas jurídicas para as campanhas eleitorais.

3. O representado declarou à Receita Federal não ter tido faturamento bruto no ano de 2005, logo não poderia ter efetuado qualquer doação a campanhas eleitorais.

4. As sociedades pertencentes a um grupo econômico consistem em pessoas jurídicas distintas, cada uma com um CNPJ próprio. Por consequência, cada empresa deve apresentar sua própria declaração de rendimentos, além de lançar seu próprio registro contábil, afastando-se, assim, a alegação de equívoco na prestação de contas.

5. Não foi juntada aos autos qualquer prova apta a demonstrar que as doações foram efetuadas pelas demais empresas integrantes do grupo econômico e não pelo representado.

Pela procedência do pedido.

(Representação n. 1005, Acórdão n. 38.107 de 26.10.2009, Relator LUIZ UMPIERRE DE MELLO SERRA, Publicação: DOERJ - Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, Tomo 199, Data 03.11.2009, Página 01. )

 

Com razão o Procurador Regional Eleitoral quando afirma e fundamenta na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que, mesmo para efeitos fiscais, cada empresa de um suposto grupo responde, isoladamente, por suas obrigações fiscais, como se demonstra:

Representação. Eleições 2006. Doações acima do limite legal. Pessoa jurídica. Procedência do pedido.

(...)

4. As sociedades pertencentes a um grupo econômico consistem em pessoas jurídicas distintas, cada uma com um CNPJ próprio. Por consequência, cada empresa deve apresentar sua própria declaração de rendimentos, além de lançar seu próprio registro contábil, afastando-se, assim, a alegação de equívoco na prestação de contas.

5. Não foi juntada aos autos qualquer prova apta a demonstrar que as doações foram efetuadas pelas demais empresas integrantes do grupo econômico e não pelo representado.

Pela procedência do pedido.

(Representação n. 1005, Acórdão n. 38.107 de 26.10.2009, Relator LUIZ UMPIERRE DE MELLO SERRA, Publicação: DOERJ - Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, Tomo 199, Data 03.11.2009, Página 01.)

 

Ora, os limites da legislação correspondem às fronteiras estabelecidas pela própria sociedade brasileira, através de seus representantes eleitos, para considerar uma doação compatível ou exorbitante, caracterizando a intervenção como abusiva no cenário eleitoral. Assim, a interpretação que tenho como razoável e teleológica da norma, capaz de atingir o seu objetivo – o de coibir o abuso de poder econômico -, é a que respeita os parâmetros previamente estabelecidos pelo ordenamento jurídico. Permitir - como pretendem os recorrentes - que após efetivada doação irregular, invoque-se a participação em um circunstancial grupo econômico, ampliando-se os limites observados por todos os demais atores do jogo político, além de não parecer razoável e nem teleológico, afronta a ideia de isonomia, ínsita ao regime democrático e ao processo eleitoral. (Grifei.)

No mesmo sentido é a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (grifos meus):

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81 DA LEI 9.504/97. DECADÊNCIA. ILEGITIMIDADE ATIVA. ILICITUDE DA PROVA. FATURAMENTO BRUTO DO GRUPO ECONÔMICO. DESPROVIMENTO.

1. A representação por doação de recursos acima do limite legal foi ajuizada dentro do prazo de 180 dias contados da diplomação pela parte legítima e perante o órgão judiciário originariamente competente para o seu processamento e julgamento. Não há falar, portanto, em decadência. Precedentes.

2. O Tribunal Superior Eleitoral assentou a legitimidade ativa da Procuradoria Regional Eleitoral em caso similar ao presente, pelo fato de o Tribunal Regional Eleitoral ser o órgão competente na data em que ajuizada e devido ao disposto no art. 127 da CF/88.

Precedentes.

3. O resultado do batimento entre o valor da doação à campanha eleitoral e os dados fornecidos pelo contribuinte à Receita Federal é indício suficiente para determinar a quebra do sigilo fiscal (REspe 36-93/SP, redatora para Acórdão Min. Luciana Lóssio, DJe de 14.4.2014). Ressalva de entendimento.

4. O limite de doação de 2%, previsto no art. 81, § 1º, da Lei 9.504/97, deve ser calculado exclusivamente sobre o faturamento bruto da pessoa jurídica que realizou a doação, não sendo possível considerar-se o faturamento do grupo econômico ao qual pertence. Precedentes.

5. Agravo regimental não provido.

(AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 33996 - São Paulo/SP. Acórdão de 24.06.2014. Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 144, Data 06.08.2014, Página 94/95.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. LIMITE LEGAL. REPRESENTAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. SIGILO FISCAL. QUEBRA. LEGALIDADE. GRUPO ECONÔMICO. EMPRESAS INTEGRANTES. FATURAMENTO. CÁLCULO. DESPROVIMENTO.

1. É vedada a inovação de tese recursal em sede de agravo regimental.

2. A negativa de seguimento ao recurso especial por meio de decisão monocrática encontra respaldo no art. 36, § 6º, do RITSE; e, mesmo que assim não fosse, a apreciação colegiada do agravo supriria a suposta nulidade.

3. Proposta pela parte legítima dentro do prazo de 180 dias, no Juízo competente à época, mesmo que tenha havido modificação posterior da competência, não há falar em decadência.

4. É legítima a quebra do sigilo fiscal deferida pelo órgão originariamente competente para o julgamento da ação. Aplicação analógica da teoria do juízo aparente.

5. O limite de doação fixado em 2% sobre o faturamento bruto da pessoa jurídica observa o princípio da isonomia e deve ser calculado sobre o faturamento individualmente considerado de cada empresa componente de grupo econômico.

6. Agravo regimental não provido.

(AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 280341 - São Paulo/SP. Acórdão de 27.03.2014. Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO. Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 22.04.2014.)

Assim, entendo por afastar a referida tese proposta pelos representados, de que o limite de doação deveria levar em conta o faturamento bruto anual das duas empresas citadas, pois fariam parte de um mesmo grupo econômico.

Destaco que o comando contido no citado art. 81, § 1°, da Lei n. 9.504/97 não condiciona sua aplicabilidade à potencialidade de influência da doação no resultado do pleito, ou à possível boa-fé do doador, bastando que este tenha desrespeitado os limites objetivamente expressos no dispositivo legal para a incidência da sanção correspondente.

Desse modo, inexiste possibilidade de se aplicar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ao caso concreto, tampouco juízo de ponderação acerca da boa ou má-fé dos recorrentes.

Registro, ainda, que a multa foi cominada em seu grau mínimo (cinco vezes o valor da quantia apurada em excesso – art. 81, § 2°, da Lei n. 9.504/97), demonstrando que o juízo singular levou em conta os argumentos dos representados quando da aplicação da dosimetria da pena.

Por essas razões, entendo ser devida a pena de multa imposta à empresa, ressalvando-se que a importância deverá ser recolhida ao Fundo Partidário.

Entretanto, cumpre afastar a incidência de correção monetária pela taxa SELIC sobre o valor da pena pecuniária, tendo em vista que sua aplicação tem previsão legal específica. A multa eleitoral não quitada será considerada dívida líquida e certa, para efeito de cobrança mediante executivo fiscal, nos termos do art. 367, III, do Código Eleitoral, de forma que a correção monetária e os juros incidirão sobre o valor não quitado de acordo com a legislação pertinente à cobrança de dívida ativa da União.

Nesse sentido, transcrevo a seguir ementa de julgado deste Tribunal:

Recursos. Eleições 2012. Propaganda eleitoral irregular. Utilização indevida de paredes em propriedade particular para veiculação de pinturas e colagem de cartazes, sem o consentimento do proprietário. Infringência ao regramento estabelecido no art. 37, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Procedência no juízo originário. Imposição de multa aos candidatos, extensiva solidariamente às coligações. Previsão expressa contida no artigo 241 do Código Eleitoral.

A remoção do ilícito de bem particular, ainda que imediata, não elide a aplicação da multa. Caráter abusivo da publicidade. Manutenção das multas fixadas na sentença, afastada tão somente a determinação de incidência de juros e correção monetária, por haver previsão legal específica para o processamento da penalidade aplicada.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 3812, Acórdão de 12.12.2012, Rel. DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 241, Data 14.12.2012, p. 7.) (Grifei.)

Quanto às demais sanções, (a) proibição de participar de licitações públicas e de contratar com o poder público, pelo prazo de cinco anos; e (b) declaração de inelegibilidade dos sócios-administradores pelo período de 8 (oito) anos, tenho que merecem reforma.

Explico.

Em relação à proibição de participação em licitações públicas e de celebração de contratos com o Poder Público, entendo que são penas que devem ser reservadas aos casos de grave extrapolação dos limites, não sendo a hipótese dos autos.

Nesse sentido decidiu este Tribunal no julgamento da RP 992, em junho de 2010, da relatoria da Desa. Marga Tessler:

Representação. Pessoa jurídica. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal, contrariando o disposto no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2006.

Evidenciados a identificação da empresa demandada e o valor excedente ao limite legal, critérios objetivos na aferição da regularidade da doação impugnada, insuscetíveis de relativizações.

Interpretação sistemática da legislação disciplinadora das doações eleitorais, a revelar que o espírito da lei é evitar o abuso de poder econômico, tornando democrático, transparente e legítimo o financiamento de campanha proveniente da iniciativa privada. Aplicação da sanção pecuniária em seu patamar mínimo, afastada a incidência das demais penalidades previstas no art. 81, § 3º, da Lei das Eleições.

Procedência. (Grifei.)

Quanto à declaração de inelegibilidade dos dirigentes da pessoa jurídica recorrente, entendo incongruente com o sistema eleitoral brasileiro. A suspensão dos direitos políticos transcende – em muito – ao sancionamento econômico que já se estabeleceu. Por isso, a declaração judicial de inelegibilidade não pode ser considerada sem relação jurídica processual própria, assegurada defesa ampla e irrestrita sobre o tema, sendo seu reconhecimento de competência do juízo do registro de candidatura, se eventualmente a pessoa vier a se candidatar.

Assim prescreve o § 11 do art. 10 da Lei n. 9.504/97:

As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.

Desse modo, há que se afastar as sanções de proibição de participar de licitações públicas e de contratar com o poder público, bem como a declaração de inelegibilidade dos sócios-administradores.

Ante o exposto, afastada a preliminar suscitada, VOTO pelo provimento parcial do recurso interposto, para excluir a incidência de correção monetária e juros de mora, mantendo-se íntegra a multa aplicada na sentença, bem como para afastar as sanções de proibição de participar de licitações públicas e contratar com o poder público e a declaração de inelegibilidade dos sócios-administradores da empresa.