RE - 9440 - Sessão: 24/10/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por GEDER CARRARO JUNIOR – EPP e GEDER CARRARO JUNIOR, pessoa física e representante legal da primeira, contra a decisão que julgou procedente a representação por doação acima do limite estabelecido no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.

A juíza singular concluiu que a doação de R$ 9.070,00 extrapolou o limite legal de 2%, aplicável às pessoas jurídicas, cominando multa de 5 vezes o excesso, que resulta na quantia de R$ 45.350,00, além da proibição de participar de licitação e contratar com o Poder Público pelo período de 5 anos, a par da declaração de inelegibilidade do ora recorrente (fls. 106-109).

Em suas razões recursais, Geder Carraro Júnior suscita, em preliminar, a não observância do devido processo legal, por cerceamento de defesa e, no mérito, alega a licitude da declaração retificadora para comprovar o faturamento da empresa. Requer a reforma da sentença ou o reconhecimento da nulidade do processo. (fls. 115-126).

Com as contrarrazões (fls. 128-134v.), foram os autos encaminhados ao Ministério Público Eleitoral, que opina pelo não acolhimento da preliminar e, de ofício, pela declaração da nulidade da sentença, com a remessa dos autos ao juízo de origem para a reabertura da instrução e coleta das informações fiscais alusivas à pessoa física representada.

É o relatório.

 

 

 

 

VOTO

1.Admissibilidade

A sentença foi publicada no DEJERS em 24.10.2013, uma quinta-feira (fl. 114), e o recurso interposto em 29.10.2013, terça-feira, uma vez que o dia 28, segunda-feira, foi feriado. Portanto, tenho por tempestivo o apelo.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

2. Preliminar

O recorrente suscita a não observância do devido processo legal, por cerceamento de defesa, ao argumento de que a juíza eleitoral não aceitou a declaração retificadora como elemento de prova da capacidade financeira da empresa e de que foi  sonegado o direito de oitiva de testemunhas.

O uso da declaração retificadora é matéria a ser enfrentada por este julgador quando da análise da questão de fundo. Adianto, contudo, que não é caso de nulidade do processo, pois integra o caderno probatório a mencionada declaração. Concernente à sonegação do direito de produção de prova oral, consabido que qualquer meio de prova somente deve ser empregado caso necessário para a solução da matéria fática e, no caso, a solução depende de prova unicamente documental, a qual já se encontra nos autos.

Afasto, portanto, a preliminar suscitada.

3. Mérito

Geder Carraro Júnior é empresário, operando sob firma individual, como se extrai de sua qualificação (fl. 06) e da própria denominação da empresa de pequeno porte, idêntica ao nome da pessoa física proprietária, em conformidade com o que estabelece o art. 1.156 do Código Civil, abaixo transcrito:

Art. 1156. O empresário opera sob firma constituída por seu nome, completo ou abreviado, aditando-lhe, se quiser, designação mais precisa da sua pessoa ou do gênero de atividade.

Tratando-se de empresário, é pessoa que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços, nos termos do art. 966 do Código Civil. Como se observa, a qualificação como empresário define apenas a natureza de sua ocupação, não havendo que se falar em aquisição de personalidade jurídica distinta da pessoa física tão somente pelo exercício de tal atividade (RE n. 7655, Acórdão de 22-11-2012., Rel. Hamilton Langaro Dipp), como se depreende do rol contido no art. 44 do Código Civil, que dispõe sobre as pessoas jurídicas:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações.

IV - as organizações religiosas;

V - os partidos políticos.

Diante disso, impõe-se a consideração inicial de que, na verdade, a representada é uma só. Assinala RUBENS REQUIÃO (Curso de Direito Comercial, 1º vol., 14ª ed., pág. 64)  ao discorrer sobre o tema:

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito bem que o comerciante singular, vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito do imposto de renda.

Tais conclusões não são novas. CARVALHO DE MENDONÇA, no festejado Tratado de Direito Comercial Brasileiro, sustentava que:

As obrigações contraídas sob a firma comercial ligam a pessoa civil do comerciante e vice-versa.. (...)

A firma do comerciante singular gira em círculo mais estreito que o nome civil, pois designa simplesmente o sujeito que exerce a profissão mercantil. Existe essa separação abstrata embora os dois nomes se apliquem à mesma individualidade. Se, em sentido particular, uma é o desenvolvimento da outra, é, porém, o mesmo homem que vive ao mesmo tempo a vida civil e a vida comercial  (Op. cit. vol. II, 3ª ed., pág. 166).

Elucidativa também, nesse sentido, a lição de FÁBIO ULHOA COELHO (Curso de Direito Comercial. Saraiva: São Paulo, 2002, pp. 385-386)

É possível, porém, a exploração de atividade econômica por uma pessoa física. Normalmente, a atividade será de modesta dimensão, com pouquíssimos ou nenhum empregado, faturamento diminuto, pequena importância para a economia local. Se não for informal – traço, aliás, comum na hipótese –, o empresário pessoa física terá registro na Junta Comercial e nos cadastros de contribuintes como firma individual. Note-se que esta é apenas uma espécie de nome empresarial (Cap. 6, item 9.1) e não representa nenhum mecanismo de personalização ou separação patrimonial. O empresário individual, ao providenciar os registros obrigatórios por lei, não está constituindo um novo sujeito de direito, com autonomia jurídica, mas simplesmente regularizando a exploração de atividade econômica. Há uma grande confusão conceitual nesse campo, principalmente porque, sob a perspectiva do direito tributário, muitas vezes encontram-se sob o mesmo regime de obrigações instrumentais o empresário individual e algumas sociedades. É necessário, contudo, ressaltar que a firma individual não é sujeito de direito, mas categoria de nome empresarial. O sujeito – isto e, o credor, devedor, contratante, demandante, demandado, falido, concordatário etc. – será sempre a pessoa física do empresário individual, identificado pela firma que levou a registro.

A circunstância de o empresário individual não possuir personalidade jurídica diversa da pessoa física é reconhecida também pela jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. DESACOLHIDA. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. INEXISTÊNCIA DE DISTINÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA COM RELAÇÃO À PESSOA FÍSICA QUE EXERCE A EMPRESA. PRESCRIÇÃO. (...)

(Apelação Cível Nº 70045621315, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bernadete Coutinho Friederícia, Julgado em 22.03.2012.)

 

Agravo de Instrumento. Pedido de gratuidade judiciária. Indeferimento do benefício, no primeiro grau de jurisdição, ante o entendimento equivocado que o agravante é uma pessoa jurídica. O empresário individual que se registra na forma de firma individual não adquire, por isso, personalidade jurídica, mantendo hígida a sua condição de pessoa física. (...)

(Agravo de Instrumento Nº 70034423723, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Angiedema Neto, Julgado em 15.04.2010.)

 

TRIBUTÁRIO. SIMPLES FEDERAL. LEI 9.317/1996. LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS. SERVIÇO PRESTADO POR MEIO DE MÉDICOS E ENFERMEIROS. EXCLUSÃO.

[…]

6. Discutível seria estender o alcance da norma tributária, como fez o TRF, para abranger os profissionais liberais ou mesmo empresários individuais, que, como sabemos, são destituídos de personalidade distinta em relação à pessoa natural, ou seja, não são pessoas jurídicas nos termos do art. 44 do CC

(Reso 1260332/AL, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 01.09.2011, DJ 12.09.2011.)

Desse modo, não havendo distinção entre pessoa física e jurídica, igualmente não há qualquer diferença entre obrigações ou responsabilidades assumidas, vale dizer, o patrimônio do empresário individual confunde-se com o pessoal, de sorte que corresponde a um só conjunto de bens, cujo domínio pertence à pessoa física, mesmo que sirva à atividade empresarial exercida de forma individual (Apelação Cível N. 70045874690, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 31.01.2012).

Definida nesses termos a personalidade do empresário individual, como a liberalidade da doação parte da pessoa física, repercutindo no seu patrimônio, o único existente na espécie, a restrição à livre disposição de seus bens para fins eleitorais, por questão de coerência, deve sujeitar-se à disposição legal dirigida especificamente às pessoas físicas, prevista no artigo 23 da Lei n. 9.504/97, nada importando que a pessoa tenha informado na doação o seu CPF ou o CNPJ obtido para fins tributários.

Transcrevo assim a disposição pertinente:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas:
I - No caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição;
§ 7º O limite previsto no inciso I do § 1º não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)

No caso, Geder Carraro Junior, empresário, realizou doação no montante de R$ 9.070,00 (fl. 60). A magistrada aferiu o faturamento da empresa com base nas informações prestadas pela Receita Federal (fls. 13-36), vale dizer, dados fiscais referentes à primeira declaração do representado, cujo faturamento total foi de R$ 1.095,00 (hum mil e noventa e cinco reais). Ocorre que Geder Carraro Júnior -EPP apresentou declaração retificadora, e nela consignada a receita bruta de R$ 638.602,26 (fls. 66 e 69).

Ressalto que a retificação da declaração é uma faculdade do contribuinte e seus efeitos alcançam a seara eleitoral.

No ponto, cabe transcrever julgado do TSE, por esclarecedor:

Representação por doação acima dos limites legais.

1. A declaração de rendimentos retificadora deve ser levada em consideração na apuração do valor doado à campanha eleitoral e da sua adequação ao limite previsto no art. 81 da Lei nº 9.504/97, haja vista constituir faculdade do contribuinte expressamente prevista na legislação tributária.

2. A eventual prática de fraude na apresentação da declaração retificadora não pode ser presumida, cabendo ao autor da representação o ônus da prova (AgR-AI nº 1475-36, rel. Min. Dias Toffoli, DJE de 5.6.2013, (grifo nosso).

Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 59057 - São Paulo/SP. Acórdão de 05.09.2013. Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA.)
 

À vista dessas considerações, tratando-se de doação feita, em última análise, por pessoa física, deve incidir o limite de 10% sobre o rendimento de R$ 638.602,26, o que equivale à faculdade de poder doar até o montante de R$ 63.860,22. Conclui-se, portanto, pela legalidade da doação efetuada no valor de R$ 9.070,00, contida nos limites preconizados.

Diante do exposto, VOTO por afastar a preliminar e, no mérito, pelo provimento do recurso, para julgar improcedente a representação.