RC - 4563 - Sessão: 21/08/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença (fls. 803-813) do Juiz Eleitoral da 31ª Zona Eleitoral, sediada em Montenegro, que julgou improcedente a denúncia e absolveu os acusados NAIRO DA SILVA BILHAR e MÁRIO DE ÁVILA das acusações de prática dos delitos capitulados nos arts. 289 e 299 do Código Eleitoral, sendo que os demais denunciados usufruíram do benefício da suspensão condicional do processo. O fundamento central da decisão foi o de que, considerada a fragilidade do conjunto probatório, deve prevalecer a garantia constitucional da presunção de inocência ou não culpabilidade prevista no art. 5°, LVII, da Constituição Federal.

O Ministério Público Federal interpôs recurso (fls. 817-838v.). Em suas razões, sustenta estarem demonstradas a materialidade e a autoria dos ilícitos e reproduz trechos de diálogos havidos em ligações telefônicas interceptadas após autorização judicial. Indica que a prova constante nos autos é a mesma de outra demanda – a Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 976-03, na qual houve condenação dos recorridos por captação ilícita de sufrágio, confirmada por esta Corte. Questiona o fato de a prova ter sido suficiente para a condenação pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97 naquela demanda, e considerada frágil nos presentes autos. Requer o conhecimento e o provimento do recurso, para que sejam condenados NAIRO DA SILVA BILHAR e MÁRIO DE ÁVILA.

Nas contrarrazões (fls. 842-858), os recorridos entendem ter sido correta a sentença e aduzem preliminar de ilicitude de prova, especificamente no relativo à decisão que deferiu a interceptação telefônica, por entenderem não ter sido devidamente fundamentada.

Após, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 861-871), que opinou pelo provimento do recurso, ao fundamento de que as interceptações telefônicas demonstram que eram concedidos benefícios a eleitores em troca do voto.

É o breve relatório.

 

VOTOS

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

O recurso foi interposto no prazo de 10 dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral, fl. 815 (publicação da decisão em 4 de abril de 2014, conforme certidão) e fl. 842 (interposição recursal em 10 de abril de 2014).

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, o recurso é de ser conhecido.

Preliminar de ilicitude de prova

Os recorridos suscitam, em preliminar contida nas contrarrazões, a nulidade da interceptação telefônica deferida pelo juízo de origem.

De início, cumpre salientar que a interceptação telefônica recebeu tratamento específico da Constituição Federal em seu art. 5º, XII, segundo o qual é inviolável o sigilo […] das comunicações telefônicas, salvo [...] por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Assim, para a licitude da interceptação telefônica faz-se necessária prévia ordem judicial, a observar os requisitos fixados na Lei n. 9.296/96, em especial seus artigos 2º e 3º, que dispõem o seguinte:

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

 

Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:

I - da autoridade policial, na investigação criminal;

II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.

Ocorre que, a rigor, não consta nos autos a fundamentação da decisão que autoriza a interceptação telefônica requerida pela autoridade policial. Há, tão somente, o alvará de autorização, no qual não se elenca qualquer motivo a ensejar o deferimento da grave medida.

Ou seja, não é possível a aferição, pela defesa e por este juízo recursal, dos motivos que deram fundamento à interceptação, o que forçosamente faz concluir pela irregularidade, ao menos nos presentes autos, da utilização dessa prova invasiva e que deve ser produzida apenas em casos excepcionais.

E, ainda, entendo não ser o caso de se determinar a baixa dos autos para que se proceda à diligência - determinar a juntada da fundamentação -,  pois se estaria constituindo prova para uma das partes, o Ministério Público, o que é defeso ao magistrado, sobretudo em se tratando de feito criminal.

Dessa forma, Sr. Presidente, acato a preliminar de nulidade da prova de interceptação de escuta telefônica, eis que em desacordo com o preceito constitucional da necessidade de fundamentação das decisões judiciais - art. 93, IX.

Feito o destaque, proponho votação da preliminar para, acaso vencida, passar ao exame do mérito da causa.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Entendo que a prova está revestida da presunção de credibilidade, visto que a juíza determinou a quebra do sigilo de comunicação telefônica. Não vejo nulidade na prova.

 

Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

Acompanho o voto do Dr. Leonardo.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Com a divergência. Considero válida a prova.

 

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

Acompanho o voto do Dr. Leonardo, até porque essa escuta telefônica foi autorizada não só neste processo, mas em outro foi acolhida como prova emprestada, sendo deferida a autorização judicial para  escuta telefônica.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Acompanho a divergência.

 

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Ao mérito.

No caso dos autos, visa-se à condenação dos recorridos pelas práticas dos crimes descritos nos arts. 289 e 299 do Código Eleitoral, que consistem em:

Art. 289. Inscrever-se fraudulentamente eleitor:

Pena - Reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.

 

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze-dias multa.

A denúncia foi recebida em 15 de agosto de 2013 (fl. 620) e, citados, os denunciados ADEMIRO VITÓRIA DOS SANTOS, ANA MÁRCIA DOS PASSOS REINKE, DANIELA DE SÁ E SILVA, JOÃO VALDIR DOS SANTOS PINTO, LUCIANO JÚNIOR DOS SANTOS, PAULA GIOVANA DA SILVA DE AZEREDO e VANDERLEI FURTADO DOS SANTOS compareceram à audiência na qual aceitaram a proposta de suspensão condicional do processo (fls. 687-693). Os recorridos NAIRO DA SILVA BILHAR e MÁRIO DE ÁVILA ofereceram resposta à acusação e foram interrogados.

Durante o curso da instrução foram ouvidas testemunhas (quatro), bem como foi utilizada prova emprestada da AIJE n. 976-03.2012.6.21.0031 em relação às testemunhas Ana Márcia dos Passos Reinke, Fernando Schrammel, João Valdir dos Santos Pinto e Márcia Carina Kerber Schmidt.

Na mesma oportunidade, foi oportunizado novo interrogatório dos acusados ao final, e a defesa não teve interesse na sua realização, fls. 740-742.

Após as alegações finais, sobreveio sentença absolutória contra a qual o Parquet Eleitoral esgrima suas razões recursais.

Em relação aos fatos, eles foram descritos na peça acusatória inicial como segue:

[...] 1º FATO:

No dia 05 de maio de 2012, no Cartório da 31ª Zona Eleitoral, em Montenegro/RS, a denunciada PAULA GIOVANA DA SILVA DE AZEREDO, inscreveu-se fraudulentamente eleitora.

Na oportunidade, PAULA GIOVANA DA SILVA DE AZEREDO dirigiu-se ao Cartório Eleitoral da 31ª Zona Eleitoral e solicitou seu alistamento eleitoral, visando promover a transferência de seu domicílio eleitoral para Maratá, apresentando como comprovante de residência declaração firmada pelo denunciado MÁRIO DE ÁVILA, contendo informação falsa de que residia na Rua Bernardo Rech, nº 263, Maratá/RS, mais especificamente na garagem de Mário.

O requerimento de alistamento eleitoral de PAULA GIOVANA DA SILVA DE AZEREDO foi deferido, pois a Justiça Eleitoral aceita, como prova para alistamento ou transferência eleitoral, uma declaração de terceiro, informando onde e desde quando o eleitor reside no Município. A denunciada não reside no endereço indicado.

2º FATO:

No dia 05 de maio de 2012, em horário e local não determinado nos autos, mas em área da 31ª Zona Eleitoral, os denunciados NAIRO DA SILVA BILHAR e MÁRIO DE ÁVILA, este a pedido ou anuência daquele, inseriram em documento particular declaração falsa, para fins eleitorais.

Na ocasião, o denunciado MÁRIO DE ÁVILA, com anuência e concordância de NAIRO DA SILVA BILHAR, firmou, com conteúdo inverídico, as declarações que foram apresentadas ao Cartório Eleitoral da 31ª Zona Eleitoral como comprovante de residência da denunciada PAULA GIOVANA DA SILVA DE AZEREDO, a fim de transferir seu domicílio eleitoral para Maratá.

Contudo, apurou-se que a denunciada PAULA GIOVANA DA SILVA DE AZEREDO não residia no endereço indicado nas declarações, sendo tal endereço a residência do denunciado Mário.

3º FATO:

No dia 06 de maio de 2012, no Cartório da 31ª Zona Eleitoral, em Montenegro/RS, o denunciado LUCIANO JÚNIOR DOS SANTOS, inscreveu-se fraudulentamente eleitor.

Na oportunidade, LUCIANO JÚNIOR DOS SANTOS dirigiu-se ao Cartório Eleitoral da 31ª Zona Eleitoral e requereu seu alistamento eleitoral, visando promover a transferência de seu domicílio eleitoral para Maratá, apresentando como comprovante de residência declaração firmada pelo denunciado ADEMIRO VITÓRIO DOS SANTOS, contendo informação falsa de que residiam na Rua Mathias Kirsten Filho, nº 351, Maratá/RS.

O requerimento de alistamento eleitoral de LUCIANO JUNIOR DOS SANTOS foi deferido, pois a Justiça Eleitoral aceita, como prova para alistamento ou transferência eleitoral, uma declaração de terceiro, informando onde e desde quando o eleitor reside no Município. O denunciado não reside no endereço indicado.

4º FATO:

No dia 09 de maio de 2012, em horário e local não determinado nos autos, mas em área da 31ª Zona Eleitoral, o denunciado ADEMIRO VITÓRIO DOS SANTOS inseriu em documento particular declaração falsa, para fins eleitorais.

Na ocasião, o denunciado ADEMIRO VITÓRIO DOS SANTOS firmou, com conteúdo inverídico, as declarações que foram apresentadas ao Cartório Eleitoral da 31ª Zona Eleitoral como comprovante de residência do denunciado LUCIANO JÚNIOR DOS SANTOS, a fim de transferir seu domicílio eleitoral para Maratá. Contudo, apurou-se que o denunciado não residia no endereço indicado nas declarações, sendo tal endereço a residência do denunciado Ademiro.

5º FATO:

Em dia, horário e local não determinado nos autos, mas antes do fato anterior (4º fato), os denunciados MÁRIO DE ÁVILA e NAIRO DA SILVA BILHAR ordenaram ou concordaram com a emissão de documento particular com declaração falsa de endereço, para fins eleitorais.

Na ocasião, os denunciados MÁRIO DE ÁVILA E NAIRO DA SILVA BILHAR ordenaram ou permitiram que ADEMIRO VITÓRIO DOS SANTOS firmasse, com conteúdo inverídico, as declarações que foram apresentadas ao Cartório Eleitoral da 31ª Zona Eleitoral como comprovante de residência do denunciado LUCIANO JÚNIOR DOS SANTOS, a fim de transferir seu domicílio eleitoral para Maratá. Contudo, apurou-se que o denunciado LUCIANO JÚNIOR DOS SANTOS não residia no endereço indicado nas declarações, sendo tal endereço a residência do denunciado Ademiro.

6º FATO:

No dia 09 de maio de 2012, no Cartório da 31ª Zona Eleitoral, em Montenegro/RS, os denunciados VANDERLEI FURTADO DOS SANTOS, JOÃO VALDIR DOS SANTOS PINTO E DANIELA SÁ E SILVA, inscreveram-se fraudulentamente eleitores.

Na oportunidade, VANDERLEI FURTADO DOS SANTOS, JOÃO VALDIR DOS SANTOS PINTO E DANIELA SÁ E SILVA dirigiram-se ao Cartório Eleitoral da 31ª Zona Eleitoral e solicitaram seu alistamento eleitoral, visando promover a transferência de seu domicílio eleitoral para Maratá, apresentando como comprovante de residência declaração firmada pela denunciada ANA MÁRCIA DOS PASSOS REINKE, contendo informação falsa de que residiam na Rua Bernardo Rech, nº 263, Maratá/RS.

Os requerimentos de alistamento eleitoral de VANDERLEI FURTADO DOS SANTOS, JOÃO VALDIR DOS SANTOS PINTO E DANIELA SÁ E SILVA foram deferidos, pois a Justiça Eleitoral aceita, como prova para alistamento ou transferência eleitoral, uma declaração de terceiro, informando onde e desde quando o eleitor reside no Município. Os denunciados não residem no endereço indicado nas declarações, sendo tal endereço a residência da denunciada Ana Márcia.

7º FATO:

No dia 09 de maio de 2012, em horário e local não determinado nos autos, a denunciada ANA MÁRCIA DOS PASSOS REINKE inseriu em documento particular declaração falsa, para fins eleitorais.

Na ocasião, a denunciada ANA MÁRCIA DOS PASSOS REINKE firmou, com conteúdo inverídico, a declaração que foi apresentada ao Cartório Eleitoral da 31ª Zona Eleitoral como comprovante de residência dos denunciados VANDERLEI FURTADO DOS SANTOS, JOÃO VALDIR DOS SANTOS PINTO E DANIELA SÁ E SILVA, a fim de transferirem seu domicílio eleitoral para Maratá.

Contudo, apurou-se que os denunciados VANDERLEI FURTADO DOS SANTOS, JOÃO VALDIR DOS SANTOS PINTO E DANIELA SÁ E SILVA não residiam no endereço indicado nas declarações.

8º FATO:

Em dia, horário e local não determinado nos autos, mas antes do fato anterior (7º fato), os denunciados NAIRO DA SILVA BILHAR e MÁRIO DE ÁVILA ordenaram ou concordaram com a emissão de documento particular com declaração falsa de endereço, para fins eleitorais.

Na ocasião, os denunciados NAIRO DA SILVA BILHAR e MÁRIO DE ÁVILA ordenaram ou permitiram que ANA MÁRCIA DOS PASSOS REINKE firmasse, com conteúdo inverídico, as declarações que foram apresentadas ao Cartório Eleitoral da 31ª Zona Eleitoral como comprovante de residência dos denunciados VANDERLEI FURTADO DOS SANTOS, JOÃO VALDIR DOS SANTOS PINTO E DANIELA SÁ E SILVA, a fim de transferir seu domicílio eleitoral para Maratá.

Contudo, apurou-se que os denunciados VANDERLEI FURTADO DOS SANTOS, JOÃO VALDIR DOS SANTOS PINTO E DANIELA SÁ E SILVA não residiam no endereço indicado nas declarações, sendo tal endereço a residência da denunciada Ana Márcia (Rua Bernardo Rech, 263, Maratá/RS).

9º FATO:

No dia 03 de outubro de 2012, em horário e local não determinado nos autos, mas na área da 31ª Zona Eleitoral, os denunciados NAIRO DA SILVA BILHAR e MÁRIO DE ÁVILA, este a pedido e anuência daquele, através de telefonema, prometeram a VANDERLEI FURTADO DOS SANTOS o transporte de Montenegro a Maratá, no dia das eleições, tanto Vanderlei transferira fraudulentamente o título de eleitor, e alternativamente o fornecimento de gasolina e o pagamento de R$ 50,00 a R$ 100,00, com a finalidade de obter o voto para NAIRO.

10º FATO:

No dia 03 de outubro de 2012, em horário e local não determinado nos autos, mas na área da 31ª Zona Eleitoral, nas circunstâncias do fato anterior, o denunciado VANDERLEI FURTADO DOS SANTOS, que fraudulentamente transferira o domicilio eleitoral de Montenegro para Maratá, solicitou a MÁRIO DE ÁVILA, com a finalidade de votar em NAIRO DA SILVA BILHAR, dinheiro para abastecer a sua motocicleta, concordando, alternativamente, com o recebimento de R$ 50,00 a R$ 100,00, ou seja, aceitando a oferta dos denunciados Nairo e Mário.

Através de Inquérito Policial instaurado e investigações realizadas pela Promotoria de Justiça Eleitoral, e provas produzidas em Ação de Investigação Judicial Eleitoral, apurou-se que NAIRO DA SILVA BILHAR e MÁRIO DE ÁVILA, arquitetaram esquema ilegal para captar votos, prometendo vantagens a eleitores e articulando a transferência fraudulenta de domicílio eleitoral de diversos deles nas eleições de 2012, agindo Mário como “cabo eleitoral” de Nairo, candidato a Vereador pela Coligação “Juntos Ontem e Hoje, Construindo o Amanhã” (PT/PTB/PMDB/PSD). Como consta em interceptações telefônicas, a ação delituosa de Mário, quando não determinada por Nairo, era do conhecimento deste. Nairo logrou eleger-se, mas teve cassado o diploma, com imposição de multa a ele e Mário, por demonstrada a captação ilícita de sufrágio, conforme acórdão de fls. 598/606. [...]”

Tenho, de início, por cindir as considerações a serem feitas em relação aos delitos imputados ao candidato a vereador NAIRO e seu colaborador de campanha, MÁRIO, quais sejam, os arts. 289 e 299, ambos do Código Eleitoral.

Senão, vejamos.

Do art. 289 do Código Eleitoral

A denominada “inscrição fraudulenta” de eleitor é dos tipos penais mais frequentemente verificados na seara criminal eleitoral e, no dizer de Suzana de Camargo Gomes, resulta caracterizado na hipótese de o agente promover a transferência de sua inscrição eleitoral para outro lugar, onde não tenha residência, utilizando-se, para tanto, de algum artifício ou meio fraudulento (Crimes Eleitorais, 4ª Edição. RT Editora, São Paulo, 2010, p. 90, grifos meus).

E, na espécie, no relativo à imputação da prática do art. 289 do Código Eleitoral, a absolvição é de ser mantida.

De início, convém ressaltar que o crime de inscrição fraudulenta se trata de crime de mão própria, conforme manifestação do Tribunal Superior Eleitoral (AgR-REspe nº 34863/RJ, acórdão de 03.08.2009, rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJE de 01.09.2009, p. 20-21).

Ou seja, só pode praticá-lo o próprio eleitor, nessa condição e em relação à sua respectiva inscrição eleitoral. Muito embora a jurisprudência admita a prática do delito na modalidade da participação e, nos termos do art. 29 do Código Penal, aplicado subsidiariamente ao caso, possibilite a punição de todos aqueles que, de algum modo, contribuíram para a prática delituosa (RC n. 571991, TRE-RN, relator Dr. ARTUR BONIFÁCIO, j. em 23.09.2013, DJE de 01.10.2013, p. 02), certo é que a prova dos autos não fornece elementos suficientes para determinar participação em inscrição fraudulenta de parte de NAIRO e MÁRIO.

Isso porque não restou assente (talvez pelas suspensões condicionais no processo relativamente a ADEMIRO, ANA, DANIELA, JOÃO, LUCIANO, PAULA e VANDERLEI) a impossibilidade de os eleitores envolvidos terem o domicílio eleitoral na cidade de Maratá, mormente se considerada a conceituação alargada de domicílio eleitoral relativamente àquela tida relativamente ao domicílio civil. Foram circunstâncias que não restaram devidamente esclarecidas pelos meios de prova colhidos.

Por exemplo, vínculos de natureza política, social, afetiva, familiar ou econômica têm a capacidade de dar azo ao domicílio eleitoral (v.g. RE 15-26.2014.6.21.0085, relator Dr. Leonardo Tricot Saldanha, julgado em 10 de julho de 2014).

E não se demonstrou, nos autos, que os eleitores que estavam a transferir o domicílio eleitoral para a cidade de Maratá não possuíam quaisquer desses vínculos. Ao contrário, há indícios de ligações: um parente, uma atividade.

Tanto que, das interceptações telefônicas, extrai-se, inclusive, que Vanderlei tinha “talão de produtor rural” registrado em Maratá. E mesmo uma suposta preocupação em relação aos demais eleitores, contudo, não pode ser fator determinante para a condenação criminal, o que, à míngua de outros elementos de prova, o juízo é aquele construído na origem, pela absolvição.

Sob outro aspecto, não estando clara a ocorrência de fraude à inscrição eleitoral, os mesmos argumentos servem para afastar eventual emendatio libelli (art. 383 do Código de Processo Penal), ou mesmo para restar caracterizado o delito descrito no art. 290 do Código Eleitoral (induzimento à inscrição de eleitor em infração às normas legais).

Correta a absolvição em relação ao art. 289 do CE.

Do art. 299 do Código Eleitoral.

Os réus foram absolvidos, na origem, da acusação de prática de corrupção eleitoral, modalidade ativa. A magistrada entendeu não haver, nos autos, provas contundentes da prática do ilícito para a condenação.

O Ministério Público eleitoral, no ponto, recorre com o argumento principal de que a prova é, sim, suficiente e traz a circunstância de ter havido condenação dos réus pela prática de captação ilícita de sufrágio, art. 41-A da Lei n. 9.504/97, nos autos da Representação n. 976-03-2012.6.21.0031. Aduz que a prova colhida é idêntica, os fatos os mesmos, o que levaria à condenação também na esfera criminal, vez que a materialidade delitiva restou demonstrada.

Todavia, entendo que a sentença deve, também nesse ponto, ser mantida.

De fato, MÁRIO e NAIRO restaram condenados pela prática de captação ilícita de sufrágio em 1° grau de jurisdição, decisão confirmada nesta Corte por unanimidade, no RE n. 976-03.2012.6.21.0051, relator o Dr. Leonardo Tricot Saldanha.

Naquele feito, os testemunhos e os diálogos interceptados sustentaram a condenação. Entretanto, é de se observar que, não obstante a condenação na supracitada ação tenha se dado pelos mesmos fatos aqui examinados, o raciocínio a ser desenvolvido na esfera criminal é deveras distinto daquele levado a efeito no âmbito da investigação cível/eleitoral.

Isso implica que, embora haja prova da prática de atos capazes de justificar o acolhimento de uma representação por captação ilícita de sufrágio, tal não significa cabalmente que as elementares do tipo penal estejam presentes na conduta praticada. Cada espécie tem requisitos e pressupostos próprios, e induvidosamente a esfera penal, por constituir a ultima ratio de repressão estatal à ilegalidade, há de ser aplicada tão somente nos casos extremos.

Nesse sentido já decidiu esta Casa:

Recurso criminal. Alegada prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral. Promessa de emprego em troca do voto. Fatos motivadores da persecução penal já foram objeto de julgamentos pretéritos por esta Corte (investigação judicial e representação). Independência, contudo, entre as esferas cível-eleitoral e penal, em razão de seus requisitos e pressupostos próprios. (Recurso Criminal n.° 61, relator Juiz ÍCARO CARVALHO DE BEM OSÓRIO, julgado em 14.09.2010.)

Sublinho, por ponderação, que o caso dos autos não é de fácil elucidação. Trata-se daquelas situações limítrofes no que diz respeito à prova, nas quais realmente tem tons fortes, como ocorre na maioria dos casos em que a interceptação telefônica é autorizada judicialmente.

Contudo, uma leitura – e escuta – mais detidas demonstram que a parcela majoritária dos diálogos diz com a mudança de domicílio de eleitores – delito supra-analisado – demonstrando preocupação dos réus no que toca a cada uma das situações, sem, contudo, haver a contundência que o tipo delituoso da corrupção eleitoral, ora analisado, exige. De fato, NAIRO e MÁRIO parecem conversar, em determinados momentos, sobre o pagamento de dinheiro ou benesses a eleitores – especificamente, a Vanderlei. Todavia, parace faltar um dado determinante, conclusivo, um diálogo que de forma definitiva indique a corrupção eleitoral, nos termos delineados pelo art. 299 do CE. Há, de maneira generosa, diálogos referenciais, periféricos, inclusive sobre os esclarecimentos prestados perante o Ministério Público Eleitoral de Montenegro.

Carece, todavia, a prova cabal.

Dadas tais circunstâncias, portanto, é razoável sejam prestigiadas ambas as sentenças do juízo de origem – aquela que condenou os representados em relação à prática de captação ilícita de sufrágio (como já feito por esta Corte), quanto a constante nestes autos - absolutória no pertinente à corrupção eleitoral ativa. As circunstâncias, os testemunhos, a colheita de prova foi realizada de maneira mais próxima àquele juízo, de forma que a tênue linha estabelecida pelos fatos havidos pôde lá ser bem identificada.

E tal afirmação se dá exatamente porque, por se tratar de ações com propósitos e procedimentos distintos, nem sempre a procedência da representação que revela a prática da captação ilícita de sufrágio subentende o cometimento do crime de corrupção eleitoral  e vice-versa.

Portanto, e daí tratando especificamente do argumento constante no recurso do Ministério Público Eleitoral, no sentido de que a prova destes autos impõe condenação por ser a mesma produzida nos autos da Representação n. 976-03, a meu ver, não pode ser corolário para a reforma da r. sentença proferida.

Com efeito, conquanto a sentença de 1° grau tenha considerado robusta a prova produzida na multicitada representação, nada impede que a presente ação penal seja julgada improcedente, mesmo que contenham as demandas idênticos fatos e as mesmas provas.

A independência entre as esferas cível-eleitoral e penal, mormente em razão de seus requisitos e pressupostos próprios, é circunstância pacificamente identificada pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (nesse sentido, vide HC 1658-70, relator Ministro Arnaldo Versiani, publicado na sessão de 10 de maio de 2012) e de cortes eleitorais regionais (nessa linha, o TRE/SP, no HC n. 107, relator Desembargador Walter de Almeida Guilherme, julgado em 24 de janeiro de 2008).

Merece ser lembrado, aliás, que o caráter da verdade processual penal – bem como seus critérios – tem como parâmetro a gravidade das consequências do Direito Penal, sem que se possa descuidar das cautelas inerentes à formação do convencimento judicial para que seja edificada uma condenação. É impensável, nessa linha, como lembram PACELLI e FISCHER (Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência, Atlas, 5ª Ed. São Paulo, 2013, p. 316) que o juiz criminal utilize critérios meramente formais para construir a certeza de seu julgamento [...].

Em face de todo o exposto, portanto e, precipuamente em razão da inexistência de provas cabais da prática dos delitos descritos nos arts. 289 e 299, ambos do Código Eleitoral, pelo meu voto, nego provimento ao recurso, para manter a sentença lançada em 1° grau, a qual absolveu NAIRO DA SILVA BILHAR e MÁRIO DE ÁVILA.

É como voto.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Concordo com a relatora quando afirma que a punição criminal é uma ultima ratio. Acompanho a relatora.

 

Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

Peço vista dos autos. A eminente relatora afirma que o caso dos autos não é de fácil elucidação. Trata-se daquelas situações limítrofes no que diz respeito à prova, as quais realmente têm tons fortes, como ocorre na maioria dos casos em que a interceptação telefônica é autorizada judicialmente. Por isso gostaria de ter acesso aos autos.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Aguardo.

 

Dr. Luis Felipe Paim Fernandes:

Aguardo.

 

Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Aguardo a vista.