AP - 127687 - Sessão: 03/02/2015 às 14:00

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral ofereceu denúncia contra BENONE DE OLIVEIRA DIAS, Prefeito de São Nicolau-RS, dando-o como incurso nas sanções do art. 39, § 5º, II, primeira figura, da Lei n. 9.504/97, conforme narra a peça acusatória, a seguir transcrita in verbis (fl. 2 e verso):

No dia 07/10/2012, entre as 08h e 11h passadas da manhã, em frente à Escola Maria Seggiaro Hoffmann, em São Nicolau/RS, local com 6 (seis) seções eleitorais, com o maior número de eleitores do município, onde BENONE DE OLIVEIRA DIAS fez mais de 1/3 (um terço) de sua votação, o denunciado arregimentou eleitores, ao passo em que, estando posicionado em frente à referida escola, cumprimentava, abordava e conversava com eleitores que se dirigiam às mesas para votação ou delas saiam, em situação de tempo, lugar e modo de nítida influência sobre a vontade dos eleitores, lesando os bens jurídicos liberdade de votar e lisura no pleito tutelados pela norma penal.

Na ocasião, a Brigada Militar, em atividade ostensiva para a repressão de crimes eleitorais, flagrou os candidatos à majoritária naquela municipalidade, isto é, o denunciado e seu adversário Ricardo Miguel Klein, cumprimentando eleitores em frente da Seção Eleitoral. Informados pelo Tenente Luciano Morais Rosa de que conduta poderia caracterizar ilícito penal eleitoral, o candidato Ricardo Miguel Klein prontamente atendeu a ordem para sair do local, tendo o atual Prefeito de São Nicolau/RS recusado o acatamento da ordem.

Inobservada a ordem emanada pela autoridade policial, o denunciado permaneceu arregimentando eleitores até o fim da manhã daquele dia de pleito eleitoral, findando a conduta delituosa somente quando a Promotora de Justiça Eleitoral da Comarca, Dra. Dinamárcia Maciel de Oliveira, chegou àquela Seção Eleitoral e determinou a saída do candidato, que só nesse momento se retirou do local de votação.

Determinada a notificação do acusado, na forma do art. 4º da Lei n. 8.038/90 (fl. 98), bem como a certificação dos antecedentes, que foram juntados (fls. 138-170), assim como a resposta escrita apresentada pelo acusado (fls. 103-110).

Na resposta, o acusado sustenta a atipicidade da conduta, uma vez que a inicial não traz indícios contundentes de autoria e de materialidade, não atendendo ao requisito da condição da ação no que concerne à materialidade. Alega que a escola em que estava é o seu local de votação e que o simples fato de alguém conversar e cumprimentar pessoas no dia de votação não caracteriza ilícito penal, e que a conduta somente seria punível se houvesse distribuição de propaganda eleitoral, ameaça ou coação de eleitores e pedido de votos. Afirma que as eleições também são um momento para rever amigos e consolidar relações antigas, e que não estava realizando boca de urna, e sim cumprimentando amigos que esperavam para votar, já que as filas tinham mais de 100 metros. Salienta que, após conversar com a promotora eleitoral, retirou-se do local de votação. Assim, ante a ausência de ilicitude, requereu a rejeição da denúncia ofertada (fls. 103-110).

No prazo do art. 5º da Lei n. 8.038/90, o Ministério Público Eleitoral apresentou manifestação sobre resposta escrita, na qual sustentou (a) impossibilidade de oferecimento da suspensão condicional do processo, em razão de o acusado responder a ações penais que tramitam perante o TRF4 e TJRS; (b) possibilidade de oferecimento de transação penal; (c) recebimento da denúncia caso o denunciado não aceite transação penal (fls. 173-174v.).

Diante da recusa do acusado em realizar transação penal (fl. 219), o Ministério Público Eleitoral requereu o recebimento da denúncia, nos termos do art. 6º da Lei n. 8.038/90.

É o relatório.
 

VOTO

Em que pese a argumentação trazida pela defesa constituída do acusado, tenho que a denúncia deve ser recebida.

Primeiramente, cumpre referir que se está, neste momento processual, frente a mero juízo de admissibilidade da acusação, para o que necessário, a par da demonstração do fato tido como delituoso, não mais do que indícios de autoria.

A existência, em tese, do fato tido como delituoso, e a sua autoria, estão demonstradas pelos elementos de prova juntados aos autos. O feito foi instruído com boletim de ocorrência lavrado pelos policiais militares que estiveram no local do fato (fl. 17), mídias contendo vídeos e fotografias de pessoas ligadas ao candidato praticando fatos idênticos em seções eleitorais de São Nicolau (fl. 37), termo de declarações do indiciado (fl. 41) e depoimentos dos policiais militares que prestaram ocorrência (fls. 20-21, 26-27, 70-74), nos quais é relatado que o acusado estava no portão do local de votação abordando eleitores que se dirigiam às urnas.

Além disso, o denunciado não nega que permaneceu durante a manhã da eleição na frente da escola em questão, que conforme refere a acusação, é o principal local de votação da cidade, pois quase a metade do eleitorado de São Nicolau vota na referida escola. A controvérsia se estabelece sobre o ato de arregimentar eleitores.

Analisando a peça acusatória, verifica-se que traz narrativa de como foi praticado o suposto delito, ou seja, a tipicidade dos fatos, seu autor e a descrição do crime, a qualificação do acusado e, também, as testemunhas arroladas. Assim, todos os pressupostos do recebimento da denúncia se fazem presentes.

A ação penal proposta possui justa causa para sua continuidade, visto que a denúncia está acompanhada de uma significativa quantidade de declarações de um amplo número de pessoas que dão conta da possível ocorrência dos fatos, consubstanciados no Inquérito da Polícia Federal sob. n. 0183/2013 (fls. 08 e seguintes).

Ademais, conforme referido na denúncia, trata-se de candidato à reeleição como prefeito, que estava em frente ao principal local de votação de pequena cidade no dia da eleição cumprimentando e conversando com eleitores em situação de nítida influência sob a vontade deles, durante todo o período da manhã, recusando-se a sair do local quando intimado a fazê-lo pela polícia militar.

Quanto à materialidade, não é possível acolher, nesta fase inicial, a alegação da defesa de que o ato de cumprimentar eleitores não importa arregimentação, pois a matéria reclama instrução probatória ainda não procedida. No entanto, os indícios da atuação do acusado, prefeito reeleito, são muito sérios, não tendo como se livrar da persecução penal.

Portanto, tenho que o acervo reunido nos autos confere indícios suficientes sobre a autoria e materialidade dos fatos narrados, fazendo-se necessário o recebimento da denúncia para que, no decorrer da ação penal, seja possível apurar se efetivamente ocorreram.

Ressalto que na fase atual do processo vige o princípio in dubio pro societate. Encontrando-se presentes os requisitos formais (art. 41 do CPP) e substanciais (condições da ação), havendo prova da materialidade, bem como indícios suficientes da autoria e, sobretudo, verificando-se que o denunciado terá assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório, podendo rebater plenamente a acusação durante a instrução criminal, revela-se cabível o acolhimento da exordial.

Assim, os indícios presentes nos autos indicam a necessidade do recebimento da denúncia, ressaltando-se que este não é o momento adequado para firmar convicção a respeito da efetiva ocorrência do crime.

Por fim, tendo em vista o entendimento jurisprudencial no sentido de compor o rito da Lei n. 8.038/90 com as inovações trazidas pela Lei n. 11.719/08, é necessária a determinação de citação da parte para apresentar defesa prévia, nos termos do art. 8º da Lei n. 8.038/90, postergando a realização de interrogatório do réu para o final da instrução (art. 400 do CPP).

Nessas circunstâncias, presente juízo de verossimilhança das imputações, e as alegações da defesa que exigem produção mais apurada de provas, impõe-se dar curso à ação penal.

Ante o exposto, VOTO pelo recebimento da denúncia e determino a expedição de carta de ordem ao Juízo da 52ª Zona Eleitoral para que proceda à citação do denunciado, a fim de que, querendo, ofereça defesa prévia, nos termos do art. 8º da Lei n. 8.038/90.