RE - 11213 - Sessão: 21/01/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto por CARLOS ANDRÉ DA COSTA ME. - LOGOART COMUNICAÇÃO VISUAL e CARLOS ANDRÉ DA COSTA contra sentença que julgou procedente a representação por doação acima do limite legal, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, para o fim de condenar a pessoa jurídica representada ao pagamento de multa no valor de R$ 12.626,50, à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de 5 anos, bem como declarar a inelegibilidade do seu dirigente, na forma do art. 81, §§2º e 3º, da Lei n. 9.504/1997 (fls. 90-93v.).

Em suas razões, os recorridos invocam preliminares de carência de ação e de inépcia da inicial, requerendo a extinção do feito sem julgamento de mérito, com fundamento no art. 267, incisos IV e VI, do CPC. No mérito, requerem o afastamento das penalidades de proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público e declaração da inelegibilidade, a fim de que seja mantida somente a penalidade de multa, por entenderem ser a mesma proporcional à gravidade da infração e suficiente para o seu sancionamento (fls. 97-105).

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo parcial provimento do recurso, para que seja mantida apenas a sanção pecuniária imposta à representada pessoa jurídica (fls. 113-116v.).

É o relatório.

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de três dias, previsto no art. 81, § 4º, da Lei n. 9.504/1997.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido.

Passo ao exame da matéria preliminar.

Preliminares de carência de ação e de inépcia da inicial

Os recorrentes defendem que a exordial é inepta e genérica, por não ter indicado expressamente o beneficiário, o valor e a data da doação, motivo pelo qual requerem a extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 267, incs. IV e VI, do CPC).

A preliminar, contudo, não merece ser acolhida, uma vez que foram perfeitamente delineados os pedidos e a causa de pedir, propiciando-se aos representados o conhecimento da imputação e o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.

A inicial relatou indícios e requereu a produção de provas, cuja pré-constituição não é requisito indispensável à propositura da representação por doação acima do limite legal. Tampouco é exigível, do Ministério Público Eleitoral, certeza prévia acerca do juízo de procedência ou improcedência da representação, o qual se forma ao longo do processo, com a participação das partes e a instrução probatória.

Ademais, a representação foi instruída com os autos do processo administrativo PA n. 00918.00029/2013, instaurado pela Promotoria de Justiça de Triunfo, contendo o Ofício SPR/TSE n. 51/2013 (fl. 09) e o informe da Secretaria da Receita Federal, dirigido à Procuradoria-Geral Eleitoral, com a indicação do CNPJ do recorrente/pessoa jurídica, Município e faixa de extrapolação (fl. 13), elementos de prova suficientes para o ajuizamento da representação, que não pode, por esse motivo, ser caracterizada como lide temerária.

Na fase judicial, foi decretada, em provimento liminar, a quebra de sigilo fiscal da pessoa jurídica representada, com a finalidade de verificar a veracidade dos apontamentos feitos pelo Ministério Público Eleitoral, e ordenada a expedição de ofício à Secretaria da Receita Federal do Brasil para a requisição de informações cadastrais e fiscais sobre a recorrente pessoa jurídica (fls. 12-15).

O Ofício n. 05/2014, emitido pela Coordenação-Geral de Programação e Estudos da Receita Federal do Brasil, acompanhado da Nota Copes/Diaes n. 07/2014 e de CD-ROM, contendo o arquivo da Declaração Anual do Simples Nacional da recorrente pessoa jurídica, foi juntado aos autos nas fls. 50-52, instruindo-se o feito com informações precisas sobre o faturamento bruto obtido pela recorrente pessoa jurídica no ano-calendário de 2011 e as doações por ela efetivadas a campanhas eleitorais no ano de 2012.

O Ministério Público Eleitoral também juntou o espelho da consulta ao Sistema de Prestações de Contas Eleitorais (SPCE WEB), em que registrada a doação estimada em dinheiro, feita pela pessoa jurídica ao candidato Jairo Roberto Costa Kersting, no valor de R$ 4.952,00 (fl. 56).

Acrescento que a Prestação de Contas n. 193-93.2012.6.21.0133, apresentada pelo referido candidato ao cargo de vereador no Município de Triunfo, se encontra apensado no Anexo I, destacando-se, entre os documentos que a compõem, o Demostrativo dos Recursos Arrecadados (fl. 04), o Relatório Preliminar para Expedição de Diligências (fls. 35-37) e o recibo eleitoral da doação de material gráfico para propaganda, estimada no valor anteriormente citado (fl. 89).   

Ressalto que foi oportunizada a manifestação dos recorrentes sobre a integralidade da prova (fls. 62-66v, 75v e 79-82), sendo irrelevante, nesse viés, que parte dela tenha sido produzida após a apresentação da defesa preliminar de fls. 34-39, visto que oportunizada a defesa aos recorrentes acerca da integralidade da prova produzida pelo Ministério Público Eleitoral, assim como a produção de prova de eventuais fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito objeto da ação.

Por essas razões, rejeito as preliminares de carência de ação e de inépcia da petição inicial, com o que passo a enfrentar o mérito da demanda.

Mérito

No caso sob exame, a doação estimável em dinheiro, realizada pela empresa recorrente, CARLOS ANDRÉ DA COSTA – ME ao candidato Jairo Roberto Costa Kersting nas eleições de 2012, no valor de R$ 4.952,00, restou demonstrada nos autos por meio do Ofício SPR/TSE n. 51/2013 (fl. 09), da listagem encaminhada pela Receita Federal do Brasil à Procuradoria-Geral Eleitoral (fl. 13) e dos lançamentos constantes da prestação de contas do referido candidato (fls. 04, 35-37 e 89 do Anexo 01).

De acordo com as informações prestadas pela Receita Federal do Brasil, a pessoa jurídica recorrente obteve faturamento bruto de R$ 121.335,04 durante o ano-calendário de 2011 (fls. 50-52).

Consequentemente, poderia ter efetuado doações e contribuições a campanhas eleitorais no ano de 2012 limitadas a R$ 2.426,70, montante equivalente a 2% do seu faturamento bruto no ano anterior ao da eleição, declarado à Receita Federal do Brasil, em conformidade com o art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/1997 (normativa reproduzida no art. 25, inc. II, da Resolução TSE n. 23.376/2012).

A doação feita totalizou R$ 4.952,00, excedendo o patamar legal em R$ 2.525,30.

No entanto, conforme já referido, não houve doação em espécie, mas sim, em bens, consubstanciada em material gráfico para propaganda. Neste sentido, considerando o recente julgado desta Corte no Recurso Eleitoral n. 5025, da relatoria do Des. Luiz Felipe Brasil Santos, ilustre Vice-Presidente do Tribunal, ocorrido na sessão de 02.09.2014, estendendo a aplicação do § 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/1997 à pessoa jurídica, tenho que idêntica solução deve ser dada ao presente recurso, cumprindo transcrever a ementa do julgado:

Eleições 2012. Recurso Eleitoral. Representação. Doação acima do limite. Pessoa jurídica e pessoa física. Doação de valores estimáveis em dinheiro. Doação de serviço de criação de web site por empresa que não teve movimentação financeira no ano anterior. Aplicação do princípio da razoabilidade. Extensão da aplicação do § 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/1997 à pessoa jurídica. No caso concreto, razoável estabelecer tratamento isonômico entre empresa e pessoa física, não havendo mácula à intenção da lei em proteger o pleito contra abuso de poder econômico. Penalidades afastadas.

Proveram o recurso.

(Recurso Eleitoral n. 5025, Acórdão de 01.09.2014, Relator DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 155, Data 02.09.2014, Página 2.)

O § 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/1997 dispõe que o limite previsto no inciso I do § 1º não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). A disposição é plenamente aplicável ao caso em tela, conforme bem concluiu o Des. Luiz Felipe Brasil Santos no precedente citado, cujos fundamentos adoto como razões de decidir:

É garantida às pessoas físicas e jurídicas a contribuição para campanhas eleitorais não somente por meio da entrega de dinheiro em espécie, mas, também, por meio do fornecimento de bens e serviços por eles custeados, sujeitando-se ao limite legal, a teor dos arts. 23 e 81 da Lei das Eleições.

Sobre o tema, no tocante às doações realizadas por pessoa física, prevê o § 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/1997:

§ 7º O limite previsto no inciso I do § 1º não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

O entendimento do TSE é pelo alcance do parágrafo supracitado também às doações de serviços, como se vê da decisão que segue:

Representação. Doação acima do limite legal.

1. A doação de serviços estimáveis está incluída na ressalva prevista no art. 23, § 7º, da Lei n. 9.504/1997, que diz respeito aos bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, pois constitui atividade com valor econômico que, em razão de sua prestação obriga, em tese, o beneficiário à necessária contraprestação.

2. A doação de serviços para campanha eleitoral envolve, para efeito de análise financeira das campanhas, a renúncia ao direito pessoal de caráter patrimonial, ou seja, o direito de crédito que faria jus o doador, o qual, na hipótese prevista no inciso III, do art. 83 do Código Civil Brasileiro, deve ser considerado como bem móvel.

3. A doação de prestação de serviços de divulgação de panfletos não ultrapassou o limite de R$ 50.000,00 previsto no § 7º do art. 23 da Lei das Eleições, ainda que somado ao valor atinente à cessão do veículo de propriedade do recorrente.

Recurso especial a que se dá provimento, para julgar improcedente a representação.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 1.787, Acórdão de 01.10.2013, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 198, Data 15.10.2013, Página 31.) (Grifei.)

Neste ponto, esclareço não olvidar que essa ressalva foi concebida para abrigar somente doações traduzidas em serviços realizadas por pessoa física. Todavia, ao assentir na aplicação do permissivo legal somente às doações realizadas por pessoas físicas, tenho que se estabelece um tratamento não isonômico entre os doadores que não soa, pelo menos no caso em foco, como razoável, como solução de melhor justiça. Justifico.

Há de se atentar para a intenção da norma. Tenho que insculpida no intuito de evitar a influência nefasta do poder econômico nas campanhas eleitorais, a causar desigualdade entre candidatos e viciar o resultado das urnas. Os percentuais estipulados, de 2% para empresas e 10% para pessoas físicas, foram idealizados com o intuito de impedir que empresas de enorme capacidade financeira pudessem impor sua vontade política no pleito. E não só os valores percentuais como também o valor numérico, consubstanciado nos aludidos R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), servem a esse propósito. (Original sem grifos.)

De fato, a interpretação mostra-se razoável e proporcional, sendo que o ordenamento jurídico deve ser interpretado sistematicamente, de forma coerente e lógica. Na espécie a empresa requerida doou, comprovadamente, bens no valor de R$ 4.952,00, sendo o excesso no valor  de R$ 2.525,30, o qual não ultrapassa o limite previsto no aludido § 7º do art. 23, não se mostrando justo que conduza às duras penalidades previstas para as doações que excedem de todo a previsão legal.

A doação, na hipótese dos autos, não é ilegal, nem representa o abuso de poder econômico que a legislação intenta coibir. Nesse quadro, a cominação de penas desatenderia ao equilíbrio pretendido entre meios e fins na solução das demandas desta Justiça Especializada, de modo a bem proteger o interesse público, nos termos da jurisprudência colacionada no acórdão paradigma já citado:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ARTIGO 81 DA LEI N. 9.504/97. PRELIMINARES REJEITADAS. DOAÇÃO DE SERVIÇO ESTIMADO EM DINHEIRO PROVENIENTE DA ATIVIDADE ECONÔMICA DA DOADORA (AGÊNCIA DE PUBLICIDADE). SERVIÇO DE GRAVAÇÃO DE ÁUDIO E VÍDEO DE PROPAGANDA ELEITORAL. APLICAÇÃO DO LIMITE DE DOAÇÃO PREVISTO NO ART. 23, PARÁGRAFO 7º, DA LEI 9.504/1997. INEXISTÊNCIA DE EXCESSO DE DOAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE.

IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS FORMULADOS NA REPRESENTAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

[…]

6. Hipótese de fato em que: (a) houve doação estimada de serviço de gravação de áudio e vídeo para propaganda eleitoral de candidato ao cargo de prefeito, no valor estimado de R$ 10.000,00 (dez mil reais); (b) serviço proveniente da atividade econômica da empresa doadora e (c) que não excede ao limite percentual aplicável às doações estimadas realizadas por pessoa física (Lei 9.504/1997, art. 23, § 7º).

[…]

8. Aplicação do princípio da razoabilidade. Extensão por analogia do limite no § 7º do art. 23 da Lei 9.504/1997 à pessoa jurídica. Não houve no caso concreto a doação em espécie, mas doação de serviços de publicidade (gravação de programas de áudio e vídeo), estimável em dinheiro e proveniente da própria atividade econômica da doadora (Agência de Publicidade), cujo valor encontra-se dentro do limite legal permitido, ou seja, não ocorreu qualquer movimentação financeira para o financiamento da campanha eleitoral que pudesse indicar abuso do poder econômico. Precedentes.

[…]

10. Tendo em vista que não houve ilegalidade ou abuso do poder econômico, impõe-se o reconhecimento da legitimidade da doação estimável, que se encontra dentro do limite fixado para pessoa física no artigo 23, § 7º, da Lei 9.504/1997.

11. Recurso conhecido e provido.

(TRE/GO, Recurso Eleitoral n. 27-68.2013.6.09.0001, Acórdão de 12.12.2013, Relator Des. João Waldeck Feliz Sousa.) (Grifei.)

Além disso, a jurisprudência do TSE é pacífica no sentido de aplicar as regras concernentes à doação de pessoas físicas quando se trata de ME, conforme Recurso Especial Eleitoral n. 333-79.2012.6.1.0000, de relatoria do Min. Henrique Neves da Silva.

Nesse sentido, a reforma da sentença, para afastar a condenação imposta, é medida que se impõe.

Diante do exposto, afasto as preliminares suscitadas e VOTO pelo conhecimento do recurso e pelo seu provimento, ao efeito de julgar improcedente a representação.