RE - 11329 - Sessão: 25/11/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT DE VACARIA, contra sentença do Juízo da 58ª Zona Eleitoral de Vacaria, que desaprovou suas contas referentes ao exercício financeiro de 2011, determinou o recolhimento do valor de R$ 14.909,70 ao Fundo Partidário e a suspensão do recebimento de novas cotas do Fundo Partidário pelo prazo de doze meses, em virtude do recebimento de doações realizadas por detentores de cargos comissionados que exercem função de chefia ou direção e são demissíveis ad nutum, situação que caracteriza o recebimento de recursos provenientes de fonte vedada, nos termos do artigo 31, inciso II, da lei n. 9.096/1995.

Em razões recursais (fls. 150-151), o recorrente postula a aprovação das contas, entendendo não haver ilicitude nas doações realizadas, pois os servidores contribuíram de forma voluntária.

Nesta instância, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso, visto ter verificado o recebimento de doações, pela agremiação partidária, provenientes  de servidores públicos demissíveis ad nutum que exercem funções de chefia ou direção, o que configura fonte vedada (fls. 156-159v.).

É o breve relatório.

 

 

 

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo. O partido foi intimado da sentença em 18.11.2013, segunda-feira; e o recurso, interposto em 20.11.2013, quarta-feira, dentro do prazo previsto pelo artigo 258 do Código Eleitoral. Presentes os demais requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

Adianto que a irresignação não prospera.

Trata-se de prestação de contas de partido político desaprovada em virtude do recebimento de doações de fontes vedadas, estando em desacordo com o disposto no art. 31, II, da Lei n. 9.096/1995, que dispõe, in verbis:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

O relatório conclusivo do exame de contas de fls. 132-133 relaciona servidores públicos que, em 2011, realizaram doações ao PT municipal, totalizando o montante de R$ 14.909,70. Nesse montante estão incluídas doações realizadas por detentores de cargos em comissão ou funções comissionadas/gratificadas junto à Prefeitura Municipal de Vacaria: secretários municipais, diretor de departamento, diretor-executivo, chefe de setor e chefe de gabinete.

Em recente acórdão desta Corte a respeito da matéria, nos autos do RE 36-50, relator Des. Luiz Felipe Brasil Santos (julgado na sessão de 16.09.2014), o Tribunal, por maioria, acompanhou voto divergente no sentido de que os servidores com atribuições que envolvem coordenação, guindados a tal condição pela via da indicação partidária, com inegável conotação política, devem sofrer obstáculo ao financiamento das campanhas eleitorais. Cumpre transcrever a ementa do acórdão:

Recurso. Prestação de contas anual de partido político. Exercício de 2011. Doação de fonte vedada. Conceito de autoridade. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95.

Controvérsia quanto à interpretação do conceito de autoridade.

É possível afirmar que o conceito atual de autoridade abrange os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia (art. 37, V, da Constituição Federal), sendo excluídos os que desempenham função exclusiva de assessoramento.

Enquadra-se nesse conceito o detentor de cargo de coordenação, por configurar o exercício de chefia ou direção para fins de enquadramento na hipótese de fonte vedada prevista no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95.

Redução do período de suspensão do recebimento de novas cotas do Fundo Partidário em função do valor diminuto do montante envolvido.

Correção de erro material na sentença relativo ao valor da doação.

Deram parcial provimento ao recurso, mantendo a desaprovação das contas, reduzindo o período de suspensão das quotas para 6 (seis) meses e determinando o recolhimento ao Fundo Partidário de R$ 660,00 (seiscentos e sessenta reais).

(TRE–RS, RE 36-50.2012.6.21.0124, originalmente de minha relatoria, Redator do acórdão Des. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – J. Sessão de 16.09.2014.) (Grifei.)

No precedente em questão, considerou-se, também, o juízo de valor a que somos levados ao depararmos com os cargos que envolvem coordenação, no sentido da indiscutível ascendência, intracoordenadoria, sobre os supervisionados.

Antes disso, nos autos do RE 34-80, de relatoria do Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, julgado em 24.08.2014, decidiu-se, por unanimidade, que são impedidos de realizar doações os ocupantes de cargos de coordenador, diretor de departamento e chefe de setores e unidades administrativas:

Prestação de contas partidária. Diretório municipal. Art. 5º, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro 2011.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum e na condição de autoridades. No caso, recebimento de quantia expressiva advinda de cargos de coordenador, diretor de departamento e chefe de setores e unidades administrativas.

Manutenção das sanções de recolhimento de quantia idêntica ao valor doado ao Fundo Partidário e suspensão do recebimento das quotas pelo período de um ano.

Provimento negado. (Grifei.)

Assim, entendo que a posição adotada pela maioria deve ser aplicada à hipótese concreta na análise das doações recebidas pelo partido.

Portanto, evidencia-se que o partido político recebeu doações de servidores ocupantes de cargos em comissão com condição de autoridade, o que é vedado pelo art. 31 da Lei n. 9.096/1995 e pelo entendimento já consolidado do Tribunal Superior Eleitoral, sobremaneira através da Resolução n. 22.585/2007, que aduz que os detentores de cargos em comissão que exerçam função de direção e chefia enquadram-se no conceito de autoridade:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade. Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades. (Grifei.)

A previsão de fontes vedadas tem por finalidade impedir a influência econômica de entidades que tenham alguma vinculação com órgãos públicos e, também, evitar possíveis manipulações da máquina pública em benefício de determinadas campanhas, conforme a lição de Carlos Velloso e Walber Agra (AGRA, Walber de Moura. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de Direito Eleitoral. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, fl. 317):

Tentou a lei eleitoral, ao excluir esses órgãos ou entidades, preservar o pleito eleitoral de sua influência, que, pelo vulto dos interesses que personificam, podem desequilibrar a campanha em favor daqueles aquinhoados com sua preferência. Outrossim, busca-se impedir que entidades públicas, de caráter público ou que possuam vínculos estreitos com órgãos governamentais, possam exercer suas funções com desvio de finalidade para sustentar as preferências partidárias escolhidas.

Quanto à pena de suspensão de repasse de cotas do Fundo Partidário, que na sentença foi fixada pelo prazo de um ano, observo que o artigo 36, inciso II da Lei n. 9.096/95 prevê que, no caso de recebimento de recursos de fontes vedadas fica suspensa a participação no fundo partidário por um ano. O dispositivo está regulamentado pelo artigo 28, inciso II, da Resolução TSE n. 21.841/04, conforme reproduzo:

Art. 28. Constatada a inobservância às normas estabelecidas na Lei nº 9.096/95, nesta Resolução e nas normas estatutárias, ficará sujeito o partido às seguintes sanções (Lei nº 9.096/95, art. 36):

[...]

II – no caso de recebimento de recursos de fontes vedadas, previstas no art. 5º desta Resolução, com a ressalva do parágrafo único, fica suspensa, com perda, das cotas, a participação do partido no Fundo Partidário por um ano, sujeitando-se, ainda, ao recolhimento dos recursos recebidos indevidamente ao Fundo Partidário;

A penalização se afigura desproporcional e demasiado gravosa, não se mostrando adequada e necessária para atingir o fim buscado pela norma proibitiva, que é o de proteger instituições públicas das interferências motivadas por preferências políticas.

Ainda que alguns doadores sejam considerados como autoridade para fins eleitorais e, por consequência, proibidos de realizar doações a partidos políticos, tenho que a suspensão de repasse de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um ano, na forma em que cominada na sentença, não atende ao princípio da proporcionalidade, em relação ao seu subprincípio ou máxima parcial da necessidade ou exigibilidade, não se mostrando razoável que a agremiação sofra tão grave penalização.

Em decorrência, tenho por aplicável a pena de suspensão da participação no Fundo Partidário, conforme previsão do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, e não do art. 36, II, do mesmo diploma legal. Isso porque o art. 36 está dirigido a situações de maior gravidade, não permitindo a graduação do prazo de suspensão, já que prescreve prazo único e taxativo de um ano, o qual considero demasiado excessivo, na esteira dos precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, que utiliza os parâmetros da razoabilidade em cada caso concreto para verificar a adequação da sanção:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 - doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum - comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 - consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada - admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.08.2013, Relator: Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 180, Data 19.09.2013, Página 71.)

 

Prestação de contas. Campanha eleitoral. Candidato a deputado. Fonte vedada.

1. Este Tribunal, no julgamento do AgR-AI nº 9580-39/MG, rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE de 25.9.2012, reafirmou, por maioria, seu entendimento no sentido de que "empresa produtora independente de energia elétrica, mediante contrato de concessão de uso de bem público, não se enquadra na vedação do inciso III do art. 24 da Lei nº 9.504/97". Precedentes: AgR-REspe nº 134-38/MG, relª. Minª. Nancy Andrighi, DJE de 21.10.2011; AgR-REspe nº 10107-88/MG, rel. Min. Arnaldo Versiani, de 9.10.2012. Ressalva do relator.

2. Ainda que se entenda que a doação seja oriunda de fonte vedada, a jurisprudência desta Corte Superior tem assentado que, se o montante do recurso arrecadado não se afigura expressivo diante do total da prestação de contas, deve ser mantida a aprovação das contas, com ressalvas, por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 963587, Acórdão de 30.04.2013, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 18.06.2013, Página 68-69.)

Conforme se verifica da leitura dos julgados transcritos, em que pese se entenda que a doação foi oriunda de fonte vedada, a jurisprudência do TSE tem assentado que é possível a redução do prazo de suspensão do recebimento de novas cotas do Fundo Partidário.

Na hipótese em tela, o período de suspensão pode ser mitigado conforme os parâmetros da razoabilidade, comportando adequação da pena de suspensão do repasse de novas cotas do Fundo Partidário de um ano para 6 meses.

Nestes termos, estou por reformar parcialmente a sentença para reduzir a penalidade de suspensão do repasse de novas cotas do Fundo Partidário para o prazo de seis meses, mantendo a desaprovação das contas e o recolhimento do valor de R$ 14.909,70 ao Fundo Partidário.

Ante todo o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para o fim de reduzir a penalidade de suspensão do repasse de novas cotas do Fundo Partidário para o prazo de seis meses, a partir do trânsito em julgado da decisão, mantendo a desaprovação das contas e o recolhimento do valor de R$ 14.909,70 (quatorze mil, novecentos e nove reais com setenta centavos) ao Fundo Partidário, nos termos da fundamentação.