RC - 292393 - Sessão: 04/09/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 138ª Zona - Casca, que julgou improcedente a denúncia e absolveu ADEMAR FERNANDES DE LIMA, AGEMIR MARCANTE, DIOGO ALEXANDRETTI, HEITOR VICENTE ORO, JOÃO BILIBIO, JONATAN BERTON VIECILI, LUIZ ANTONIO REGINATTO, MATEUS BERTON VIECILI, RODRIGO MARTINS ORO, ROGÉRIO REGINATTO, RUDINEI DE MORAES, SADI SCHUSTER e VALMOR REBESQUINI das sanções dos delitos tipificados no art. 11, inciso III, c/c os arts. 5º e 6º, parágrafo único, da Lei n. 6.091/74, art. 39, § 5,º da Lei 9.504/97, e art. 299 da Lei 4.737/65.

Os fatos descritos na inicial são os seguintes:

I – TRANSPORTE ILEGAL DE ELEITORES (art. 11, inciso III, c/c os arts. 5º e 6º, parágrafo único, da Lei 6.091/74).

Primeiro fato:

No dia 05 de outubro de 2008, por volta das 12h30min, várias ruas e rodovias, no Município de Ciríaco/RS, durante o horário de votação (eleições municipais) os denunciados ADEMAR FERNANDES DE LIMA, DIOGO ALEXANDRETTI, VALMOR REBESQUINI, JONATAN BERTON VIECILI, MATEUS BERTON VIECILI, RODRIGO MARTINS ORO e RUDINEI DE MORAES efetuaram o transporte ilegal de eleitores.

Na oportunidade, o denunciado Ademar Fernandes de Lima foi identificado transportando, em seu VW/Gol branco, as eleitoras Daniela Ribeiro da Silva e Verlaine Domeneghini.

Dirigiu-se ele até o colégio Dom Antônio, onde Daniela vota (fl. 428/PC). Lá, Daniela desembarcou e foi votar, tendo Ademar Fernandes de Lima aguardado o seu retorno, com a eleitora Verlaine no interior do automóvel.

Com o retorno de Daniela Ribeiro, antes que Ademar Fernandes de Lima pudesse seguir até a sessão eleitoral onde VerlaIne Domeneghini vota, foi seguido por Carlos Ney de Ávila, tendo fugido em direção à cidade de David Canabarro, com Carlos Ney Ávila no seu encalço.

Ademar Fernandes de Lima rumou até David Canabarro, onde fez retorno, tendo sido, em seguida, interceptado por Carlos Ney Ávila que o obrigou a parar.

Nisso encostou Diogo Alexandretti, acompanhado de Rudinei de Moraes, tripulando o automóvel Ford/Fiesta, placas CKD-6904, tendo resgatado as eleitoras Daniela e Verlaine e rumado em direção a Ciríaco.

Carlos Ney de Ávila seguiu Diogo Alexandretti e, na localidade denominada Curvas de São Pauleto, interceptou o automóvel por ele dirigido, obrigando-o a parar.

Ali compareceram os denunciados Valmor Rebesquini, Jonatan Viecili, Mateus Viecili e Rodrigo Martins Oro, os quais, aliando-se a Diogo Alexandretti e Rudinei de Moraes, tentaram resgatar as eleitoras (Daniela Ribeiro da Silva e Verlaine Domeneghini), intento obstado por Carlos Ney de Ávila, que, àquela hora, já havia recebido auxílio de Gelson Potter, que fez as fotografias das fls. 11/15/PC e também da guarnição da Brigada Militar, que conduziu todos à Delegacia de Polícia, tendo Ademar Fernandes de Lima fugido (fotografias das fls. 11/15).

Segundo fato:

No dia 05 de outubro de 2008, por volta das 13h, em Cruzaltinha, no Município de Ciríaco, o denunciado LUIZ ANTÔNIO REGINATTO efetuou o transporte ilegal de eleitores.

Para a prática do delito, o denunciado Luiz Antônio Reginato, ao volante de sua camioneta F-1000, placas IGC-2099, foi até a residência de Velocinda Alves, situada na zona rural de Cruzaltinha e, de lá, transportou-a até a sessão eleitoral dessa localidade, juntamente com o seu (dela) filho Oscar Alves da Silva, para que lá votassem.

Para não despertar suspeitas, o denunciado estacionou a sua camioneta a mais ou menos 100 metros da sessão eleitoral (fotografia da fl. 17/PC), tendo, em seguida, se posicionado nas imediações do cemitério (fotografia da fl. 21/PC), para onde Velocinda e Oscar retornaram, embarcando novamente na camioneta do denunciado, que os conduziu para casa.

Na perpetração do delito, o denunciado ainda levou consigo um adolescente, não identificado, que tinha por função acompanhar Velocinda e Oscar até a urna, conduzindo-os pela mão e verificar em quem eles votaram (fotografias das fls. 18/20/PC).

Essa confirmação era de interesse do denunciado e da coligação que ele representava (Luiz Spazzin – fl. 25), para fins de pagamento pelo voto.

Luiz Antônio Reginato foi preso e conduzido à Delegacia de Polícia, quando retornava de Cruzaltinha a Ciríaco, ainda com Oscar Alves da Luz consigo (fl. 23/PC).

Terceiro fato:

No dia 05 de outubro de 2008, em vários horários e locais, em Ciríaco/RS, o denunciado JOÃO BILIBIO efetuou o transporte ilegal de eleitores para sessões eleitorais.

Na perpetração dos delitos, o denunciado João Bilibio, ao volante de sua camioneta D-20, cor azul escura, placas BLN-2777, primeiramente, transportou o eleitor José Cortes até o colégio Dom Antônio Macedo Costa, para que ele votasse, tendo-o aguardado e, depois, conduzido-o para casa (fotografia da fl. 27/PC).

Nesse mesmo dia, momentos mais tarde, na localidade de Santa Rosa, o denunciado JOÃO BILIBIO, na companhia de Everaldo de Oliveira ('Nego do Guede'), ao volante da referida camioneta (fotografia da fl. 28/PC), escudado pelo seu filho Luis Fernando Bilibio, que conduzia o Corsa escuro da fotografia da fl. 29/PC, transportou eleitor identificado para a sessão eleitoral instalada na capela Santa Rosa, interior de Ciríaco/RS.

Para não levantar suspeitas, o denunciado, em comunhão de vontades e conjugação de esforços com o seu filho Luis Fernando Bilibio 'largaram' referido eleitor a alguns metros do local da votação, em uma curva, logo após uma ponte (fotografias das fls. 28/29/PC).

Quarto fato:

No dia 05 de outubro de 2008, em horário não apurado, na cidade de Ciríaco/RS, o denunciado ROGÉRIO REGINATTO efetuou o transporte ilegal de eleitores.

Para a prática do delito, o denunciado Rogério Reginato, ao volante do seu Kadett vermelho, placas IGC-2099, conduziu a eleitora Amélia Campagnaro do bairro Planalto até o CTG, onde ela vota, levando-a, após, para o mesmo bairro.

Para não despertar suspeitas, o denunciado “largou” a eleitora nas imediações do trevo de acesso para o bairro onde reside, d'onde ela seguiu a pé, levando consigo a bolsa marrom (fotografias das fls. 30/31/PC), na qual guardou os valores em dinheiro, que recebeu de Rogério, como pagamento pela compra/venda do voto.

II – ARREGIMENTAÇÃO DE ELEITORES (art. 39, § 5º, inciso II, da Lei 9.504/97) e COMPRA DE VOTOS (art. 299 da Lei 4.737/65):

No dia 05 de outubro de 2008, especialmente no turno da manhã, no Posto Auto Avenida, no centro de Ciríaco/RS, os denunciados AGEMIR MARCANTE, HEITOR ORO, SADI SCHUSTER, RICARDO DUTRA e HÉLIO CASTELANI, em comunhão de vontades e conjugação de esforços, promoveram arregimentação de eleitores e a compra de votos, junto ao Auto Posto Avenida, de que são proprietários Agemir Marcante, Heitor Oro, Sadi Schuster.

Para a perpetração dos ilícitos, os denunciados contrataram, previamente, várias pessoas, originárias principalmente de Passo Fundo, para efetuarem a 'segurança' no referido posto, que funcionou como 'quartel general' no dia da eleição.

Para lá conduziam e/ou mandavam conduzir eleitores, promovendo o abastecimento de seus veículos com combustível e/ou efetuando doação de valores, o que se dava em um compartimento, localizado nos fundos do escritório do referido posto, como condição para que os eleitores depositassem votos em candidatos por eles apoiados.

A verificação da contabilidade do referido Posto (fls. 160/423) indicou profundas discrepâncias nos valores das vendas e rendimentos, indicando, com certeza, para a utilização de combustível e de valores para a mercancia de votos.

A denúncia foi recebida no dia 02 de janeiro de 2009 (fl. 482v.), na qual constava, ainda, a presença de Luiz Antônio Pazzin, então Prefeito de Ciríaco, motivo pelo qual veio a ser declinada a competência para o Tribunal Regional Eleitoral (fl. 483).

Este Tribunal, por unanimidade, determinou o arquivamento do feito em relação àquele mandatário, posto que as diligências requeridas pela Procuradoria Regional Eleitoral sobre sua participação restaram frustradas, e o retorno dos autos à origem para o devido processamento (fls. 555-558).

O juízo de primeiro grau, após vista do Ministério Público Eleitoral (fl. 555v.), julgando de modo antecipado, proferiu sentença absolvendo todos os acusados, na forma do art. 386, II, do CPP (fls. 566-573), com base na improcedência da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n. 1000001-70.2008.6.21.38, em conformidade com o acórdão deste Regional (fls. 635-644), visto que não restaram comprovados os mesmos fatos presentes nesta ação criminal.

Inconformado, o Ministério Público recorreu (fls. 574-581).

Com as contrarrazões (fls. 603-609, 649-656 e 673-674), os autos foram remetidos a este Tribunal, que proveu o recurso interposto, determinando o retorno à origem, para o regular processamento do feito (fls. 689-691).

Citados os réus, apresentaram defesa escrita e arrolaram testemunhas (791-806, 808-825, 827-842, 844-859, 861-876, 878-893, 895-914, 824-939, 940-955, 957-972, 974-992, 1.009-1.027).

Foi realizada audiência de instrução e julgamento, de acordo com termo de assentamento e CD (fls. 1.171-1.175), além da degravação (fls. 1.201-1.378), a par da oitiva das testemunhas ouvidas por precatória (fls. 1.192-1.193, 1.410-1.411, 1.418-1.419, 1.440-1.445, 1.457-1.458, 1.499-1.500, 1.520-1.521 e 1.550-1.553).

Sobrevindo o interrogatório dos réus (fls. 1.602-1.605), foi encerrada a instrução e as partes apresentaram memoriais (fls. 1.636-1.654, 1.655-1.662, 1.664-1.682, 1.683-1.699, 1.708-1.739, 1.742-1.774, 1.777-1.809, 1.814-1.845, 1.848-1.877, 1.882-1.914, 1.917-1.940).

Na nova sentença proferida, foram afastadas as preliminares suscitadas e absolvidos todos os réus, pois não vislumbrada a finalidade específica do aliciamento no pertinente ao transporte de eleitores, assim como em relação aos demais delitos apontados, visto que a prova colhida não seria capaz de comprovar a prática das condutas imputadas aos acusados (fls. 1.956-1.982).

Em suas razões recursais, o Ministério Público Eleitoral afirma que a prova é cristalina, havendo em todos os fatos denunciados a efetiva participação dos réus, de acordo com a análise que apresenta. Aduz que é vaga a decisão apresentada, que não analisou a prova encartada nos autos, simplesmente afastando as teses de acusação com trechos isolados de depoimentos, não realizando o aprofundado exame que os elementos existentes nos autos evidenciam da prática dos delitos apontados (fls. 1.984-2.002v.).

Com as contrarrazões (fls. 2.010-2.031, 2.034-2.055 e 2.068-2.075), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso interposto pelo agente ministerial, reformando-se a sentença para condenar os réus nos crimes denunciados (fls. 2.082-2.091v.).

 

 

 

 

 

 

 

 

VOTO

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de dez dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

2. Mérito

O Ministério Público Eleitoral ofereceu denúncia contra os réus em razão de quatro fatos relacionados com transporte de eleitores, além de outro relativo à arregimentação de eleitores e corrupção eleitoral, acontecimentos verificados no Município de Ciríaco em 05 de outubro de 2008, data das eleições municipais.

A sentença não reconheceu a prática dos delitos apontados, seja pela não configuração do dolo específico do propósito de aliciamento dos eleitores transportados, seja pela ausência de elementos que levassem à firme convicção da compra de votos diante do suposto oferecimento de vantagens aos cidadãos, como gasolina ou dinheiro.

Inconformado, recorreu o agente ministerial em busca da reforma da sentença, afirmando existirem provas suficientes para determinar a autoria e materialidade dos delitos apontados.

Antes de adentrar o exame dos acontecimentos, oportuno mencionar os dispositivos legais que substanciam a denúncia e outros elementos que possam oferecer um panorama das circunstâncias que revestiam os acontecimentos naquela comunidade no dia do pleito.

2.1. A tipificação dos delitos

O transporte de eleitores vem tipificado no art. 11, inc. III, combinado com os arts. 5º e 6º, parágrafo único, da Lei n. 6.091/74, que assim dispõe:

Art. 11 Constitui crime eleitoral:

[...]

III - descumprir a proibição dos artigos 5º, 8º e 10;

Pena - reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa [...].

 

Art. 5º Nenhum veículo ou embarcação poderá fazer transporte de eleitores desde o dia anterior até o posterior à eleição, salvo:

I - a serviço da Justiça Eleitoral;

II - coletivos de linhas regulares e não fretados;

III - de uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família;

IV - o serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição de que trata o Art. 2º.

 

Art. 6º A indisponibilidade ou as deficiências do transporte de que trata esta Lei não eximem o eleitor do dever de votar.

Parágrafo único. Verificada a inexistência ou deficiência de embarcações e veículos, poderão os órgãos partidários ou os candidatos indicar à Justiça Eleitoral onde há disponibilidade para que seja feita a competente requisição.

 

Art. 8º Somente a Justiça Eleitoral poderá, quando imprescindível, em face da absoluta carência de recursos de eleitores da zona rural, fornecer-lhes refeições, correndo, nesta hipótese, as despesas por conta do Fundo Partidário.

 

Art. 10 É vedado aos candidatos ou órgãos partidários, ou a qualquer pessoa, o fornecimento de transporte ou refeições aos eleitores da zona urbana.

Os réus também foram denunciados pelos crimes contidos nos arts. 39, § 5º, II, da Lei n. 9.504/97, e 299 do Código Eleitoral:

Art. 39. [...]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

[...]

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna.

 

Art. 299 – Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

2.2. O contexto no dia do pleito e seus desdobramentos

Na data do pleito, o Município de Ciríaco não contava, por determinação judicial, com o serviço de táxi, conforme se verifica com o testemunho de profissionais que foram ouvidos em juízo, como, por exemplo, Zeni Bianchul (fl. 1.367), nem mesmo com o transporte coletivo.

Em comunidades pequenas como a de Ciríaco, onde as pessoas, em grande parte, se conhecem, torna-se comum o fornecimento de caronas entre os familiares ou vizinhos e conhecidos, mormente em um dia em que os eleitores devem cumprir com seu dever cívico de sufrágio. Com isso, em face do deslocamento de carros para se dirigirem aos locais de votação, normal que o movimento na cidade ganhasse uma maior proporção se comparada a outros domingos do ano.

A par disso, a polarização das candidaturas propostas leva a um clima de denúncias de parte a parte em relação a toda e qualquer suspeita de possível ilícito, situação que desencadeia, comumente, uma série de demandas judiciais, quer no âmbito cível-eleitoral, quer na área criminal, como aqui se constata.

E diante desse evidente antagonismo estabelecido em nosso interior do estado, repetido no mencionado município, verifica-se que, no presente caso, os denunciantes ou testemunhas são vinculados ou simpatizantes do partido adversário dos acusados, possuindo interesse direto no desfecho prejudicial do candidato eleito naquele ano de 2008, Luiz Spazzin, tudo em razão de cargos que ocuparam no passado ou almejavam alcançar, ou por participarem da campanha eleitoral que se desenvolvia.

Carlos Ney de Ávila, ex-Prefeito do PMDB, e Arlindo Antonio Lopes, candidato a prefeito pela mesma agremiação, detinham considerável empenho no desenrolar das ações propostas que buscavam afastar aquele mandatário da administração municipal, assim como Ricardo Reginatto, Adair Vessoler, Gelson Potter, Marco Antônio Bonamigo, Lucimar Rodrigues, todos filiados ou simpatizantes da sigla partidária.

Dentro desse contexto, registro que foram propostas pelo Ministério Público Eleitoral uma ação de impugnação de mandato eletivo – AIME em desfavor do Prefeito, Luiz Spazzin, e seu vice, Rivelino Amoroso, além da presente denúncia contra os réus mencionados, ambas possuindo igual rol de testemunhas, de acordo com as fls. 13 e 37.

A AIME veio a ser julgada parcialmente procedente, não reconhecendo a prática do transporte irregular, questão que não foi objeto de recurso por parte do agente ministerial, nos seguintes termos (referido nas fls. 569-570):

1- DO TRANSPORTE DE ELEITORES

Alega o Ministério Público Eleitoral que no dia das eleições os demandados orquestraram “ infame rotina de transporte de eleitores, recolhendo-os em suas casas ou nas vias públicas, conduzindo-os às seções eleitorais...”.

Por sua vez, os demandados às fls. 575 e seguintes, impugnam as assertivas do Ministério Público, afirmando que os fatos, se existentes, foram isolados, não contaminando a eleição como um todo. Aduzem, que não há comprovação da participação dos demandados no suposto transporte de eleitores.

Examinando o caso sub judice tenho por não demonstrada as alegações de transporte ilegal de eleitores com o fim de captação ilícita de sufrágio. Em municípios pequenos como no caso dos autos é frequente o fornecimento de transporte gratuito (caronas) entre familiares, vizinhos ou conhecidos, especialmente nas localidade interioranas, em que eleitores votam na mesma seção. Ora, não pode passar despercebido que no dia da eleição o serviço de taxi foi suspenso por determinação do Juízo Eleitoral, justamente com a intenção de evitar o uso do transporte público para fins "eleitoreiros".

Ademais, o simples fato de uma pessoa dar carona a outra não é suficiente para caracterizar a quebra de condições de igualdade entre os candidatos, nem enseja influência direta no resultado do pleito. Talvez se possa cogitar de crime de transporte irregular de eleitores. No entanto, é necessária prova estreme de dúvida acerca do aliciamento de leitores, com o objetivo de fraudar o voto livre do eleitor. Nesse sentido, veja-se o posicionamento da jurisprudência:
RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES. TRANSPORTE DE ELEITORES. DOLO ESPECÍFICO. NÃO COMPROVAÇÃO. LEI N° 6.091/74, ARTS. 5°, 10, 11 E CE, ART 302. RESOLUÇÃO TSE N. 9.461. 1. Para aplicação dos penas previstas na Lei n° 6.091/74, art. 11, impõe-se a constatação da existência do dolo específico, consistente no aliciamento de eleitores em prol de partido ou candidato. 2. Precedentes. 3. Recurso não conhecido. Decisão: Por unanimidade, o Tribunal não conheceu do recurso. (Recurso Especial Eleitoral n° 15499. TSE/PE, Palmeirinha, Rel. Min. Edson Carvalho Vidigal. j. 11.11.1999, DJ 17.12.1999, pág. 171, RJTSE – Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 11, Tomo 4, p. 197.).

(...) Transporte de eleitores. Dolo específico. Não-comprovação. Lei n. 6.091/74, arts. 5o e 11. Código Eleitoral, art. 302. Para a configuração do crime previsto no art. 11, III, da Lei no 6.091/74, há a necessidade de o transporte ser praticado com o fim explícito de aliciar eleitores. (...) (Ac. no 21.641, de 19.5.2005, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.).

No suposto transporte de eleitores no qual teria sido utilizado o veículo Camioneta F1000, placas IGC 2099, tendo como transportador o Sr. Luiz Antonio Reginatto, conta dos autos que o mesmo foi abordado no dia da eleição pelo Promotor Eleitoral que o conduziu até a Delegacia de Polícia do município de Ciríaco, quando houve lavratura do Boletim de Ocorrência n. 462/2008, juntado à fl. 490. Na ocasião não houve a localização de "santinhos" ou importância monetária na posse do transportador, elementos que poderiam indicar o transporte gratuito de eleitores com finalidade de cooptar a intenção de voto. Isso é fato.

As demais incidências de transporte de eleitores também não merecem guarida, tendo em conta que há elementos envolvendo o transportador e o transportado. Ora, se trata de namorada, ora de empregado, ora de conhecido, de modo que não há como entender a configuração de transporte de eleitores com finalidade de aliciamento.

Concluo que não há nos autos elementos concludentes a basilar um juízo de procedência com fundamento no transporte ilícito de eleitores, a ponto de macular o resultado da eleição de Ciríaco. (Grifei.)

Por outro lado, este Tribunal, em sessão de 14.09.2010, por unanimidade, afastou o reconhecimento da arregimentação de eleitores e da captação ilícita de sufrágio, conforme excerto do voto do Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha (fls. 635-644):

1.1. Do abuso de poder econômico Os réus negam todas as acusações. O impugnante, a seu turno, esforçou-se para comprovar o alegado sem lograr sucesso, como fica evidente por meio da análise probatória.

Cumpre registrar, de início, que a presente ação foi iniciada mais de 6 (seis) semanas após a divulgação do resultado das eleições, quando Arlindo Lopes, candidato a prefeito pela chapa opositora aos impugnados, juntamente com Carlos Ney Ávila, Ricardo Reginatto, Adair Vassoler, Miguel Nadir da Silva e Rogério Viech, se dirigiram ao Ministério Público Eleitoral, munidos de filmagens, fotos e depoimentos, a fim de embasar a ação de impugnação de mandato eletivo dos candidatos eleitos (fls. 28-89).

A presente ação, segundo o impugnante, tem como objeto o abuso do poder econômico, sendo que sua prova encontra-se consubstanciada em filmagem e fotos da movimentação no local (posto de gasolina), na contabilidade do referido estabelecimento comercial e nos testemunhos dos que presenciaram a alegada compra de votos dos parceiros dos impugnados, presumidamente, ocorrida no dia do pleito.

Em análise das referidas provas, consta, no vídeo, na data do pleito, grande movimentação no posto de combustíveis, de diversas pessoas e veículos entrando e saindo, sem que se possa verificar a realização ou não de pagamento pelos combustíveis.

Sobre esta prova, faz-se necessário contextualizá-la à realidade local de um município pequeno do interior gaúcho, motivo pelo qual é pertinente a opinião dos moradores locais.

Apesar de fora do comum, o movimento não pode ser reputado como um ilícito eleitoral apenas por ser extraordinário. Para aferir, portanto, se tal fato constituiu ou não uma irregularidade, passa-se à análise dos depoimentos prestados pelos munícipes.

Quanto ao ocorrido no posto de combustível, o testemunho mais contundente, no sentido de que teria havido distribuição de combustível em troca de votos, foi o de Adair Vassoler. Apesar de contundente, Adair é pessoa de íntima confiança de Carlos Ney Filho, principal nome do PMDB local e ex-prefeito do município, o que elide sua credibilidade.

Não obstante, as afirmações proferidas por Adair foram corroboradas por outros depoentes, os quais foram ouvidos como informantes. Contudo, igualmente ao retrocitado depoimento, as declarações prestadas por tais depoentes não merecem crédito, pois essas pessoas – Ricardo Reginatto, Gabriel da Silva Ribeiro e Rogério Reginatto, entre outros – também são ligadas à chapa de oposição aos impugnados.

Finalizando a análise sobre as provas realizadas relativamente à distribuição de combustível no posto de gasolina, o depoimento de Lucimar Rodrigues (fls. 124 e 952-64), importante peça na comprovação da tese do impugnante, tampouco pode ser levado em conta, já que a depoente é filha de outro ex-prefeito de chapa opositora aos impugnados (fl. 855) e, ademais, possui filiação junto ao PMDB.

Em sentido contrário aos referidos depoimentos, afirmou Luiz Angelo Sechetti (fls. 1009-13) que os clientes pagavam pelo combustível, não corroborando a tese do impugnante de que estaria ocorrendo compra de votos no referido local. Verificando todos os depoimentos tomados em juízo, portanto, persistem dúvidas quanto àquela aglomeração de pessoas no posto, se devida à suposta compra de votos em troca de combustível ou não.

Quanto à contabilidade do posto Avenida, inexistem elementos contundentes que apontem a presença de abuso de poder econômico no caso em tela. Houve a consignação de aumento considerável na compra de combustíveis no mês de setembro, sem que houvesse lucro correspondente ou aumento do estoque dos produtos.

Os impugnados alegaram tratar-se de meras presunções, sustentando que a oscilação contábil, ocorrida no período eleitoral se deu em virtude da coincidência com o período de plantio, embora não expliquem o aumento do estoque, apesar das poucas vendas. Assim, os elementos se mostram controvertidos, insubsistindo certeza a respeito da contabilidade do posto Avenida como prova de que tenha ocorrido o alegado abuso de poder econômico.

Dessarte, não sendo possível afirmar que houve comprometimento da lisura do pleito no Município de Ciríaco, a partir da análise dos documentos juntados aos autos, não há elementos a fundamentar um juízo de procedência da impugnação.

No mérito, portanto, tenho que o recurso dos impugnados deve ser provido, a fim de reformar a douta sentença de 1° grau. (Grifei.)

Posteriormente, a ação criminal, de modo antecipado, veio a ser julgada improcedente com base no acordão deste Tribunal sobre a AIME (fls. 566-573), decisão reformada em razão da independência jurisdicional entre as esferas cível, penal e administrativa. Assim, por inexistir vínculo entre a decisão absolutória proferida em sede de ação impugnativa e o processo de natureza criminal, foi determinado o retorno dos autos à origem para a devida instrução.

Instruído o feito, assegurado às partes a ampla defesa e o contraditório, nova sentença absolutório foi prolatada, a qual é objeto do recurso sob exame.

Com esse breve histórico dos episódios a pontuar os acontecimentos, passa-se ao exame dos fatos trazidos na peça recursal.

2.3. Os fatos

Como se pode depreender do prólogo aqui exposto, adianto que o recurso não deve ser acolhido, em que pese a veemência dos argumentos do agente ministerial pela condenação dos acusados na presente ação.

Passo ao exame dos crimes denunciados, merecendo enfatizar que não se pode perder de vista o contexto dos acontecimentos e a análise já empreendida sobre os mesmos fatos em diferentes oportunidades, seja pelos magistrados que proferiram suas decisões em sede de ação impugnativa ou criminal, seja pela avaliação que este Tribunal realizou, tudo levando à ausência de elementos induvidosos para sustentar um juízo condenatório.

2.3.1. Transporte de eleitores

O crime de transporte de eleitores do art. 11, inc. III, da Lei n. 6.091/74, requer para sua caracterização o elemento subjetivo do tipo, conforme ensina Joel José Cândido (Direito penal eleitoral e processo penal eleitoral. 1. ed. Bauro/SP: Edipro, 2006, pág. 457.):

Elemento subjetivo - Exige-se o dolo específico nas três modalidades deste crime do art. 11, III, expresso no aliciamento de eleitores, em favor de determinado partido político, coligação ou candidato, eleitor esse a quem, apesar da proibição, o agente fornece transporte e/ou refeição, em zona rural ou urbana.

No mesmo sentido Suzana de Camargo Gomes (Crimes eleitorais. 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pág. 214.):

A remissão feita ao art. 302 do Código Eleitoral, constante do tipo acima mencionado, bem como o texto do art. 5º, IV, da Lei n. 6.091/1974, deixam de todo evidenciado que o transporte de eleitores, desde o dia anterior até o posterior à eleição, constitui conduta criminosa, desde que realizado com finalidade eleitoral, ou seja, desde que a vontade deliberada do agente seja no sentido de obter vantagem de ordem eleitoral com esse transporte.

Conforme assentado pela jurisprudência, o delito tipificado no art. 11, III, da Lei n. 6.091/74, de mera conduta, exige, para sua configuração, o dolo específico, que é, no caso, a intenção de obter vantagem eleitoral, pois o que pretende a lei impedir é o transporte de eleitores com fins de aliciamento (TSE, AgReg em RESP n. 28517, Relator Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, DJ: 05.09.2008). Nesse mesmo sentido, cite-se outro precedente do TSE:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2002. DENÚNCIA. NÃO-RECEBIMENTO PELO TRE/MA. PREENCHIMENTO DE TODOS OS REQUISITOS ELENCADOS NOS ARTIGOS 41 DO CPP E 357, § 2º, DO CÓDIGO ELEITORAL. PROVIMENTO. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO TRE/MA.

1. Da exegese dos arts. 5º, 8º, 10 e 11, III, todos da Lei nº 6.091/74, afere-se que a denúncia atendeu a todos os pressupostos exigidos pelo art. 41 do Código de Processo Penal, reproduzido no art. 357, § 2º, do Código Eleitoral, pois a conduta imputada ao ora recorrido está prevista no art. 11, III, da Lei nº 6.091/74.

2. As circunstâncias adstritas à conduta tipificada foram minuciosamente relatadas no voto vencedor do acórdão recorrido, sendo descabida a alegação de que "(...) a descrição da conduta do denunciado se mostra insuficiente para a configuração do tipo penal" (fl. 169).

3. A hipótese dos autos se coaduna com a jurisprudência do STF e do STJ, haja vista o dolo específico ter sido devidamente demonstrado, pois o escopo da denúncia é averiguar se o recorrido incorreu na conduta tipificada no art. 11, III, da Lei nº 6.091/74 ao, supostamente, patrocinar transporte de eleitores de São Luís/MA para São Domingos do Azeitão/MA, com o intuito de angariar votos para o pleito de 2002. Precedentes: (STF, Inq n. 1.622/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28.5.2004 e STJ, Apn nº 125/DF, Rel. p/ acórdão Min. César Asfor Rocha, DJ de 14.4.2003).

4. Recurso especial provido para determinar o envio dos autos ao TRE/MA a fim de que este receba a denúncia ofertada pelo Ministério Público Eleitoral.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 28122, Acórdão de 10.05.2007, Relator Min. José Augusto Delgado, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 30.05.2007, Página 186.)

Para a caracterização do delito em comento não basta, portanto, a mera ação objetiva de transportar eleitores. Este fato permanece lícito. Veda a legislação o transporte de eleitores com o fim de obter-lhes o voto, vale dizer, com a intenção de aliciá-los. Ocorre que, analisando a prova dos autos, não se pode concluir, com a segurança necessária, pela existência desse fim especial de agir, como adiante se demonstra.

a) 1º Fato

Este caso envolve a perseguição empreendida por Carlos Ney de Ávila em relação a Ademar Fernandes de Lima, que estaria transportando as eleitoras Daniela Ribeiro e Verlane Domeneghini, assim como Diogo Alexandretti e outros apontados na denúncia.

Carlos Ney de Ávila, ex-prefeito do PMDB, narra que perseguiu um carro que possivelmente estaria fazendo transporte de eleitores, fato que motivou apreensão de veículos e o envolvimento de pessoas de ambas as coligações adversárias. Devido ao seu evidente comprometimento com o PMDB, constituindo-se em adversário político dos réus, visto que era o coordenador da campanha eleitoral naquela oportunidade, a testemunha tem suas declarações despidas da isenção necessária.

Arlindo Antônio Lopes, candidato do PMDB no pleito, adversário direto dos réus, inicia seu testemunho (fls. 1.201-1.202) afirmando que uma das pessoas que teria denunciado na época dos fatos, a qual não consta dentre os réus, efetivamente transportava sua avó, pessoa que não conhecia naquela oportunidade. Aqui, já ao início, leva à indagação de quantas outras assertivas lançadas na época da denúncia não corresponderiam à verdade. De igual modo, não presenciou os fatos relativos ao transporte de eleitores, somente de ouvir dizer (fl. 1.204).

Em seus testemunhos, nenhum deles possuía condições de afirmar se as eleitoras estavam sendo levadas para votar ou se haviam votado, mas apenas pressupunham que o ilícito estivesse sendo cometido.

Verlane Domeneghini, a eleitora que supostamente estava sendo transportada, afirmou em juízo que já havia votado quando o carro em que estava foi interceptado por Carlos Ney de Ávila. Aduziu que votava no salão paroquial de Ciríaco, perto de sua residência na ocasião, não tendo recebido carona com o intuito de influenciar sua escolha. Narrou que estava voltando de David Canabarro em companhia de Diogo e Daniela quando o veículo foi abordado na altura da localidade de São Pauleto por Carlos Ney, o qual saiu do carro gritando que se tratava de compra de votos, que iria chamar a polícia, motivando a aglomeração de muitas pessoas e a confusão que se seguiu. Nesta oportunidade, a amiga Daniela também afirmou para ela que já havia votado.

Não foram encontrados no carro “santinhos” ou outros elementos que levassem à convicção de que se tratava do delito denunciado, não se consubstanciando a finalidade específica do aliciamento necessário a configurar o crime, requisito indispensável para sua tipificação.

b) 2º Fato

Este fato é relativo a Luiz Antônio Reginatto, que teria transportado Velocinda Alves e seu filho Oscar Alves da Silva, desde a residência da eleitora até o local de votação.

Mais uma vez foi o testemunho de Carlos Ney de Ávila que desencadeou as acusações lançadas, mas convém consignar que não foram encontrados “santinhos”, lista de nomes ou número de títulos eleitorais no veículo, circunstâncias que demonstrariam, em princípio, a intenção de influenciar a vontade da eleitora.

A alegação de que um menor que acompanhava a eleitora Velocinda tinha o intento de conferir o voto sufragado é uma conjectura, sem respaldo em apreensão de valores ou benefícios que possam levar à certeza firme e inconteste de que o transporte possuía esse desiderato.

Como já havia sublinhado o prolator da decisão absolutória da AIME e da primeira decisão criminal,

No suposto transporte de eleitores no qual teria sido utilizado o veículo Camioneta F1000, placas IGC 2099, tendo como transportador o Sr. Luiz Antonio Reginatto, conta dos autos que o mesmo foi abordado no dia da eleição pelo Promotor Eleitoral que o conduziu até a Delegacia de Polícia do município de Ciríaco, quando houve lavratura do Boletim de Ocorrência n. 462/2008, juntado à fl. 490. Na ocasião não houve a localização de "santinhos" ou importância monetária na posse do transportador, elementos que poderiam indicar o transporte gratuito de eleitores com finalidade de cooptar a intenção de voto. Isso é fato.

c) 3º Fato

O denunciado João Bilibio teria efetuado o transporte de José Cortes até o local de votação situado no Colégio Dom Macedo Costa e, depois, para a residência do eleitor.

A testemunha de acusação Ricardo Reginatto afirmou que não era fiscal da agremiação, que se encontrava naquele local para votar (fls. 1.298 e 1.301), quando teria presenciado o transporte de eleitores por duas vezes, mas não saberia precisar se eram parentes ou vizinhos de Bilibio. Depois, referiu que aquele não era o seu local de votação, e sim o salão paroquial de Ciríaco, que estava “dando uma ajudinha” para o candidato Arlindo Lopes do PMDB (fl. 1.301), inclusive possuía adesivo do seu candidato, tudo a demonstrar sua estreita ligação com os adversários dos acusados.

Mais adiante, diferentemente do que havia afirmado perante o Ministério Público, desmentiu que teria visto Bilibio realizando transporte de eleitores na localidade de Santa Rosa, assim como desconhecia que Vitorino Zanchan e Juliana Barea tivessem sido transportadas pelo réu, versões que se contradizem e abalam a certeza sobre a realidade dos fatos (fl. 1.306).

Outra testemunha da acusação, Antoninho Zanchan, referiu que recebeu carona de Bilibio, costume entre eles, e não houve qualquer assédio por parte do réu para que votasse em candidato por ele indicado, não tendo recebido “santinho” ou outro indicativo de votação (fls. 1.309-1.311).

No mesmo sentido, os testemunhos de Elton Kunz (fl. 1.365) e Márcio Batista (fl. 1.499), relatando as dificuldades do dia do pleito para o deslocamento daqueles que não possuíam veículos, isentando o acusado de qualquer intenção de influenciar o voto dos eleitores mediante o transporte oferecido ou contratado.

Mais uma vez, também aqui não se constata a tentativa de interferir no desejo livre e consciente do eleitor em razão do transporte verificado.

d) 4º Fato

O denunciado Rogério Reginatto teria efetuado o transporte de Amélia Campagnaro do bairro Planalto até o CTG, local onde a eleitora vota, retornado, após, até sua residência, oferecendo-lhe valores em dinheiro para votar em candidato por ele indicado.

Também aqui o testemunho de Carlos Ney de Ávila deu início às acusações trazidas.

A eleitora foi ouvida como testemunha da acusação. Relatou que sua residência dista umas dez quadras do local de votação, vindo a receber carona do acusado, naquela oportunidade, porque se encaminhava para lá e, em virtude de morarem na mesma rua, ela no começo da avenida, ele um pouco mais abaixo, além de ser amiga da mulher do acusado, a qual é sua cabeleireira, e votarem na mesma sessão (fls. 1.231 e 1.233), foi oferecida a carona e somente isso.

Negou que tivesse recebido o assédio do acusado para votar em alguém por ele indicado, seja mediante dinheiro, seja com a entrega de nome ou número de eventual concorrente ao pleito. Eu nunca vendi meu voto pra ninguém, asseverou, peremptoriamente (fl. 1.232).

Por sua vez, a testemunha Lucimara Rodrigues, filiada ao PMDB, agremiação adversária dos réus, teria visto a entrega de dinheiro por parte do acusado à Amélia (1.332-1.339). Não obstante haver afirmado que Amélia colocara o dinheiro em sua bolsa marrom, verifica-se que a assertiva deva ser considerada com bastante cautela, pois as fotos contantes nas fls. 58-59 não permitem assegurar, em razão da distância e do ângulo em que foram tiradas pela testemunha, que houve a propalada entrega de dinheiro pelo acusado. Como se verifica, a distância é considerável e o próprio reflexo dos vidros laterais do veículo, de acordo com o que se pode observar com o vidro lateral traseiro, impediriam a visualização nítida do movimento dos ocupantes do carro e, principalmente, aquilo que pudesse ser repassado.

Assim, diante da falta de certeza sobre os acontecimentos, a condenação pretendida não encontra amparo na prova colhida.

2.3.2. Arregimentação de eleitores e compra de votos

A denúncia relata que, no dia do pleito de 2008, no Posto Auto Avenida, localizado no centro de Ciríaco, os denunciados Agemir Marcante, Heitor Oro, Sadi Schuster, Ricardo Dutra e Hélio Castelani promoveram a arregimentação de eleitores e a compra de votos, pois para lá conduziam e/ou mandaram conduzir eleitores para que abastecessem seus veículos e/ou efetuavam a doação de valores.

À vista desses acontecimentos, os réus também foram denunciados pelos crimes contidos nos arts. 39, § 5º, II, da Lei n. 9.504/97, e 299 do Código Eleitoral.

No caso da arregimentação de eleitores, o magistério de Suzana de Camargo Gomes diz que:

A norma penal está, no caso, resguardando a liberdade do eleitor de votar sem sofrer qualquer constrangimento, pelo que, no dia da eleição, é vedada a propaganda eleitoral.

Assim, não podem ser realizados comícios ou carreatas, nem tampouco utilizados alto-falantes com finalidade de difundir nomes de candidatos ou partidos, nem mesmo apresentadas propostas de campanha, como também não podem ser levadas a efeito práticas tendentes a arregimentar ou a aliciar eleitores, ou realizar a chamada “boca de urna”, condutas essas que se revelam não só pela promoção de reuniões e formação de grupos com fins eleitorais, mas inclusive com a distribuição de impressos, de volantes a eleitores, ou, ainda, podem consistir no comportamento de abordar, de tentar persuadir, convencer o eleitor a votar em determinado candidato ou partido, no dia da eleição. (Ob. cit., pág. 164)

Aqui também há a presença do dolo específico, conforme ensina a mencionada autora:

O elemento subjetivo do tipo é o dolo específico, consistente na vontade consciente e deliberada de realizar propaganda vedada pela norma com o fim de influir na vontade do eleitor. Não basta, portanto, a mera entrega de propaganda, deve estar o agente munido da intenção de atingir o eleitor com esse ato, de molde a tentar convencê-lo a uma determinada escolha. (fl. 167)

No respeitante à prática do ilícito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, é considerado crime a conduta de dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar o voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Trata-se, portanto, de crime formal, que exige do autor uma promessa de vantagem com o fim de obter, para si ou para seu candidato, o voto do eleitor. O fim específico do agir é o que se denomina de dolo específico.

Voltando ao caso referido, foi ele largamente debatido neste Tribunal por ocasião do julgamento da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME proposta em desfavor de Luiz Antônio Pazzin, então Prefeito de Ciríaco, quando, por unanimidade, em sessão de 14.09.2010, afastou o reconhecimento da arregimentação de eleitores e da captação ilícita de sufrágio, conforme excerto do voto do Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha (fls. 635-644), reproduzido no item 2.2.

As passagens do voto bem demonstram que os acontecimentos denunciados, inclusive com base no mesmo vídeo que ampara a ação cível-eleitoral e esta criminal, não confortam um juízo de certeza para a condenação.

Primeiro, os denunciantes possuíam estreito vínculo com o partido que perdeu as eleições daquele ano, havendo interesse direto na desconstituição do mandato dos eleitos, devendo-se manter cautela nas afirmativas trazidas.

Depois, como já mencionado anteriormente, em município de pequeno porte como Ciríaco, em uma data especial como o dia do pleito, natural que haja um movimento maior para o deslocamento dos eleitores até suas seções, principalmente pela ausência de táxi e serviço público de transporte, movimento que não se pode reputar como extraordinário em razão desses fatores.

Os depoimentos também não emprestam certeza de que houve a negociação de votos em troca de benesses aos eleitores, assim como na referida AIME.

Marco Antônio Bonamigo, que realizou a filmagem do posto, afirmou em juízo que não recordava a presença dos proprietários do estabelecimento naquele local, os denunciados Agemir Marcante, Heitor Oro e Sadi Schuster (fl. 1.274). Presenciou a movimentação de veículos, mas não viu abastecimento (fl. 1.276), além de mencionar o costume de as pessoas abastecerem e deixarem para outra oportunidade o pagamento. Afirmou, ainda, que havia aglomeração de pessoas ligadas aos dois lados da campanha, dos partidos 15 e 25, nas esquinas e nas ruas, assim como carros adesivados.

Carlos Ney de Ávila, que promoveu as denúncias, referiu […] não ter verificado se alguma pessoa abastecia o veículo no referido posto e saia do mesmo sem pagar, como bem observado na sentença desafiada (fl. 1.979).

Por sua vez, Adair Vassoler, também ligado ao partido dos denunciantes, afirmou que o movimento da cidade mudou bastante naquela oportunidade com as eleições, fato que teria alterado o fluxo de veículos e pessoas no posto de gasolina (fl. 1.344). Convém gizar a conclusão a que chegou o Des. Caminha quando do exame do testemunho de Adair:

Quanto ao ocorrido no posto de combustível, o testemunho mais contundente, no sentido de que teria havido distribuição de combustível em troca de votos, foi o de Adair Vassoler. Apesar de contundente, Adair é pessoa de íntima confiança de Carlos Ney Filho, principal nome do PMDB local e ex-prefeito do município, o que elide sua credibilidade.

Não obstante, as afirmações proferidas por Adair foram corroboradas por outros depoentes, os quais foram ouvidos como informantes. Contudo, igualmente ao retrocitado depoimento, as declarações prestadas por tais depoentes não merecem crédito, pois essas pessoas – Ricardo Reginatto, Gabriel da Silva Ribeiro e Rogério Reginatto, entre outros – também são ligadas à chapa de oposição aos impugnados.

As testemunhas arroladas pela defesa foram unânimes em afirmar que o movimento de carros era compatível com o dia das eleições, a par de não haver oferecimento de vantagens em troca de votos.

No pertinente à contabilidade do posto, retorno ao voto aqui proferido por ocasião dos mesmos fatos constantes na AIME antes mencionada:

Quanto à contabilidade do posto Avenida, inexistem elementos contundentes que apontem a presença de abuso de poder econômico no caso em tela. Houve a consignação de aumento considerável na compra de combustíveis no mês de setembro, sem que houvesse lucro correspondente ou aumento do estoque dos produtos.

Os impugnados alegaram tratar-se de meras presunções, sustentando que a oscilação contábil, ocorrida no período eleitoral se deu em virtude da coincidência com o período de plantio, embora não expliquem o aumento do estoque, apesar das poucas vendas. Assim, os elementos se mostram controvertidos, insubsistindo certeza a respeito da contabilidade do posto Avenida como prova de que tenha ocorrido o alegado abuso de poder econômico.

Assim, nos termos do ensino de Alexandre de Moraes, há algumas qualidades essenciais para definição do Estado de Direito. Entre elas, a primazia da lei, um sistema hierárquico de normas que preserva a segurança jurídica e a garantia dos direitos fundamentais incorporados à norma constitucional (MORAES, Alexandre. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2008, p. 5).

Na seara penal, essas garantias traduzem-se na observância estrita da tipicidade e na formulação de juízos objetivos sobre os elementos de prova submetidos ao contraditório. O tipo penal do artigo 299 do Código Eleitoral exige que a conduta confirmadamente praticada se insira nos verbos estabelecidos pela norma, sempre na presença do especial fim da ação: o escambo do voto por ato e iniciativa do eleitor. Não é o que se detecta nesses autos, porquanto não se vislumbrou o dolo específico na situação trazida pelos adversários políticos dos requeridos.

Assim o TSE já repisou a essencialidade do dolo específico:

Esta Corte tem entendido que, para a configuração do crime descrito no art. 299 do CE, é necessário o dolo específico que exige o tipo penal, qual seja, a finalidade de obter ou dar voto ou prometer abstenção. Precedentes. [...] Correta a decisão regional que rejeitou a denúncia tendo como fundamento a atipicidade da conduta por ausência do dolo específico do tipo descrito no art. 299 do CE, não havendo justa causa para a ação penal. [...]

(Com grifos. Ac. de 15.03.2007 no AgRgAg n. 6.014, rel. Min. Gerardo Grossi; no mesmo sentido o Ac. de 19.06.2007 no AgRgAg n. 7.983, rel. Min. José Delgado.)

Esta Corte, ao mesmo tempo, enfatiza a robustez que a prova precisa revelar para a formação de juízo de reprovação:

Recurso criminal. Oferecimento de dinheiro e transporte em troca de votos. Condenação nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral.

Preliminares rejeitadas.

Conjunto probatório - constituído de depoimentos e degravações - frágil e inconsistente para embasar decisão condenatória.

Provimento, para absolver os acusados, extensiva a decisão a co-réu não apelante.

(Com grifos. Recurso Criminal n. 352007, Acórdão de 05.05.2009, Relator Des. Federal Vilson Darós, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 72, Data 11.05.2009, Página 2.)

Ainda que seja nobre o escopo da norma e elevados os valores que a pautam, o Estado de Direito não oferece alternativa que senão restringir sua aplicação aos fatos que notadamente contemplem a inequívoca tipicidade.

3. Conclusão

À vista dessas considerações, convindo gizar que os mesmos fatos já foram objeto de manifestação da Justiça Eleitoral, inclusive deste Tribunal, em diferentes oportunidades, não vislumbro a certeza inconteste que ampare o juízo condenatório buscado pelo recorrente.

Há nos autos evidências de que a data das eleições foi marcada, a par da conflagrada disputa entre as agremiações concorrentes, com a ausência de transporte naquela localidade, levando a que as pessoas buscassem alternativas para seu deslocamento até suas seções de votação, não havendo elementos extremes de dúvida a comprovar a ocorrência do delito de transporte de eleitores com o intuito de buscarem a troca pelo voto, impondo-se que seja mantida a absolvição.

A conduta em tela necessita que venha pautada com o fim específico de aliciar os eleitores e, com isso, angariar os votos a determinado candidato, obtendo a vantagem vedada. Material de propaganda, como “santinhos”, lista com nomes de candidatos etc., elementos que poderiam endereçar ao escuso desiderato da busca do sufrágio mediante o transporte ilegal dos cidadãos, isso não foi encontrado.

Outros elementos deixam ainda mais duvidosa a existência do dolo específico da conduta, como a relação de amizade que os conduzidos afirmam ter com alguns réus, ou a proximidade de suas casas ter acarretado a carona, pela relação de vizinhança.

Tais circunstâncias tornam a finalidade eleitoral ainda mais duvidosa.

Por outro lado, a prática da corrupção eleitoral exige prova concreta e robusta da compra de votos, não podendo ser suprida por depoimentos judiciais calcados em correligionários da facção política adversária dos recorridos, como se observa no exame dos autos.

Assim, diante das inconsistências apontadas, inviável concluir, com a certeza e a segurança que o juízo condenatório requer, dada a gravidade dos seus efeitos, que os réus praticaram os delitos mencionados, devendo-se manter a sentença de improcedência com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.