RE - 54937 - Sessão: 02/09/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO CAPÃO NO RUMO CERTO (PRB – PT – PMDB – PR – PPS – PV – PSD – PCdoB) e PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT DE CAPÃO DA CANOA contra sentença do Juízo da 150ª ZE – Capão da Canoa, que julgou improcedente representação proposta em desfavor de VALDOMIRO DE MATOS NOVASKI e ATILAR GILBERTO GERSTNER FILHO, escolhidos prefeito e vice-prefeito daquele município nas eleições passadas, não reconhecendo a ocorrência de fatos que poderiam configurar abuso de poder econômico e captação ou gastos ilícitos de recursos financeiros de campanha eleitoral (fls. 2.012-2.015).

Nas razões do recurso, os recorrentes alegam, em preliminar, a ausência de fundamentação. No mérito, sustentam que o processo eleitoral no Município de Capão da Canoa restou maculado por condutas perpetradas pelos representados, alegando haver verdadeiras sonegações de gastos e arrecadações de recursos eleitorais, citando como exemplo a omissão de gastos com combustível, com comícios, considerando a estrutura e aparelhagem sonora, pois, para os recorrentes, a grandiosidade da campanha eleitoral dos ora recorridos não condiz com o valor total de gastos por eles declarado na prestação contas, qual seja, R$ 29.865,00 (fls. 2.052-2.078).

Vale ressaltar que se trata de demanda cuja sentença anterior (fls. 314-319), que julgou extinta a representação nos termos do art. 267, V, do CPC, foi objeto de recurso pelos representantes (fls. 335-342), vindo a ser anulada por este Tribunal (fls. 365-369), retornando os autos à origem para sua regular tramitação.

Após apresentação de embargos de declaração pelos representados (fls. 380-382), que prequestionaram o art. 22 da LC n. 64/1990 e o art. 267 do CPC, os mesmos foram rejeitados, conforme acórdão de fls. 386-389.

Com as contrarrazões (fls. 2.106-2.127), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo afastamento das preliminares e  desprovimento do recurso (fls. 2.131-2.138).

É o breve relatório

 

 

 

 

VOTO

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto no tríduo legal.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto.

 

2. Da nulidade da sentença por ausência de fundamentação

Os recorrentes alegam que a sentença não contou com razoável fundamentação, violando, assim, o art. 93, IX, da Constituição Federal  e o art. 458 do Código de Processo Civil.

Consigno, no entanto, que a sentença citada apresenta os fatos e a legislação aplicável, decidindo, ao final, pela improcedência, motivo pelo qual não prospera a alegação dos recorrentes.

Verifica-se a referência expressa ao acervo probatório coligido, apontando as razões pelas quais as provas não oferecem amparo para, na visão do julgador, sustentar a condenação pretendida em cada fato descrito.

Afasto, assim, a preliminar suscitada.

 

3. Mérito

A representação da COLIGAÇÃO CAPÃO NO RUMO CERTO e do PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT DE CAPÃO DA CANOA contra VALDOMIRO DE MATOS NOVASKI e ATILAR GILBERTO GERSTNER FILHO, prefeito e vice-prefeito de Capão da Canoa, respectivamente, cinge-se à prática de captação ilícita de recursos e abuso de poder econômico, conforme fatos narrados (fls. 02-24), baseando-se no art. 30-A da Lei das Eleições.

Relatou-se que os recursos gastos durante a campanha eleitoral não condizem com a realidade demonstrada na prestação de contas, o que estaria a evidenciar a utilização de “Caixa 2”, pois gastos com veículos e combustíveis, estrutura e sonorização dos comícios, jingle de campanha, comitê da coligação e distribuição de material de campanha teriam sido declarados à Justiça Eleitoral em valor muito aquém do normal, consoante narrado na inicial de fls. 02-24:

[…] é do conhecimento de todos a magnitude que foi a campanha eleitoral dos representados, com ampla ostensividade e logística demonstradas, ao que seriam necessários consideráveis recursos (não condizentes com os irrisórios R$ 29.865,00 declarados na prestação contábil oficial), o que se verifica claramente pelos elementos acostados a presente.

[…]

Durante os três meses correspondentes, constatou-se facilmente o forte aparato montado pelos Representados, tendo havido distribuição maciça de bandeiras, adesivos, sons, santinhos, jornais, etc., a presença de dois comitês de campanha eleitoral e, inclusive, a utilização de dois caminhões destinados à campanha para divulgação sonora da candidatura, o que demonstrou o forte apelo econômico da campanha eleitoral promovida pelos Representados.

[…]

Presentes verdadeiras e graves máculas no caso posto nos autos, firmadas seguramente pelos representados de forma intencional e premeditada, com fins de maquiar a realidade evidenciada no processo eleitoral local; tanto é assim que são diversas as “ausências” na prestação de contas apresentada pelos Representados, consistentes em gastos com combustíveis, materiais diversos, panfletos de campanha, logística, carros de campanha, comitês de campanha eleitoral, etc., bem como, por óbvio, na arrecadação de recursos, porquanto, somente com os ternos valores apresentados jamais seria possível firmar uma campanha eleitoral da envergadura que foi a dos Representados, havendo, consequentemente, claro “Caixa 2” no caso posto nos autos.

[…]

Extrai-se da prestação contábil apresentada, manifesta dissonância para com a realidade da campanha eleitoral promovida pelos demandados, frente a declaração de valores arrecadados e gastos. A omissão é cristalina e facilmente detectável. Tal fato maquia a origem e o destino dos recursos aportados para a campanha o que denota verdadeira fraude, esta praticada com o fim único e deliberado de embargar a fiscalização por parte da Justiça Federal, algo que afronta a legislação pertinente, bem como a legitimidade do pleito recentemente findo.

Sobre o tema posto, importa fazer algumas considerações.

A partir do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, introduzido pela Lei n. 12.034/2009, tem-se que qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos. Além disso, os parágrafos 1º e 2º, incluídos pela Lei n. 11.300/2006, determinam que:

§ 1º. Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato , ou cassado, se já houver sido outorgado.

Sobre tal norma, o Procurador Regional da República e doutrinador Dr. José Jairo Gomes leciona (GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012):

É explícito o desiderato de sancionar a conduta de captar ou gastar ilicitamente recursos durante a campanha. O objetivo central dessa regra é fazer com que as campanhas políticas se desenvolvam e sejam financiadas de forma escorreita e transparente, dentro dos parâmetros legais. Só assim poderá haver disputa saudável entre os concorrentes. (Grifei.)

Deste modo, a configuração da ocorrência descrita no art. 30-A da Lei n. 9.504/97 verifica-se depois de evidenciados dois indispensáveis requisitos, quais sejam: (1) comprovação da arrecadação ou gasto ilícito e (2) relevância da conduta praticada.

Em relação às condições necessárias à configuração do ilícito e para a adequada aplicação da sanção prescrita de cassação do registro ou diploma, Rodrigo López Zilio conclui (ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012):

Em síntese, a conduta de captação e gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, importa em quebra do princípio da isonomia entre os candidatos, sendo, em tese, suficiente para se amoldar ao estatuído no art. 30-A da LE. Para o acolhimento da representação aforada, no entanto, porque a sanção no §2º do art. 30-A da LE é exclusivamente de cassação ou denegação do diploma, sem possibilidade de adoção do princípio da proporcionalidade, haverá necessidade de prova de que o ilícito perpetrado tenha impacto mínimo relevante na arrecadação ou nos gastos eleitorais. Neste diapasão, a conduta de captação ou gastos ilícitos de recursos deve ostentar gravosidade que comprometa seriamente a higidez das normas de arrecadação e dispêndio de recursos, apresentando dimensão que, no contexto da campanha eleitoral, apresente um descompasso irreversível na correlação de forças entre os concorrentes ao processo eletivo. (Grifei.)

Quanto à caracterização do ilícito, o Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento de que para a incidência do art. 30-A da Lei 9.504/1997, necessária prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado pelo candidato e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral. Nestes termos, a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§ 2º do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido. (Recurso Ordinário n. 1.540, de relatoria do Min. Félix Fischer, acórdão de 28.04.2009).

No caso em tela, o juízo eleitoral inferiu não existir demonstração cabal de que houve a prática de arrecadação e gastos ilícitos, pois, em relação à aquisição de combustíveis, dispêndio com comícios, jingle, comitê de campanha eleitoral e distribuição de materiais de campanha, assim fundamentou o juízo a quo, na sentença que julgou improcedente a representação:

Neste sentido, atinente à aquisição de combustíveis para os veículos contratados para a campanha dos representados, observe-se que o contrato de locação de fl. 99, em que pese não seja claro neste ponto, permite concluir, até mesmo pelo valor do contrato, que a responsabilidade do bem, aqui incluindo as despesas com combustíveis, ficaria a cargo do locador.

Ademais, não há como atribuir aos representados os gastos de combustíveis utilizados por simpatizantes à sua candidatura.

Igualmente, inexiste prova robusta do custo elevado em comícios realizados pela parte ré. Ao contrário, as fotografias de fls. 31-36 dão conta de que os comícios foram praticados nos próprios veículos locados para a campanha eleitoral.

Da mesma forma, tais veículos anunciavam os “jingles” dos candidatos, sendo que não há alegação de direito autoral da música criada, já que o criador seria o próprio representado Atilar. Logo, não havia necessidade de declaração em prestação de contas eleitoral.

Quanto ao comitê de campanha eleitoral, o teor da certidão de fl. 726 atesta a inexistência de sede.

No tocante à distribuição de materiais de campanha, não se pode afirmar que a totalidade do material produzido foi distribuída, exclusivamente, pelas dezesseis pessoas contratadas para tanto, já que é comum simpatizantes, populares, familiares e filiados à coligação, realizarem tal tarefa durante o pleito eleitoral, sem necessidade de contraprestação.

Portanto, como bem observado pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, os apontamentos de gastos com combustíveis, carros de som, jingle de campanha, comitê de campanha e contratação de pessoal para distribuição de propaganda impressa não encontram prova que desautorize sua regularidade, convindo reproduzir excerto da manifestação diante da acuidade no exame dos fatos:

O contrato de locação de veículo (fl. 199) tem como locador Claudio de Correa Guillen e como locatário Valdomiro de Matos Novaski e seu objeto conta com dois veículos, um ônibus e um caminhão. O período abrangido é de 01/08/2012 a 06/10/2012 e o custo total ficou estipulado em R$ 3.000,00. O fornecimento de motoristas para os veículos ficou a cargo do locador (cláusula IV).

Os representados alegam não terem arcado com nenhum gasto além dos narrados acima, e que o gasto com combustíveis para os veículos locados ficou a cargo do locador, fato confirmado por este ao ser ouvido em juízo.

Cláudio Correa Guilen, ouvido como informante, disse que Valdomiro lhe fez uma proposta dentro do que ele podia pagar, tendo o depoente aceitado. Expôs que o ônibus locado pode ser usado como uma espécie de trio elétrico, colocando grades metálicas e fazendo um palco em cima deste, o que daria praticidade à campanha. Narrou que o valor do aluguel foi de R$ 3.000,00 por 60 dias, mas que o veículo não foi usado durante todo esse período, somente quando havia eventos, o que ocorria no máximo uma vez por semana, bem como que no valor estavam inclusas as despesas com combustíveis. Aduziu que quando saía com com (sic) o veículo, como ele estava adesivado, aproveitava e ligava o som, por sua conta. Acrescenta que o caminhão só era usado em bairros/locais que o ônibus não entrava por ser mais alto. Afirmou que o jingle de campanha foi composto pelo Atilar (Vice-Prefeito), o qual trouxe a ideia e o depoente ajudou a amadurecer, pois é músico.

As despesas com comícios também não restaram comprovadas, as fotos de fls. 31-36 e as fotos e vídeos contidos no CD de fl. 63 mostram manifestações políticas com bandeiras, carreatas e comícios. Todavia, os únicos gastos que estas permitem inferir é com a confecção de propaganda impressa, estrutura de palco (montada em cima do ônibus locado) e jingle de campanha.

Em relação ao valor do contrato de locação do ônibus que serve como palco (fl. 199), se comparado com proposta (fl. 54) dirigida à prefeitura municipal pela mesma empresa, percebe-se que os valores cobrados da administração pública demonstraram-se mais elevados, contudo não é possível afirmar que se esteja tratando de estrutura idêntica, mesmo porque os representados contavam com a peculiaridade de montarem um palco em cima de um veículo.

Quanto ao jingle de campanha, este teria sido produzido pelo próprio candidato a Vice-Prefeito, Atilar Gilberto, fato corroborado pelo informante Cláudio Correa Guilen.

Por sua vez, em relação a propaganda impressa acostada aos autos, por sua tiragem verifica-se que produzida em grande quantidade: 50.000 folhetos (fl. 30), 5.000 panfletos (fl. 37), 10.000 jornais (fl. 38) e 8.400 bandeiras plásticas (fl. 43).

Referida propaganda foi declarada na prestação de contas, no total de R$ 4.795,00 (fl. 135). Ademais, a grande quantidade de propagandas impressas não permite presumir o elevado dispêndio com pessoas para distribuí-las, visto que se tratando de propaganda da majoritária, esta também costuma ser dispersada pelos candidatos do pleito proporcional, isto sem contar com a ajuda de parentes e simpatizantes, de modo que não se evidencia nenhuma irregularidade.

[…]

Já quanto aos gastos com comitê de campanha, situado à rua General Osório, os representados alegam que não lhes pertencia, nem à coligação majoritária, razão pela qual não constam gastos relativos a este em suas contas. Acrescem que o comitê não funcionou como esperado, sendo em seguida fechado. Nesse ponto, cabe ressaltar que os recorrentes não demonstraram que os custos de tal comitê eram arcados pelos representados.

Portanto, nota-se que a prova carreada aos autos não é suficiente para ensejar a severidade da condenação, com fundamento na arrecadação e gastos ilícitos ou em abuso de poder econômico.

É nesse sentido o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral:

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. DEPUTADO FEDERAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS DE CAMPANHA. ART. 30-A DA LEI 9.504/97. "CAIXA 2". NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Comprovado por provas documentais e testemunhais que todas as despesas de campanha com a locação de veículos automotores foram efetivamente declaradas na prestação de contas, não há falar na prática de "caixa 2" no caso dos autos.

2. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 55557, Acórdão de 29.04.2014, Relator Min. João Otávio de Noronha, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 100, Data 30.05.2014, Página 55.)

 

Dessa forma, mostrando-se insuficiente o conjunto probatório para comprovação das práticas ilícitas descritas na inicial, deve-se manter a improcedência da ação.

Diante do exposto, afastada a preliminar suscitada, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto.