RE - 6172 - Sessão: 28/01/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto por RESULTAWEB AGÊNCIA DIGITAL LTDA. ME. contra sentença que julgou parcialmente procedente a representação por doação acima do limite legal, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, para o fim de condenar a pessoa jurídica representada ao pagamento de multa no valor de R$ 25.000,00, na forma do art. 81 da Lei n. 9.504/1997.

Em suas razões, a recorrida invoca a preliminar de decadência e, no mérito, alega ausência de dolo e a boa-fé na realização da doação. Afirma que não houve repasse em espécie uma vez que a doação ocorreu na forma de prestação de serviços por meio de publicidade via internet e, ainda, que houve erro no valor apontado como estimado, o qual representou oitocentos reais e não cinco mil reais. Requereu a aplicação do disposto no art. 23, § 7º, da Lei das Eleições ao caso em tela, com a reforma da sentença para ser julgada improcedente a representação (fls. 143-154).

Com as contrarrazões (fls. 157-160), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 164-168).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de três dias, previsto no art. 81, § 4º, da Lei n. 9.504/1997.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido.

Preliminar de decadência

A recorrente alega que houve decadência do direito do Ministério Público Eleitoral de representar.

No Município de Santo Ângelo, a diplomação ocorreu em 19.12.2012 (quarta-feira). Considerando-se que o dia 20.12.2012 (quinta-feira) foi o primeiro dia do prazo, o termo final do lapso temporal de 180 dias deu-se em 17.6.2013, sendo que a propositura da representação foi em 07.6.2013, conforme consignado na fl. 2 dos autos.

Assim, conclui-se que a representação foi ajuizada dentro do prazo de 180 dias a contar da diplomação dos eleitos, não tendo ocorrido a decadência. Esse tem sido o entendimento adotado pelo TSE e por esta Corte. Colaciono dois julgados nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. DECADÊNCIA NÃO VERIFICADA. PRAZO DE 180 DIAS. DESNECESSÁRIA A CONFIGURAÇÃO DO ABUSO DE PODER ECONÔMICO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE ADSTRITOS AOS LIMITES MÍNIMO E MÁXIMO ESTABELECIDOS EM LEI. DESPROVIMENTO.

1. O Tribunal Superior Eleitoral, ao julgar o Recurso Especial n. 36.552/SP, decidiu que o prazo para a propositura de representação fundada em doações de campanha acima dos limites legais, por pessoa física ou jurídica, é de 180 dias a partir da diplomação dos eleitos.

2. Basta o desrespeito aos limites objetivamente expressos no dispositivo legal para incorrer na penalidade prevista no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/1997, sendo irrelevante a configuração do abuso de poder econômico ou potencialidade lesiva para influenciar no pleito.

3. Impossibilidade de aplicação de sanção em valor inferior ao mínimo legal. A aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade deve ser levada em consideração para fixação da multa entre os limites mínimo e máximo estabelecidos em lei.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE - AgR-AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 173726 – Araraquara/SP. Acórdão de 02.5.2013. Relator Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI. Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 108, Data 11.6.2013, Página 66-67.)

 

Recurso. Doação acima do limite legal. Art. 81, § 2º, da Lei n. 9.504/1997. Eleições 2010.

Procedência da representação no juízo originário, para aplicar sanção pecuniária ao representado, declará-lo inelegível, bem como proibir sua empresa de participar de licitações públicas e de celebrar contratos pelo prazo de cinco anos.

O termo inicial para ingressar com a representação é o dia imediatamente seguinte à diplomação, ainda que nesse dia não tenha havido expediente cartorário, em razão de dia não útil, de recesso forense ou feriado. Por se tratar de prazo decadencial, a regra insculpida no art. 184, § 1º, do Código de Processo Civil é cabível tão somente para prorrogar o termo final, caso não haja expediente normal no cartório.

Reforma da sentença, para afastar as penalidades impostas, já que operada a decadência.

Extinção do feito, com apreciação do mérito.

(TRE-RS - RE - Recurso Eleitoral n. 1733 – Cachoeirinha/RS. Acórdão de 13.8.2013. Relator Dr. INGO WOLFGANG SARLET. Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 150, Data 15.8.2013, Página 6.)

Portanto, rejeito a preliminar.

Mérito.

Conforme se verifica da documentação juntada às fls. 10-14 e 71-73, a recorrente doou ao Partido Progressista o valor estimado de R$ 5.000,00, na forma de publicidade em redes sociais da internet. No entanto, a empresa não obteve faturamento no ano anterior ao do pleito, uma vez que foi constituída no final do ano de 2011, situação que fez com que a decisão recorrida entendesse que a operação “foi totalmente acima do limite legal – fl. 74” (fl. 139).

No entanto, conforme já referido, não houve doação em espécie, mas sim, em prestação de serviços. Neste sentido, considerando o recente julgado desta Corte no Recurso Eleitoral n. 5025, da relatoria do Des. Luiz Felipe Brasil Santos, ilustre Vice-Presidente do Tribunal, ocorrido na sessão de 02.9.14, estendendo a aplicação do § 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/1997 à pessoa jurídica, tenho que idêntica solução deve ser dada ao presente recurso, cumprindo transcrever a ementa do julgado:

Eleições 2012. Recurso Eleitoral. Representação. Doação acima do limite. Pessoa jurídica e pessoa física. Doação de valores estimáveis em dinheiro. Doação de serviço de criação de web site por empresa que não teve movimentação financeira no ano anterior. Aplicação do princípio da razoabilidade. Extensão da aplicação do § 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/1997 à pessoa jurídica. No caso concreto, razoável estabelecer tratamento isonômico entre empresa e pessoa física, não havendo mácula à intenção da lei em proteger o pleito contra abuso de poder econômico. Penalidades afastadas.

Proveram o recurso.

(Recurso Eleitoral n. 5025, Acórdão de 01.9.2014, Relator Des. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 155, Data 02.9.2014, Página 2.) ( Grifei.)

O § 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/1997 dispõe que o limite previsto no inciso I do § 1º não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). A disposição é plenamente aplicável ao caso em tela, conforme bem concluiu o Des. Luiz Felipe Brasil Santos no precedente citado, cujos fundamentos adoto como razões de decidir:

É garantido às pessoas físicas e jurídicas a contribuição para campanhas eleitorais não somente por meio da entrega de dinheiro em espécie, mas, também, por meio do fornecimento de bens e serviços por eles custeados, sujeitando-se ao limite legal, a teor dos arts. 23 e 81 da Lei das Eleições.

Sobre o tema, no tocante às doações realizadas por pessoa física, prevê o § 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/1997:

§ 7º O limite previsto no inciso I do § 1º não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

[...]

O entendimento do TSE é pelo alcance do parágrafo supracitado também às doações de serviços, como se vê da decisão que segue:

Representação. Doação acima do limite legal.

1. A doação de serviços estimáveis está incluída na ressalva prevista no art. 23, § 7º, da Lei n. 9.504/1997, que diz respeito aos bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, pois constitui atividade com valor econômico que, em razão de sua prestação obriga, em tese, o beneficiário à necessária contraprestação.

2. A doação de serviços para campanha eleitoral envolve, para efeito de análise financeira das campanhas, a renúncia ao direito pessoal de caráter patrimonial, ou seja, o direito de crédito que faria jus o doador, o qual, na hipótese prevista no inciso III, do art. 83 do Código Civil Brasileiro, deve ser considerado como bem móvel.

3. A doação de prestação de serviços de divulgação de panfletos não ultrapassou o limite de R$ 50.000,00 previsto no § 7º do art. 23 da Lei das Eleições, ainda que somado ao valor atinente à cessão do veículo de propriedade do recorrente.

Recurso especial a que se dá provimento, para julgar improcedente a representação.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 1.787, Acórdão de 01.10.2013, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 198, Data 15.10.2013, Página 31.) (Grifei.)

[...]

Neste ponto, esclareço não olvidar que essa ressalva foi concebida para abrigar somente doações traduzidas em serviços realizadas por pessoa física. Todavia, ao assentir na aplicação do permissivo legal somente às doações realizadas por pessoas físicas, tenho que se estabelece um tratamento não isonômico entre os doadores que não soa, pelo menos no caso em foco, como razoável, como solução de melhor justiça. Justifico.

[...]

Há de se atentar para a intenção da norma. Tenho que insculpida no intuito de evitar a influência nefasta do poder econômico nas campanhas eleitorais, a causar desigualdade entre candidatos e viciar o resultado das urnas. Os percentuais estipulados, de 2% para empresas e 10% para pessoas físicas, foram idealizados com o intuito de impedir que empresas de enorme capacidade financeira pudessem impor sua vontade política no pleito. E não só os valores percentuais como também o valor numérico, consubstanciado nos aludidos R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), servem a esse propósito. (Grifei.)

De fato, a interpretação mostra-se razoável e proporcional, sendo que o ordenamento jurídico deve ser interpretado sistematicamente, de forma coerente e lógica. Na espécie a empresa requerida doou, comprovadamente, serviços no valor de R$ 5.000,00, valor que não ultrapassa o limite previsto no aludido § 7º do art. 23, não se mostrando justo que conduza às duras penalidades previstas para as doações que excedem de todo a previsão legal.

A doação, na hipótese dos autos, não é ilegal, nem representa o abuso de poder econômico que a legislação intenta coibir. Nesse quadro, a cominação de penas desatenderia ao equilíbrio pretendido entre meios e fins na solução das demandas desta Justiça Especializada, de modo a bem proteger o interesse público, nos termos da jurisprudência colacionada no acórdão paradigma já citado:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ARTIGO 81 DA LEI N. 9.504/97. PRELIMINARES REJEITADAS. DOAÇÃO DE SERVIÇO ESTIMADO EM DINHEIRO PROVENIENTE DA ATIVIDADE ECONÔMICA DA DOADORA (AGÊNCIA DE PUBLICIDADE). SERVIÇO DE GRAVAÇÃO DE ÁUDIO E VÍDEO DE PROPAGANDA ELEITORAL. APLICAÇÃO DO LIMITE DE DOAÇÃO PREVISTO NO ART. 23, PARÁGRAFO 7º, DA LEI 9.504/1997. INEXISTÊNCIA DE EXCESSO DE DOAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE.

IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS FORMULADOS NA REPRESENTAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

[…]

6. Hipótese de fato em que: (a) houve doação estimada de serviço de gravação de áudio e vídeo para propaganda eleitoral de candidato ao cargo de prefeito, no valor estimado de R$ 10.000,00 (dez mil reais); (b) serviço proveniente da atividade econômica da empresa doadora e (c) que não excede ao limite percentual aplicável às doações estimadas realizadas por pessoa física (Lei 9.504/1997, art. 23, § 7º).

[…]

8. Aplicação do princípio da razoabilidade. Extensão por analogia do limite no § 7º do art. 23 da Lei 9.504/1997 à pessoa jurídica. Não houve no caso concreto a doação em espécie, mas doação de serviços de publicidade (gravação de programas de áudio e vídeo), estimável em dinheiro e proveniente da própria atividade econômica da doadora (Agência de Publicidade), cujo valor encontra-se dentro do limite legal permitido, ou seja, não ocorreu qualquer movimentação financeira para o financiamento da campanha eleitoral que pudesse indicar abuso do poder econômico. Precedentes.

[…]

10. Tendo em vista que não houve ilegalidade ou abuso do poder econômico, impõe-se o reconhecimento da legitimidade da doação estimável, que se encontra dentro do limite fixado para pessoa física no artigo 23, § 7º, da Lei 9.504/1997.

11. Recurso conhecido e provido.

(TRE/GO, Recurso Eleitoral n. 27-68.2013.6.09.0001, Acórdão de 12.12.2013, Relator Des. JOÃO WALDECK FELIZ SOUSA.) (Grifei.)

Nesse sentido, a reforma da sentença para afastar a condenação imposta é medida que se impõe.

Diante do exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo conhecimento do recurso e pelo seu provimento, ao efeito de julgar improcedente a representação.