RE - 4582 - Sessão: 29/09/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA – PSDB DE URUGUAIANA contra sentença (fls. 188-189) que desaprovou suas contas referentes ao exercício financeiro de 2012.

Em razões recursais (fls. 108-111), o recorrente postula a aprovação das contas, entendendo não haver ilicitude nas doações realizadas, pois o art. 38, III, da Lei n. 9.906/1995 autoriza doações de pessoas físicas, efetuadas por intermédio de depósitos bancários, o que permitiria ao partido político receber doações de quem quer que seja, contanto que não o faça por consignação ou de modo compulsório.

Nesta instância, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso, visto ter verificado o recebimento, pela agremiação partidária, de doações realizadas por autoridades e servidores públicos demissíveis ad nutum que exercem funções de chefia ou direção, o que configura fonte vedada (fls. 116-119v.).

É o breve relatório.
 

 

VOTO

O recurso é tempestivo. O partido foi intimado da sentença em 19.12.2013, quinta-feira; e o recurso, interposto em 20.01.2014, sexta-feira, dentro do prazo previsto pelo artigo 258 do Código Eleitoral. Presentes os demais requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

Trata-se de prestação de contas de partido político desaprovada em virtude do recebimento de doação de fonte vedada, estando em desacordo com o disposto no art. 31, II, da Lei n. 9.096/1995, que dispõe, in verbis:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

[...]

É assente neste Tribunal o entendimento de que o conceito de autoridade do dispositivo citado deve abranger todo e qualquer servidor comissionado que detenha a condição de autoridade, ou seja, que desempenhe função de direção ou chefia, incluídos os admissíveis e demissíveis ad nutum, conforme se verifica pela ementa transcrita:

Recurso. Prestação de contas de partido político. Doação de fonte vedada. Exercício financeiro de 2008. Doações de autoridades titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, prática vedada pela Resolução TSE n. 22.585/2007 e pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95. Desaprovação das contas pelo julgador originário. Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Razoável e proporcional a aplicação, de ofício, de 6 meses de suspensão das quotas do Fundo Partidário, a fim de colmatar lacuna da sentença do julgador monocrático. Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 100000525 RS, Relator: Desa. Elaine Harzheim Macedo, Data de Julgamento: 25.04.2013, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 78, Data 03.05.2013, Página 3.) (Grifei.)

Ressalto que o TSE, até a edição da Res. 22.585/2007, havia firmado entendimento no sentido de ser possível a contribuição de filiados ocupantes de cargos exoneráveis ad nutum, o que pode ser constatado com a ementa do julgamento da Pet. n. 310 (Resolução TSE n. 20.844, de 14.08.2001), de relatoria do Ministro Nelson Jobim:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT.

EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 1996. Contribuição de filiados ocupantes de cargos exoneráveis ad nutum. Inexistência de violação ao art. 31, II, da Lei n° 9.096/95. Contas aprovadas.

(Petição n. 310, Resolução n. 20844 de 14.08.2001, Relator: Min. Nelson Azevedo Jobim, Publicação: DJ - Diário de Justiça, volume 1, data 09.11.2001, página 154 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, volume 13, tomo 1, página 302.)

Entretanto, desde o advento da mencionada Resolução TSE 22.585/07, o tema não comporta mais os questionamentos trazidos pelo recorrente. Por oportuno, reproduzo ementa da Consulta que deu origem à Resolução:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(Consulta n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.09.2007, Relator Min. José Augusto Delgado, Relator designado Min. Antonio Cesar Peluso, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.) (Grifei.)

Os fundamentos exarados para a mudança de interpretação deram-se nos seguintes termos:

Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

Para mim, autoridade em sentido amplo: todo aquele que possa, por exemplo, em mandado de segurança, comparecer nessa qualidade, para mim é autoridade […]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção. (Grifei.)

O conceito de autoridade, segundo o atual entendimento, abrange os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia (art. 37, V, da Constituição Federal), sendo excluídos os que desempenham exclusivamente a função de assessor.

Como se verifica, transmudou-se de uma compreensão que privilegiava a proteção do partido político contra a influência do Poder Público, para uma interpretação que ressalta a relevância dos princípios democráticos da moralidade, dignidade do servidor e preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

Inequívoco, portanto, que os ocupantes dos cargos de direção e chefia elencados no parecer conclusivo do exame das contas (fls. 178-179) encontram-se, além do prefeito municipal também referido, inseridos no conceito atual de “autoridade” preconizado pelo TSE, restando, assim, vedada a estes a doação de valores a partido político.

A previsão de fontes vedadas tem por finalidade impedir a influência econômica de entidades que tenham alguma vinculação com órgãos públicos e, também, evitar possíveis manipulações da máquina pública em benefício de determinadas campanhas, conforme a lição de Carlos Velloso e Walber Agra (AGRA, Walber de Moura. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de direito eleitoral. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, fl. 317):

Tentou a lei eleitoral, ao excluir esses órgãos ou entidades, preservar o pleito eleitoral de sua influência, que, pelo vulto dos interesses que personificam, podem desequilibrar a campanha em favor daqueles aquinhoados com sua preferência. Outrossim, busca-se impedir que entidades públicas, de caráter público ou que possuam vínculos estreitos com órgãos governamentais, possam exercer suas funções com desvio de finalidade para sustentar as preferências partidárias escolhidas.

Frente ao cenário descrito, resta bem lançada a sentença, inclusive quando determina a aplicação da consequência prevista no art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, relativa à suspensão de novas cotas do Fundo Partidário.

Destaco, por derradeiro, a determinação de recolhimento, à conta do Fundo Partidário, de R$ 18.495,00, valor referente às quantias recebidas de autoridades e servidores detentores de cargos demissíveis ad nutum ocupantes de cargos de direção e chefia no âmbito da administração municipal, nos termos do art. 28, inciso II, da Resolução TSE n. 21.841/2004, uma vez configurado o caso de recebimento de recursos de fonte vedada.

Ante todo o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto, mantendo a sentença de 1º grau, no sentido de desaprovar as contas do PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA – PSDB DE URUGUAIANA relativas ao exercício financeiro de 2012, com fulcro no art. 30, II, da Lei n. 9.504/1997,  de ofício, reduzir a sanção de suspensão do repasse de novas cotas do Fundo Partidário pelo prazo de 6 meses, e determinando o recolhimento ao Fundo Partidário do valor de R$ 18.495,00, nos termos do art. 28, inciso II, da Resolução TSE n. 21.841/2004.